O final trágico da história de Judas Iscariotes foi o resultado de uma vida inclinada às más escolhas, pois tendo como mestre o próprio Filho de Deus, o apóstolo preferiu viver de maneira dúbia, sendo um discípulo de Jesus, desta forma provavelmente realizou milagres em Seu nome, pois lhe fora dada pelo Mestre tal autoridade (Mt 10.8), ainda assim preferiu viver de maneira desonesta, como um ladrão (Jo 12.6), tendo a oportunidade de deixar seu nome marcado na história, de maneira positiva, por haver deixado um legado, mas seu nome tornou-se sinônimo de traidor, um exemplo na historia a não ser seguido. Assim é correto afirmar que Judas foi vitima de suas próprias escolhas, responsável pelo caminho que voluntariamente trilhou e pelo destino que enfrentará na eternidade.
Agora os doze apóstolos levantados por Jesus estavam em onze, por esta razão havia a necessidade de nomear um substituto, que preencheria a vaga, mas que precisaria possui um requisito, a saber, ter convivido com Jesus durante todo seu ministério (At 1.21,22), esta qualificação obviamente limitaria severamente o universo da escolha. Citando o Dr. Donald Guthrie, na obra “Os Apóstolos”, Barros comenta as circunstâncias que envolveram a decisão de se preencher a lacuna deixada por Judas: “Pedro foi quem suscitou a questão e a maneira como o fez é digna de nota, uma vez que evidencia a perspectiva pela qual os discípulos viam a carreira apostólica. A esse ofício era atribuída tal importância que seu significado não podia ser dissociado nem mesmo de seu número original, estabelecido por Jesus. O fato mais significativo sobre a referência de Lucas quanto ao fim de Judas está no apelo de Pedro às Escrituras, como garantia de que aquele posto deveria ser preenchido. Pedro reconhece que aquilo que as Escrituras dizem é o que fala o Espírito. Ele, então, apela aos Salmos 69 e 109, os quais, embora de autoria atribuída a Davi, são compreendidos como a voz do Espírito. Os dois Salmos certamente não se referem ajudas, mas, uma vez que Davi representa uma alegoria do Messias, seus inimigos são identificados como tipos dos inimigos de Jesus. (...) De tal maneira estavam os apóstolos conscientes da relevância do cumprimento das Escrituras que, mesmo diante de uma eleição para tal ofício, consideravam imperativo apelar para elas, o que por sua vez demonstra a importância que atribuíam ao encargo apostólico.”
Fazendo uso das Escrituras a fim de nomear um substituto para Judas, os discípulos, que nunca haviam nomeado nenhum apóstolo, pois o próprio Jesus que os escolhera, estão agora diante de dois homens que atendiam os requisitos: José Barsabás e Matias. Os apóstolos sabiam que a escolha deveria vir da parte de Deus e não por vontade humana, por essa razão perseveraram na oração, a fim de que Deus, que enxerga o coração (1Sm 16.7) revelasse quem deveria tomar parte no ministério apostólico, sendo Matias o escolhido para tal honraria.
Matias foi o único dos apóstolos que não fora chamado diretamente por Jesus, mas sim levantado pelas mãos dos discípulos, evidentemente sob a direção de Deus. No entanto, após este privilégio seu nome não é mais citado nas páginas do Novo Testamento, dando-nos informações de seu ministério, bem como o campo missionário em que estaria levando o evangelho de Cristo, suas perseguições (todos os discípulos sofreram durante seus ministérios), suas conquistas, não há nenhuma menção de seus feitos, o que somente a eternidade revelará. Todavia, se nas Escrituras não há registros de sua obra, a tradição eclesiástica, por outro lado, traz diversas informações sobre os feitos de Matias, bem como seu martírio, por amor à Palavra de Deus.
Existem lendas medievais antigas que registraram a trajetória apostólica do substituto de Judas, o que permite ao estudante da Bíblia ter a percepção da caminhada gloriosa do décimo terceiro apóstolo. É digno de menção o fato de que muitas dessas lendas causaram algumas confusões, pois a figura de Matias em alguns casos é confundida com a de Natanael. O escritor e teólogo grego, Clemente de Alexandria, menciona que Matias na verdade era Zaqueu, ex coletor de impostos, que se convertera no encontro com Jesus, conforme o relato de Lucas 19. Evidentemente que esta idéia não tem nenhum apoio Bíblico, logo não deve ser considerado como verdadeira.
Mas há algumas informações que nos ajudam a conhecer a origem de Matias, bem como compreender sua atuação durante o ministério de Jesus. O historiador Eusébio defende a idéia de que Matias estava entre os setenta discípulos enviados por Jesus, conforme Lucas 10.1. Dessa forma, Matias realizou milagres através da autoridade conferida por Jesus, o que o deixara ainda mais desejoso de estar perto do Mestre, nesse período é provável que os doze discípulos o conhecessem, pois ele estava acompanhando Jesus desde o batismo de João Batista. Esta possibilidade se encaixa perfeitamente no critério defendido por Pedro, que aquele que tomaria a vaga de Judas fosse uma testemunha ocular dos feitos e ressurreição de Jesus: "È necessario, pois, que dos varões que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós, começando desde o batismo de João até o dia em que dentre nós foi levado para cima, um deles se torne testemunha conosco de sua ressurreição" (At 1.21-23).
Portanto é inegável que as evidências nas Escrituras apontam que Matias andava próximo de Jesus e de seus discípulos e que embora muitos tenham abandonado o Mestre após o discurso contundente de Jesus, conforme o relato em João 6:60-69, Matias manteve-se fiel e perseverou em seguir ao Senhor. Na verdade estas experiências serviram de preparação para o momento em foco, o momento em que seria levantado como apóstolo e trilharia por lugares distantes e inóspitos. Seguindo este pensamento, Bruce propõe o perfil do décimo terceiro discípulo:
"Como um dos primeiros seguidores de Jesus, tornou-se proeminente dentre os setenta. Ele parece ter acompanhado os doze em numerosas ocasiões e pode muito bem ter sido, a princípio, mais um dentre os discípulos de João Batista, assim como João e André. Com razão, foi eleito para ocupar o lugar de Judas imediatamente após a ascensão de Jesus. Portanto, Matias esteve presente em Jerusalém no dia de Pentecostes, participando ativamente dos turbulentos dias de expansão da igreja primitiva. Como judeu, Matias provavelmente deixou Jerusalém para dirigir-se à distante parcela judaica da diáspora" (Apud MCBIRNIE, DEBARROS 2006).
Existe uma história na igreja da Armênia de que Matias juntamente com os apóstolos André, Bartolomeu, Judas Tadeu e Simão Zelote tenham atuado naquela região, assim sendo os responsáveis por estabelecerem os alicerces daquela igreja anos mais tarde.
Há ainda outras lendas de que Matias tenha se dirigido a região de Damasco, na Síria e outras regiões da Macedônia. Existe uma antiga citação de que após seu regresso destas regiões, Matias tenha sido apedrejado e decapitado em Jerusalém, pelos judeus, entre os anos de 61 e 64 d.C.
Tradições sobre Matias
Uma curiosidade envolvendo a figura de Matias, é mencionada por um dos país da igreja, chamado Orígenes, que conta que em seu tempo existia um evangelho de Matias, que provavelmente seria mais um dos inúmeros livros apócrifos que se proliferaram no início da igreja primitiva. Alem deste livro, há ainda o livro de Atos de André e Matias, neste encontra-se informações que serviu como fonte informativa sobre o livro Martírio de Matias (Champlin, 2013, p.173).
A igreja Católica Romana celebra seu dia em 24 de Fevereiro e a Igreja Ortodoxa Oriental no dia 9 de Agosto.
Embora tenhamos poucas informações fidedignas acerca do apóstolo Matias, a maioria das informações estão relacionadas à lendas, certamente este anônimo discípulo contribuiu valorosamente para o crescimento do Reino de Deus e expansão do evangelho de Cristo, que embora a história não tenha registrado em documentos, a eternidade revelará.
REFERÊNCIAS
CHAMPLI, R. Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, Vol.4, São Paulo: Hagnos, 2013.
DEBARROS, Aramis. Doze homens e uma missão, São Paulo: Hagnos, 2006.
Por
Edson Moraes
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