Sobre
o artigo Teologia Filosófica Antiga
[Nota
do tradutor: via de regra, algumas pessoas afirmam (ou pensam) que a Filosofia
em si conduz necessariamente ao Ateísmo, contudo, os Filósofos Clássicos e os
que vieram depois, pensaram sobre Deus com muita seriedade. Muito do que os
Filósofos falaram sobre Deus se encaixa perfeitamente com o Deus da Revelação
Especial dentro da cosmovisão Judaico-Cristã, na Bíblia. Vale ainda ressaltar
que estes mesmos Filósofos se utilizaram apenas do poder do raciocínio, ou
seja, da razão, utilizando apenas as capacidades inatas restantes no ser humano
por meio da Imagem e Semelhança de Deus no homem e a centelha da divindade,
chamada de Sensus Divinitatis no ser humano, a saber: a capacidade inata que o
homem tem de saber que existe um Deus que criou todas as coisas e pensar sobre
Ele. Sem a revelação especial deste Deus, o tal Filósofo não poderia falar com
tanta propriedade, mas falaria com certa proximidade, paralelismo e analogia.
Resumindo: Os Filósofos Clássicos tiveram um vislumbre racional da divindade
enquanto Deus se revelava de forma especial aos Profetas Judeus e Apóstolos Cristãos.
Boa leitura.]
Teologia
Filosófica Antiga
Por
Kevin L. Flanery
Os
Pré-Socráticos A terminologia de Aristóteles nos diz muita coisa sobre como o
projeto filosófico dos Pré-socráticos foi percebido no mundo antigo e
provavelmente, portanto, também pelos próprios Pré-socráticos. Ele nunca chama
um Pré-socrático (isto é, um filósofo Pré-socrático) de "teólogo",
preferindo a palavra "físico", pelo menos para aqueles entre eles que
concordaram que o movimento é possível (Física I.1.184b25ff). A palavra
"teólogo" (ou theologos) tem para ele, de fato, um sentido
depreciativo e é frequentemente traduzida como "mitologista" (por
exemplo, Metafísica III.4.1000a9, XII.6.1071b27) e inclui figuras como Hesíodo
e o Poetas Órficos. (No entanto, ele fala da “primeira filosofia” ou “da
ciência do ser enquanto ser”,* que ele desenvolve em sua própria Metafísica
como “teologia”: VI.1.1026a13 - 32.) Os Pré-socráticos que são interessados em
teologia, são interessados neste tema de uma maneira filosófica. "Teólogos"
como Hesíodo não se incomodam com a implausibilidade de seus deuses, diz
Aristóteles - não precisamos desperdiçar nosso tempo com eles; mas filósofos
como Empédocles e os Pitagóricos “usam a linguagem de prova” e, portanto,
merecem nossa atenção (Metafísica III.4.1000a18 - 20).
[*Nota
do tradutor: Aristóteles dá quatro definições do que hoje é chamado de
metafísica: sabedoria, primeira filosofia, teologia e ciência do ser enquanto
ser.] No início do presente século, a abordagem mais influente para essas
questões foi a de John Burnet, que sustentou que os Pré-socráticos empregam
termos como "Deus" (ho theos) e "o divino" (to theion), que
eles costumam usar com frequência, de uma maneira totalmente não religiosa
(Burnet 1920, pp. 14, 80). As palestras autoritativas Gifford Lectures de
Werner Jaeger demonstraram, no entanto, a impossibilidade da tese de Burnet. Ao
falar da associação que Aristóteles faz “do ilimitado” (to apeiron) com o
“divino” em Anaximandro (Física III.4.203b13 - 15), Jaeger diz: “[a] frase ‘o
Divino’ não aparece meramente como mais um predicado aplicado ao primeiro
princípio; pelo contrário, a substantivação do adjetivo com o artigo definido
mostra antes que o termo é introduzido como um conceito independente, de
caráter essencialmente religioso, e agora identificado com o princípio
racional, o Ilimitado” (Jaeger 1947, p. 31).
Ainda,
os Pré-socráticos geralmente não estão interessados na religião cúltica como
tal. Eles acreditam em "Deus" ou "nos deuses", mas esse
elemento divino tem como objetivo principal fornecer uma explicação
relativamente simples da ordem encontrada no universo (ou kosmos - cuja palavra
pode significar "universo" e "ordem"). Os Présocráticos
são, portanto, "racionalizadores" do divino. Os teólogos (no sentido
de Aristóteles) ficam muito felizes em multiplicar deuses à medida que eventos
surpreendentes ou significativos se apresentam; mas invenções desse tipo não
fazem mais do que anexar nomes aos próprios eventos (Metafísica
XII.10.1075b26-7). Os teólogos filosóficos Pré-socráticos querem deixar para
trás os eventos a seus princípios (ou archai), que, de acordo com sua própria
natureza como explicações, precisam ser diferentes daquilo que explicam; eles
precisam ser mais claros, menos particulares. Tal abordagem traz consigo uma certa
austeridade ontológica, pressupondo que uma explicação seja melhor, quanto mais
diversas as coisas que ela explica.
Desde
Xenófanes (cerca de 565-470 a.C.), portanto, encontramos pelo menos uma
tendência ao monoteísmo: “Um deus, o maior entre deuses e homens, de modo algum
semelhante aos mortais no corpo ou no pensamento” (Diels e Kranz 1951, 21B23;
ver também Aristóteles, Metafísica I.5.986b21 - 5, que, no entanto, critica
Xenófanes por falta de clareza). Xenófanes se opõe ao antropomorfismo de Homero
e Hesíodo, que "atribuem aos deuses tudo o que é vergonhoso e censurado
entre os homens, [pois os deuses se revelam nestes contos] roubando e cometendo
adultério e enganando uns aos outros" (21B11). Isso o leva a postular um
deus que é a causa de tudo: “Ele permanece sempre no mesmo lugar, sem se mexer;
nem lhe convém ir a lugares diferentes em momentos diferentes” (21B26), “mas
sem fadiga ele abala todas as coisas pelo pensamento de sua mente” (21B25).
Vemos, no entanto, mesmo nos fragmentos aqui citados (especialmente o 21B23: “o
maior entre os deuses”), que esse deus que causa todas as coisas não é
incompatível com a existência de outros seres divinos.
Nem
devemos presumir que o anti-antropomorfismo de Xenófanes implica que seu Deus é
impessoal, se "impessoal" pretender negar a Deus uma mente. Pois,
embora Xenófanes sustente que o pensamento do Deus único é diferente do
pensamento mortal (Diels e Kranz 1951, 21B23), ele também diz que a mente (ou
nous) é o atributo mais importante de Deus (21B25). Essa noção é ainda mais
proeminente em Anaxágoras, cuja concepção da primeira causa como Mente (59B12)
se torna muito influente no pensamento Grego subsequente, como veremos.
Embora
o maior dos Pré-socráticos, Parmênides, não se refira explicitamente ao seu
“ser” monolítico como Deus ou como divino, sua noção desse ser é totalmente
independente da contingência - incriado, imperecível, único, contínuo, imutável
e perfeito (Diels e Kranz 1951, 28Bb8.1-49) - estabelece a problemática para a
teologia filosófica subsequente pelo menos até Plotino. Deve-se notar também
que o prólogo da obra exclusiva de Parmênides, Sobre a Natureza, é, na verdade,
uma invocação da "deusa", que o guiará à esfera do ser, inacessível
aos meros mortais. Isso nos dá alguma indicação de como Parmênides considera o
ser. Com Parmênides, a questão não é se a melhor maneira de descrever a relação
do princípio originário (arché, em Grego antigo: ἀρχή), o ser imutável, com as
coisas dependentes dele, mas se algo além do ἀρχή existe junto a ele. Para dizer
o mínimo, para Parmênides, tudo o mais empalidece diante do transcendente, seja
como for que quisermos chamá-lo.
Platão
Como
muitos dos Pré-socráticos, Platão frequentemente fala desfavoravelmente da
adoração cúltica dos deuses dos mitólogos. No Eutífron, um dos primeiros
diálogos Socráticos, ele se refere as oferendas sacrificadas aos “deuses” como
trocas. Na República (onde os traços Socráticos são menores), Platão coloca na
boca de Adeimantus uma acusação muito persuasiva aos deuses de Hesíodo e Homero,
que se concentram em suas licenciosidades e desejos de aceitar subornos dos
injustos. Posteriormente, no mesmo livro (isto é, no livro 2), as obras de
Hesíodo e Homero são sujeitas a censura no esquema da cidade ideal, e no livro
10, poetas e outros artistas são banidos da cidade com o argumento de que eles
distorcem a realidade e cedem às fraquezas humanas.
A
tendência geral de preferir uma imagem do divino como menos "humana"
e arbitrária está em evidência na obra estritamente cosmológico de Platão, Timeu.
(É preciso ter cuidado ao citar Timeu, pois Platão diz explicitamente que ele
está apresentando um “provável mito” (29d2), mas é improvável que ele
apresente, mesmo como mito, algo muito diferente de sua própria opinião
considerada, logo, podemos ignorar essa complicação por enquanto.) No Timeu,
Platão retrata Deus como um Artesão ou Demiurgo Divino que traz ordem à
ausência de forma ou "o Receptáculo" (50d). (Portanto, ele não é um
deus criador; também em Aristóteles, Sobre o Céu I.10.280a28–32; e Long e
Sedley 1987, 13G1.4.) É impressionante que ele use exatamente essa imagem de
Deus, pois Platão não era exaltador de artesãos - eles nem são cidadãos da
cidade ideal da República. O objetivo da imagem é insistir que a atividade de
Deus é governada por regras e racional, como a atividade de um artesão que cria
produtos de acordo com conjuntos de procedimentos e modelos estabelecidos.
O
tipo de racionalidade que o Demiurgo traz para o universo é matemático: os
quatro elementos são, na sua estrutura mais profunda e indiscernível, figuras
geométricas. O fogo é piramidal, a terra é cúbica, o ar é octaedral e a água
icosaédral. Cada uma das figuras geométricas pode ser solucionável em
triângulos retângulos, o que permite que os elementos se transformem. Ou pelo
menos três deles podem fazê-lo - ar, fogo e água - que podem ser solucionáveis
em triângulos retângulos escalenos. A Terra, cujos cubos são resolvíveis apenas
em triângulos retos isósceles, resiste a essa mistura. Platão parece ter
concebido a Terra cúbica por razões teóricas e foi criticado por isso por
Aristóteles, com o argumento de que a teoria não correspondia aos fatos.
Aristóteles diz dos Platônicos: “eles tinham visões preconcebidas e estavam
decididos a alinhar tudo com essas visões” (Sobre o Céu 360a8-9). Se
Aristóteles estava sendo justo com Platão e suas escolas é questionável; mas
ele certamente está correto ao discernir a predominância da teoria no Timeu à
custa da particularidade. Tudo isso faz parte do projeto de Platão,
compartilhado com os Pré-socráticos, de racionalizar o divino. "Enquanto a
cosmologia de Platão faz um reconhecimento abrangente do poder sobrenatural no
universo, ele o faz com uma garantia interna de que esse poder nunca será
exercido para perturbar as regularidades da natureza" (Vlastos 1975, p.
61).
No
entanto, nada é simples no estudo de Platão, e há passagens que nos puxam na
direção oposta. A mais importante delas está no décimo livro das Leis, onde
Platão discute questões teológicas de maneira bastante direta - ou seja, na
maioria das vezes, sem o uso de mitos. Seu porta-voz, o Estranho Ateniense,
está preocupado principalmente com a impiedade religiosa, que, com certeza,
prejudica a constituição de uma cidade. No final do livro, ele impõe
penalidades - incluindo a pena de morte (908e1) - às várias classes de
"ateus". Ele deprecia as doutrinas de certos físicos não mencionados
que dizem que os quatro elementos existem "por natureza e por acaso"
(889b1 - 2). A posição atacada é um tipo de evolucionismo materialista (Solmsen
1942, pp. 137, 145 - 6), bem dentro do gênio do racionalismo Pré-socrático. A
posição defendida é a teleológica e antecipa em alguns pontos (893bff) o
argumento causal de Aristóteles para a existência de Deus na Física VII-VIII.
Embora aqui nas Leis o Artesão Divino faça uma aparição (sob a capa do mito -
903b1 - 2), Deus é descrito principalmente como a Alma do Mundo (896a5– b1;
também Fedro 244c5–246a2; mas também Leis 12.967d6-7), ainda mais intimamente
ligado ao universo do que o Timeu. Essa estreita relação em ambos os casos
também contrasta deliberadamente com a Mente de Anaxágoras, criticada no Fedro
98cd por não estar suficientemente envolvida no universo. Platão também monta
em Leis X uma defesa da ideia - questionada, por exemplo, em Eurípides (veja
Plutarco, Moralia 464A) - de que os deuses se preocupam com os detalhes das
vidas pessoais.
Existe
uma maneira de reconciliar essas duas vertentes da doutrina Platônica, uma que
descreve um Deus "racional", a outra um Deus mais
"intervencionista"? Há, levando em consideração a maneira pela qual
Platão defende a última. Nas Leis X Platão argumenta que, para os deuses, não
se preocupar com os detalhes da vida pessoal seria incompatível com sua
natureza. Se os artesãos humanos sabem cuidar dos detalhes de seus próprios
negócios, muito mais os deuses, que “sendo bons, possuem todas as virtudes
próprias de si mesmos para cuidar de todas as coisas” (900d1–2). Uma vez
estabelecido esse ponto, é fácil justificar práticas cúlticas, desde que não
envolvam os deuses em coisas incompatíveis com sua natureza divina, como a
injustiça (905d8-906d6). Dessa maneira, a preocupação dos deuses com a
humanidade se torna parte de sua própria racionalização ou inteligibilidade.
Argumentos desse tipo baseados nas características naturais de Deus, é claro,
terão um papel enorme na teologia filosófica subsequente. A mais importante das
características isoladas por Platão é a bondade de Deus (veja, por exemplo,
Timeu 29e1 - 3; Fedro 247a4-7; República II.381b1–5.382e8–11). Com isso
estabelecido, ele é livre para argumentar filosoficamente também que todos
devemos procurar a semelhança com Deus (homoiosis theoi – Teeteto 176b1-3), uma
espécie de intervenção divina reversa.
Aristóteles
A
teologia filosófica de Aristóteles tem muito em comum com a de Platão. Sua
abordagem teleológica da física e da cosmologia é igualmente incompatível com o
evolucionismo materialista que Platão critica nas Leis X (ver Física VIII.1 e
Metafísica I.8.988b22-8); e ele favorece uma desmitologização da teologia
(Metafísica XII.8.1074a38 - b14; Política I.2.1252b26 - 7) sem negar que os
deuses inferiores existem (Metafísica XII.8).
Ele
também sugere em vários lugares que ele não é totalmente contrário à ideia de
Deus como a Alma do Mundo (embora ele não tenha tempo para um Artesão Divino).
Por exemplo, em Metafísica XII.8, no final de sua explicação de como o motor
imóvel funciona através dos planetas e estrelas, influenciando também eventos
humanos (1074a25-31), ele diz que os antigos tinham um pressentimento disso -
isto é, que os corpos celestes “são divinos e que o divino abraça toda a
natureza” (1074b2 - 3). Na Metafísica XII (especialmente 7 e 9), ele identifica
Deus, "um ser vivo" (1072b29), com nous (mente), um componente claro
também da alma humana (ver também Metafísica XII.9.1075a6 - 10 e Sobre a Alma
III.5). E na Ética a Nicômaco X.8, ele usa, como base de um argumento que a
contemplação filosófica é a vocação mais alta, a ideia de que os deuses cuidam
dos assuntos humanos (1179a24-5). Portanto, embora pareça que Aristóteles nunca
fale de Deus como a Alma do Mundo (veja, no entanto, Clemente de Alexandria,
Protrepticus V.66.4), ele certamente é a favor de um Deus intimamente ligado ao
mundo.
Na
Física VIII.5, no entanto, ele também fala favoravelmente da Mente de
Anaxágoras, na medida em que é "impassiva e sem mistura [com o
mundo]" (256b24- 7; cp. Metafísica I.4.985a18). A palavra anterior,
especialmente (“impassivo” ou apathes) aparece em várias outras passagens
cruciais para a consideração atual (por exemplo, Metafísica XII.7.1073a11;
Sobre a Alma III.5.430a24, I.4.408b27 – 31), para que possamos ter certeza de
que o elogio de Aristóteles a Anaxágoras não é uma observação perdida. Como
Aristóteles pode sustentar que Deus é imanente e também “impassivo e sem
mistura?” Muito de seu argumento depende de uma analogia extraída da geometria.
Assim como o locus primário de poder e influência em uma esfera rotativa é o
seu eixo central, que, embora se mova (transitivamente) as outras partes da
esfera, permanece quieta, também o motor imóvel permanece majestosamente
impassivo, mesmo sendo o fonte da atividade do universo (Física VIII.9.265b7 -
8; ver também Movimento dos Animais III). Aristóteles combina essa ideia de
poder imanente com a ideia de que Deus é uma causa final, como “o objeto do
desejo e o objeto do pensamento”, pois “se movem, mas não são movidos”
(Metafísica XII.7.1072a26 - 7) O resultado final é uma concepção de Deus como
uma força impulsora dentro do universo e um objeto de desejo que atrai o homem
para além dele. Aristóteles também fala do motor imóvel como "pensamento
pensando a si próprio" (Metafísica XII.9.1074b33-5; ver também Ética
Eudemônica VII.12.1245b16-19) e foi criticado por colocar um Deus distante e
auto-absorvido. Mas isso é bastante irreconciliável com sua teoria geral e deve
ser resistido como uma possível interpretação. Aristóteles rejeita a noção de
que Deus possa pensar em algo que não seja ele mesmo precisamente porque isso
diminuiria seu poder (Metafísica XII.9.1074b34). O poder que preocupa
Aristóteles é o poder pelo qual Deus tem um efeito no mundo (Metafísica
XII.6.1071b12 - 32). (Na Física VIII.5,
Aristóteles
também fala da Mente mencionada por Anaxágoras que "Ela só podia causar
movimento da maneira que causa sendo imóvel, e só pode governar não estando
misturado”- 256b26 - 7; ênfase adicionada.) Portanto, devemos conceber os
pensamentos de Deus sobre si mesmo como ligados à sua imanência (Metafísica
I.2.983a8 - 10, III.4.1000b3-6). Aristóteles oferece uma explicação de como
isso funciona: assim como nossas intenções (internas) são seus objetos externos
menos sua matéria, Deus também se pensa nas coisas que dependem dele
(Metafísica XII.9.1047b38 - a5; também Sobre a Alma III.5.430a19-20). A
interpretação de Tomás de Aquino pareceria então correta, que é precisamente em
pensar em si mesmo que Deus sabe - e controla - todas as outras coisas (nas
seções 2614 - 16 da Metafísica).
Filosofia Helenística e Posterior
Duas novas escolas principais de pensamento surgem em Atenas logo após a morte de Aristóteles em 322 a.C: o Estoicismo, fundado por Zenão de Cério em cerca de 300, e o Epicurismo, fundado por Epicuro em cerca de 307. Variedades de ceticismo também são importantes durante esse período e depois, alguns dos mais importantes céticos filosóficos que se estabelecem na própria Academia de Platão. O Platonismo também dá origem ao Platonismo Médio e depois ao Neoplatonismo, que passou por várias fases e dificilmente é identificável como um “escola” devido à sua natureza muitas vezes sincrética e à verdadeira originalidade de algumas de suas principais figuras - notadamente Plotino (cerca de 205 – 70 d.C.). Do Liceu Aristotélico emergem vários filósofos chamados Peripatéticos, o último dos quais Alexandre de Afrodisias (fl. Início do século III d.C.). É impossível, no presente contexto, tratar de maneira adequada um legado filosófico tão vasto e complicado que se seguiu ao período clássico. Alguns comentários sobre Estoicismo, Epicurismo e Plotino e como eles se relacionam com as ideias já discutidas terão que ser suficientes.
O
Deus do Estoicismo é um animal imortal e racional, perfeitamente abençoado, bom
e providente (Long e Sedley 1987, 54A, 54K). Os Estóicos sustentam que essas e
outras características de Deus - incluindo, de acordo com Diógenes da
Babilônia, sua existência (54D3) - são autoevidentes em nossos
"preconceitos" (54K; também pp. 249 - 53). Eles fornecem uma série de
provas para a existência de Deus (54C - E). Eles estão interessados em
assimilar em sua teologia os deuses tradicionais do panteão, embora insistem
também que Deus não é antropomórfico (54A). (Como ocorre frequentemente nos
escritos Gregos, eles alternam facilmente entre falar do divino no singular e
no plural; ver, por exemplo, 54E.) Deus permeia todo o mundo trazendo a razão
(logos) ou causa a matéria inerte e sem forma (44B - E, 46A - B, 55E); e os
deuses tradicionais representam essa presença imanente e ativa de Deus no
universo (54I). Essa causa divina, embora racional, não é concebida como a
causa final Aristotélica, uma vez que a causa, de acordo com os Estóicos, é
simplesmente "aquela por causa da qual" e está associada aos corpos.
(55A-C). De fato, Deus é corporal (46H), a “concepção do fogo” ou “semente”
racional que permeia o universo (46A1, B2). Conseqüentemente, Deus não se
destaca como um artesão que planeja; pois o plano existe na estrutura causal do
mundo. Às vezes, Deus é chamado de Alma do Mundo (44C, 46E, 46F). A providência
divina é evidente neste mundo teleologicamente ordenado (54H); outro nome para
providência é "destino" - significando, no entanto, "não o
'destino' da superstição, mas o da física" (55L, também 54U). (A concepção
Estóica do destino, no entanto, é um assunto extremamente complexo.) Vivemos
virtuosamente ao vivermos de acordo com a razão, que é viver de acordo com a
causação divina (60H4, 63C).
O
Epicurismo contesta explicitamente uma série de ideias Platônicas e Estóicas.
Notavelmente, como parte de um anti-teleologismo geral (Long e Sedley 1987,
13E, F5), rejeita tanto a noção de um Artesão Divino (13F4, G2) quanto a noção
de natureza da razão à qual podemos nos conformar (13E, 13I, 13J, 21F2). Não
considera explicitamente a Teleologia Aristotélica; Alexandre de Afrodisias
sugere que ela simplesmente negligencia Aristóteles a esse respeito (13J2). O
Epicurismo não é ateu, incentivando até a adoração dos deuses (23D, E5, I) que
existem em forma humana (23E6); mas o adorador não deve esperar a intervenção
dos deuses. As duas características auto-evidentes dos deuses são a bem-aventurança
e a imortalidade (23E2 - 3): o envolvimento em um mundo tão cheio de bestas
selvagens e bebês chorões (13F6 - 7) mancharia o primeiro (13D3). Long e Sedley
argumentam que o próprio Epicuro era ateu - pelo menos no sentido de que os
deuses eram para ele meras projeções psicológicas das ideias éticas do homem
(vol. 1, pp. 147-9); mas essa teoria funda-se na afirmação de Epicuro de que os
deuses são imortais (23B1; ver também 23B2, E2, 54J5). O Epicurismo também
propõe um tipo de evolucionismo materialista (13E, 13I, 15J1 - 2), muito
parecido com o que Platão rejeita nas Leis X. A atitude de Plotino em relação à
religião pagã tradicional é ambivalente, se não hostil (Vida 10.35-6; mas veja
os Anexos III.5.2-3). Para ele, Deus é o Inefável, abaixo do qual estão
divididas a Mente divina (que não é apenas "um deus", mas a divindade
em sua totalidade – Enéadas V.5.3.1 - 3) e Alma. O Uno é simples, diferente de
tudo o que vem depois; existe por si só, sem mistura com os seres que dele
dependem, capaz de estar presente, à sua maneira, em todos os seres (Enéadas
V.4.1.5-10). A mente, por outro lado, é complexa (Enéadas V.4.2, 6.6), na
medida em que, pensando em si mesma (como em Aristóteles), pensa nas Formas
Platônicas e funciona como um Artesão (Enéadas V.9.3, 5). A alma tem contato
direto com o mundo material: é de fato uma alma do mundo (Enéadas IV.8.1 - 3,
V.9.14). A relação causal do Uno (também chamado de Bom) com o resto do
universo é, como em Aristóteles, de atração e finalidade (Enéadas VI.7.16 - 20,
42). A mente existe na medida em que contempla o Uno; A alma existe na medida
em que olha para as Formas na Mente; a natureza, que não é realmente separada
da Alma, produz o mundo por uma espécie de acidente, devido à sua orientação ao
divino e à sua distância dele. Plotino compara a natureza a um contemplador
fraco que, eventualmente, recorre a um dispositivo físico para entender
(Enéadas III.8.4). Suas últimas palavras foram: “Busque guiar o deus em você
até o divino no universo” (Vida 2.26 - 7).
Tradução: Walson Sales
Fonte: FLANNERY, Kevin L. Ancient Philosophical Theology. In TALIAFERRO, Charles; DRAPER, Paul; QUINN, Phillip L. (Ed). The Blackwell Companion to Philosophy: A Companion to Philosophy of Religion. Second Edition. West Sussex, UK: WilleyBlackwell, 2010, pp. 83-90.
Obras
citadas:
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Leituras adicionais recomendadas
Bodéüs,
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R. “Aristotelian Theology after Aristotle,” in Traditions of Theology: Studies
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