domingo, 24 de maio de 2020

SOBRE A MORTE FÍSICA DE JESUS CRISTO


William D. Edwards, MD; Wesley J. Gabel, MDiv; Floyd E. Hosmer, MS, AMI
Traduzido por: Sandro Nascimento, Rafael Felix, Ruanna Pereira, Fabiana Ribeiro, e Diógenes Santos
Revisado e editado por Edson Moraes e Sandro Nascimento.


RESUMO


Jesus de Nazaré passou por julgamentos judaicos e romanos, foi açoitado, e condenado à morte por crucificação. Os açoites produziram profundas lacerações em forma de tiras e uma perda considerável de sangue, e provável estágio de choque hipovolêmico, como evidenciado pelo fato de que Jesus estava muito enfraquecido por levar a barra horizontal (patíbulo) para o Gólgota. No ato da crucificação seus pulsos foram pregados ao patíbulo,e depois o patíbulo foi erguido no poste (stipes), seus pés foram pregados nos stipes. O principal efeito fisiopatológico da crucificação foi uma interferência nas respirações normais. Conseqüentemente, a morte resultou principalmente de hipovolêmica asfixia por choque e exaustão. A morte de Jesus foi assegurada pelo impulso de uma lança do soldado no lado dele. Interpretação médica moderna desta evidência histórica indica que Jesus estava morto quando foi retirado da cruz. (JAMA 1986; 255: 1455-1463)

INTRODUÇÃO

A vida e os ensinamentos de Jesus de Nazaré formou a base para uma das maiores religiões do mundo(cristianismo), influenciaram sensivelmente o curso da história humana e, por virtude de uma atitude compassiva em direção aos doentes, também contribuíram ao desenvolvimento da medicina. A eminência de Jesus como figura histórica e o sofrimento, e controvérsia associada à sua a morte nos estimulou a investigar a fundo, de forma interdisciplinar, as circunstâncias em torno de sua crucificação. Por conseguinte, não é a nossa intenção apresentar um tratado teológico, mas sim médico, e histórico e preciso da morte física de Jesus Cristo.

FONTES

O material de origem sobre a morte de Cristo compreende um corpo de literatura e não um corpo físico ou seus restos mortais. Assim, a credibilidade de qualquer discussão sobre a morte de Jesus será determinada principalmente pela credibilidade de suas fontes. Para esta revisão, o material de origem inclui os escritos de antigos autores cristãos e não-cristãos, os escritos de autores modernos e o Sudário de Turim1-40. Usando o método jurídico-histórico da investigação científica 27, os estudiosos estabeleceram a confiabilidade e a exatidão dos antigos manuscritos.26,27,29,31.
As mais extensas e detalhadas descrições da vida e da morte de Jesus podem ser encontradas nos evangelhos do Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas e João.1 Os outros 23 livros do Novo Testamento apoiam, mas não expandem os detalhes registrados nos evangelhos. Os autores contemporâneos cristãos, judeus e romanos fornecem uma visão adicional sobre os sistemas jurídicos judaicos e romanos do primeiro século e os detalhes da flagelação e da crucificação.5 Sêneca, Lívio, Plutarco e outros referem-se às práticas de crucificação em suas obras.8,28.
Especificamente, Jesus (ou sua crucificação) é mencionado pelos historiadores romanos Cornelius Tacitus, Plínio, o Jovem, e Suetônio, pelos historiadores não-romanos Thallus e Phlegon, pelo satirista Lucian de Samosata, pelo Talmud judaico e pelo historiador judeu Flávio Josefo, embora a autenticidade de partes deste último seja problemática.
O Sudário de Turim é considerado por muitos como representando o verdadeiro pano funerário de Jesus,22 e várias publicações relativas aos aspectos médicos de sua morte tiram conclusões dessa suposição.5,11 O Sudário de Turim e descobertas arqueológicas recentes fornecem informações valiosas sobre as práticas da crucificação romana.
As interpretações dos escritores modernos, baseadas no conhecimento da ciência e da medicina não disponíveis no primeiro século, podem oferecer uma visão adicional sobre os possíveis mecanismos da morte de Jesus.2-17
Quando tomados em conjunto certos fatos - o extenso e antigo testemunho de ambos os proponentes e opositores cristãos, e sua aceitação universal de Jesus como uma verdadeira figura histórica; a ética dos escritores dos evangelhos e a brevidade do intervalo de tempo entre os eventos e os manuscritos existentes; e a confirmação dos relatos do evangelho por historiadores e achados arqueológicos26,27 - asseguram um testemunho confiável do qual uma interpretação médica moderna da morte de Jesus pode ser feita.

GETHSEMANE
Depois que Jesus e seus discípulos tiveram a refeição da Páscoa em um cenáculo de uma casa no sudoeste de Jerusalém, eles viajaram para o Monte das Oliveiras, no nordeste da cidade (figura 1). (Devido a vários ajustes no calendário, os anos do nascimento de Jesus e sua morte permanecem controversos.29 Contudo, é provável que Jesus tenha nascido em 4 ou 6 AC e tenha morrido em 30 DC 11,29. Durante a celebração da Páscoa em 30 DC, a
Última Ceia foi observada na quinta-feira 6 de abril [ Nissan 13] e Jesus foi crucificado na sexta-feira, 7 de abril [Nissan 14]29 ). Próximo ao Getsêmani, Jesus aparentemente sabendo que a hora de sua morte estava chegando, sofreu angústia mental, como o médico Lucas descreveu, seu suor tornou-se sangue. Embora este seja um fenômeno muito raro, a sudorese sanguinolenta (hematidrosis ou hemohidrose) pode ocorrer em estados emocionais ou em pessoas com distúrbios hemorrágicos.18-20 Como resultado da hemorragia nas glândulas sudoríparas, a pele torna-se frágil e sensível.2,11 A descrição de Lucas suporta o diagnóstico de hematidroses, em vez de cromidrose écrina (suor marrom ou amarelo-esverdeado) ou estigmatização (sangue escorrendo das palmas das mãos ou em outro lugar). 18-21 Embora alguns autores tenham sugerido que a hematidrosis produzia hipovolemia, concordamos com Bucklin5 que a perda real de sangue de Jesus era provavelmente mínima. No entanto, pelo ar frio da noite, pode ter causado arrepios.

JULGAMENTOS

Julgamentos Judaicos. Logo depois da meia noite, Jesus estava preso em Gethsemane pelos funcionários do templo e foi levado primeiro para Anás e depois para Caifás, o Sumo sacerdote judeu daquele ano (Fig1).1 Entre 01:00 e o amanhecer, Jesus foi julgado por Caifás e o sinédrio político e foi culpado de blasfêmia.1 Os guardas então vendaram Jesus, cuspiram nele e o esmurraram no rosto.1Logo após o amanhecer, presumivelmente no templo (Fig. 1), Jesus foi julgado pelo Sinédrio religioso (com os fariseus e os saduceus) e novamente foi considerado culpado de blasfêmia, um crime punível por morte.1,5

Julgamentos Romanos
Já que a permissão para uma execução tinha que vir do governo Romano, Jesus foi levado de manhã pelos oficiais do templo para o Pretório da Fortaleza de Antonia, a residência e sede governamental de Pôncio Pilatos, o procurador da Judéia (Fig. 1). No entanto, Jesus foi apresentado a Pilatos não como um blasfemo, mas sim como um auto-nomeado rei que minaria a autoridade romana.1 Pilatos não fez acusações contra Jesus e enviou-o para Herodes Antipas, o tetrarca da Judeia. 1 Herodes também não fez acusações e, em seguida, retornou Jesus paraPilatos (Fig 1).1 Mais uma vez, Pilatos não pôde não encontrar base para uma acusação legal contra Jesus, mas as pessoas persistentemente exigiram a crucificação. Pilatos finalmente concedeu seu pedido e entregou Jesus para ser açoitado e crucificado. (McDowell25 reviu a política prevalecente, climas religiosos e econômicos de Jerusalém na época da morte de Jesus e Bucklin5 descreveu as várias ilegalidades dos Julgamentos judaicos e romanos).

Saúde de Jesus
Os rigores do ministério de Jesus (que era, viajando a pé por toda a Palestina) teria impedido qualquer doença física importante ou uma constituição geral fraca. Por conseguinte, é razoável assumir que Jesus tinha boa condição física antes de sua caminhada até o Getsêmani. No entanto, durante as 12 horas entre 9 da noite de quinta e 9 da manhã de sexta-feira, ele havia sofrido grande estresse emocional (como evidenciado por hematidroses), abandono por seus amigos mais íntimos (os discípulos), e uma surra física (depois do primeiro Julgamento judaico). Além disso, na configuração de uma noite traumática e sem sono, ele foi forçado a andarmais de 2,5 milhas (4,0 km) para os locais dos vários julgamentos (Fig. 1). Esses fatores físicos e emocionais podem ter tornado Jesus particularmente vulnerável à adversidade hemodinâmica dos efeitos dos açoites (flagelação).

FLAGELAÇÃO

Prática de Flagelação. A flagelação era uma preliminar legal para toda execução romana,28 e apenas mulheres e senadores ou soldados romanos (exceto em casos de deserção) estavam isentos.11 O instrumento usual era um chicote curto (flagelo) com várias tiras de couro simples ou trançadas de comprimentos variáveis, nas quais pequenas bolas de ferro ou pedaços afiados de ossos de ovelha eram amarrados em intervalos (figura 2).
Ocasionalmente, paus também eram usados.8,12 Para a flagelação, o homem era despojado de suas roupas, e suas mãos eram amarradas a um poste vertical (figura 2).11 As costas, nádegas e pernas eram açoitadas por dois soldados (lictores) ou por um que alternava posições.5,7,11,28 A severidade da flagelação dependia da disposição dos lictores e foi destinado a enfraquecer a vítima para um estado pouco antes do colapso ou morte.8 Depois da flagelação, os soldados costumavam insultar a vítima.11
Aspectos médicos da flagelação. Como os soldados romanos golpeavam repetidamente as costas da vítima com força total, as bolas de ferro causavam contusões profundas, e as correias de couro e os ossos de ovelha cortavam a pele e os tecidos subcutâneos.7
Então, enquanto o açoitamento continuava, as lacerações rasgavam os músculos esqueléticos subjacentes e produziam fitas trêmulas de carne sangrando.2,7,25 A dor e a perda de sangue geralmente preparam o palco para o choque circulatório.12 A extensão da perda de sangue determinava quanto tempo a vítima sobreviveria na cruz.

Flagelação de Jesus
No pretório, Jesus foi severamente açoitado. (Embora a severidade da flagelação não seja discutida nos quatro relatos do evangelho, está implícita em uma das epístolas [1Pedro 2:24]. Um estudo detalhado da palavra do antigo texto grego para esse versículo indica que a flagelação de Jesus foi particularmente dura.33) Não se sabe se o número de chicotadas foi limitado a 39, de acordo com a lei judaica.5 Os soldados romanos, achando graça que aquele homem enfraquecido alegara ser rei, começaram a ridicularizá-lo colocando uma túnica nos ombros,uma coroa de espinhos na cabeça e uma vara de madeira como um cetro na mão direita.1Em seguida, cuspiram emJesus e bateram-lhe na cabeça com o instrumento de madeira.1 Além disso, quando os soldados rasgaram o manto das costas de Jesus, eles provavelmente reabriram as feridas.7A flagelação severa, com sua dor intensa e perda de sangue apreciável, provavelmente deixou Jesus e neste estado do de choque. Além disso, a hematidrose tornava sua pele particularmente sensível. O abuso físico e mental causado pelos judeus e pelos romanos, assim como a falta de comida, água e sono, também contribuíram para seuestado enfraquecido. Portanto, mesmo antes da crucificação real, a condição física de Jesus era pelo menos séria e possivelmente crítica.

CRUCIFICAÇÃO

Práticas de Crucificação
A crucificação provavelmente começou primeiro entre os persas.34 Alexandre, o Grande, introduziu a prática no Egito e Cartago, e os romanos parecem ter aprendido com os cartagineses.11 Embora os romanos não tenham inventado as crucificações, eles a aperfeiçoaram como uma forma de tortura e pena capital que foi projetada para produzir uma morte lenta com dor e sofrimento máximos.10,17 Era um dos métodos de execução mais vergonhosos e cruéis e geralmente era reservado apenas para escravos, estrangeiros, revolucionários e o mais vil dos criminosos.3,25,28 A lei romana geralmente protegia os cidadãos romanos da crucificação, exceto, talvez, na deserção de soldados.
Em sua forma mais antiga na Pérsia, a vítima estava amarrada a uma árvore ou estava amarrada ou empalada em um poste vertical, geralmente para impedir que os pés da vítima culpada tocassem o solo sagrado.8,11,30,34,38 Sómais tarde foi usada uma cruz verdadeira; era caracterizada por um poste vertical e uma barra horizontal (patíbulo), e apresentava diversas variações (Tabela) 11. Embora as evidências arqueológicas e históricas indiquem fortemente que a baixa cruz Tau era preferida pelos romanos na Palestina na época de Cristo (Fig. 3)2,7,11, as práticas de crucificação frequentemente variavam em uma dada região geográfica e de acordo com a imaginação dos executores, e a cruz latina e outras formas também podem ter sido usadas.28 Era costume que o homem condenado carregasse sua própria cruz do poste de açoitamento para o local da crucificação fora dos muros da cidade. Ele geralmente estava nu, a menos que isso fosse proibido pelos costumes locais.11 Como o peso da cruz inteira era provavelmente bem acima de 136 kg, apenas a barra transversal era carregada (Fig. 3)11. O patíbulo, pesando 75 a 125 libras (34 a 57 kg)11,30, foi colocado na nuca da vítima e equilibrado ao longo de ambos os ombros. Normalmente, os braços estendidos eram então amarrados ao travessão. O processional ao local da crucificação era liderado por uma guarda militar romana completa, liderada por um centurião. Um dos soldados carregava um sinal (titulus) no qual o nome e o crime do homem condenado eram exibidos (Fig. 3) .3,11 Mais tarde, o titulus seria anexado ao topo da cruz.11 A guarda romana não deixaria a Vítima até ter certeza da sua morte.9,11 Fora dos muros da cidade, encontravam-se permanentemente as pesadas estacas de madeira verticais, sobre as quais o patíbulo era fixado. No caso da cruz Tau, isso foi realizado por meio de um encaixe de uma trave a outra, com ou sem reforço por cordas.10,11,30 Para prolongar o processo da crucificação, um bloco ou tabua de madeira horizontal, servindo como um assento cruel (sedile ou sedulum), muitas vezes era colocada na metade dos stipes.3,11,16 Apenas muito raramente, e provavelmente depois do tempo de Cristo, havia um bloco adicional(suppedaneum) em uso para transfixação dos pés.9,11 No local da execução, por lei, a vítima recebia uma bebida amarga de vinho misturada com mirra como um analgésico suave.7,17 O criminoso era então jogado no chão de costas, com os braços estendidos ao longo do patíbulo.11 A mão podia ser pregada ou amarrada à barra, mas aparentemente a cravação era preferida pelos romanos. 8,11 Os restos arqueológicos de um corpo crucificado, encontrado em um ossuário perto de Jerusalém e datado do tempo de Cristo, indicam que os pregos eram cônicos de ferro com cerca de 5 a 7 polegadas (13 a 18 cm) de comprimento com um eixo quadrado de 3/8 de polegadas (1 cm) de diâmetro. 23,24,30 Além disso, os achados dos ossuários e o Sudário de Turim documentaram que os cravos eram normalmente conduzidos pelos punhos em vez das palmas das mãos (Figura 4). 22,24,30
Depois que os dois braços foram fixados na barra transversal, o patíbulo e a vítima, juntos, eram erguidos sobre os estipes.11 Na cruz baixa, quatro soldados conseguiam isso com relativa facilidade. No entanto, na cruz alta, os soldados usavam garfos de madeira ou escadas.11 Em seguida, os pés eram fixados na cruz, por pregos ou cordas. Os achados de Ossuários e o Sudário de Turim sugerem que pregar era a prática romana preferida.
Embora os pés pudessem ser fixados às laterais das estipes ou a um apoio para os pés de madeira (suppedaneum), eles geralmente eram pregados diretamente na frente das estipes (Figura 5) .11 Para conseguir isso, a flexão dos joelhos poderia ser bastante proeminente, e as pernas dobradas podem ter sido giradas lateralmente (Figura 6).23,25,30
Quando a prega foi concluída, o titulo foi preso à cruz, por pregos ou cordas, logo acima da cabeça da vítima.11 Os soldados e a multidão civil muitas vezes insultavam e zombavam do homem condenado, e os soldados habitualmente dividiam suas roupas entre si.11,25 O tempo de sobrevivência geralmente variava de três a quatro horas a três ou quatro dias e parecia ser inversamente proporcional à gravidade do flagelo.8,11 No entanto, mesmo que a flagelação fosse relativamente branda, os soldados romanos poderiam apressar a morte quebrando as pernas abaixo dos joelhos (crurifragium ou skelokopia). 8,11 Não raro, os insetos ou entravam nas feridas abertas ou nos olhos, ouvidos e nariz da vítima agonizante e indefesa, e as aves de rapina rasgavam esses locais. Além disso, era costume deixar o cadáver na cruz para ser devorado por animais predadores.8,11,12,28 No entanto, pela lei romana, a família dos condenados poderia levar o corpo para o enterro, depois de obter permissão do juiz romano.11 Como ninguém pretendia sobreviver à crucificação, o corpo não era liberado para a família até que os soldados tivessem certeza de que a vítima estava morta. Por costume, um dos guardas romanos perfurava o corpo com uma espada ou lança.
Tradicionalmente, isso acontecia com uma ferida de lança no coração pelo lado direito do peito - uma ferida fatal provavelmente ensinada à maioria dos soldados romanos.11
O Sudário de Turim documenta esta forma de lesão.5,11,22 Além disso, a lança de infantaria padrão, que tinha 5 a 6 pés (1,5 a 1,8 m) de comprimento, 30 poderia facilmente ter alcançado o peito de um homem crucificado na costumeira cruz baixa.11

Aspectos Médicos da Crucificação
Com conhecimento de anatomia e antigas práticas de crucificação, pode-se reconstruir os prováveis aspectos médicos dessa forma de execução lenta. Cada ferida aparentemente pretendia produzir intensa agonia, e as causas contribuintes da morte eram numerosas. A flagelação antes da crucificação serviu para enfraquecer o homem condenado e, se a perda de sangue fosse considerável, produzir hipotensão ortostática e até choque hipovolêmico.8,12 Quando a vítima foi atirada ao chão de costas, em preparação para a transfixação das mãos, suas feridas flageladas se tornariam novamente rasgadas e contaminadas com sujeira.2,16 Além disso, a cada respiração, as feridas flageladas seriam raspadas contra a madeira áspera dos estipes.7 Como resultado, a perda de sangue pelas costas provavelmente continuaria durante a provação da crucificação. Com os braços estendidos, mas não esticados totalmente, os pulsos eram pregados no patíbulo.7,11 Tem sido demonstrado que os ligamentos e ossos do pulso podem suportar o peso de um corpo pendurado, mas as palmas não podem.11Consequentemente, os espigões de ferro provavelmente eram conduzidos entre o rádio e os carpos, também entre ou através do forte retináculo do flexor e os ligamentos intercarpiais (Fig. 4). Embora um prego em qualquer local do pulso possa passar entre os elementos ósseos e, assim, não produzir fraturas, a probabilidade de lesão periosteal dolorosa pareceria grande. Além disso, o prego batido esmagaria ou cortaria o nervo mediano sensório-motor bastante grande (Fig. 4).2,7,11 O nervo atingido produziria espasmos excruciantes de dor em ambos os braços.7,9 Embora o nervo mediano cortado resultasse em paralisia de uma porção da mão, contraturas isquêmicas e empalamento de vários ligamentos pela ponta de ferro poderiam proporcionar um aperto semelhante a uma garra. Mais comumente, os pés foram fixados à frente dos estipes por meio de um espigão de ferro acionado através do primeiro ou segundo espaço intermetatársico, apenas distalmente à articulação tarso metatársica.2,5,8,11,30 É provável que o nervo fibular profundo e os ramos dos nervos plantares medial e lateral tenham sido lesionados pelos pregos (Fig. 5). Embora a flagelação possa ter resultado em considerável perda de sangue, a crucificação por si só foi um procedimento relativamente sem sangue, uma vez que nenhuma artéria principal, exceto talvez o arco plantar profundo, que passa pelos sítios anatômicos favorecidos da transfixação.2,10,11 O principal efeito fisiopatológico da crucificação, além da dor excruciante, foi uma interferência marcante na respiração normal, particularmente na expiração (Fig. 6).
O peso do corpo, puxando os braços e ombros estendidos, tenderia a fixar os músculos intercostais em um estado de inalação e, assim, impedir a expiração passiva.2,10,11 Consequentemente, a exalação era principalmente diafragmática e a respiração era superficial.11 É provável que essa forma de respiração não seja suficiente e que a hipercarbia logo aconteça. O aparecimento de cãibras musculares ou contrações tetânicas, devido à fadiga e à hipercarbia, dificultaria ainda mais a respiração. A exalação adequada exigia levantar o corpo empurrando os pés para cima e flexionando os cotovelos e aduzindo os ombros (Fig. 6). 2 No entanto, essa manobra colocaria todo o peso do corpo no tarso e produziria uma dor lancinante.7 Além disso, a flexão dos cotovelos causaria rotação dos punhos em torno dos pregos de ferro e causaria uma dor ardente ao longo dos nervos medianos danificados.7
O levantamento do corpo também rasparia dolorosamente as costas açoitadas contra os rangidos de madeira.27 Câimbras musculares eparestesias dos braços estendidos e erguidos aumentariam o desconforto.7 Como resultado, cada esforço respiratório se tornaria agonizante e cansativo e levaria eventualmente à asfixia.2,3,7,10
A verdadeira causa de morte por crucificação era multifatorial e variou um pouco com cada caso, mas as duas causas mais proeminentes provavelmente foram asfixia por choque e exaustão hipovolêmicas.2,3,7,10 Outros possíveis fatores contribuintes incluem desidratação,7,16 arritmias induzidas3por estresse e insuficiência cardíaca congestiva com o rápido acúmulo de derrames pericárdicos e talvez pleurais.2,7,11 Crucifratura (quebrar as pernasabaixo dos joelhos), se realizada, levava a uma morte asfixiante em poucos minutos. A morte por crucificação era, em todos os sentidos da palavra, excruciante (latim, excruciatus ou "fora da cruz").

Crucificação de Jesus
Após a flagelação e o escárnio, por volta das 9 da manhã, os soldados romanos colocaram as roupas de Jesus de volta nele e depois levaram-no juntamente com dois ladrões para serem crucificados. Aparentemente, Jesus estava tão enfraquecido pelo açoitamento severo que não pôde carregar o patíbulo do local do pretório da crucificação a um terço de uma milha (600 a 650 m) de distância.1,3,5,7 Simão de Cirene foi convocado para levar a cruz de Cristo. O processional, em seguida, fez o seu caminho para o Gólgota (ou Calvário), um local de crucificação estabelecido. Aqui, as roupas de Jesus, com exceção de uma tanga de linho, foram novamente removidas, provavelmente reabrindo as feridas da flagelação. A Ele então foi oferecido um copo de vinho misturado com mirra (bile), mas, depois de prová-lo, recusou a bebida.1 Finalmente, Jesus e os dois ladrões foram crucificados. Embora as referências escriturísticas sejam feitas para pregos nas mãos, estas não estão em desacordo com a evidência arqueológica de ferimentos nos pulsos, uma vez que os antigos costumavam considerar o pulso como uma parte da mão.7,11
O titulus (Fig. 3) foi anexado acima da cabeça de Jesus. Não está claro se Jesus foi crucificado na cruz Tau ou na cruz latina; descobertas arqueológicas favorecem a primeira11 e a tradição inicial a segunda.38 O fato de que mais tarde Jesus recebeu uma bebida de vinagre de vinho em uma esponja colocada no talo da planta do hissopo1 (aproximadamente 20 polegadas ou 50 cm de comprimento) apoiafortemente a crença de que Jesus foi crucificado na cruz curta.6 Os soldados e a multidão civil provocaram Jesus durante a provação da crucificação, e os soldados repartiram suas roupas.
Cristo falou sete vezes na cruz. 1 Como a fala ocorre durante a expiração, essas expressões curtas e concisas devem ter sido particularmente difíceis e dolorosas. Por volta das três da tarde daquela sexta feira, Jesus gritou em voz alta, abaixou a cabeça e morreu.1Os soldados e espectadores romanos reconheceram seu momento de morte.1 Como os judeus não queriam que os corpos permanecessem nas cruzes após o pôr-do-sol, o começo do sábado, pediram a Pôncio Pilatos que ordenasse a crucifratura para apressar a morte dos três homens crucificados.1 Os soldados quebraram as pernas dos dois ladrões, mas quando chegaram a Jesus e viram que ele já estava morto, não quebraram as pernas.1 Em vez disso, um dos soldados perfurou seu lado, provavelmente com uma lança de infantaria, e produziu um súbito fluxo de sangue e água.1 Mais tarde naquele dia, o corpo de Jesus foi retirado da cruz e colocado em um túmulo.

MORTE DE JESUS
Dois aspectos da morte de Jesus foram fonte de grande controvérsia, especificamente, a natureza da ferida em seu lado4,6 e a causa de sua morte após apenas algumas horas na cruz.13-17 .O Evangelho de João descreve a perfuração do lado de Jesus e enfatiza o fluxo súbito de sangue e água.1 Alguns autores interpretam o fluxo de água como sendo ascites12 ou urina, a partir de uma perfuração da bexiga na linha média abdominal.15 No entanto, a palavra grega (πλευρα, ou pleura)32,35,36 usada por João, claramente denotava lateralidade e frequentemente implicava ser nas costelas.6,32,36 Portanto, parece provável que a ferida estivesse no toráx e bem longe da linha média abdominal.
Embora o lado da ferida não tenha sido designado por João, ele é tradicionalmente representado no lado direito.4 O apoio a essa tradição é o fato de que um grande fluxo de sangue seria mais provável com uma perfuração das veias dilatadas e finas, átrio ou ventrículo direito murado, do que o ventrículo esquerdo de parede espessa e contraído. Embora o lado da ferida nunca possa ser estabelecido com certeza, o direito parece ser mais provável que a esquerdo.
Parte do ceticismo em aceitar a descrição de João surgiu da dificuldade em explicar, com precisão médica, o fluxo de sangue e água. Parte dessa dificuldade foi baseada na suposição de que o sangue apareceu primeiro, depois a água. No entanto, no grego antigo, a ordem das palavras denotava geralmente proeminência e não necessariamente uma sequência temporal.37 Portanto, parece provável que João estivesse enfatizando a proeminência do sangue em vez de sua aparência precedendo a água. Portanto, a água provavelmente representava o líquido seroso pleural e pericárdico,5-7,11 e teria precedido o fluxo de sangue em menor volume que o sangue. Talvez no quadro de hipovolemia e insuficiência cardíaca aguda, derrames pleurais e pericárdicos possam ter se desenvolvido e teriam aumentado o volume de água aparente.5,11 O sangue, em contraste, pode ter se originado do átrio direito ou ventrículo direito (Fig. 7) ou talvez de um hemopericárdio.5,7,11 A morte de Jesus após três a seis horas na cruz surpreendeu até mesmo Pôncio Pilatos.1 O fato de que Jesus gritou em voz alta, depois abaixou a cabeça e morreu, sugere a possibilidade de um evento terminal catastrófico.
Uma explicação popular é que Jesus morreu de ruptura cardíaca. No cenário da flagelação e crucificações com hipovolemia associada, hipoxemia e talvez um estado de coagulação alterado, possível endocardite trombótica não bacteriana poderia ter se formado na valvula aórtica ou mitral. Estes, então, poderiam ter desalojado e embolizado a circulação coronária e, assim, produzido um infarto do miocárdio transmural agudo. Verificou-se que vegetações valvares trombóticas desenvolvem-se sob condições traumáticas agudas análogas.39
A ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo pode ocorrer, embora de maneira incomum, nas primeiras horas após o infarto.40 No entanto, outra explicação pode ser mais provável. A morte de Jesus pode ter sido apressada simplesmente por seu estado de exaustão e pela severidade da flagelação, com sua perda de sangue e estado de choque resultantes.7 O fato de que ele não podia carregar seu patíbulo suporta esta interpretação. A causa real da morte de Jesus, como a de outras vítimas crucificadas, pode ter sido multifatorial e relacionada principalmente ao choque hipovolêmico, à asfixia por exaustão e, talvez, à insuficiência cardíaca aguda.2,3,5-7,10,11 Uma arritmia cardíaca fatal pode ter sido responsável pelo aparente evento terminal catastrófico. Assim, permanece incerto se Jesus morreu de ruptura cardíaca ou de insuficiência cardiorrespiratória. No entanto, a característica importante pode não ser como ele morreu, mas sim se ele morreu. Claramente, o peso das evidências históricas e médicas indicam que Jesus estava morto antes que a ferida a seu lado fosse infligida e sustenta a visão tradicional de que a lança, lançada entre suas costelas direitas, provavelmente perfurou não apenas o pulmão direito, mas também o pericárdio e coração e assim assegurou sua morte (Fig 7). Assim, interpretações baseadas no pressuposto de que Jesus não morreu na cruz parecem estar em desacordo com o conhecimento médico moderno.

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