sexta-feira, 19 de julho de 2019

A Coerência do Teísmo – Parte 5

*Eternidade*
Por Willian Lane Craig
A questão do relacionamento de Deus com o espaço levanta naturalmente também a questão de seu relacionamento com o tempo. Que Deus é eterno é o claro ensinamento das Escrituras Judaico-Cristãs (Salmo 90.2), e a eternidade de Deus também decorre da necessidade divina. Pois se Deus existe necessariamente, é impossível que Ele não exista; portanto, Ele nunca pode deixar de existir ou vir a existir. Deus simplesmente existe, sem começo nem fim, o que é uma definição minimalista do que significa dizer que Deus é eterno.
Mas há considerável desacordo sobre a natureza da *eternidade* divina. Platão, Plotino, Agostinho, Boécio, Anselmo e Aquino argumentaram que Deus transcende o tempo, assim como Ele transcende o espaço e, portanto, tem toda a Sua vida ao mesmo tempo (*tota simul*). Tais pensadores costumam dizer que, do ponto de vista da eternidade (*sub specie aeternitatis*), toda a série de eventos temporais são reais para Deus e, portanto, estão disponíveis à Sua influência causal em qualquer ponto da história, através de um simples ato atemporal. Por outro lado, Aristóteles pode ter entendido a eternidade de Deus como sendo uma duração temporal eterna, e Duns Scotus criticou duramente a visão atemporalista de Aquino, alegando que o tempo, sendo dinâmico por natureza, não pode coexistir como um todo com Deus. Isaac Newton, o pai da física moderna, em seu *General Scholium* ao seu grande *Principia Mathematica*, fundou sua doutrina do tempo absoluto sobre a duração temporal infinita de Deus, e em nossos dias os filósofos e teólogos do processo como Whitehead e Hartshorne afirmaram vigorosamente a visão temporalista.
Por que pensar que Deus existe atemporalmente? A atemporalidade de Deus poderia ser deduzida com sucesso de Sua simplicidade e imutabilidade, pois se Deus é absolutamente simples, Ele não tem relações reais, incluindo relações temporais de *antes/depois*, e se Deus é absolutamente imutável, então Ele não pode mudar de maneira alguma pois, se Ele está no tempo, Ele deve mudar, pelo menos extrinsecamente, como as coisas co-presentes com Ele mudam. Mas, como veremos no próximo capítulo, essas doutrinas extra-bíblicas são altamente controversas e agora amplamente rejeitadas, de modo que é necessário buscar outros fundamentos da doutrina da eternidade divina.
Talvez o argumento mais persuasivo a favor da atemporalidade divina seja baseado na incompletude da vida temporal. Veja as linhas melancólicas de Shakespeare,
Amanhã e amanhã e amanhã
Se arrasta neste ritmo mesquinho de um dia para outro dia
Até a última sílaba do tempo registrado *(Macbeth V.v.21)*

São lembranças pungentes da evanescência da vida temporal. Nossos ontens se foram, e nossos amanhãs ainda não temos. O presente fugaz é nossa única reivindicação de existência. Há, portanto, uma transitoriedade e incompletude na vida temporal que parece incompatível com a vida de um ser mais perfeito.
Por outro lado, parece haver boas razões também para afirmar a temporalidade divina. Se Deus está realmente relacionado com o mundo, então é extraordinariamente difícil ver como Deus poderia permanecer intocado pela temporalidade do mundo. Pois simplesmente em virtude de Seu Ser estar relacionado com a mudança das coisas (mesmo que Ele mesmo permaneça intrinsecamente imutável), existiria um *antes* e um *depois* na vida de Deus. Tomás de Aquino escapou à força desse raciocínio apenas insistindo que Deus não tem uma relação real com o mundo - uma posição que parece fantástica à luz de Deus ser o Criador e Sustentador do universo.
Eleonore Stump e Norman Kretzmann tentam criar uma *relação de simultaneidade Eterno-Temporal* entre Deus e as criaturas para tentar preservar a atemporalidade de Deus. A ideia básica deles é a seguinte: Tome algum ser atemporal *x* e algum ser temporal *y*. Estes dois são ET-simultâneos [ET significa Eterno-Temporal] apenas no caso de algum observador hipotético no referencial eterno *x* esteja eternamente presente e *y* seja observado como temporalmente presente, e em relação a algum observador hipotético em qualquer referencial temporal *y* esteja temporalmente presente e *x* seja observado como eternamente presente. O problema com esse relato é que a noção de observação empregada na definição é totalmente obscura. Nenhuma sugestão é dada sobre o que significa, por exemplo, *x* ser observado como eternamente presente em relação a algum momento do tempo. Na ausência de qualquer procedimento para determinar a ET-simultaneidade, a definição reduz a afirmação de que em relação ao referencial de que a eternidade *x* está eternamente presente e *y* está temporalmente presente e que em relação a algum referencial temporal *y* está temporalmente presente e *x* está eternamente presente - o que é apenas uma reafirmação do problema! Stump e Kretzmann posteriormente revisaram a definição de ET-simultaneidade que haviam formulado para liberá-la da linguagem de observação. Basicamente, o novo relato tenta definir a ET-simultaneidade em termos de relações causais. Na nova definição, *x* e *y* são ET-simultâneos apenas no caso relativo de um observador no referencial eterno *x* esteja eternamente presente e *y* esteja temporariamente presente, e o observador possa entrar em relações causais diretas com *x* e *y*; e em relação a um observador em qualquer referencial temporal, *x* esteja eternamente presente e *y* esteja ao mesmo tempo que o observador, e o observador possa entrar em relações causais diretas com *x* e *y*. O problema fundamental com este novo relato da ET-simultaneidade é que ela é viciosamente circular. Pois a ET-simultaneidade fora originalmente invocada para explicar como um Deus atemporal poderia ser causalmente ativo no tempo; mas agora a ET-simultaneidade é definida em termos da capacidade de um ser atemporal ser causalmente ativo no tempo. Isso equivale a dizer que Deus pode ser causalmente ativo no tempo, porque Ele pode ser causalmente ativo no tempo!
Brian Leftow tenta remediar os defeitos da teoria de Stump-Kretzmann propondo uma teoria segundo a qual as entidades temporais existem na eternidade atemporal, bem como no tempo e, portanto, podem ser relacionadas causalmente a Deus. Leftow argumenta da seguinte forma: não pode haver mudança de lugar em relação a Deus porque a distância entre o Deus transcendente e tudo no espaço é zero. Mas se não houver mudança de lugar em relação a Deus, não pode haver qualquer tipo de mudança por parte das coisas espaciais relativas a Deus. Além disso, como tudo que é temporal também é espacial, segue-se que não há seres temporais, não espaciais. Os únicos seres temporais que existem, existem no espaço e nenhuma dessas mudanças se relacionam com Deus. Assumindo, então, alguma visão relacional do tempo, segundo a qual o tempo não pode existir sem mudança, segue-se que todos os seres temporais existem atemporalmente em relação a Deus. Assim, em relação a Deus, todas as coisas estão atemporalmente presentes e, portanto, podem ser causalmente relacionadas a Deus.
O problema fundamental desse raciocínio é que ele comete um grave erro de categoria. Quando dizemos que não há distância entre Deus e as criaturas, não queremos dizer que existe uma distância e que sua medida é zero. Em vez disso, queremos dizer que a categoria da distância nem se aplica às relações entre um ser não-espacial como Deus e as coisas no espaço. Portanto, não se segue que as coisas no espaço são imutáveis em relação a Deus; mas sem essa premissa, o restante da teoria de Leftow entra em colapso. Em suma, a relação real de Deus com um mundo temporal e em mudança implica temporalidade divina.
Um segundo argumento poderoso para a temporalidade divina é baseado no fato de Deus ser onisciente. A fim de conhecer a verdade das proposições expressas por sentenças pronunciadas no tempo como "Cristo ressuscitou dos mortos", Deus deve existir temporalmente. Pois tal conhecimento localiza o conhecedor em relação ao presente. Hermeticamente selado na eternidade atemporal, Deus não poderia conhecer tais fatos ocorridos no tempo tais como se Cristo morreu ou se já nasceu. O conhecimento de Deus da história do mundo seria como o conhecimento que um produtor de cinema tem de um filme que está num CD: ele conhece o que está quadro a quadro, mas não faz ideia do que está sendo projetado na tela no momento que passa o filme. Da mesma forma, tudo o que um Deus atemporal poderia saber seriam verdades sem serem efetuadas no tempo, tais como *Cristo morre em 30 d.C.,* mas Deus não teria ideia se Cristo realmente já morreu ou não. Tal ignorância é inconsistente com o relato padrão da onisciência, que requer que Deus conheça todas as verdades, e é certamente incompatível com a máxima excelência cognitiva de Deus. Até hoje, não há relato satisfatório de como um Deus atemporal poderia conhecer verdades ocorridas no tempo. As propostas avançadas por pensadores como Leftow, Jonathan Kvanvig e Edward Wierenga, após um exame, acabam por negar o conhecimento de Deus sobre fatos ocorridos no tempo.
Assim, temos bases comparativamente fracas para afirmar a atemporalidade divina, mas dois argumentos poderosos em favor da temporalidade divina. Parece, então, que devemos concluir que Deus é temporal. Mas tal conclusão seria prematura. Pois ainda resta aberta uma maneira de escapar para os defensores da atemporalidade divina. O argumento baseado na relação real de Deus com o mundo assumiu a realidade objetiva do devir temporal [do futuro por vir], e o argumento baseado no conhecimento de Deus sobre o mundo temporal assumiu a realidade objetiva dos fatos ocorridos. Se alguém nega a realidade objetiva do devir temporal e dos fatos ocorridos no tempo, então os argumentos são minados. Pois, nesse caso, nada ao qual Deus está relacionado muda, e todos os fatos não ocorreram no tempo, de modo que Deus não passa por mudanças nem relacionais nem intrínsecas. Ele pode ser o Sustentador e Conhecedor imutável e onisciente de todas as coisas e, portanto, existe atemporalmente.
Em suma, o defensor da atemporalidade divina pode escapar dos dois argumentos abraçando a estática ou a Teoria B do tempo. A atemporalidade divina assim permanece ou cai com a teoria estática do tempo. Se adotarmos uma dinâmica ou a Teoria-A do tempo, como achamos que devemos, devemos concluir que Deus é temporal.
Mas se Deus é temporal em virtude de Sua relação e conhecimento de um mundo temporal, o que dizer de seu estado sem o mundo? Deus existiu literalmente antes da criação? Ele existiu por tempo infinito, desde a eternidade passada? Essa hipótese não é contraditada pelo argumento cosmológico *kalam* contra a infinitude do passado?
Estritamente falando, o argumento para a finitude do passado não chegou à uma conclusão: "Portanto, o tempo começou a existir". Antes o que esse argumento provou, se bem sucedido, é que não pode ter havido um passado infinito, isto é, um passado que é composto de um número infinito de intervalos temporais iguais. Mas alguns filósofos argumentaram que, na ausência de quaisquer medidas empíricas, não há fato objetivo de que um intervalo de tempo seja mais longo ou mais curto do que outro intervalo distinto. Antes da criação, é impossível diferenciar entre um décimo de segundo e dez trilhões de anos. Não há momento, digamos, uma hora antes da criação. O tempo literalmente não tem nenhuma *métrica intrínseca*. Deus existindo sozinho sem o universo, portanto, não experimentaria um número infinito de, digamos, horas, antes do momento da criação.
Tal compreensão do tempo de Deus antes da criação parece bastante atraente. No entanto, uma inspeção cuidadosa da visão revela dificuldades. Mesmo em um tempo *metricamente amorfo*, há diferenças factuais objetivas de comprimento para certos intervalos temporais. Pois, no caso de intervalos que são incluídos em outros intervalos, os intervalos fechados são, de fato, mais curtos do que seus intervalos abrangentes. Mas isso implica que, se Deus existiu temporalmente antes da criação, então Ele de fato passou por uma série sem começo de intervalos cada vez maiores. Na verdade, podemos até dizer que esse tempo de pré-criação deve ser infinito. O passado é infinito se e somente se não há primeiro intervalo de tempo e o tempo não é circular. Assim, o tempo amorfo antes da criação seria infinito, embora não possamos comparar os comprimentos dos intervalos não aninhados dele. Assim, todas as dificuldades de um passado infinito voltam para nos assombrar.
O que deve ser feito é dissolver a estrutura geométrica linear do tempo de pré-criação. É preciso afirmar que, antes da criação, literalmente não há intervalos de tempo. Não haveria mais cedo e mais tarde, nenhum intervalo sucessivo e, portanto, nenhuma espera, sem devir temporal. Esse estado imutável desapareceria, não sucessivamente, mas como um todo, no momento da criação, quando o tempo métrico começa.
Mas esse estado indiferenciado e imutável parece suspeito como um estado de atemporalidade! Imagine Deus existindo imutável sozinho em um mundo possível em que Ele se abstém da criação. Em tal mundo, Deus é razoavelmente concebido ser atemporal. Mas Deus, existindo sozinho sem criação no mundo atual, não é diferente do que estaria em um tal mundo possível, mesmo que no mundo real ele se torne temporal ao criar. Afirmar que o tempo existiria sem o universo em virtude do começo do mundo parece postular uma espécie de causação retrógrada: a ocorrência do primeiro evento não apenas faz com que o tempo passe a existir com o evento, mas também antes dele. Mas em uma teoria dinâmica do tempo, tal retrocausação é metafisicamente impossível, pois equivale a algo sendo causado pelo nada, já que no momento do efeito a retrocausação não existe em nenhum sentido. A parte da causação retrógrada, parece não haver nada que produza um tempo antes do momento da criação. O tempo simplesmente começaria com a ocorrência do primeiro evento, o ato de criação.
Parece, portanto, que não é apenas coerente, mas também plausível afirmar que Deus existir sem mudança e sem criação Ele seria atemporal e que entra no tempo no momento da criação em virtude de sua relação real com o universo temporal. A imagem de Deus existente temporalmente antes da criação é apenas isso: uma invenção da imaginação. Dado que o tempo começou a existir, a visão mais plausível da relação de Deus com o tempo é que Ele é atemporal sem criação e temporal subsequente à criação.
Fonte:
Tradução Walson Sales.

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