sábado, 8 de fevereiro de 2020

Introdução do livro The Blackwell Companion to Natural Theology, editado por William Lane Craig e J. P. Moreland


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[Nota do tradutor: Este épico da literatura Cristã deveria ser publicado no Brasil o mais rápido possível e nossa intenção precípua em traduzir a introdução (e provavelmente outro capítulo), é a de fomentar o debate, aguçar a curiosidade dos Cristãos em geral, divulgar o conteúdo do livro e buscar editoras que se interessem em comprar os direitos autorais para que esta obra seja publicada no Brasil muito em breve. Bons estudos.]
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O colapso do positivismo e seu correspondente princípio de verificação do significado foram, sem dúvida, o evento filosófico mais importante do século XX. Sua morte anunciou um ressurgimento da metafísica, juntamente com outros problemas tradicionais da filosofia que o verificacionismo havia suprimido. Acompanhando esse ressurgimento, surgiu algo novo e totalmente imprevisto: um renascimento na filosofia Cristã.
O resultado foi a transformação da face da filosofia Anglo-Americana. O Teísmo está em ascensão; o ateísmo está em declínio. O ateísmo, embora talvez ainda seja o ponto de vista dominante nas universidades Americanas, é uma filosofia em retraimento. Em um artigo recente na revista secularista Philo, Quentin Smith [astrofísico e filósofo ateu] lamenta o que ele chama de "a dessecularização da academia que evoluiu nos departamentos de filosofia desde o final dos anos 1960". Ele reclama que:
[n]aturalistas assistiram passivamente como versões realistas do teísmo. . . começaram a varrer a comunidade filosófica, até hoje talvez um quarto ou um terço dos professores de filosofia sejam teístas, sendo a maioria Cristãos ortodoxos. . . . na filosofia, tornou-se, quase da noite para o dia, 'academicamente respeitável' argumentar em favor do teísmo, tornando a filosofia um campo de entrada preferido para os teístas mais inteligentes e talentosos que hoje ingressam na academia.[1]
Smith conclui: "Deus não está 'morto' na academia; ele voltou à vida no final dos anos 1960 e agora está vivo e bem em sua última fortaleza acadêmica, os departamentos de filosofia.”[2]
O renascimento da filosofia Cristã nos últimos 50 anos serviu para revigorar a teologia natural, esse ramo da teologia que busca fornecer justificativas a favor da crença na existência de Deus, a parte dos recursos da revelação autoritativa e proposicional. Hoje, em contraste com apenas uma geração atrás, a teologia natural é um campo vibrante de estudo.[3] Todos os vários argumentos tradicionais a favor da existência de Deus, bem como novos argumentos criativos, encontram defensores proeminentes e inteligentes entre os filósofos contemporâneos. Além disso, ideias genuinamente novas foram adquiridas em problemas tradicionais levantados por não-teístas, como o problema do mal e a coerência do teísmo.
Neste volume, reunimos alguns dos principais pensadores e escritores em teologia natural da atualidade e damos a eles a oportunidade de desenvolver extensivamente seus argumentos e interagir com os argumentos dos críticos. O volume resultante é um compêndio de argumentos teístas na vanguarda da discussão filosófica.
O volume começa com um ensaio sobre o projeto de teologia natural escrito por Charles Taliaferro. Ele não apenas fornece uma perspectiva histórica dos debates contemporâneos sobre argumentos teístas, mas, ainda mais, também enfatiza a importância de questões na filosofia da mente para a viabilidade da teologia natural. Para quem não está aberto à noção de uma substância mental imaterial distinta de um substrato material, todo o projeto da teologia natural é abortivo. Pois Deus é apenas uma mente sem corpo, distinta e criadora do universo físico. Taliaferro, portanto, procura mostrar que estamos longe de ter a garantia de que mentes substanciais são impossíveis, de modo que devemos estar abertos ao projeto de teologia natural.
Alexander Pruss explora o primeiro argumento teísta em discussão neste volume, o argumento da contingência ou a versão do argumento cosmológico classicamente associado a G. W. Leibniz. O argumento tenta fundamentar a existência do domínio contingente das coisas em um ser necessariamente existente. Os principais defensores contemporâneos de argumentos teístas desse tipo incluem Richard Taylor, Timothy O'Connor, Robert Koons, Richard Swinburne, Stephen Davis e Bruce Reichenbach, entre outros. Pruss identifica e discute detalhadamente quatro questões-chave que qualquer defesa bem-sucedida de tal argumento deve abordar:
1. o status do Princípio da Razão Suficiente;
2. a possibilidade de uma regressão infinita de explicações;
3. a aplicabilidade do Princípio da Razão Suficiente ao explanatório último; e
4. o significado teológico da conclusão do argumento.
Um argumento cosmológico de um tipo diferente, amplamente negligenciado até décadas recentes, é o chamado argumento cosmológico kalam. Com base na finitude da série temporal de eventos passados, o argumento aspira a mostrar a existência de um Criador pessoal do universo, que criou o universo e, portanto, é responsável pelo início do universo. Filósofos como G.J. Whitrow, Stuart Hackett, David Oderberg e Mark Nowacki fizeram contribuições significativas para esse argumento. Em sua abordagem, William Lane Craig e James Sinclair examinam novamente dois argumentos filosóficos clássicos para a finitude do passado à luz da matemática e da metafísica modernas e revisam notáveis evidências científicas retiradas do campo da cosmologia astrofísica que aponta para uma origem temporal absoluta do cosmos. Com esse argumento, começamos a ver os vínculos íntimos e fascinantes entre a teologia natural e os desenvolvimentos na ciência contemporânea que os filósofos não podem se dar ao luxo de ignorar.
Esses vínculos são trabalhados na abordagem de Robin Collins do argumento teleológico. John Leslie, Paul Davies, Richard Swinburne, William Dembski, Michael Denton e Del Ratzsch estão entre os muitos defensores desse argumento hoje. Focando na sintonia fina, constantes e condições iniciais das leis da natureza, Collins questiona como esse incrível ajuste fino é melhor explicado. Ao desdobrar sua resposta, Collins formula cuidadosamente uma teoria da probabilidade que serve de estrutura para seu argumento, abordando questões-chave como a natureza da probabilidade, o princípio da indiferença e os intervalos comparativos de valores que permitem a vida versus valores possíveis para os parâmetros ajustados nessa sintonia fina. Ele argumenta que as evidências confirmam fortemente a hipótese do teísmo sobre uma hipótese ateísta do universo único e, além disso, apelos a uma hipótese do multiverso ou de muitos mundos para resgatar a posição ateísta são, em última análise, inúteis. Por fim, ele avalia o significado de sua conclusão a favor do argumento geral do teísmo.
O argumento da sintonia fina diz respeito ao design do universo com foco nos agentes morais encarnados. Focamos esses agentes quando saímos das discussões sobre o mundo externo e entramos no mundo interno dos seres humanos no ensaio de J. P. Moreland sobre o argumento da consciência. Deixando de lado o pampsiquismo com base no fato de que, primeiro, é um rótulo para o problema da origem da consciência e não uma solução e, segundo, o teísmo e o naturalismo são as únicas opções vivas para a maioria dos pensadores ocidentais, Moreland estabelece as restrições ontológicas para uma visão de mundo naturalista que segue mais plausivelmente de uma epistemologia naturalista, etiologia e ontologia básica, a saber, há um ônus de prova para qualquer ontologia naturalista que se aventura além do fisicalismo estrito. Moreland então apresenta e defende as premissas centrais em um argumento para Deus a partir da existência de consciência ou sua correlação legal com estados físicos (o argumento para Deus a partir da consciência, aqui depois abreviado como Argumento da Consciência - AC). Devido o AC ser rival do naturalismo, há um ônus adicional de prova para uma ontologia naturalista que quantifica sobre propriedades emergentes sui generis, tais como as constitutivas da consciência. Depois de caracterizar epistemologicamente a gravidade dialética desse fardo, na seção final, Moreland refuta as três teorias naturalistas mais importantes da existência da consciência, a saber, as visões de John Searle, Colin McGinn e Timothy O'Connor. Os defensores contemporâneos desse argumento incluem Charles Taliaferro, Richard Swinburne e Robert Adams.
Parcialmente devido à conexão teísta entre a consciência finita e Deus, surgiu uma indústria caseira de versões do fisicalismo para eliminar a consciência em favor de ou reduzir a consciência de uma maneira ou de outra para algo físico. Embora para muitos isso seja difícil de vender, a existência e a natureza da razão não podem ser facilmente tratadas nesse sentido sob pena de inconsistência auto-referencial. Assim, Victor Reppert desenvolve um argumento da razão para a existência de Deus com base na realidade da razão nos seres humanos. Argumentos semelhantes foram desenvolvidos por C. S. Lewis e Alvin Plantinga. Embora o argumento assuma várias formas, em todos os casos, de acordo com Reppert, o argumento tenta mostrar que as condições necessárias do raciocínio lógico e matemático, que sustentam as ciências naturais como atividade humana, exigem a rejeição de todas as visões de mundo amplamente materialistas. Reppert começa examinando a natureza do argumento e identificando as características centrais de uma cosmovisão materialista. Ao fazê-lo, ele expõe o problema geral do materialismo e como o argumento da razão aponta para um único aspecto desse problema mais amplo. Segundo, ele examina a história do argumento, incluindo a famosa controvérsia de Lewis-Anscombe. Ao fazê-lo, Reppert indica como o argumento da razão pode superar as objeções de Anscombe. Ele também explica a estrutura transcendental do argumento. Terceiro, ele investiga três sub-argumentos: o argumento da intencionalidade, o argumento da causalidade mental e o argumento da relevância psicológica das leis lógicas, mostrando como elas demonstram dificuldades sérias e não resolvidas para o materialismo. Finalmente, Reppert apresenta algumas objeções populares e mostra que elas não refutam o argumento.
Tendo apresentado duas características da antropologia que são fatos recalcitrantes para os naturalistas, mas que fornecem evidências para o teísmo - consciência e razão -, um terceiro fato teísta sobre seres humanos é que eles são agentes morais com valor intrínseco. Assim, voltamos a questões metaéticas, pois Mark Linville apresenta um argumento moral a favor da existência de Deus. Filósofos contemporâneos que defenderam várias versões do argumento moral a favor do teísmo incluem Robert Adams, William Alston, Paul Copan, John Hare e Stephen Evans. Linville argumenta que os naturalistas, comprometidos como estão com o desenvolvimento evolutivo cego de nossas faculdades cognitivas em resposta às pressões para sobreviver, não podem ser justificados em suas convicções morais, em contraste com os teístas, que vêem nossas faculdades morais sob a soberania de Deus. Linville também afirma que as visões ateístas da ética normativa, em contraste com as visões teístas, não podem fundamentar adequadamente a crença na dignidade humana. Se confiamos em nossas convicções morais ou acreditamos na dignidade pessoal, devemos ser teístas.
As considerações morais levantam naturalmente o problema do mal no mundo. Em seu capítulo, Stewart Goetz faz uma distinção entre a ideia de uma defesa e a de uma teodicéia, e defende uma instância dessa última. Como uma introdução à sua teodicéia, Goetz examina o propósito ou significado da vida de um indivíduo. Embora a grande maioria dos filósofos, incluindo aqueles que escrevem sobre o problema do mal, demonstrem pouco ou nenhum interesse nesse tópico por muito tempo, Goetz acredita que uma compreensão do propósito para o qual uma pessoa existe fornece a percepção central de um teodicéia viável. Esse insight defende que uma pessoa existe com o objetivo de experimentar o grande bem da felicidade perfeita. Devido o fato de que a felicidade perfeita é o maior bem de um indivíduo, Goetz argumenta que esse bem perfeito fornece a ideia central de por que Deus é justificado em permitir o mal. Os principais colaboradores contemporâneos de um tratamento teísta do mal incluem Alvin Plantinga, William Alston, Richard Swinburne, Marilyn Adams, Peter van Inwagen e Stephen Wykstra, entre muitos outros.
Um aspecto do problema do mal é a aparente inatividade de Deus na presença do mal e no meio da vida cotidiana comum. Por outro lado, tem sido o testemunho de milhões de pessoas que o próprio Deus apareceu em suas vidas e que essas pessoas experimentaram Sua presença e viram efeitos em e ao redor de suas vidas do que somente Deus poderia fazer. Os seres humanos não são apenas agentes morais, são também inelutavelmente religiosos. Segundo Kai-man Kwan, o argumento da experiência religiosa sustenta que, dadas as premissas apropriadas, podemos derivar das experiências religiosas da humanidade um grau significativo de justificativa epistêmica para a existência de Deus. Kwan não tem intenção de argumentar aqui que apenas uma tradição teísta específica (como o Cristianismo) está correta. Ele se concentra em uma subclasse de experiências religiosas, as experiências de Deus ou a experiência teísta, e argumenta que as experiências teístas fornecem justificativa significativa para a crença em Deus. Kwan não afirma que seu argumento é um argumento conclusivo por si só, mas ele acha que é um argumento razoável que pode contribuir a favor do argumento cumulativo da existência de Deus. Os defensores contemporâneos dos argumentos da experiência religiosa teísta incluem William Alston, Jerome Gellman, William Wainwright e Keith Yandell.
O ápice da teologia natural é o famoso argumento ontológico, que infere a existência de Deus a partir do conceito de Deus como o maior ser concebível. Esse argumento, se for bem-sucedido, nos demonstrará Deus com todos os Seus atributos superlativos e grandiosos. Os defensores recentes do argumento em várias formas incluem Charles Hartshorne, Kurt Gödel, Norman Malcolm, Alvin Plantinga, Clement Dore, Stephen Davis e Brian Leftow. Em seu ensaio, Robert Maydole, um dos filósofos mais recentes a entrar nas listas em nome do argumento ontológico, examina as afirmações clássicas do argumento juntamente com as reformulações contemporâneas. Ele argumenta que algumas versões do argumento ontológico não são apenas sólidas, mas também não se baseiam em um argumento circular e não estão suscetíveis às paródias que os detratores do argumento freqüentemente oferecem.
Nosso ensaio final passa do teísmo genérico ao teísmo especificamente Cristão, à medida que Timothy e Lydia McGrew desenvolvem em detalhes um argumento dos milagres, o milagre neste caso sendo o milagre Cristão central da ressurreição de Jesus de Nazaré. Os estudiosos que fizeram contribuições significativas para um argumento desse tipo incluem Wolfhart Pannenberg, N.T. Wright, Gerald O'Collins, William Lane Craig, Stephen Davis, Richard Swinburne, Dale Allison, Gary Habermas e uma série de historiadores do Novo Testamento. A contribuição dos McGrew reside na formulação cuidadosa do argumento nos termos do Teorema de Bayes, ao mostrar como, no ritmo de David Hume, os milagres são positivamente identificáveis como a hipótese mais provável, apesar da improbabilidade prévia de uma reivindicação de milagre. Eles argumentam que, no caso da suposta ressurreição de Jesus, a relação entre as probabilidades da hipótese da ressurreição e sua contraditória é tal que se deve concluir que a hipótese da ressurreição é a hipótese mais provável da evidência total.
Os argumentos anteriores, embora não esgotem o leque de argumentos da teologia natural contemporânea, servem como representativos do melhor trabalho que está sendo feito no campo hoje. É nossa esperança que a presente Obra/Companion sirva de estímulo à discussão e desenvolvimento adicional desses argumentos.
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Fonte:
CRAIG, William Lane; MORELAND, J. P. (Ed). The Blackwell Companion to Natural Theology. West Sussex, UK: Willey-Blackwell, 2009, pp. ix-xiii.
Tradução Walson Sales
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Notas:
[1] Smith (2001). Um sinal dos tempos: o próprio jornal Philo, incapaz de ter sucesso como órgão secular, tornou-se um jornal de filosofia da religião em geral.
[2] Smith (2001, p. 4).
[3] A mudança não passou despercebida, mesmo na cultura popular. Em 1980, a revista Time publicou uma matéria importante intitulada "Modernizando o Argumento à favor de Deus", na qual descrevia o movimento entre os filósofos contemporâneos para recuperar os argumentos tradicionais à favor da existência de Deus. A Time se noticiou maravilhada: “Em uma revolução silenciosa no pensamento e no argumento que quase ninguém poderia prever apenas duas décadas atrás, Deus está voltando. O mais intrigante é que isso está acontecendo não entre teólogos ou crentes comuns, mas nos mais altos círculos intelectuais dos filósofos acadêmicos, onde o consenso baniu o Todo-Poderoso por muito tempo do discurso frutífero” (Time 1980). O artigo cita o falecido Roderick Chisholm que afirmou que a razão pela qual o ateísmo era tão influente uma geração atrás é que os filósofos mais brilhantes eram ateus; mas hoje, em sua opinião, muitos dos filósofos mais brilhantes são teístas, que usam um intelectualismo forte em defesa dessa crença que antes faltava do lado deles do debate.

Referências:
Modernizing the case for God. Time, April 7, 1980, 65–6.
Smith, Q. (2001) The metaphilosophy of naturalism. Philo 4: 2, 3–4.

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