Por William Lane Craig
Incorporealidade
"Deus é espírito" (Jo 4.24), isto é, uma substância viva e imaterial. A imaterialidade de Deus implica o atributo divino da incorporeidade, que Deus não é nem um corpo nem é corporificado. Como um ser pessoal, Deus é, portanto, da ordem de uma Mente não-corporificada.
O naturalismo científico e, em particular, o fisicalismo não podem se conformar à doutrina da incorporealidade divina. Já que tudo o que existe é de natureza física ou pelo menos superveniente ou dependente do físico, não pode existir tal entidade como uma Mente não-corpórea existindo além do universo. Como tal Mente poderia causalmente afetar o mundo, de modo a ser seu Criador e Sustentador, é dito isso ser completamente misterioso. Assim, se a incorporeidade pertence ao conceito de Deus, segue-se que Deus não existe.
Esse desafio à incorporealidade divina é reminiscência da crítica fisicalista do dualismo mente/corpo em relação à antropologia filosófica e, sem dúvida, a maneira mais eficaz de enfrentar esse desafio será empregar argumentos costumeiros oferecidos em apoio à mente como substância mental. Pois se a coerência de mentes finitas distintas do corpo podem ser defendidas, então analogamente podemos defender a coerência de uma Mente infinita distinta do mundo. É digno de nota, portanto, que o fracasso do materialismo reducionista tornou-se patente para a maioria dos pensadores da filosofia da mente contemporânea e que as visões principais são, portanto, versões não-redutivas do fisicalismo ou não fisicalistas. Mas o fisicalismo não-reducionista, que provavelmente deve ver os estados mentais como meros epifenômenos dos estados cerebrais, não pode ser plausivelmente enquadrado com nossa experiência de primeira mão de nós mesmos. Além disso, como não existe um eu duradouro em tais teorias, mas apenas uma sucessão temporal de estados mentais, a identidade pessoal através do tempo (identidade diacrônica) é impossível. E ainda assim me compreendo como um eu duradouro. Deveríamos, com razão, defender alguém enlouquecido que realmente acreditasse que ele não existe mais do que o presente instante, que suas memórias não são de fato suas, que ele mesmo nunca fez ou disse ou pensou em nada. Em tais teorias, o elogio moral ou a culpa tornam-se sem sentido, uma vez que o estado mental atual não pode ser responsabilizado ou elogiado por ações prévias associadas a estados mentais bem distintos. Além disso, devido a impotência causal dos estados mentais epifenomenais, ninguém pode ser responsabilizado de qualquer forma por ações realizadas apenas pelo corpo. Pela mesma razão, o epifenomenalismo espreme a liberdade da vontade, uma vez que a direção da influência causal entre a consciência e o corpo é exclusivamente uma via de mão única. Esse ponto de vista não apenas se insere diante de nossa experiência de primeira mão de nós mesmos como agentes causalmente eficazes, mas também levanta dois problemas adicionais. (1) Tal visão determinista da agência humana não pode ser racionalmente afirmada. Pois, se a nossa vida de pensamento é apenas o subproduto de nossa composição material e estímulos externos, então a decisão de acreditar que o determinismo é verdadeiro não pode ser mais racional do que ter uma dor de dente. (2) Tal visão é incompatível com a biologia evolucionária, uma vez que os estados mentais causalmente impotentes, que meramente acompanham, por assim dizer, os estados físicos, não podem conferir vantagem na luta pela sobrevivência. De fato, podemos ser levados a questionar se algo em absoluto que acreditamos é verídico, dado que os estados corporais nos quais nossas crenças supervenientes evoluíram apenas sob a pressão da sobrevivência, e não o sucesso em apreender a verdade. Por todas essas razões, a visão de que as mentes são substâncias imateriais é, no mínimo, coerente, caso em que o teísmo permanece incontroverso de incoerência em afirmar a incorporeidade de Deus.
O problema da interação divina com o mundo também espelha a questão levantada pelas visões dualistas-interacionistas da mente e do corpo. Nossa incapacidade de explicar como a mente influencia o corpo não deve nos levar a duvidar do nosso conhecimento em primeira mão de que isso acontece. Nós nos apreendemos como causas; de fato, nossa compreensão da noção de causalidade provavelmente vem principalmente do nosso conhecimento de nós mesmos como agentes causalmente eficazes. Além disso, vimos que a questão em si pode muito bem ser mal colocada, pois parece supor a necessidade de alguma ligação causal intermediária entre causa e efeito, que é impedida pela natureza do caso. Porque Deus, em particular, age imediatamente na criação, não pode, em princípio, ser intermediário, visto que a criação constitui em ser seu objeto.
O paralelo do dualismo-interacionismo e das relações entre Deus e mundo sugere que as ações de Deus no mundo são como as ações básicas que empreendemos em nossos corpos. Em uma ação básica, não realizamos alguma ação por meio do compromisso de fazer outra coisa; em vez disso, nos comprometemos a realizar alguma ação imediatamente, como quando eu vou levantar meu braço. Assim como eu, como substância imaterial, posso realizar ações básicas em relação ao meu corpo, assim Deus pode, simplesmente desejando, produzir efeitos no mundo. O mundo é, por assim dizer, o equivalente instrumental do corpo de Deus.
Devemos forçar a analogia ainda mais e afirmar com o Teísmo do Processo que Deus então tem um corpo afinal de contas, que o mundo é o corpo de Deus e Deus a alma o mundo? A analogia é tão completa a ponto de sugerir que, embora Deus tenha criado o mundo ex nihilo, ele veio a incorporá-lo? Parece não. A desanalogia crucial entre o mundo e o corpo é que o mundo não funciona para Deus como um substrato material da consciência ou como um órgão sensorial através do qual ele percebe o mundo externo. Nossas almas, enquanto dotadas de corpos, são de alguma forma e em alguns aspectos dependentes de nossos estados corporais como uma base física para a consciência e como um meio de perceber a realidade fora de nós mesmos. Mas nada comparável a isso é verdade no caso de Deus. O cérebro humano é a estrutura mais complexa do universo, e não há nada no mundo físico que possa servir de substrato para uma Mente onisciente. Além disso, o conhecimento de Deus, como veremos, não deve ser interpretado de acordo com as linhas de percepção.
Em suma, enquanto a relação alma-corpo funciona muito bem como uma analogia para as relações Deus-mundo em um sentido ativo, ela não é análoga no sentido passivo. Deus é ontologicamente distinto de sua criação.
Fonte:
Tradução Walson Sales.
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