Por William Lane Craig
*Onipresença*
A comparação da relação entre Deus e o mundo e a relação mente-corpo levanta naturalmente a questão de como devemos entender a presença de Deus na criação. Como um ser incorpóreo, Deus claramente não deve ser considerado como localizado no espaço, tendo um certo tamanho e forma circunscrita. As Escrituras apresentam Deus como *onipresente*, ou presente em toda parte, em Sua criação em virtude de Sua incorporeidade:
Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, Até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá. (Salmos 139:7-10)
Mas como podemos entender isso? Assim como não pensamos em Deus como localizado no espaço, tampouco devemos concebê-lo como estendido ao longo do espaço como uma espécie de éter onipresente. Assim como a incorporeidade é incompatível com uma divindade localmente circunscrita, ela é incompatível com essa divindade universalmente extensa, que estaria imbuída com o tamanho e com a forma do próprio espaço (que mudaria constantemente à medida que o espaço se expande) e que não poderia estar totalmente presente em todos os lugares simultaneamente, mas só poderia ter partes que ocupariam partes correspondentes do espaço. De alguma forma, Deus deve estar totalmente presente a todos os pontos no espaço de uma só vez.
Novamente, as analogias da relação alma-corpo são instrutivas. Alguns filósofos da mente defendem que a alma está espacialmente presente no corpo. Nossos egos [o EU, o SELF] parecem ter localização espacial: eu, por exemplo, estou aqui nesta sala e não no fundo da Fossa das Marianas ou lutando nas encostas da Patagônia. No entanto, como uma entidade incorpórea, minha alma não tem extensão espacial. Então, de acordo com esses pensadores, a alma tem uma localização espacial, mas carece de extensão espacial. Está presente em seu respectivo corpo, mas não se estende por ele como um fantasma humanóide. Também não se limita a alguma parte do corpo, como o cérebro, mas de alguma forma está totalmente presente em todos os pontos do corpo. Por outro lado, alguns teóricos da mente-corpo negam que a alma esteja espacialmente localizada. Suas percepções são relativas a um certo ponto de vista, a localização de seu corpo, através do qual ele experimenta e age no mundo. Por essa razão, parece que nossos egos [o EU] estão localizados espacialmente; de fato, cada um de nós se imagina como o centro do universo. Mas a mente em si não é uma entidade espacial e, portanto, não tem localização nem extensão no espaço.
Similarmente, podemos dizer que Deus está espacialmente localizado no universo, mas está totalmente presente em todos os pontos dele, ou então que Deus não está espacialmente localizado no universo, mas é causalmente ativo em todos os pontos dele. Há alguma razão para preferir uma dessas concepções de onipresença divina sobre a outra? A *ausência de espacialidade* divina poderia ser facilmente deduzida de certas interpretações de outros atributos divinos. Por exemplo, se Deus é atemporal ou imutável, Ele não poderia existir no espaço, uma vez que qualquer entidade espacialmente localizada mudará constantemente em relação a outras coisas espaciais. Mas, como a atemporalidade e a imutabilidade são doutrinas muito controversas, devemos perguntar se há argumentos independentes para nossa interpretação da onipresença divina. A ideia de que uma entidade concreta pode estar totalmente presente em pontos espacialmente separados é certamente uma concepção difícil. Pode parecer exigir que digamos que Deus, embora totalmente presente em todos os pontos, acreditaria que dois pontos separados por bilhões de anos-luz são ambos "aqui," o que é incoerente. Mas talvez se possa evitar uma multiplicidade de "aqui’s" para Deus, estipulando que o "aqui" de Deus é coextensivo com todo o universo, de modo que o espaço como um todo esteja "aqui" para ele.
Uma razão melhor para pensar que Deus transcende o espaço é que sabemos, em virtude da doutrina da criação, que Deus ao existir sozinho sem a criação é aespacial. Pois numa *visão relacional do espaço*, o espaço não existe na completa ausência de qualquer realidade física, e em uma *visão substantiva do espaço*, o espaço é uma coisa ou substância e, portanto, deve ter sido criado por Deus. Em ambos os casos, então, Deus cria o espaço no momento de Sua criação do universo. Sem criação, portanto, Deus existe de forma aespacial. Mas a criação do espaço não faria nada para "espacializar" Deus, isto é, atraí-lo para o espaço. A criação do espaço não é em si um ato espacial (como, digamos, colidir com alguma coisa). Portanto, simplesmente não há razão para pensar que a falta de espaço divino é cessada no ato da criação. Se não, então a onipresença deve ser entendida em termos de Deus ser imediatamente consciente e causalmente ativo em todos os pontos do espaço. Ele sabe o que está acontecendo em todas as localizações espaciais no universo e Ele é causalmente operativo em todos esses pontos, mesmo que nada mais esteja acontecendo lá além de flutuações quânticas no vácuo do espaço "vazio".
A aespacialidade de Deus seria o equivalente funcional de uma *hiper-dimensão* do espaço. Assim como um ser tridimensional poderia atuar no plano bidimensional de formas que pareceriam misteriosas para os habitantes dessa planície, também o Deus transcendente pode agir imediatamente em qualquer ponto de nosso mundo tridimensional. Encantados por essa imagem, alguns pensadores chegaram a pensar em interpretar Deus como literalmente um ser hiper-dimensional existente em um espaço-tempo de incorporação. Mas essa extravagância metafísica na verdade desiste do que foi alcançado por nossa interpretação da onipresença divina em termos de ausência de espaço sem acumular qualquer nova vantagem. Falar de incorporar o hiperespaço habitado por Deus deve ser tomado como um dispositivo ilustrativo sem significado ontológico. Parece melhor dizer que Deus existe literalmente de forma aespacial, mas está presente em todos os pontos do espaço, no sentido de que Ele é cognitivo e causalmente ativo em todos os pontos do espaço.
Fonte:
Tradução Walson Sales.
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