sábado, 28 de março de 2020

Calvinismo Consistente

Há uma versão do calvinismo que claramente pode ser sustentada sem contradição. Essa é a visão que afirma com consistência patente que Deus não somente conhece o futuro completamente, como também o controla em cada detalhe, pois Ele determinou tudo o que irá acontecer. Se Ele faz isso através de uma gerencia direta constante, ou se Ele arranjou o mundo no seu início de uma forma tal que as coisas inevitavelmente se desenrolarão de uma certa maneira, não importa. O que é essencial, contudo, não é apenas a afirmação de que tudo acontece como Deus planejou, mas também a afirmação de que Ele poderia ter causado que as coisas acontecessem diferentemente se Ele assim o quisesse. Em outras palavras, a vontade de Deus para que as coisas ocorram de certa forma e causa suficiente para que elas ocorram precisamente daquela forma. Dada a Sua vontade, as coisas não poderiam acontecer de maneira diferente da que elas acontecem, em aspecto algum.

O único tipo de liberdade humana que poderia existir no mundo como esse é a liberdade compatibilista. Se Deus tem pré-conhecimento exaustivo do futuro exatamente porque Ele determinou tudo o que acontecerá então Ele obviamente também determinou nossas escolhas. Nossa liberdade deve consistir essencialmente em que nós voluntariamente fazemos o que Deus determinou que faríamos, ainda que seja estritamente impossível agir de maneira distinta. Isso significa que somos responsáveis por nossas ações, muito embora não podemos – nem poderíamos – agir de uma forma diferente de que agimos.

Se liberdade e determinismo são compatíveis assim, então segue que Deus poderia determinar que todos aceitassem Seu amor livremente e fossem salvos. Porém, o calvinismo consistente declara que a perfeita bondade de Deus não é nunca desafiada se Ele deixar muitas pessoas em seus pecados, para serem condenadas – pessoas que Ele poderia tão facilmente determinar salvar. Mesmo que isso pareça injusto, para não dizer sem amor, por parte de Deus, o calvinista insiste que Deus não tem obrigação de salvar que quer que seja. Seria perfeitamente justo que Deus condenasse todos, pois todos nõs voluntariamente pecamos, e isso é suficiente para nos fazer culpados e responsáveis, mesmo considerando que nós nascemos em pecado e não podemos, nunca, deixar de pecar. Além do mais, nós somos propriedade de Deus, e como R. K. McGregor-Wrigth escreve, “É prerrogativa de um criador soberanos fazer o que Lhe apraz com Sua propriedade”. As razões de Deus salvar alguns, mas não outros, não estão acessíveis a nós. Wrigth dá a esse ponto um toque cruamente pessoal, quando afirma que Deus deve ter razões, desconhecidas a Wrigth, para tê-lo escolhido para a salvação, mas não ter escolhido seu pai, que, até onde Wrigth sabe, morreu como ateu.

Ainda que alguns possam vacilar diante das consequências da eleição incondicional, se isso significar que Deus possa escolher não salvar os seus entes queridos, calvinistas consistentes reconhecem essa conclusão como parte do que é requerido daqueles que se submetem à sua visão de graça soberana. Talvez um dos exemplos mais amargos vem do conhecido pastor calvinista John Piper. Ele participou de um debate sobre a questão de com Deus soberano ama. Seu oponente no debate, Thomas Talbott, argumentou que se Deus escolhesse não salvar sua filha, então seria difícil imaginar como a mãe da menina poderia considerar Deus como digno de adoração. Piper respondeu mencionando seus dois filhos e expressando suas esperanças e orações de que eles pudessem se unir a ele na fé e no serviço cristãos. Depois, ele concluiu seu artigo com essas comoventes palavras:

“Mas eu sei que Deus talvez não tenha escolhido meus filhos para serem Seus filhos. E, embora eu pense que poderia dar minha vida pela salvação deles, se eles devem perder-se para mim, eu não lutarei contra o Deus todo-poderoso. Ele é Deus. Eu não passo de um homem. O oleiro tem direitos absolutos sobre o barro. O meu direito é me prostrar diante de Seu caráter inatacável e crer que o Juiz de toda a terra tem feito e sempre fará o que é certo”.

Por um lado, nós admiramos os esforços de Piper em ser consistente. O fato de ele se comprometer a se prostrar em adoração, mesmo enfrentando a possibilidade d que Deus possa não ter escolhido salvar seus filhos, evidencia um compromisso resoluto com seus princípios. Sua afirmação sobre a eleição incondicional não é meramente intelectual, que se distancia da sua vida. Não é uma especulação sobre pessoas no outro lado do planeta, que talvez não sejam eleitas já que nunca ouviram o Evangelho. Antes, é um compromisso com o bom princípio de ser consistente com o que ele crê que as Escrituras ensinam, mesmo se isso te tornar extremamente desconfortável num nível pessoal. Calvinistas que estão inteiramente preparados para fazer o mesmo não podem ser acusados de inconsistência ou de se valerem de subterfúgios, pelo menos neste ponto. Poucos calvinistas, no entanto, são consistentes assim. A maioria trabalha sob níveis variáveis de inconsistência.

Porque não sou Calvinista. Jerry L. Walls e Joseph R. Dongell
Compilado por: Rafael Félix.

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