Por William Lane Craig
"Tem sido dito por alguém que o estudo apropriado da humanidade é o homem. Não vou me opor à ideia, mas acredito que é igualmente verdade que o estudo apropriado dos eleitos de Deus é Deus; o estudo apropriado de um Cristão é a Divindade. A mais alta ciência, a mais alta especulação, a mais poderosa filosofia, que pode atrair a atenção de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, a obra, os feitos e a existência do grande Deus a quem ele chama de Pai." - Charles Spurgeon, Sermão do Domingo de Manhã, 7 de Janeiro de 1855.
*Introdução*
Uma das preocupações centrais da *Filosofia da Religião* contemporânea é a *coerência do teísmo,* ou a análise dos atributos de Deus. Durante a geração anterior à nossa, o conceito de Deus era frequentemente considerado como um terreno fértil para argumentos anti-teístas. A dificuldade com o teísmo, dizia-se, não era meramente que não há bons argumentos para a existência de Deus, mas, mais fundamentalmente, que a noção de Deus é *incoerente.*
Essa crítica anti-teísta evocou uma literatura prodigiosa dedicada à análise filosófica do conceito de Deus. Dois controles tenderam a guiar essa investigação sobre a natureza divina: a Escritura e a *Teologia do Ser Perfeito.* Para os pensadores da tradição Judaico-Cristã, a auto-revelação de Deus nas Escrituras é obviamente fundamental para entender como Deus é. Além disso, a concepção Anselmiana de Deus como o maior ser concebível ou o ser mais perfeito guiou a especulação filosófica sobre os dados brutos das Escrituras, para que os atributos bíblicos de Deus sejam concebidos de maneira a servir para exaltar a grandeza de Deus. Uma vez que o conceito de Deus é subdeterminado pelos dados bíblicos e uma vez que o que constitui uma propriedade "de grande importância" [atributos] é discutível em algum grau, os filósofos que trabalham na tradição Judaico-Cristã desfrutam de considerável latitude na formulação de uma doutrina filosoficamente coerente e biblicamente fiel de Deus. Os teístas, portanto, descobriram que as críticas anti-teístas de certas concepções de Deus poderiam, de fato, ser bastante úteis para formular uma concepção mais adequada. Assim, longe de minar o teísmo, as críticas anti-teístas serviram principalmente para revelar quão rico e desafiador é o conceito de Deus, refinando e fortalecendo a crença teísta.
*Necessidade*
Desde Aristóteles, Deus tem sido concebido na teologia filosófica Ocidental como um *ser necessariamente existente* (*ens necessarium*). Os teólogos Cristãos interpretaram a revelação do nome divino "Eu sou o que sou" (Êxodo 3.14) para expressar a mesma ideia. Para Aristóteles, a existência necessária de Deus provavelmente significava simplesmente Sua imunidade à geração e à corrupção. A concepção Aristotélica encontra sua contrapartida entre os filósofos contemporâneos que defendem a ideia da *necessidade "factual"* de Deus. De acordo com essa noção, Deus existe necessariamente no sentido de que, devido ao fato de que Deus existe, é impossível que Ele tenha começado a existir ou deixe de existir. Ele é não-causado, eterno, incorruptível e indestrutível. Durante a Idade Média, entretanto, os filósofos Islâmicos, como al-Farabi, começaram a enunciar uma concepção ainda mais poderosa da necessidade de Deus: a inexistência de Deus é logicamente impossível. Essa concepção de existência necessária está no cerne do argumento ontológico de Anselmo: se a inexistência de Deus é logicamente impossível, segue-se que Ele deve existir. Nesta visão, Deus não é meramente factualmente necessário, mas *logicamente necessário* em Seu ser.
Poderosas razões teológicas e filosóficas podem ser dadas para tomar a existência de Deus como logicamente necessária. Filosoficamente, a concepção de Deus como o maior ser concebível implica Sua existência necessária neste sentido, uma vez que a existência logicamente contingente não é tão sublime quanto a existência necessária. Certas formas do argumento da contingência para a existência de Deus terminam em um ser logicamente necessário, pois somente esse ser pode fornecer uma resposta adequada à pergunta: "Por que há algo em vez de nada?" O argumento conceitualista para a existência de Deus também implica a existência de um ser logicamente necessário para fundamentar a esfera dos objetos abstratos. O argumento moral leva naturalmente a esse ser, uma vez que os valores e princípios morais não são plausíveis e logicamente contingentes. Teologicamente falando, um Deus que apenas existe (mesmo eternamente e sem causa) parece religiosamente menos satisfatório do que aquele cuja inexistência é impossível. Mera necessidade factual, portanto, não parece capturar a plenitude do ser divino.
Desde as críticas de Hume e Kant, no entanto, os filósofos rejeitaram até recentemente a noção de Deus como um ser logicamente necessário. Costuma-se dizer que falar de um ser logicamente necessário é terminantemente um erro de categoria; as proposições são logicamente necessárias ou contingentes em relação ao seu valor de verdade, mas os seres não são mais necessários ou contingentes do que verdadeiros ou falsos. Se alguém respondeu que o teísta pretende sustentar que a proposição *Deus existe* é necessariamente verdadeira, então a resposta era que proposições existenciais (isto é, aquelas que afirmam a existência de algo) são uniformemente contingentes. Além disso, a proposição *Deus não existe* não é uma contradição, de modo que *Deus existe* não pode ser logicamente necessário. Além disso, muitos filósofos insistiram que a distinção entre verdade necessária/contingente é meramente um resultado da convenção lingüística, de modo que se torna meramente convencional afirmar que Deus existe necessariamente.
A reflexão filosófica dos últimos 25 anos derrubou amplamente essas críticas. O desenvolvimento da *semântica dos mundos possíveis* forneceu um meio útil de expressar a reivindicação do teísta. Dizer que Deus é um ser logicamente necessário é dizer que Deus existe em todos os mundos possíveis ("Deus", neste caso, sendo um nome próprio e, portanto, designando rigidamente seu referente, ou seja, escolhendo a mesma entidade em todo mundo possível em que existe). Em outras palavras, a proposição *Deus existe* é verdadeira em todos os mundos possíveis. Não há uma boa razão para pensar que tal proposição existencial não pode ser verdadeira em todos os mundos possíveis, pois muitos filósofos fazem afirmações precisamente similares sobre a existência necessária de vários objetos abstratos, como números, propriedades, proposições e assim por diante. Embora abstratos, tais objetos são considerados por muitos filósofos, nas palavras de Plantinga, tão serenamente quanto seu objeto mais solidamente concreto. [1] Assim, seria um pedido especial para privilegiar esses objetos com existência necessária, ao mesmo tempo, negando a possibilidade de Deus existir necessariamente.
Além disso, a modalidade operativa na semântica dos mundos possíveis não é uma *necessidade/possibilidade lógica estrita*, mas uma *necessidade/possibilidade lógica ampla*. Estritamente falando, não há impossibilidade lógica na proposição *O primeiro-ministro é um número primo*; mas não devemos querer dizer, portanto, que existe um mundo possível em que essa proposição seja verdadeira. Possibilidade lógica ampla é geralmente construída em termos de *atualizabilidade* e, portanto, é frequentemente entendida como *possibilidade metafísica*. Não existem critérios claros que possam ser aplicados mecanicamente para determinar se uma proposição é metafisicamente necessária/impossível. Um deles tem que confiar principalmente na intuição ou capacidade de concepção. Proposições que não são estritamente logicamente contraditórias podem ser metafisicamente impossíveis, por exemplo, *esta mesa poderia ter sido feita de gelo* ou *Sócrates poderia ter sido um hipopótamo*. Similarmente, as proposições não precisam ser tautológicas (como *se está chovendo, então está chovendo*) ou analíticas (como *os números pares são divisíveis por dois*) para serem metafisicamente necessárias; por exemplo, *o ouro tem o número atômico 79, tudo o que começa a existir tem uma causa, ou tudo o que tem uma forma tem um tamanho*. As intuições podem diferir sobre se alguma proposição é metafisicamente necessária/impossível. Assim, com respeito à proposição *Deus existe,* o fato de que a negação dessa proposição não é uma contradição não mostra, de forma alguma, que a proposição não é metafisicamente necessária. Da mesma forma, a proposição de que *Nada existe* não é uma contradição lógica, mas isso não mostra que a proposição é amplamente logicamente possível. Se alguém tem alguma razão para pensar que existe um ser metafisicamente necessário, então seria questionador rejeitar essa conclusão apenas com base no fato de que parece possível que nada deveria existir.
Finalmente, quanto à *teoria convencional da necessidade,* tal interpretação de noções modais não é apenas injustificada, mas enormemente implausível. Como Plantinga aponta, [2] o convencionalista lingüístico confunde *sentenças* com *proposições*. Sentenças são entidades linguísticas compostas de palavras; proposições são o conteúdo informacional expresso por sentenças declarativas. Podemos imaginar situações em que a sentença *"Ou Deus existe ou não"* não teria expressado a proposição que de fato expressa e, portanto, poderia não ter sido nem necessária nem verdadeira; mas isso não chega tão longe para provar que a proposição que ela expressa não é nem necessária nem verdadeira. Além disso, parece bastante incrível pensar que a necessidade dessa proposição é de algum modo afetada por nossa determinação em usar as palavras de uma certa maneira. Poderia realmente acontecer que Deus existe e não existe?
A concepção de Deus como um ser necessário num sentido lógico amplo parece, assim, uma noção coerente que pertence propriamente ao teísmo Cristão.
Fonte:
Tradução Walson Sales.
continua na próxima semana...
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