terça-feira, 21 de julho de 2020

A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 2 - A Herança Religiosa e Cultural da Família de Charles Darwin



Por Walson Sales

Charles Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, em Shrewsbury, Inglaterra, filho do médico Robert Darwin e neto do pitoresco deísta e evolucionista Erasmus Darwin. A mãe de Charles era a filha do extemporâneo industrial e unitarista Josiah Wedgwood, um ceramista de fama (GUNDLACH, 2018).O avô de Darwin, Erasmus, possuía um intelecto cortante e uma repulsa profunda por qualquer divindade. Tinha linguagem chula, humor extravagante, era corpulento e não poupava ninguém, pois acusava o outro avô materno de Darwin, o patriarca da cerâmica Josiah Wedgwood, de estar em queda livre com seu Cristianismo unitarista insípido, reduzido à quase nudez, pois duas doutrinas basilares haviam sido rejeitadas, a saber, a Santíssima Trindade e a Divindade de Jesus. O Cristianismo de Josiah havia rejeitado tantos elementos sobrenaturais que, se fosse rebaixado um pouquinho mais, aterrissaria em queda livre no ateísmo, dizia Erasmus. Erasmus era um crítico ferrenho do Cristianismo e da religião e era conhecido por dizer com certa frequencia “que necessidade existe para o Cristianismo, se os homens podem sorver ‘o leite da ciência’? As sacerdotisas da natureza não explicavam todas as coisas – até mesmo a criação?” (DESMOND & MOORE, 2001, p. 25). Os dois avôs de Darwin concordavam em muitas coisas, mas em questão de religião se afastavam drasticamente.
O doutor Erasmus Darwin era um gigante, um hedonista, cuja sombra se estendera pelas gerações posteriores. Marcado pela varíola, aleijado e obeso, era um médico renomado com uma atração fatal por mulheres. Foi pai de uma dúzia de filhos com duas esposas diferentes, e de mais dois com uma govenanta. Receitava sexo contra a hipocondria, compunha versos eróticos em profusão e mantinha um compromisso profundo com as maravilhas da mecânica e com a evolução. Charles Darwin via ali aspectos profundos de si mesmo. Erasmus admitia a ascenção natural da vida e o parentesco entre todas as criaturas; repudiava a escravidão, admirava a filantropia, e insistia na bondade para com os animais inferiores. Como deísta, acreditava em uma deidade distante – um Poder-potente, Todo grandeza, Todo bondade. Segundo consta, ele orava: “Ensina-me, Criação, ensina-me como adorar o vasto desconhecido”. Por não ser um Cristão Ortodoxo ou mais especificamente, da Igreja Anglicana, era grosseiramente caluniado e no mesmo ano em que morreu, em 1802, foi duramente atacado por duvidar da Bíblia. Isso abalou Charles Darwin profundamente, pois afirmou com muito desgosto “Esse era o estado do sentimento Cristão neste país no início do século corrente”. É de conhecimento dos principais biógrafos de Darwin que muitas histórias negativas sobre seu avô Erasmus foram recortadas dos relatos que vieram à público. Muita informação sobre filhos ilegítimos, muito vinho, mulheres e ardor. Frases grosseiramente agnósticas e tudo o que mostrasse sua heterodoxia foi também amputado, pois refletia mal o Cristianismo [e a família]. Darwin mesmo aprovou este processo impetrado por sua filha Henrietta. As asserções e supressões falavam pelos dois lados da família. Henrietta parecia com a mãe e com o avô materno, Josiah, pois 100 anos de devoção unitarista haviam marcado a mentalidade dos Wedgwood. A censora impôs sua vontade. O mundo teria que aguardar mais outro século para ler sobre as forças familiares que haviam moldado o destino de Charler Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 26, 27).
Erasmus era um polivalente. Além de médico, projetou uma carruagem capaz de fazer curvas em alta velocidade, na qual viajava 15 mil quilômetros por ano para medicar a nova elite da Inglaterra. Projetou um moinho de vento horizontal para pulverizar pigmentos nas instalações de Wedgwood e até mesmo uma máquina de falar, capaz de pronunciar o Pai-Nosso, o Credo e os Dez Mandamentos na língua comum”, onde foi-lhe oferecido 10 mil libras pelo invento. Mas este homens não apostavam muito na ortodoxia. A maioria deles era não-conformista por livre escolha, portanto, marginalizados em um mundo em que as oportunidades educacionais e políticas eram reservadas para os membros da Igreja Anglicana. Eles pertenciam a uma contracultura de capelas e prosperavam nas cidades industriais em crescimento. À parte do livre pensamento de Erasmus, sua vanguarda intelectual estava nos unitaristas como Josiah. Em 1870, quando Joseph Priestley, destacado filósofo, químico e unitarista da época, veio a Birmingham para servir como ministro na nova Casa de Culto dos Dissidentes, esse grupo marginalizado ganhou um aliado importante. Priestley era um gênio. Estudava o ar e os gases e é possível que tenha descoberto o oxigênio, a amônia, o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre e a lista segue. Foi financiado em suas pesquisas por Wedgwood. A teologia de Priestley foi provavelmente ainda mais influente, uma vez que moldou os pontos de vista de três gerações entrecruzadas pelo casamento de Darwin e Wedgwood. Ele pretendia restaurar o cristianismo em sua pureza primitiva e torná-lo uma religião de felicidade universal, nesta vida e na próxima. Os Anglicanos acharam isso perigoso – Deus ordenando felicidade para todos de maneira imparcial, sem levar em consideração a posição social ou o ritual, também era condenável. Contudo, para Priestley, almas imortais não existiam mais do que os “espíritos” imateriais da química. Milagres e mistérios como a Santa Trindade e a Encarnação de Cristo tampouco faziam parte de seu cristianismo. Para ele, a benevolência de Deus estaria expressa em um mundo inteiramente material, no qual as leis da natureza reinariam absolutas e tudo teria uma causa física. A carne humana seria ressuscitada na próxima vida, como foi a de Jesus, graças a alguma lei física desconhecida. Esta era a fé robusta, esperançosa e autoconfiante da nova elite industrial que moldou o pensamento da família de Charles Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 28, 29).
Nem todos os unitaristas foram tão longe a ponto de negar a alma. Por outro lado, livres-pensadores como Erasmus forma muito além disso, descartando a Bíblia e também Jesus – e clamando que “nenhuma Providência particular é necessária para fazer girar este planeta ao redor do sol”. A esposa de Erasmus bebia gim e morreu embriagada, deixando o marido com cinco crianças. Uma década de flertes, e namoros fúteis se seguiram e então, aos 49 anos, Erasmus descobriu-se gordo, manco e apaixonado por uma mulher casada, sua paciente, a quem dedicava poemas e versos de amor. Era uma bela paciente casada, filha ilegítima de um Conde. Quando seu rico marido morreu, em 1780, o viúvo Erasmus casou-se com ela, mudou de residência e transferiu suas operações para a mansão dela no interior, nos subúrbios de Derby. Tal devassidão era sinal de que uma elegante libertinagem afetava as melhores famílias (DESMOND & MOORE, 2001, p. 29, 30).
Erasmus estava fazendo versos sobre as novas liberdades francesas e finalizando seu livro médico-evolucionista Zoonomia, quando Priestley caiu nas “mãos sacrílegas dos selvagens de Birmingham”. Sua capela e sua casa foram invadidas e vandalizadas por uma multidão que gritava “nada de filósofos – a Igreja e o Rei para sempre”. Os tumultos de 1791 significaram o fim da Sociedade dos Dissidentes. Priestley recebeu uma oferta de asilo na Etrúria, mas acabou fugindo para os Estados Unidos. A Botânica erótica de Darwin foi denunciada como lixo titilante; seu “ateísmo”, ferozmente criticado como o tipo de filosofia desmoralizadora que desencadeara o terror (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31).
Para os Darwin, o casamento, como tudo o mais, era administrado pelo velho Erasmus. Para Robert, (pai de Charles Darwin, o naturalista), ele escolheu Susannah, filha de Josiah. Eles se casaram em abril de 1796, um ano depois da morte de Josiah. Robert estava então estabelecido como médico e a herança de Sussanah, de 25 mil libras, constituía um acréscimo bem-vindo à fortuna da família. Foram morar na periferia de Shrewsbury, onde construiu uma casa apelidada de The Mount. A primeira criança do casal foi uma garota, Marianne; duas outras filhas vieram a seguir, Caroline em 1800 e Susan em 1803, esta um ano depois da morte pacifica de Erasmus. Veio então o primeiro filho homem, em 29 de dezembro de 1804. O casal batizou o filho em homenagem ao tio, morto afogado cinco anos antes e ao falecido avô – Erasmus. Robert era temperamental em família e Sussannah sifria muito com isso. Em 12 de fevereiro de 1809, quando atingira 44 anos, ela deu à luz. O menino foi chamado Charles Robert Darwin em memória aos médicos da família e na esperança de uma carreira brilhante, batizaram o bebê na igreja Anglicana de St. Chad no dia 17 de Novembro. Isso era adequado e prudente. O país estava em guerra com a França, a família era conhecida por ser liberal. O velho Erasmus já havia sido ridicularizado publicamente pelo governo por ter composto uma poesia em favor do franceses e para piorar, o nome dos Darwin já era associado ao ateísmo subversivo. Apesar de Suassanah permanecer fiel aos seus princípios cristãos, seu cristianismo era do culto dos Dissidentes, ou seja, unitarista e “em queda livre” em direção ao ateísmo, como denunciava o velho Erasmus (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31, 32).

Fontes citadas:
DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: A Vida de um Evolucionista Atormentado (Tradução Cyntia Azevedo). 4ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Geração Editorial, 2001
GUNDLACH, Bradley J. Charles Darwin. In COPAN, Paul [et all] (organizadores). Dicionário de cristianismo e ciência: obra de referência definitiva para a interseção entre fé cristã e ciência contemporânea. (tradução Paulo Sartor Jr). 1. ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.

*      Próximos textos:

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 3 - O Menino e o Adolescente Darwin – Inclusive na Escola

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 4 - Darwin na Universidade de Medicina

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 5 - A Influência que Marcou Charles Darwin até a Formulação da Teoria da Evolução

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 6 - O Verdadeiro Motivo de Darwin Ter Ido Estudar Artes (Teologia)

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 7 - Darwin, O Erudito “Exemplar” no Curso de Artes (Teologia)

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 8 - Darwin e a Igreja Anglicana – contexto político

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 9 - Darwin Seguindo Para o Encerramento do Curso


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