quinta-feira, 4 de julho de 2019

A plenitude do tempo (Continuação parte II)

O judaísmo da dispersão
Como já assinalamos anteriormente, durante os séculos que precederam ao advento de Jesus houve um número cada vez maior de judeus que viviam fora da Palestina. Alguns destes judeus eram descendentes dos que haviam ido ao exílio na Babilônia e portanto nessa cidade, como em toda a região da Mesopotâmia e Pérsia, havia fortes contingentes judeus. No Império Romano, os judeus se haviam espalhado por diversas circunstâncias, e já no século primeiro as colônia judaicas em
Roma e em Alexandria eram numerosíssimas. Em quase todas as cidades do Mediterrâneo oriental havia pelo menos uma sinagoga No Egito, chegou-se até a construir um templo por volta do século VII a.C. na cidade de Elefantina, e houve outro no Delta do Nilo no século II a.C. Mas em geral estes judeus da "Dispersão" ou da "Diáspora" - pois assim se lhes chamou - não construíram templos nos quais podiam oferecer sacrifícios, mas antes sinagogas nas quais estudavam as Escrituras.

O judaísmo da Diáspora é de suma importância para a história da igreja cristã, pois foi através dele, segundo veremos no próximo capítulo, que mais rapidamente se estendeu a nova fé pelo Império Romano. Além disso, esse judaísmo proporcionou à igreja a tradução do Antigo Testamento ao grego que foi um dos principais veículos de sua propaganda religiosa.
Este judaísmo se distinguia de seu congênere na Palestina principalmente por duas características: seu uso do idioma grego, e seu contato inevitavelmente maior com a cultura helenista.
No século primeiro eram muitos os judeus, na Palestina, que já não usavam o antigo idioma hebreu. Mas, enquanto que na Palestina e em toda a região do oriente desse país falava-se o aramaico, os judeus que se achavam dispersos por todo o resto do Império Romano falavam o grego. Depois das conquistas de Alexandre, o grego veio a ser a língua franca da bacia oriental do Mediterrâneo. Judeus, egípcios, chipriotas, e até romanos, utilizavam o grego para comunicar-se entre si. Em algumas regiões - especialmente no Egito - os judeus perderam o uso da língua hebraica, e foi necessário traduzir suas
Escrituras ao grego. Essa versão do Antigo Testamento ao grego recebe o nome
de "Septuaginta", que se abrevia frequentemente mediante o número romano LXX. Esse nome - e número - provém de uma antiga lenda segundo a qual o rei do Egito, Ptolomeu II Filadelfo, ordenou a setenta e dois anciãos hebreus que traduzissem a Bíblia independentemente, e todos eles produziram trabalhos
idênticos entre si. Ao que parece, o propósito dessa lenda era garantir a autoridade desta versão, que foi, de fato, produzida através de vários séculos, por tradutores com distintos critérios, de modo que algumas porções são excessivamente literais, enquanto que outras tomam liberdades indevidas com o texto.

Em todo caso, a importância da Septuaginta foi enorme para a igreja cristã primitiva. Esta é a Bíblia que a maioria dos autores do Novo Testamento cita, e exerceu uma influência indubitável sobre a formação do vocabulário cristão dos primeiros séculos. 
Ademais, quando aqueles primeiros crentes se derramaram por todo o Império com a mensagem do evangelho, encontraram na Septuaginta um instrumento útil para sua propaganda. De fato, o uso que os cristãos fizeram da Septuaginta foi tal e tão efetivo que os judeus se viram obrigados a produzir novas versões - como a de Aquila - e a deixar os cristãos na posse da Septuaginta.

A outra marca distinta do Judaísmo da Dispersão foi o seu inevitável contato com a cultura helenista. Em certo sentido poderia se dizer que a Septuaginta é também resultado desta situação. Em todo caso, resulta claro que os judeus da Dispersão não podiam subtrair-se ao contato com os gentios, como podiam fazer em certa medida seus correligionários da Palestina.
Os judeus da Dispersão viam-se obrigados, em consequência, a defender sua fé a cada passo diante daquelas pessoas de cultura helenista para quem a fé de Israel era ridícula, antiquada ou ininteligível.
Diante desta situação, e especialmente na cidade de Alexandria, surgiu entre os judeus um movimento que tratava de mostrar a compatibilidade entre o melhor da cultura helenista e a religião hebraica Já no século III aC., Demétrio narrou a história dos reis de Judá seguindo os padrões da historiografia
pagã. Mas foi na pessoa de Filo de Alexandria, contemporâneo
de Jesus, que este movimento alcançou seu ápice.

Posto que os argumentos de Filo - ou outros muito parecidos - foram utilizados depois por alguns cristãos na própria cidade de Alexandria, vale a pena resumi-los aqui. O que Filo
intenta fazer é mostrar a compatibilidade entre a filosofia platônica e as Escrituras hebraicas. Segundo ele, já que os filósofos eram pessoas cultas, e as Escrituras hebraicas são anteriores
a eles, é de se supor que qualquer concordância entre ambos se deve a que os gregos copiaram dos judeus, e não vice-versa.

E então Filo procede a mostrar essa concordância interpretando o Antigo Testamento como uma série de alegorias que apontam em direção às mesmas verdades eternas a que os filósofos se referem de maneira mais literal.
O Deus de Filo é absolutamente transcendente e imutável, no estilo de "Um inefável" dos platônicos. Portanto, para se relacionar com este mundo de realidades transitórias e imutáveis,
esse Deus faz uso de um ser intermediário, a quem Filo dá o nome de Logos (isto é, Verbo ou Razão). Este Logos, além de ser um intermediário entre Deus e a criação, é a razão
que existe em todo o universo, e da qual a mente humana participa. Em outras palavras, é este Logos que faz com que o universo possa ser compreendido pela mente humana.

Alguns pensadores cristãos adotaram estas ideias propostas por Filo, com todas as suas vantagens e seus perigos. Como vemos; em sua dispersão por todo o mundo romano,
em sua tradução da Bíblia, e ainda em seus intentos de dialogar com a cultura helenista, o judaísmo havia preparado o caminho para o advento e a disseminação da fé cristã.

( continua...)
(Uma história ilustrada do cristianismo / A era dos mártires VOL I. Justo. L Gonzáles) 
Via: Ruanna Pereira

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