Por
Walson Sales
Norman Geisler vê um lado positivo no ateísmo e eu
concordo com ele neste ponto. É o que ele chama de “A oposição leal”. Os ateus
são a oposição leal dos teístas. É difícil ver as falhas do próprio pensamento.
Os ateus servem de corretivo para raciocínios teístas inválidos. Seus
argumentos contra o teísmo devem fazer cessar o dogmatismo e abrandar o zelo
com que muitos crentes desprezam espontaneamente a incredulidade. Na verdade,
os ateus desempenham um papel importante de corretivo para o pensamento teísta.
Monólogos raramente produzem um raciocínio refinado. Sem ateus, os teístas não
teriam uma oposição significativa com que dialogar e explicar seus conceitos de
Deus (GEISLER, 2002, p. 85). Paul Copan destaca que os ateus estão certos em
denunciar as manifestações de ignorância, imoralidade, hipocrisia e violência
praticadas por crentes religiosos de todas as confissões (2016, p. 15).
O problema é: até que ponto essa oposição é leal? Ou
seja, até que ponto os Novos Ateus se afastam da oposição leal dos ateus
tradicionais e adentram um mundo sombrio de acusações descabidas, argumentos
mal fundamentados, ignorância dos argumentos da teologia natural,
generalizações grotestas e estereótipos intencionais? Por exemplo, dos dois
debates que vi o ateu Antony Flew em ação, ele foi bastante respeitoso e expôs
suas razões a favor do ateísmo de forma bem franca. Quando debateu com o Craig,
os fundamentos que Flew utilizou para sustentar seu ateísmo na sua “palestra de
abertura”, foram: 1. A limitação do conhecimento humano, restrito apenas as
coisas dentro do universo; 2. A afirmação de que o universo é um fato bruto que
não necessita de um começo e que caso tenha tido um começo, lá é onde devemos
parar e não ir mais além; 3. Temos que acolher a possibilidade de que não é
ridículo pensar que o universo surgiu do nada; 4. A afirmação de que um Deus
Onipotente e Onisciente criaria pessoas que fariam exatamente o que Deus
quereria que fizessem; 5. Ele compara a condenação a uma tortura eterna; 6.
Acha incoerente existir um ser sem corpo; 7. Afirma que se o tempo teve um
início, porque não devemos postular um inicio para Deus? 8. Que acha ser
impossível existir algo “fora do universo”; entre outros (WALLACE, 2003, p. 24,
25). Quando debateu com o Professor H. D. Lewis, Flew assume que 1. O universo
teve um início, mas nega ser um agente sobrenatural a causa; 2. Afirma que há
outras possibilidades naturais para a origem do universo; 3. Afirma que se o
universo teve um início, esse mesmo início deve ser aplicado a essa primeira
causa; 4. Reitera a pergunta perene: “se Deus criou o universo, quem criou
Deus?” (MARGENAU; VARGHESE, 1992, p. 236).
Respondendo aos pontos do primeiro debate citado:
1. Nós, os Cristãos, não afirmamos ter conhecimento fora
dos limites do universo, apenas evocamos as implicações claras que apontam que
se o tempo, espaço, matéria tiveram um início absoluto, logo essa causa do
universo não está sujeito ao tempo (é eterno), criou o espaço (está fora do
espaço), criou a matéria (é incorpóreo, é espírito). Todas essas
características estão presentes no Deus do Teísmo;
2. Afirmar que o universo é um fato bruto significa que
Flew defende uma dessas duas opções: a. o universo não teve um começo; b. o
universo teve um começo, mas é autocausado, o que é um absurdo para as duas
opções;
3. Apesar de Flew querer negar, é ridículo sim, pensar
que o universo surgiu do nada, pois do nada, nada vem;
4. Existem coisas que um Deus onipotente não pode fazer,
pois são impossíveis lógicos. Deus não pode fazer/determinar com que uma pessoa realize uma ação livre, pois uma ação
livre não pode ser determinada;
Esse
ponto 4 merece uma atenção maior e vou dedicar um espaço maior aqui e abordar
esse desadio dos ateus de forma mais didática para mostrar que Deus não pode realizar impossibilidades
lógicas. Vamos analisar o desafio chamado de O Paradoxo da Pedracom uma explicação dos filósofos Charles
Taliaferro e Elsa Marty. Os
quebra-cabeças surgem com relação à onipotência de duas maneiras: interna e
externamente. Os quebra-cabeças internos dizem respeito apenas ao próprio
atributo, enquanto os quebra-cabeças externos surgem quando o atributo é comparado
com outros atributos divinos, como a bondade essencial. A mais famosa das
dificuldades internas é concebida em termos de uma tarefa que um ser onipotente
não pode realizar. Aqui está uma versão, às vezes chamada de "O Paradoxo
da Pedra".
1.
Um ser onipotente é capaz de realizar qualquer ato.
2.
Se Deus é onipotente, Deus pode criar uma pedra tão pesada que ninguém pode
levantá-la.
3.
Se Deus é onipotente, Deus pode levantar qualquer pedra.
4.
Mas se Deus pode levantar qualquer pedra, Deus não pode criar uma pedra tão
pesada que ninguém possa levantá-la.
5. E
se Deus pode criar uma pedra tão pesada que ninguém possa levantá-la, então
pode haver uma pedra que nem mesmo Deus pode levantar.
6.
Há pelo menos um ato que Deus não pode realizar.
7.
Portanto, Deus não é onipotente. (Alguns argumentam de forma mais radical que,
como Deus deve ser onipotente para ser Deus, isso prova que Deus não existe.)
A
maneira mais comum de resolver esse quebra-cabeça é corrigir a premissa 1 assim:
Um ser onipotente é um ser capaz de realizar qualquer ato possível. Não pode haver uma pedra tão pesada que um ser capaz
de levantar qualquer pedra não possa levantá-la. Só parece possível se
estivermos realmente imaginando um ser menos poderoso que Deus. Nós, como seres
humanos, podemos construir objetos tão pesados que não podemos levantá-los, mas
um ser como Deus que pode realizar qualquer coisa possível, não pode (por
razões lógicas) criar um objeto que Deus não pode levantar.
Achamos
que esta é uma resposta decisiva para "O Paradoxo da Pedra". Não há
necessidade de realizar acrobacias filosóficas, como alguns filósofos fazem,
argumentando que Deus pode fazer o que é logicamente incoerente ou pode optar
por limitar os próprios poderes de Deus (criar uma pedra e optar por não
conseguir levantá-la). Parte do problema com esse argumento, a propósito, é
que, ao insistir que a onipotência inclua a capacidade de fazer o que é
logicamente incoerente, ela remove nossa capacidade de pensar sobre esses
assuntos (TALIAFERRO e MARTY, 2009). Tendo esse ponto bem explicado, podemos
continuar abordando rapidamente cada ponto levantando por Flew.
5. A condenação é uma tragédia, o que não significa que
os seres humanos não tiveram chance de fugir desse destino horrível. Aqui Flew
faz um apelo emocional;
6. Deus é espírito, fora do tempo, o que por definição,
não pode ter um corpo. Essa é uma das problemáticas abordadas no capítulo sobre
o Teísmo, onde iremos discutir sobre A Coerência do Teísmo;
7. Liga o início do tempo ao possível início de Deus, o
que é uma contradição lógica por se tratar de um ser eterno;
8. Acha impossível existir algo fora do universo por
pensar no universo como “tudo o que existe”, ou seja, um argumento circular.
Sobre o segundo debate,
1. Defende um universo com um começo e sem uma causa, o
que é um absurdo;
2. Afirma que há outras possibilades para o início do
universo, mas não oferece nenhuma possibilidade;
3 e 4. Pergunta: se Deus criou o universo, quem criou
Deus? Perceba que os argumentos são repetitivos, circulares e interdependentes.
Eu estava apresentando um trabalho no curso de Filosofia da UFPE sobre as Cinco
Vias em Tomáz de Aquino e quando estava falando, uma aluna me interrompeu e fez
exatamente esta pergunta: “Se Deus criou o universo, quem criou Deus?” Respondi
em duas partes: 1. Meu filho me fez essa pergunta aos 6 anos de idade; 2. Deus
é eterno por definição, o que implica dizer que Deus é um ser incriado.
Reformulando sua pergunta e colocando na sua pergunta o termo “ser incriado” no
lugar de Deus, ficaria assim: se o ser incriado criou o universo, quem criou o
ser incriado? Ela não respondeu mais nada.
Apesar de Flew defender pontos absurdos, ele o faz com
respeito, pensamento crítico e inquirição sincera, diferente dos Novos Ateus,
como veremos em escritos posteriores.
Aqui encerro este pequeno artigo alertando os amados
sobre esses argumentos dos ateus que são recorrentes em quase todos os diálogos
e precisamos estar alertas, pois os Novos Ateus usam estes mesmos argumentos de
forma agressiva e desdenhosa para tentar desestabilizar o oponente. Deixe-o
expressar seu ponto de vista compare com o seu: você estará aplicando a
inferência da melhor explicação e verá que a resposta Cristã é mais bem
fundamentada.
Referências:
COPAN, Paul. Deus é um Monstro Moral? Entendendo Deus no Contexto do Antigo
Testamento (Tradução Walson Sales). Maceió: Editora Sal Cultural, 2016
GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética (tradução Lailah de Noronha). São
Paulo: Editora Vida, 2002.
MARGENAU, Henry;
VARGHESE, Roy Abraham. Cosmos, Bios,
Theos: Scientists Reflect on Science, God, and the Origins of the Universe,
Life, and Homo Sapiens.Chicago, Illinois: Open Court Publishing Company,
1992
TALIAFERRO,
Charles; MARTY, Elsa J. The Coherence of Theism.In COPAN, Paul; CRAIG, William Lane
(General Editors). Contending with Christianity’s Critics: Answering New Atheists &
Other Objectors. Nashville, Tennessee: B&H ACADEMIC, 2009.
WALLACE, Stan W.
(ed.). Does God Exist? The Craig-Flew
Debate. Burlington, USA: Ashgate Publishing, 2003
Notas:
[1]
Você pode assistir ao debate completo (legendado) neste link: https://deusamouomundo.com/apologetica/deus-existe-debate-completo-craig-x-flew/; e
a palestra de abertura de Willian Lane Craig no mesmo debate, neste link: https://deusamouomundo.com/apologetica/deus-existe/
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