terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Herodes, o Grande

Herodes foi o mais terrível monstro já vomitado pelos desertos do Oriente. Não era hebreu, nem grego, nem romano. Era Idumeu: um bárbaro que se curvava diante de Roma ao mesmo tempo em que cortejava os Gregos, para garantir o seu domínio sobre os hebreus. Filho de um traidor, usurpara o reino aos seus patrões, os últimos bandidos asmoneus. Para legalizar a sua traição, despojou uma sobrinha deles, Mariane, que ele depois mandou matar por suspeitas injustas. Não foi o seu primeiro crime. Antes, mandara afogar traiçoeiramente o seu cunhado Aristóbulo. Condenara à morte outro cunhado, José, e também Ircano Segundo, último sobrevivente da dinastia vencida.

Não satisfeito com a morte de sua mulher Mariane, mandou também assassinar a sogra, Alexandra, e até os filhos de Baba, só por serem parentes longínquos dos asmoneus. Foi motivo de diversão para ele ter mandado queimar vivos a Judas de Saripheu e Matheus de Margaloth, juntamente com outros fariseus. Mais tarde, tendo receado que seus filhos pretendiam vingar a morte da mãe, Mariane, mandou estrangulá-los, e, já perto de morrer, deu ordem para matarem um seu terceiro filho, Arquelau.

Luxurioso, desconfiado e cruel, sedento de ouro e de glória, nunca teve paz, nem em casa, nem na Judéia, nem mesmo dentro de si. Para que o povo de Roma esquecesse os seus assassinatos, mandou-lhe de presente trezentos talentos para serem gastos em festas. Para que Augusto fechasse os olhos sobre suas infâmias, humilhou-se diante dele e deixou-lhe, ao morrer, dez milhões de dracmas, além de um navio de ouro e outro de prata para Lívia.

Os hebreus o odiaram até a morte. Pouco importa tivesse reedificado Samaria e restaurado o templo de Jerusalém: ele foi sempre para eles o pagão e o usurpador.

Era medroso como os malfeitores envelhecidos costumam ser, e mais covarde do que os príncipes novos, que costumam se sobressaltar com o mexer de uma folha ou com o deslocamento de uma sombra. Supersticioso como um oriental, crédulo nos presságios e nos vaticínios, impressionou-se facilmente diante dos três magos que vieram da Caldéia conduzidos por uma estrela  à região cujo trono ele havia roubado por meio de uma fraude.

Qualquer pretendente, por mais absurdo que fosse, o fazia tremer. Quando soube, através dos magos, que tinha nascido um rei na Judéia, o seu coração estremeceu. E quando aqueles três homens que deveriam ensinar-lhe o lugar onde nascera o descendente de Davi não reapareceram, ele ordenou que fossem mortos todos os meninos de Belém, da idade de dois anos para baixo. Nunca ninguém soube quantas crianças foram sacrificadas por causa dos receios daquele monstro.

Não sabemos quantos foram os inocentes, mas se o historiador Macróbio merece fé, havia entre aquelas crianças um filhinho de Herodes que estava sendo amamentado em Belém, e que também foi morto. É possível que o velho e sanguinário monarca não tenha sentido qualquer remorso quando lhe deram a notícia.

Pouco tempo depois, ele mesmo teve de abandonar a vida. O corpo, ainda vivo, apodreceu. Os vermes devoraram-lhe as entranhas. Ele tinha os pés inchados, a respiração curta e o hálito insuportável. Sentindo-se repugnante a si próprio, tentou suicidar-se na mesa com uma faca, e finalmente a morte o aceitou levar, mas ele ainda teve tempo de ordenar que Salomé mandasse executar todos os jovens que estavam nas prisões.

Essa imolação de inocentes em torno do berço de um inocente, esse holocausto de sangue por um recém-nascido que oferecerá o seu sangue pelo resgate e o perdão de pecadores, esse sacrifício humano por aquele que , por sua vez, será sacrificado, tem uma significação profética. Milhares e milhares morrerão, depois da morte de Jesus, pelo único crime de terem acreditado na sua ressurreição e o aceitado como Salvador.

Giovanni Papini – Quando Jesus viveu entre os homens – Biblioteca de Conhecimentos Cristológicos – Editora Alfalit Brasil - 2000

Compilado por Walson Sales.

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