domingo, 24 de maio de 2020

Deus Escolheu a Quem? A Eleição e o Indivíduo

[Para compreendermos o que o Apóstolo Paulo quis dizer com eleitos é necessário antes sabermos o que o Apóstolo queria dizer, ou no mínimo o que os cristãos da época entendiam como eleição, por isso A. Chadwick Thornhill escreveu um livro chamado “O Povo Escolhido: Eleição, Paulo e o Judaísmo do Segundo Templo” traduzido pelo professor, escritor e filósofo Walson Sales. Livro que recomendo todo cristão que queira entender sobre esse assunto que é tão atual e debatido sem um entendimento do que realmente o Apóstolo Paulo e os primeiros cristãos entendiam como Eleição e Predestinação]

Ao começarmos a examinar o pensamento de Paulo à luz do Judaísmo, meu objetivo e apresentar a estrutura Judaica para pensar sobre “eleição” e explorar suas implicações para nossa compreensão de Paulo. Desde o início admito que são, em certo sentido, artificiais, uma vez que os próprios textos não falam nesses termos. No entanto, há temas que surgem quando os indivíduos estão em foco, mas variam quando o coletivo está em foco e, portanto, mantenho a importância, se não a necessidade, da distinção. Esses temas às vezes, é claro, se sobrepõe, mas as singularidades são suficientes para merecer seu exame separado.

O Caráter do Eleito

Uma das características que a literatura do Segundo Templo às vezes enfatiza é o caráter do eleito. A piedade geral, ou a fidelidade específica à aliança de certos indivíduos, ou às vezes até mesmo dos eleitos em geral, é frequentemente exposta. Ser eleito, como será discutido abaixo, é mais comumente associado a um status “soteriológico” (os judeus não necessariamente pensam nessas categorias), mas sim com a qualidade do indivíduo (ou às vezes do grupo) em vista.

Sabedoria de Ben Sira

O livro de Ben Sira (também conhecido como Sirach ou Ecclesiasticus) é talvez o mais conhecido dos textos de sabedoria Judaica extrabíblica. A maior parte do conteúdo do livro apresenta a aplicação da sabedoria em cenários sociais, principalmente na família, comunidade e mercado. O livro contribuiu para o gênero da sabedoria com sua personificação da Sabedoria, que se conecta profundamente à Torá, e seu “hino” dirigido aos antepassados de Israel. Como outros textos da tradição da sabedoria, o foco de Ben Sira não é “sobrenatural”, e há escassa evidência de que ele imagina qualquer tipo de vida após morte. Assim, seu tratamento da eleição deve ser definido em tal contexto. A questão de Ben Sira é ainda mais complicada por sua oscilação frequente entre o geral e o particular, às vezes falando diretamente de Israel e às vezes da humanidade em geral.

Encontramos a discussão mais completa sobre a eleição em Ben Sira (talvez fora do capítulo 24) no hino de Sirach 44:1-50:29. Os estudiosos debateram o “gênero” desse hino. O hino abre com um resumo do legado deixado por esses “homens famosos” (Sira 44:1-15) e traça a história de Israel através de ancestrais selecionados desde Adão até o contemporâneo Simão, filho de Onias. Segundo Burton Mack, o hino segue certo padrão de descrição. Mack reconhece o ofício do indivíduo, a eleição, o relacionamento com o pacto, o caráter, o trabalho, a situação histórica e as recompensas como temas recorrentes no hino. Para Marck, o ofício desses homens determina o padrão na medida em que a “grandeza desses heróis está diretamente relacionada ao grande significado desses ofícios”. Embora possa ser verdade até certo ponto, o que é mencionado de quase todos os indivíduos, mesmo daqueles que não tiveram nenhum ofício normal, é sua obra ou caráter. A medida que ele relata os homens famosos de Israel, Ben Sira apresenta seus comportamentos corretos antes de reconhecer a resposta graciosa de Deus ou as bençãos. A escolha de Deus é mencionada explicitamente apenas nos casos de Moisés (Sira 45:4), Aarão (Sira 45:16) e Davi (Sira 47:2). A eleição de Moisés é descrita em conexão com sua fidelidade e mansidão, enquanto a escolha de Deus é simplesmente afirmada por Aarão e Davi, sem ênfase na sequencia ou causação. A ênfase neste capítulo sobre os feitos e a piedade desses personagens torna plausível entender, como sugeriu Sigurd Grindheim, “a eleição divina como baseada na qualidade ética e religiosa dos eleitos”.

O clímax do hino está no elogio de Bem Sira a Simão, filho de Onias, o sumo sacerdote (Sira 50:1-29). Embora o autor elogie os descendentes de Davi em vários lugares do hino, parece que Bem Sira, como afirma Greg Goering, “indica que o sumo sacerdote havia assumido algumas funções anteriormente desempenhadas pelo rei”. Don Garlingto afirma essa interpretação ao sugerir que “para Bem Sira, Simão é o Messias... O sacerdote é descrito como possuidor dos traços messiânicos; seu sacerdócio é a garantia da continuidade da experiência e paz de Israel... Ele está na linhagem de Davi e Ezequias... [e] a salvação está presente” nele, embora de um modo “terreno”. A sabedoria e a eleição culminaram na história de Israel, para Ben Sira, a atual paz desfrutada sob Simão, que ora, é sustentada no futuro de Israel (Sira 50:23). A escolha de Deus, nestes exemplos, está fundamentalmente ligada ao caráter, papel e ações piedosas de Israel.

Continua...

(O Povo Escolhido: Eleição, Paulo e o Judaísmo do Segundo Templo. A. Chadwick Thornhill)

Compilado por Rafael Félix.

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