quarta-feira, 12 de junho de 2019

O DELÍRIO DE DAWKINS

Por William Lane Craig

Nos últimos anos tem aparecido um novo movimento na cultura ocidental, chamado “o novo ateísmo”. E o que distingue esse movimento recente do ateísmo anterior tradicional parece ser que os novos ateus não se satisfazem apenas em eliminar a religião da discussão pública. Ao contrário, eles querem eliminá-la completamente. Ponto final. Certamente o ícone desse novo ateísmo atualmente é Richard Dawkins, que é professor de biologia na universidade de Oxford. E que escreveu um Best seller chamado “Deus, um Delírio”. O que iremos fazer é analisar o que Dawkins chama de “o argumento central do meu livro” e que está sumarizado nas páginas 171/172 do livro (edição brasileira). Se este argumento falhar significa que o “coração” do livro, o “coração” da defesa de Dawkins é basicamente vazia. Não há nada. Porque esse argumento constitui a peça central da defesa dele contra a existência de Deus. Vejamos em forma de tópicos:

1. UM DOS GRANDES DESAFIOS PARA O INTELECTO HUMANO AO LONGO DOS SÉCULOS VEM SENDO EXPLICAR DE ONDE VEM A APARÊNCIA COMPLEXA E IMPROVÁVEL DE DESIGN NO UNIVERSO;
2. A TENTAÇÃO NATURAL É ATRIBUIR A APARÊNCIA DE DESIGN A UM DESIGN VERDADEIRO;
3. A TENTAÇÃO É FALSA, PORQUE A HIPÓTESE DE QUE HAJA UM PROJETISTA SUSCITA IMEDIATAMENTE O PROBLEMA MAIOR SOBRE QUEM PROJETOU O PROJETISTA;
4. O GUINDASTE MAIS PODEROSO E ENGENHOSO DESCOBERTO ATÉ AGORA É A EVOLUÇÃO DARWINIANA, PELA SELEÇÃO NATURAL;
5. NÃO TEMOS AINDA UM GUINDASTE EQUIVALENTE PARA A FÍSICA;
6. NÃO DEVEMOS PERDER A ESPERANÇA DE QUE SURJA UM GUINDASTE MELHOR PARA A FÍSICA, ALGO TÃO PODEROSO QUANTO O DARWINISMO É PARA A BIOLOGIA;
CONCLUSÃO: DEUS QUASE COM CERTEZA NÃO EXISTE.

O que é incrível nesse argumento é que a conclusão “Deus quase com certeza não existe” aparece “do nada”. Sem qualquer preparação em qualquer uma das premissas do argumento. Você não precisa ser um filósofo para perceber que a conclusão não segue das seis premissas (falácia non sequitur). Ainda que as premissas sejam verdadeiras! Se nós pegarmos essas seis afirmações como premissas que supostamente implicam na conclusão de que “logo, deus quase com certeza não existe”, então o argumento é patentemente inválido! Não há nenhuma regra da lógica que permite que você chegue, de maneira válida, a essa conclusão a partir das seis premissas.

Talvez, em uma interpretação mais “caridosa”, do argumento de Dawkins, fosse pegar essas seis afirmações não como premissas de um argumento, mas simplesmente como um sumário de afirmações dos seis passos de uma defesa “cumulativa” do Dawkins em direção a conclusão de que deus não existe.

Mas mesmo nesta interpretação mais caridosa, ainda assim a conclusão “Deus quase com certeza não existe”, não segue desses passos. Ainda que concordássemos que cada uma delas é verdadeira e justificada, mesmo assim não segue que deus não existe.

Então, o que se segue de fato das premissas? Na melhor das hipóteses, o que se pode concluir é que não se deveria concluir a existência de deus nos baseando na aparência de design no universo. Em outras palavras, nós não deveríamos acreditar na existência de deus nos baseando no “design” do universo. Mas é evidente que esta conclusão é compatível com a existência de Deus! Ou mesmo acreditar justificadamente em Deus. Talvez nós deveríamos acreditar baseado no argumento cosmológico, ou no argumento ontológico, ou o argumento moral. Ou mesmo acreditar baseado simplesmente em nenhum argumento. Talvez baseados em experiências religiosas, ou baseados na revelação divina. Talvez Deus queira que acreditemos nele baseados em pura fé.

A questão é: a rejeição do argumento do design para a existência de Deus não faz absolutamente nada para provar que Deus não existe. Nem mesmo mostrar que acreditar em Deus não é justificável. Na verdade, muitos teólogos cristãos já rejeitaram certos argumentos para a existência de Deus, sem concluir que, com isso, deveria se comprometer com o ateísmo. o argumento de Dawkins, me parece então, totalmente falho.

Mesmo que nós concordássemos, a título de caridade, que os seis passos são corretos, simplesmente eles não levam a conclusão de que “Deus não existe”. Ou que a crença em Deus não é justificável. No máximo mostra que não deveríamos acreditar com base no argumento do design. Mas de fato eu penso que é pedir muito.

A mim parece que vários dos passos desse argumento são falsos. Por exemplo, cinco e seis, quando Dawkins está falando sobre uma explicação equivalente para a física, ele está se referindo para a sintonia fina das condições iniciais do universo para abrigar a vida. Nos últimos anos cientistas tem se surpreendido com a descoberta de que a existência de vida, em qualquer lugar no cosmos, depende de um grupo de condições iniciais complexas e delicadas surgidas no Big Bang. Às vezes refere-se a isso como “sintonia fina do universo para a vida”, que será o assunto da minha palestra mais tarde hoje. Mas é exatamente isso que ele tá admitindo no ponto seis. Nós não temos nenhuma teoria comparada a de Darwin, para explicar essa sintonia fina no universo. Então, mesmo se o darwinismo for bem sucedido para explicar a complexidade biológica, ele diz, isso não explica em nada a sintonia fina no universo, que é necessária para que a vida exista. Mas o ponto seis diz: “não devemos perder a esperança de que surja algo comparável ao darwinismo na física”. Bem este é o assunto que abordarei hoje mais tarde, então vou deixar de lado agora. Mas uma vez, me parece que cinco e seis são plausivelmente falsas.
Mas, o mais importante, pegue o passo três, por exemplo:


A tentação é falsa, porque a hipótese de que haja um projetista suscita imediatamente o problema maior sobre quem projetou o projetista.

A afirmação de Dawkins aqui é que você não tem justificativa para inferir design, como a melhor explicação para a ordem complexa no universo, porque um novo problema aparece: “quem projetou o projetista”. Logo a inferência do projetista é falha. Agora, aqui me parece que a conclusão do Dawkins é defeituosa em pelo menos dois pontos.

Em primeiro lugar, para reconhecer que determinada explicação é a melhor, você não precisa ter a explicação da explicação. Esta é uma questão muitíssimo elementar em filosofia da ciência, com relação e inferência de qual a melhor explicação. Por exemplo, se arqueólogos encontram artefatos escavando o solo, e eles se parecem armas, arcos, cerâmicas, eles certamente estão autorizados a deduzir que esses objetos não são o resultado de processos naturais de sedimentação, etc., mas o produto de design inteligente. Foram criados por agentes inteligentes. E esta explicação seria a melhor mesmo que eles não tivessem nenhuma ideia de quem eram essas pessoas ou de onde vieram.

Outro exemplo: imagine astronautas indo à lua e descobrindo no lado oculto um conjunto de máquinas lá. Obviamente eles estão justificados em deduzir que isto é o resultado do trabalho de algum agente inteligente. Talvez extraterrestre. E esta dedução seria a melhor mesmo que eles não tivessem absolutamente a menor ideia de quem seriam estes agentes, ou de onde vieram, ou como chegaram ao lado oculto da lua. Então, para que possamos reconhecer uma explicação como a melhor, nós não precisamos ter a explicação da explicação!

Na verdade dizer que é preciso a explicação da explicação obviamente que leva a uma regressão infinita. Porque ai será necessária uma explicação da explicação, uma explicação da explicação, uma explicação da explicação [...] e assim sucessivamente até o infinito. Então nada jamais poderia ser explicado e a ciência seria destruída. Então, ironicamente, este princípio que Dawkins parece assumir ou concordar aqui iria na verdade ser destrutivo para a própria ciência. Neste caso em questão, para que se possa reconhecer que um projeto inteligente é a melhor explicação para a aparência de projeto no universo, você não precisa ser capaz de explicar o projetista.

Segundo ponto. Dawkins pensa que no caso de um projetista divino no universo, o projetista deve ser tão complexo quanto à coisa a ser explicada. Então, nenhum avanço na explicação é feita. Esta objeção levanta todos os tipos de questões difíceis sobre o papel que a “simplicidade” tem na análise das explicações científicas. Simplicidade é apenas um dos critérios que cientistas usam para decidir entre hipóteses competentes entre si. Ainda mais importante que simplicidade há o “poder explanatório”, “escopo explanatório”. Há também coisa como o grau de “ad hocness”, o grau que diz se isso é natural ou artificial, a “plausibilidade” e assim por diante. Simplicidade é apenas uma de uma lista de critérios que devem ser balanceados entre si na comparação de hipóteses. Algumas hipóteses podem ser menos simples do que outras, mas podem ter muito mais escopo explanatório ou poder explanatório e logo serem mais preferíveis apesar de serem menos simples. Você não pode simplesmente descartar uma hipótese usando o critério da simplicidade sem equilibrá-la em conjunto com os outros critérios. Mas vamos deixar de lado essas questões.

Eu acho que o erro mais fundamental de Dawkins é a suposição de que um projetista divino é tão complexo quanto o universo contingente. E eu acho que isso é claramente falso. Como uma mente incorpórea, Deus é uma entidade notavelmente simples. Sendo uma entidade não-física, uma mente é incrivelmente simples porque ela não possui partes. Uma mente não é composta por partes diferentes para ser uma composição. E sobre as propriedades de uma mente como autoconsciência, racionalidade e vontade. Elas são essenciais para uma mente. Uma mente não pode deixar de ter essas propriedades e continuar sendo uma mente. Em contraste então com um universo contingente e muito complexo com todas as diferentes propriedades, constantes e quantidades e inexplicável aparência de projeto, uma mente divina é surpreendentemente simples. Claro que esta mente pode ter idéias complexas, isto é verdade. Esta mente pode contemplar o cálculo infinitesimal que é muito complexo. Mas a mente, em si, é uma entidade muito simples sendo uma entidade imaterial não composta por partes. Eu acho que Dawkins evidentemente confunde as idéias de uma mente, que podem ser muito complexas, mas a mente em si, que é uma entidade incrivelmente simples. 

Logo, postular uma mente divina por detrás de um universo complexo e contingente quase certamente representa de fato um avanço considerável na simplicidade de uma explicação, qualquer que seja o uso.
Agora, outros passos no argumento de Dawkins também me parecem problemáticos. Vou abordá-los mais tarde. Mas creio que o suficiente já foi dito sobre isso. Para mostrar que esse argumento não faz nada para enfraquecer a inferência baseada na complexidade do universo. E certamente não serve como qualquer tipo de justificativa para o ateísmo. Não faz absolutamente nada pra provar que “Deus não existe”. Logo, me parece que bem no centro do livro de Dawkins há um vazio. O livro realmente é posto abaixo por ter esse argumento vazio, claramente falacioso e inválido.


Tradução Walson Sales

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