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[Nota do tradutor: Este épico da
literatura Cristã deveria ser publicado no Brasil o mais rápido possível e
nossa intenção precípua em traduzir a introdução (e provavelmente outro
capítulo), é a de fomentar o debate, aguçar a curiosidade dos Cristãos em
geral, divulgar o conteúdo do livro e
buscar editoras que se interessem em comprar os direitos autorais para que esta
obra seja publicada no Brasil muito em breve. Bons estudos.]
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O colapso do positivismo e seu correspondente
princípio de verificação do significado foram, sem dúvida, o evento filosófico
mais importante do século XX. Sua morte anunciou um ressurgimento da
metafísica, juntamente com outros problemas tradicionais da filosofia que o
verificacionismo havia suprimido. Acompanhando esse ressurgimento, surgiu algo
novo e totalmente imprevisto: um renascimento na filosofia Cristã.
O resultado foi a transformação da face da
filosofia Anglo-Americana. O Teísmo está em ascensão; o ateísmo está em
declínio. O ateísmo, embora talvez ainda seja o ponto de vista dominante nas
universidades Americanas, é uma filosofia em retraimento. Em um artigo recente
na revista secularista Philo, Quentin
Smith [astrofísico e filósofo ateu] lamenta o que ele chama de "a
dessecularização da academia que evoluiu nos departamentos de filosofia desde o
final dos anos 1960". Ele reclama que:
[n]aturalistas assistiram passivamente como
versões realistas do teísmo. . . começaram a varrer a comunidade filosófica,
até hoje talvez um quarto ou um terço dos professores de filosofia sejam
teístas, sendo a maioria Cristãos ortodoxos. . . . na filosofia, tornou-se,
quase da noite para o dia, 'academicamente respeitável' argumentar em favor do
teísmo, tornando a filosofia um campo de entrada preferido para os teístas mais
inteligentes e talentosos que hoje ingressam na academia.[1]
Smith conclui: "Deus não está 'morto' na
academia; ele voltou à vida no final dos anos 1960 e agora está vivo e bem em
sua última fortaleza acadêmica, os departamentos de filosofia.”[2]
O renascimento da filosofia Cristã nos últimos
50 anos serviu para revigorar a teologia natural, esse ramo da teologia que
busca fornecer justificativas a favor da crença na existência de Deus, a parte
dos recursos da revelação autoritativa e proposicional. Hoje, em contraste com
apenas uma geração atrás, a teologia natural é um campo vibrante de estudo.[3]
Todos os vários argumentos tradicionais a favor da existência de Deus, bem como
novos argumentos criativos, encontram defensores proeminentes e inteligentes
entre os filósofos contemporâneos. Além disso, ideias genuinamente novas foram
adquiridas em problemas tradicionais levantados por não-teístas, como o
problema do mal e a coerência do teísmo.
Neste volume, reunimos alguns dos principais
pensadores e escritores em teologia natural da atualidade e damos a eles a
oportunidade de desenvolver extensivamente seus argumentos e interagir com os
argumentos dos críticos. O volume resultante é um compêndio de argumentos
teístas na vanguarda da discussão filosófica.
O volume começa com um ensaio sobre o projeto de teologia natural escrito por
Charles Taliaferro. Ele não apenas fornece uma perspectiva histórica dos
debates contemporâneos sobre argumentos teístas, mas, ainda mais, também
enfatiza a importância de questões na filosofia da mente para a viabilidade da
teologia natural. Para quem não está aberto à noção de uma substância mental
imaterial distinta de um substrato material, todo o projeto da teologia natural
é abortivo. Pois Deus é apenas uma mente sem corpo, distinta e criadora do
universo físico. Taliaferro, portanto, procura mostrar que estamos longe de ter
a garantia de que mentes substanciais são impossíveis, de modo que devemos
estar abertos ao projeto de teologia natural.
Alexander Pruss explora o primeiro argumento
teísta em discussão neste volume, o argumento
da contingência ou a versão do argumento cosmológico classicamente
associado a G. W. Leibniz. O argumento tenta fundamentar a existência do
domínio contingente das coisas em um ser necessariamente existente. Os principais
defensores contemporâneos de argumentos teístas desse tipo incluem Richard
Taylor, Timothy O'Connor, Robert Koons, Richard Swinburne, Stephen Davis e
Bruce Reichenbach, entre outros. Pruss identifica e discute detalhadamente
quatro questões-chave que qualquer defesa bem-sucedida de tal argumento deve
abordar:
1. o status do Princípio da Razão Suficiente;
2. a possibilidade de uma regressão infinita de
explicações;
3. a aplicabilidade do Princípio da Razão
Suficiente ao explanatório último; e
4. o significado teológico da conclusão do
argumento.
Um argumento cosmológico de um tipo diferente,
amplamente negligenciado até décadas recentes, é o chamado argumento cosmológico kalam. Com base na finitude da série temporal
de eventos passados, o argumento aspira a mostrar a existência de um Criador
pessoal do universo, que criou o universo e, portanto, é responsável pelo
início do universo. Filósofos como G.J. Whitrow, Stuart Hackett, David Oderberg
e Mark Nowacki fizeram contribuições significativas para esse argumento. Em sua
abordagem, William Lane Craig e James Sinclair examinam novamente dois
argumentos filosóficos clássicos para a finitude do passado à luz da matemática
e da metafísica modernas e revisam notáveis evidências científicas retiradas do
campo da cosmologia astrofísica que aponta para uma origem temporal absoluta do
cosmos. Com esse argumento, começamos a ver os vínculos íntimos e fascinantes
entre a teologia natural e os desenvolvimentos na ciência contemporânea que os
filósofos não podem se dar ao luxo de ignorar.
Esses vínculos são trabalhados na abordagem de
Robin Collins do argumento teleológico.
John Leslie, Paul Davies, Richard Swinburne, William Dembski, Michael Denton e
Del Ratzsch estão entre os muitos defensores desse argumento hoje. Focando na
sintonia fina, constantes e condições iniciais das leis da natureza, Collins
questiona como esse incrível ajuste fino é melhor explicado. Ao desdobrar sua
resposta, Collins formula cuidadosamente uma teoria da probabilidade que serve
de estrutura para seu argumento, abordando questões-chave como a natureza da
probabilidade, o princípio da indiferença e os intervalos comparativos de
valores que permitem a vida versus valores possíveis para os parâmetros
ajustados nessa sintonia fina. Ele argumenta que as evidências confirmam
fortemente a hipótese do teísmo sobre uma hipótese ateísta do universo único e,
além disso, apelos a uma hipótese do multiverso ou de muitos mundos para
resgatar a posição ateísta são, em última análise, inúteis. Por fim, ele avalia
o significado de sua conclusão a favor do argumento geral do teísmo.
O argumento da sintonia fina diz respeito ao
design do universo com foco nos agentes morais encarnados. Focamos esses
agentes quando saímos das discussões sobre o mundo externo e entramos no mundo
interno dos seres humanos no ensaio de J. P. Moreland sobre o argumento da consciência. Deixando de
lado o pampsiquismo com base no fato de que, primeiro, é um rótulo para o
problema da origem da consciência e não uma solução e, segundo, o teísmo e o
naturalismo são as únicas opções vivas para a maioria dos pensadores
ocidentais, Moreland estabelece as restrições ontológicas para uma visão de
mundo naturalista que segue mais plausivelmente de uma epistemologia
naturalista, etiologia e ontologia básica, a saber, há um ônus de prova para
qualquer ontologia naturalista que se aventura além do fisicalismo estrito.
Moreland então apresenta e defende as premissas centrais em um argumento para
Deus a partir da existência de consciência ou sua correlação legal com estados
físicos (o argumento para Deus a partir da consciência, aqui depois abreviado
como Argumento da Consciência - AC). Devido o AC ser rival do naturalismo, há
um ônus adicional de prova para uma ontologia naturalista que quantifica sobre
propriedades emergentes sui generis,
tais como as constitutivas da consciência. Depois de caracterizar
epistemologicamente a gravidade dialética desse fardo, na seção final, Moreland
refuta as três teorias naturalistas mais importantes da existência da
consciência, a saber, as visões de John Searle, Colin McGinn e Timothy
O'Connor. Os defensores contemporâneos desse argumento incluem Charles
Taliaferro, Richard Swinburne e Robert Adams.
Parcialmente devido à conexão teísta entre a
consciência finita e Deus, surgiu uma indústria caseira de versões do
fisicalismo para eliminar a consciência em favor de ou reduzir a consciência de
uma maneira ou de outra para algo físico. Embora para muitos isso seja difícil
de vender, a existência e a natureza da razão não podem ser facilmente tratadas
nesse sentido sob pena de inconsistência auto-referencial. Assim, Victor
Reppert desenvolve um argumento da razão
para a existência de Deus com base na realidade da razão nos seres humanos.
Argumentos semelhantes foram desenvolvidos por C. S. Lewis e Alvin Plantinga.
Embora o argumento assuma várias formas, em todos os casos, de acordo com
Reppert, o argumento tenta mostrar que as condições necessárias do raciocínio
lógico e matemático, que sustentam as ciências naturais como atividade humana,
exigem a rejeição de todas as visões de mundo amplamente materialistas. Reppert
começa examinando a natureza do argumento e identificando as características
centrais de uma cosmovisão materialista. Ao fazê-lo, ele expõe o problema geral
do materialismo e como o argumento da razão aponta para um único aspecto desse
problema mais amplo. Segundo, ele examina a história do argumento, incluindo a
famosa controvérsia de Lewis-Anscombe. Ao fazê-lo, Reppert indica como o
argumento da razão pode superar as objeções de Anscombe. Ele também explica a
estrutura transcendental do argumento. Terceiro, ele investiga três
sub-argumentos: o argumento da intencionalidade, o argumento da causalidade
mental e o argumento da relevância psicológica das leis lógicas, mostrando como
elas demonstram dificuldades sérias e não resolvidas para o materialismo.
Finalmente, Reppert apresenta algumas objeções populares e mostra que elas não
refutam o argumento.
Tendo apresentado duas características da
antropologia que são fatos recalcitrantes para os naturalistas, mas que
fornecem evidências para o teísmo - consciência e razão -, um terceiro fato
teísta sobre seres humanos é que eles são agentes morais com valor intrínseco.
Assim, voltamos a questões metaéticas, pois Mark Linville apresenta um argumento moral a favor da existência de
Deus. Filósofos contemporâneos que defenderam várias versões do argumento moral
a favor do teísmo incluem Robert Adams, William Alston, Paul Copan, John Hare e
Stephen Evans. Linville argumenta que os naturalistas, comprometidos como estão
com o desenvolvimento evolutivo cego de nossas faculdades cognitivas em
resposta às pressões para sobreviver, não podem ser justificados em suas
convicções morais, em contraste com os teístas, que vêem nossas faculdades
morais sob a soberania de Deus. Linville também afirma que as visões ateístas
da ética normativa, em contraste com as visões teístas, não podem fundamentar
adequadamente a crença na dignidade humana. Se confiamos em nossas convicções
morais ou acreditamos na dignidade pessoal, devemos ser teístas.
As considerações morais levantam naturalmente o problema do mal no mundo. Em seu
capítulo, Stewart Goetz faz uma distinção entre a ideia de uma defesa e a de
uma teodicéia, e defende uma instância dessa última. Como uma introdução à sua
teodicéia, Goetz examina o propósito ou significado da vida de um indivíduo.
Embora a grande maioria dos filósofos, incluindo aqueles que escrevem sobre o
problema do mal, demonstrem pouco ou nenhum interesse nesse tópico por muito
tempo, Goetz acredita que uma compreensão do propósito para o qual uma pessoa
existe fornece a percepção central de um teodicéia viável. Esse insight defende
que uma pessoa existe com o objetivo de experimentar o grande bem da felicidade
perfeita. Devido o fato de que a felicidade perfeita é o maior bem de um
indivíduo, Goetz argumenta que esse bem perfeito fornece a ideia central de por
que Deus é justificado em permitir o mal. Os principais colaboradores
contemporâneos de um tratamento teísta do mal incluem Alvin Plantinga, William
Alston, Richard Swinburne, Marilyn Adams, Peter van Inwagen e Stephen Wykstra,
entre muitos outros.
Um aspecto do problema do mal é a aparente
inatividade de Deus na presença do mal e no meio da vida cotidiana comum. Por
outro lado, tem sido o testemunho de milhões de pessoas que o próprio Deus
apareceu em suas vidas e que essas pessoas experimentaram Sua presença e viram
efeitos em e ao redor de suas vidas do que somente Deus poderia fazer. Os seres
humanos não são apenas agentes morais, são também inelutavelmente religiosos.
Segundo Kai-man Kwan, o argumento da
experiência religiosa sustenta que, dadas as premissas apropriadas, podemos
derivar das experiências religiosas da humanidade um grau significativo de
justificativa epistêmica para a existência de Deus. Kwan não tem intenção de
argumentar aqui que apenas uma tradição teísta específica (como o Cristianismo)
está correta. Ele se concentra em uma subclasse de experiências religiosas, as
experiências de Deus ou a experiência teísta, e argumenta que as experiências
teístas fornecem justificativa significativa para a crença em Deus. Kwan não
afirma que seu argumento é um argumento conclusivo por si só, mas ele acha que
é um argumento razoável que pode contribuir a favor do argumento cumulativo da
existência de Deus. Os defensores contemporâneos dos argumentos da experiência
religiosa teísta incluem William Alston, Jerome Gellman, William Wainwright e
Keith Yandell.
O ápice da teologia natural é o famoso argumento ontológico, que infere a
existência de Deus a partir do conceito de Deus como o maior ser concebível.
Esse argumento, se for bem-sucedido, nos demonstrará Deus com todos os Seus
atributos superlativos e grandiosos. Os defensores recentes do argumento em
várias formas incluem Charles Hartshorne, Kurt Gödel, Norman Malcolm, Alvin
Plantinga, Clement Dore, Stephen Davis e Brian Leftow. Em seu ensaio, Robert
Maydole, um dos filósofos mais recentes a entrar nas listas em nome do
argumento ontológico, examina as afirmações clássicas do argumento juntamente
com as reformulações contemporâneas. Ele argumenta que algumas versões do
argumento ontológico não são apenas sólidas, mas também não se baseiam em um
argumento circular e não estão suscetíveis às paródias que os detratores do
argumento freqüentemente oferecem.
Nosso ensaio
final passa do teísmo genérico ao teísmo especificamente Cristão, à medida que
Timothy e Lydia McGrew desenvolvem em detalhes um argumento dos milagres, o milagre neste caso sendo o milagre
Cristão central da ressurreição de Jesus de Nazaré. Os estudiosos que fizeram
contribuições significativas para um argumento desse tipo incluem Wolfhart
Pannenberg, N.T. Wright, Gerald O'Collins, William Lane Craig, Stephen Davis,
Richard Swinburne, Dale Allison, Gary Habermas e uma série de historiadores do
Novo Testamento. A contribuição dos McGrew reside na formulação cuidadosa do
argumento nos termos do Teorema de Bayes, ao mostrar como, no ritmo de David
Hume, os milagres são positivamente identificáveis como a hipótese mais
provável, apesar da improbabilidade prévia de uma reivindicação de milagre.
Eles argumentam que, no caso da suposta ressurreição de Jesus, a relação entre
as probabilidades da hipótese da ressurreição e sua contraditória é tal que se
deve concluir que a hipótese da ressurreição é a hipótese mais provável da
evidência total.
Os argumentos anteriores, embora não esgotem o
leque de argumentos da teologia natural contemporânea, servem como
representativos do melhor trabalho que está sendo feito no campo hoje. É nossa
esperança que a presente Obra/Companion
sirva de estímulo à discussão e desenvolvimento adicional desses argumentos.
_________________________
Fonte:
CRAIG,
William Lane; MORELAND, J. P. (Ed). The
Blackwell Companion to Natural Theology. West Sussex, UK: Willey-Blackwell,
2009, pp. ix-xiii.
Tradução Walson Sales
_________________________
Notas:
[1] Smith (2001). Um sinal dos tempos: o próprio
jornal Philo, incapaz de ter sucesso
como órgão secular, tornou-se um jornal de filosofia da religião em geral.
[2] Smith (2001, p. 4).
[3] A mudança não passou despercebida, mesmo na
cultura popular. Em 1980, a revista Time
publicou uma matéria importante intitulada "Modernizando o Argumento à
favor de Deus", na qual descrevia o movimento entre os filósofos
contemporâneos para recuperar os argumentos tradicionais à favor da existência
de Deus. A Time se noticiou
maravilhada: “Em uma revolução silenciosa no pensamento e no argumento que
quase ninguém poderia prever apenas duas décadas atrás, Deus está voltando. O
mais intrigante é que isso está acontecendo não entre teólogos ou crentes
comuns, mas nos mais altos círculos intelectuais dos filósofos acadêmicos, onde
o consenso baniu o Todo-Poderoso por muito tempo do discurso frutífero” (Time 1980). O artigo cita o falecido
Roderick Chisholm que afirmou que a razão pela qual o ateísmo era tão influente
uma geração atrás é que os filósofos mais brilhantes eram ateus; mas hoje, em
sua opinião, muitos dos filósofos mais brilhantes são teístas, que usam um intelectualismo
forte em defesa dessa crença que antes faltava do lado deles do debate.
Referências:
Modernizing the case for God. Time, April 7, 1980, 65–6.
Smith, Q. (2001) The metaphilosophy of
naturalism. Philo 4: 2, 3–4.
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