sábado, 8 de junho de 2019

A Extensão da Expiação em João Calvino, parte II

Mas, e o que Calvino disse sobre o texto "muitos" de Mateus? Quando os proponentes da expiação limitada defendem sua posição, eles começam frequentemente com um apelo a passagens da Escritura que falam de Cristo sofrendo por “muitos”, “suas ovelhas” ou “sua igreja”. Veja o que Calvino escreveu sobre os "muitos" de Mateus. Calvino universaliza a palavra “muitos” a interpretando como significando “todos”. As passagens seguintes ilustram como Calvino interpreta o uso de Cristo da palavra “muitos” quando ela aparece em Mateus 20:28. É importante analisar o porquê a palavra “Muitos” é usada, não para um número definido, mas para um grande número (Multos ponit nom definite pro certo numero, sed pro pluribus). E este é o significado também em Romanos 5.15, onde Paulo não está falando de uma parte da humanidade, mas de toda a raça humana (ubi Paulus non de aliqua hominum parte agit, sed humanum genus complectur). Ao invés de aproveitar a oportunidade apresentada pelo texto para limitar a expiação apenas ao eleito, Calvino a universaliza. Calvino não interpreta como os Calvinistas dizem que ele interpreta nem como os calvinistas interpretam. Esta prática de universalizar a palavra “muitos” ocorre com frequência nos escritos de Calvino. Quando comentou sobre Isaias 53:12 (“ele levou sobre si o pecado de muitos”), Calvino escreve:
Ele sozinho suportou a punição de muitos, porque sobre ele foi colocada à culpa do mundo todo. Isso é evidente do quinto capítulo da Epistola aos Romanos que “muitos” às vezes denota “todos” (multos enim pro omnibus interdum accipi). Fonte: [Calvino, Comm, Isaias 53:12, CO 37:266.]
Calvino interpreta Marcos 14:24 (“este é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento que é derramado por muitos”) desta maneira:
A palavra “muitos” não significa apenas uma parte do mundo, mas toda a raça humana: ele contrasta “muitos” com “um”, como se quisesse dizer que ele não seria o Remidor de um homem, mas encontraria a morte para libertar a muitos de sua culpa maldita. Não há dúvida que ao falar de alguns, Cristo desejou fazer seu ensino disponível a um grande número…Assim, quando chegamos a santa mesa, não apenas a ideia geral deve vir a nossa mente que o mundo é redimido pelo sangue de Cristo, mas cada um deve se considerar também que seus próprios pecados são cobertos. Fonte: [Calvino, Comm, Marcos 14:24, NTC 2:311.]
A exegese de Calvino de Hebreus 9:28 (“Cristo foi oferecido uma vez para tirar os pecados de muitos” KJV) segue a mesma linha de interpretação:
“Tirar os pecados” significa livrar aqueles que pecaram de sua culpa por sua satisfação. Ele diz muitos significando todos (multos dicit pro omnibus), como em Romanos 5:15. Claro, é certo que nem todos gozam do fruto da morte de Cristo (nom omnes ex Christi morte fructum percipere), mas isto acontece porque a sua descrença os impede. A questão não é tratada aqui porque o apostolo não está discutindo se poucos ou muitos se beneficiam da morte de Cristo, mas quer dizer simplesmente que ele morreu por outros e não por si mesmo. Ele contrasta, portanto o muitos com um (Itaque multos uni opponit). Fonte: [Calvino, Comm, Hebreus 9:27, NTC 7:93-94.]
Mais uma vez Calvino universaliza a palavra “muitos” para incluir todos os pecadores, não apenas o eleito. Note também nesta passagem que Calvino parece entender que apesar do fato de que Cristo morreu por todos, a descrença impede as pessoas de gozar o fruto da morte de Cristo. Uma última passagem em que Calvino universaliza a palavra muitos vem de um sermão sobre Isaias 53:12 (“ele levou o pecado de muitos”):
Que, então é como o nosso Senhor Jesus levou os pecados de muitos. Mas, de fato, a palavra “muitos” é com frequência tão boa quanto equivalente a palavra “todos”. E de fato o nosso Senhor Jesus foi oferecido por todo o mundo. Pois isso não é falado de três ou quatro quando diz: “Deus amou o mundo de tal maneira que não poupou seu único Filho”. Mas ainda devemos notar que o evangelista adiciona nesta passagem: “Que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. O nosso Senhor Jesus sofreu por todos e não há nem grande nem pequeno que é indesculpável hoje, pois podemos obter a salvação nele. Os descrentes que se afastam dele e que se privam dele por suas malícias são hoje culpados duplamente, pois como eles se desculparão de sua ingratidão em não receber a benção em que eles podem repartir por fé? Fonte: [Calvino, Sermons on Isaiah, 141, CO 35:679.]
As passagens acima parecem demonstrar muito claramente uma universalização consciente e deliberada da expiação por Calvino. No final da passagem ele aponta a rejeição dos descrentes deste mesmo Cristo como aumentando sua culpabilidade. A última sentença da passagem em questão se lê como segue:
“Os descrentes que se afastam dele e que se privam dele por suas malícias são hoje culpados duplamente, pois como eles se desculparão de sua ingratidão em não receber a benção em que eles podem repartir por fé?” Fonte: [Calvino, Sermons on Isaiah, 141, CO 35:679. Veja também Comm, Gálatas 1: 3-5, NTC 6:3-4; Gálatas 1:16, NTC 6:11.]
Acima, Calvino aponta para a rejeição dos descrentes de Cristo que morreu por eles como ainda outra razão para sua condenação. Ainda, os escritos de Calvino deixam bastante claro que a oferta de salvação está baseada na morte de Cristo por todos aqueles a quem a salvação é oferecida, mesmo aqueles que rejeitam o evangelho. Esta fé salvadora consiste na crença de que Cristo morreu por “mim” pessoalmente é encontrada por toda a parte nos escritos de Calvino. Um desses casos está no comentário sobre Gálatas 2:20 (“Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”). Ele comenta sobre este verso:
“por mim, é muito enfático. Não é suficiente considerar a Cristo como tendo morrido pela salvação do mundo; cada homem deve afirmar o efeito e possessão desta graça para si mesmo”. Fonte: [Calvino, Comm. Gálatas 2:20, NTC 6:28. (Neque parum energiae habet pro me: quia non satis fuerit Christus pro mundi salute mortuum reputare, nisi sibi quisque effectum ac possessionem huius gratiae privatim vindicet).]
Seu comentário sobre Romanos 5:18 (“Pois assim como por uma ofensa veio o juízo sobre todos os homens para a condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens”) exibe um exemplo claro. Calvino interpreta este verso como segue:
“Paulo torna a graça comum a todos os homens, não porque de fato ela se estende a todos, mas porque ela é oferecida a todos. Embora Cristo sofreu pelos pecados do mundo e é oferecido pela bondade de Deus sem distinção a todos, ainda nem todos o recebem”. Fonte: [Calvino, Comm. Rm 5:18. (Communem omnium gratiam facit, quia omnibus expositae est, non quod ad omnes extendatur re ipsa: nam passus est Christus pro peccatis totius mundi, atque omnibus indifferenter Dei benignitate offetur, non tamen omnes apprehendunt).]
Calvino estava bem consciente do ensino bíblico de que nem todos da humanidade serão salvos, ele explica que a linguagem universal deste verso aponta para a graciosa oferta de Deus a todos os homens, não a uma salvação universal, inclusive, contradizendo seus próprios escritos sobre a predestinação, Calvino comenta claramente sobre a condição da salvação, a fé.
por Kevin Kennedy
Fonte: Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism, pp. 191-212
Traduzido e adaptado por Walson Sales
Texto traduzido completo você encontra aqui:

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