Cristo, nosso Senhor, no evangelho de S. Mateus, ao ouvir a confissão de Simão Pedro, que, antes de todos os outros, abertamente O reconheceu como sendo o Filho de Deus, e pelo fato de perceber a mão secreta de Seu Pai, chamou-o (numa alusão ao nome dele) de pedra, sobre a qual Ele construiria a Sua Igreja tão forte que as portas do inferno não prevaleceria contra ela.
Nessas palavras há três pontos dignos de nota: Primeiro, que Cristo teria uma Igreja neste mundo. Segundo, que essa Igreja seria fortemente combatida, não apenas pelo mundo, mas também pelas forças e poderes supremos de todo o inferno. E Terceiro, que essa Igreja, apesar de todo o esforço do demônio e de toda a sua malícia, continuaria.
A profecia de Cristo nós a vemos concretizada, de tal modo que todo o percurso da Igreja até os dias de hoje pode parecer simplesmente a sua concretização. Primeiro, nem é preciso dizer que Cristo estabeleceu uma Igreja. Segundo, que exércitos de príncipes, reis, monarcas, governadores e dirigentes deste mundo, juntamente com seus súditos, pública e privadamente, com toda força e astúcia, voltaram-se contra essa Igreja! E, Terceiro, como essa Igreja, apesar de tudo isso, sempre resistiu e preservou o que é seu! As tormentas e tempestades por ela superadas formam um quadro admirável.
No início da pregação de Cristo e da chegada do evangelho, quem senão os fariseus e escribas daquele povo que detinha a Sua lei deveria tê-lo reconhecido e recebido? No entanto, quem O perseguiu e rejeitou mais do que justamente eles? Qual foi a consequência? Eles, recusando Cristo como seu Rei e escolhendo serem súditos de César, pelo próprio César foram com o tempo
destruídos.
O mesmo exemplo do irado castigo de Deus deve ser igualmente visto nos próprios romanos. Pois quando Tibério César, ao tomar conhecimento, por cartas de Pôncio Pilatos, dos feitos de Cristo, dos Seus milagres, ressurreição e ascensão ao céu, e de como Ele foi recebido como Deus por muitos, tendendo o próprio imperador para essa crença, aconselhou-se ele sobre o caso com todo o senado de Roma e propôs que Cristo fosse adorado como Deus; os senadores, não concordando com a proposta, recusaram-na porque, contrariando a lei dos romanos, Ele foi consagrado (disseram eles) como Deus antes que o senado de Roma O tivesse aprovado por decreto. Assim os vaidosos senadores (satisfeitos
sob o reinado do imperador e não satisfeitos sob o manso Rei de glória, Filho de Deus) foram atormentados e apanhados em armadilhas pela sua injusta recusa, exatamente do modo que eles escolheram. Pois como preferiram o imperador e rejeitaram Cristo, assim a justa permissão de Deus atiçou contra eles os seus imperadores de tal sorte que os próprios senadores foram quase todos destruídos e toda a cidade foi afligida do modo mais horrível pelo espaço de quase trezentos anos. Em primeiro lugar, o mesmo Tibério, que, durante grande parte do seu reinado foi um príncipe discreto e tolerável, tornou-se depois um tirano severo e cruel, que não favoreceu nem mesmo a própria mãe, nem poupou os seus sobrinhos ou os príncipes da cidade que eram seus conselheiros pessoais, preservando a vida de apenas dois ou três de vinte que eram. Suetônio relata que Tibério era tão duro por natureza e tão tirano que num único dia ele registrou o nome de vinte pessoas que deveriam ser conduzidas ao local da execução.
Durante o seu reinado, por justo castigo de Deus, Pilatos, sob o qual Cristo fora crucificado, foi preso e enviado para Roma, deposto, depois banido da cidade para Vienne, em Dauphiny, onde acabou se matando. Agripa, o velho, também foi atirado na prisão por Tibério, mas em seguida foi-lhe restituída a liberdade.
Depois da morte de Tibério, sucederam-se Calígula, Cláudio Nero e Domício Nero. Esses três foram igualmente flagelos do senado e do povo de Roma. O primeiro ordenou que ele mesmo fosse adorado como deus, que se erigissem templos em seu nome. Costumava sentar-se no templo entre os deuses, exigindo que imagens dele fossem expostas em todos os templos, inclusive no de Jerusalém. Tal fato causou grande confusão entre os judeus, e então a abominação da desolação de que se fala no evangelho começou a se estabelecer no lugar santo. A crueldade do seu caráter, ou então o seu descontentamento com os romanos, foi tal que ele desejava que todo o povo de Roma tivesse apenas um pescoço, para que ele, a seu bel prazer, pudesse destruí-lo coletivamente. Por esse mesmo Calígula, Herodes Antipas, que assassinou João Batista e condenou Cristo, foi condenado ao exílio perpétuo onde morreu miseravelmente. Também Caifás, que com malícia interrogou Cristo, foi na mesma época removido da sala do sumo sacerdote, e Jônatas tomou o seu lugar.
A ferocidade descontrolada de Calígula não cessou, não foi extirpada pelas mãos do tribuno e de outros cavalheiros que o assassinaram no quarto ano do seu reinado. Depois de sua morte foram encontrados no seu gabinete dois livrinhos, um intitulado a Espada, o outro, o Punhal. Neles estavam escritos os nomes dos senadores e nobres de Roma que ele pretendia levar à morte. Além disso, foi encontrado um cofre no qual estavam guardados diversos tipos de vento dentro de vidros e frascos, com a finalidade de destruir um espantoso número de pessoas. Mais tarde esses venenos, ao serem jogados ao mar, causaram uma grande mortandade de peixes. Mas aquilo que Calígula havia apenas concebido, isso mesmo puseram em prática os outros dois imperadores que o sucederam; isto é, Cláudio Nero, que reinou durante treze anos com muita crueldade; mas especialmente o terceiro desses Neros, o chamado Domício Nero, que, sucedendo a Cláudio, reinou catorze anos com tal furor e tirania que assassinou a maioria dos senadores e destruiu toda a ordem da cavalaria de Roma. Tão prodigioso monstro da natureza era ele (mais parecendo um animal, ou melhor, um demônio do que
um homem), que dava a impressão de ter nascido para a destruição da humanidade. Tal era a sua lamentável crueldade que o fez matar a própria mãe, o cunhado, a irmã, sua mulher e seus mestres, Sêneca e Lucano. Além disso, ordenou que Roma fosse incendiada em doze pontos, e assim a cidade
ardeu durante seis dias e sete noites, enquanto ele, para ter o exemplo de como queimara Tróia, cantava versos de Homero. Para livrar-se da infâmia desse feito, pôs a culpa nos homens cristãos e os fez perseguir.
E assim continuou esse lastimoso imperador até que finalmente o senado, proclamando-o inimigo público dos seres humanos, o condenou a ser arrastado pela cidade e depois flagelado até a morte. Temendo essa punição, ele, escapando das mãos dos seus inimigos, fugiu no meio da noite para uma herdade de um de seus servos, no interior, onde foi forçado a matar-se, queixando-se de que não lhe sobrara nem um amigo e nem um inimigo disposto a fazer aquilo por ele.
Os judeus, no ano setenta, cerca de quarenta anos depois da paixão de Cristo, foram destruídos por Tito e por seu pai Vespasiano (que sucedeu Nero no império) num total de um milhão e cem mil, sem contar aqueles que Vespasiano matou ao subjugar a região da Galiléia. Dezessete mil foram vendidos e enviados para o Egito e outras províncias como vis escravos; dois mil Tito trouxe consigo para a celebração do seu triunfo. Destes, muitos ele entregou para que fossem devorados por animais selvagens, os restantes foram assassinados de outras formas cruéis ao extremo.
Série Mártires Parte I
Compilação: Eziel Ferreira.
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