Em outubro de 2014, o esquadrão de segurança do EI (Estado Islâmico) prendeu Mothanna Abdulsattar – um ativista de mídia articulado de dezenove anos, trabalhando para o Exército Sírio Livre – aproximadamente dois meses após o EI ter assumido o controle da sua região na Síria oriental. Ele foi levado para um interrogatório em uma base jihadista próxima, em meio a ameaças à sua via, cuja causa, ele descobriu, poderia ser determinada por sua afiliação profissional. Trabalhar para oposição síria ou sucursais da mídia saudita significava morte.
– Se você estiver trabalhando para Orient ou Al-Arabiya, nós cortaremos sua cabeça fora – disseram a Abdulsattar. Trabalhar para a Al Jazeera do Catar, de acordo com a conversa entre Abdulsattar. E os membros do EI, era evidentemente um problema menor. Abdulsattar nos disse que ele se sentiu aliviado quando um jihadista mais velho, sorridente e respeitoso, intercedeu para salvá-lo da linha de questionamento de um comissário do EI.
– Abu Hamza era calado e respeitoso – lembra-se Abdulsattar, referindo-se a Abu Hamza al-Shami, um clérigo religioso sênior no EI do vilarejo de Minbij na região leste de Aleppo. – Mesmo o seu rosto o deixa confortável. Ele começou falando sobre o Exército Sírio Livre, e porque o EI o estava combatendo. A razão é porque eles aceitam leis que não são divinas e recebem financiamento dos Estados Unidos, e Deus disse: “Quem quer que se alinhe com eles, é um deles”. Ele então me falou sobre al-Dawla. Ele me perguntou: “Por que você não está jurando lealdade? O Profeta disse que aqueles que morrem sem ter feito bayat para alguém – sua morte será uma morte jahiliyyah [não islâmica]”. Honestamente, quando ouvi isso, fiquei absolutamente chocado. Pela primeira vez me dei conta que hadith é verdadeiro.
Mas Abdulsattar ainda não estava pronto para jurar lealdade a Bakr al Baghdadi. Então Abu Hamza sorriu e pediu que ele pensasse sobre o assunto. Cerca de uma semana depois, Abdulsattar decidiu fazer o juramento.
Ele falou com gosto a respeito da sua jornada para o EI, desconsiderando as oito horas que ele passou em sua custódia como mais um rito de passagem do que um interrogatório de vida ou morte. Abdulsattar disse que, em última análise, ele foi convencido pelo intelectualismo do EI e a maneira que ele dissemina a religião e luta contra a injustiça”.
Um número considerável de membros do EI que foi entrevistado para este livro, ecoou sentimentos similares – e elogios exagerados – a respeito do exército do terror, que dominou a técnica de desconstruir o psiquismo daqueles que ele quer recrutar, e então reconstruí-lo de novo à sua própria imagem. A referencia de Abdulsattar ao “intelectualismo” pode parecer bizarra, ou mesmo grotesca, a um observador ocidental, mas ele se refere à narrativa ideológica cuidadosamente elaborada do EI, uma mistura potente de hermenêutica, história e política islâmica.
O que ele descreveu não era diferente da imersão moral e intelectual total explanada por comunistas que mais tarde adotaram a sua fé no Marxismo-Leninismo.
– Nós jogamos fora todas as conversões, nosso único guia de orientação é o da lógica consequente; estamos navegando sem um lastro ético – Rubashow de Arthur Koestler se lembra em Darkness at Noon após enfrentar o seu próprio interrogatório por comissários do partido. Minutos mais tarde, Rubashow é executado com um tiro pela própria ditadura a qual ele havia dado sua vida por quarenta anos.
– Quando você ouve os clérigos do al-Dawla – Abdulsattar disse – Você fica chocado que a maioria das nossas sociedades islâmicas afastaram-se da verdadeira religião. Eles seguem uma religião que foi inventada há duas décadas, ou menos. A maioria das nossas sociedades que reivindica ser muçulmana, sua religião é cheia de impurezas, 90 por cento delas é bida’a [inovação religiosa]. A idolatria, por exemplo: nós associamos em nossa devoção outras coisas que não Deus, e nem damos conta. Augúrios, por exemplo. Quando ajustamos nossa postura ne frente de outras pessoas dentro de uma mesquita, isto é, riya’ [ostentação].
O EI ofereceu a Abdulsattar algo que ele não conseguia encontrar sob o Assadismo ou Exército Sírio Livre. Ofereceu um Islã “purificado”.
– Quando você se encontra com um clérigo ou um estrangeiro com o EI, ele senta-se com você por duas horas, vá por mim, você será convencido – ele continuou. – Não sei, eles têm um jeito estranho de persuadir as pessoas. Quando eles controlam uma área, eles impõem a religião á força, você tem que rezar, queira ou não. Nós estávamos todos desatentos à obrigação mais importante no Islã – Jihad. Eles lançam luz sobre a jihad. Toda vez que você vir um vídeo deles, você terá uma sensação estranha que o empurra na direção da jihad.
Mesmo aqueles que vitimizados ou perseguidos pelo EI atestam sobre o “poder de persuasão” do grupo.
Abu Bilal al-Layli era o responsável pelo financiamento do Exército Sírio Livre em sua cidade natal, Albu Layl em deir Ezzor. Quando o EI chegou, ele partiu para Turquia. Os jihadistas queimaram a sua casa eo colocaram em uma lista de procurados. Ele os vê como um bando de bandidos analfabetos que têm uma compreensão distorcida da religião, mas, mesmo assim, ele admira sua capacidade de persuadir jovens e velhos, particularmente aqueles com pouca formação religiosa.
– O EI usou dinheiro e um discurso de justiça e guerra contra ladrões pra atrair pessoas. Para alguns, isso funcionou. Nas nossas áreas, você vê pessoas ansiando pelo Islã e querendo alguém para combater... haramiya [ladrões]. Eles compraram a ideia de “Estado Islâmico”, achando que os jihadistas eram honestos. Aqueles que se juntaram ao Daesh mal haviam memorizado alguns versos do Alcorão. Eles não tinham base religiosa. Eles foram simplesmente atraídos pelo poder da persuasão.
(Weiss, Michel; Ritter, Jorge (trad.). O Estado Islâmico: desvendando o exército do terror.)
Por Rafael Félix.
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