A motivação motriz por trás dessa visão é dupla. Primeiro, essa visão aceita o princípio da causalidade universal e, portanto, defende que todas as coisas são determinadas. De fato, o determinista suave não é menos comprometido com o determinismo do que o determinista rígido. É importante enfatizar esse ponto, pois o “determinismo suave” pode ser enganoso para leitores não familiarizados com ele. O termo sugere um determinismo parcial ou tépido, uma espécie de quase-determinismo. Essas impressões precisam ser colocadas de lado, de sorte que o leitor possa entender claramente que todas as coisas, de acordo com essa visão, são rigorosamente determinadas.
Mas então qual é a diferença entre o determinismo suave e o rígido? A diferença está na segunda motivação que move o determinismo suave. Além de afirmar a causalidade universal, os deterministas suaves também acreditam que somos responsáveis por nossas ações, e concordam que devemos ser livres, em certo sentido, se esse for o caso. Em outras palavras, os deterministas suaves querem afirmar tanto o determinismo completo, como a liberdade. Essa posição também é chamada de compatibilismo, pois ela sustenta que a liberdade e o determinismo, contrárias ao que os deterministas rígidos e libertários alegam, podem ser compatíveis.
É fácil para o leitor que jamais se deparou com esses conceitos se confundir e se equivocar. Para evitar essa confusão o leitor deve perceber que os deterministas suaves definem a liberdade de maneira diferente da definição dada pelos libertários quanto pelos deterministas rígidos. Claramente, se um ato livre não tem uma causa, conforme os deterministas rígidos reivindicam, então não podemos afirmar, de maneira coerente, que existem atos livres e que tudo é determinado de maneira casual. E também é claro que, se um ato livre não tem causa suficiente alguma, anterior a seu acontecimento, conforme os libertários dizem, então não podemos, de maneira coerente, afirmar que haja atos livres e, ao mesmo tempo, dizer que todas as coisas são determinadas por causas e condições anteriores.
Felizmente para os deterministas suaves, eles não são culpados de tal incoerência. Eles oferecem uma definição de liberdade bastante diferente, uma que é cuidadosamente trabalhada para garantir que ela seja compatível com o determinismo. Mais especificamente, eles definem um ato como livre caso ele atenda estas três condições:
• Não é compelido ou causado por qualquer coisa eterna ao agente que realiza o ato.
• Todavia, é causado por algo interno ao agente que realiza o ato, a saber, um estado psicológico tal como uma crença, um desejo ou, mais precisamente, uma combinação desses dois.
• O agente que realiza o ato poderia ter agido de maneira diferente, caso o agente assim quisesse.
Embora essa definição pareça um tanto direta, ofereceremos algumas palavras de cunho especulativo. Primeiro, dizer que um ato é compelido ou causado por algo eterno ao agente é dizer que o ato foi forçado contra sua vontade. Por exemplo, suponha que alguém tenha lhe pegado e lhe carregado até uma cabine de votação e forçado sua mão a apertar uma tecla que indicasse o voto para o infame político [...]. Isso não seria qualificado como um ato livre, pois ele violara a primeira condição.
Segundo, um ato é livre caso ele tenha o tipo certo de causa imediata – em específico, um estado psicológico interno ao agente. Agora, dado a tese do determinismo, esses próprios estados psicológicos são causados por condições e estados prévios. De fato, dadas essas condições prévias, nenhum outro estado psicológico é possível. Algo eterno ao agente, por fim, causou esses estados psicológicos, mas na época do ato, esses pensamentos, desejos, e assim por diante, são de posse do agente de tal maneira que a pessoa voluntariamente age sobre eles. Em outras palavras, o agente está meramente agindo em conformidade com seu caráter quando escolhe o que escolhe. Seu caráter é que determina suas escolhas, e o agente não poderia e nem agiria de maneira contrária, dado seu caráter. Porém ainda é o caso de que o agente age como deseja, motivado pelas crenças e desejos que o agente foi causado a ter e o caráter que dessa maneira foi formado.
Por fim, devemos manter esses pontos em mente para entender, na definição dos deterministas suaves, a terceira condição para se ter uma ação livre, ou caso contrário podemos se enganados pela condição referente à habilidade do agente de agir de maneira diferente caso ele assim quisesse. O ponto fundamental para se ter em mente é que o agente não poderia querer fazer o contrário do que realmente faz. Se o agente quisesse fazer diferente, ele teria feito diferente, mas lhe é impossível querer fazer de maneira diferente, dadas as causas e condições prévias que rigidamente determinaram seus estados psicológicos e seu caráter.
(Porque não Sou Calvinista. Jerry L. Walls e Joseph R. Dongell, Editora Reflexão. pp. 101-102)
Por Rafael Félix.
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