domingo, 6 de setembro de 2020

A Teoria da evolução sob escrutínio Uma abordagem na vida de Charles Darwin


“Darwin removeu o principal argumento para a existência de Deus.” (Será?)   


Por Walson Sales

 

Os ateus, evolucionistas, materialistas, naturalistas e humanistas geralmente utilizam este argumento acima para colocar em descrédito a religião em geral e o Cristianismo em particular, portanto é de imperial importância darmos uma “olhada” na vida do famoso naturalista inglês até mesmo “antes” de sua famosa viagem às Ilhas Galápagos. Primeiro é importante situar o personagem em questão. Depois, conhecer um pouco o seu contexto. Charles Darwin é considerado ainda hoje um grande cientista. Um marco divisor entre a superstição (religião) e a ciência, ou seja, a racionalidade científica contra a credulidade ingênua, até mesmo cega, da religião. As mesmas mentes que nos venderam estas informações como sendo verdadeiras, também deixam implícito (outros deixam bem explícito mesmo) em suas apresentações da vida e obra de Darwin, seguindo mais ou menos esta sequência, que (1) Darwin nasceu numa família estritamente evangélica e Cristã ortodoxa; (2) ele próprio era um Cristão fervoroso e frequentador de Igreja, um Cristão devoto; (3) que seus estudos foram um sucesso, tanto na escola, quanto na faculdade e que ele era um gênio; (4) que seus estudos científicos o levaram a formular a conhecida Teoria da Evolução, até então desconhecida e inédita; (5) que só então, de posse destas descobertas, ele abandonou a superstição da religião; (6) que suas descobertas foram isentas, sem uma influência prévia de quem quer que seja; (7) que o mecanismo, supostamente descoberto por ele, a Seleção Natural, explicou, de forma definitiva, o mecanismo da evolução das espécies; (8) que Darwin vislumbrou, já em seus dias, uma cadeia fóssil completa como prova definitiva da evolução das espécies. A lista pode crescer indefinidamente, já que tantas são as histórias de vitória na vida do famoso Naturalista inglês. Contudo, é importante lermos e observamos mais de perto as dúvidas, contexto e desenvolvimento pessoal deste personagem e, ao fazermos, podemos identificar uma série de eventos que vão em sentido totalmente contrário da propaganda Darwinista atual. Conhecer estas informações é crucial para entender o homem e o cientista em um contexto político e religioso delicado, até mesmo conturbado, durante a era vitoriana em que Darwin nasceu, cresceu, foi educado e influenciado.

Bradley JGundlach (2018) confirma um pouco disso. Ele afirma que o nome Charles Darwin (1809-1882) carrega imenso poder simbólico no mundo moderno. Normalmente, representa a racionalidade científica sobre a credulidade religiosa, a livre investigação sobre a ortodoxia imposta durante a era vitoriana, onde a Igreja Anglicana impunha as normas sociais. Em 1909, John Dewey escreveu que Darwin tinha efetuado a maior transformação intelectual dos tempos modernos, implicando claramente que Darwin trouxe ideias científicas inéditas. Embora o próprio Darwin tenha evitado abertamente o ateísmo, seu nome e a teoria da evolução associada a ele permanecem como ponto de apoio para a incredulidade. No entanto, Darwin, o homem, não equivale à teoria — ou antes, às teorias — que tem seu nome. A chamada revolução darwiniana do século XIX consistiu em grande parte na mudança do criacionismo para versões não darwinistas da evolução, apesar do uso do nome de Darwin como etiqueta. O que Darwin fez foi apresentar uma teoria plausível da evolução apoiada por um conjunto de pormenores científicos e abrir amplas perspectivas para novas pesquisas e teorias adicionais em paleontologia, embriologia, genética, bioquímica e muito mais. Depois de Darwin, as noções mais amplas da evolução tomaram emprestado o prestígio da ciência — a sociedade, a cultura e a religião eram agora vistas em função do desenvolvimento natural desde os primórdios, uma história de progresso que encorajava a rejeição ou a reformulação radical da crença Cristã. Embora os Cristãos liberais celebrem Darwin por ter substituído a invariabilidade pela variação (e assim encorajar a revisão doutrinal e moral), e os Cristãos fundamentalistas o deploram como a fonte da incredulidade, deterioração cultural e mesmo de genocídio (Darwin como uma inspiração para Hitler), muitas visões moderadas a respeito de Darwin e da evolução existem dentro do rebanho Cristão.

Contudo, é de vital importância conhecer Darwin dentro do seu contexto histórico, político e religioso e desvendar a mente deste naturalista inglês. Esta série de artigos procura elucidar as influências sobre a criança, o jovem e o universitário Charles Darwin e mostrar se as oito proposições populares sobre Darwin, citadas acima, são corretas. Esta série de tópicos abaixo acompanha sua história até pouco antes da sua viagem às ilhas Galápagos e é suficiente para mostrar o que moldou a mente deste personagem até mesmo antes de escrever a sua famosa Origem das Espécies. Sobre o Evolucionismo em si, deixarei para ser abordado em capítulo próprio constante neste livro (ver capítulo sobre). Deixarei que os trechos em negrito, que são meus, falem por si mesmos.

 

A Herança Religiosa e Cultural da Família de Charles Darwin

 

Charles Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, em Shrewsbury, Inglaterra, filho do médico Robert Darwin e neto do pitoresco deísta e evolucionista Erasmus Darwin. A mãe de Charles era a filha do extemporâneo industrial e unitarista Josiah Wedgwood, um ceramista de fama (GUNDLACH, 2018).O avô de Darwin, Erasmus, possuía um intelecto cortante e uma repulsa profunda por qualquer divindade. Tinha linguagem chula, humor extravagante, era corpulento e não poupava ninguém, pois acusava o outro avô materno de Darwin, o patriarca da cerâmica Josiah Wedgwood, de estar em queda livre com seu Cristianismo unitarista insípido, reduzido à quase nudez, pois duas doutrinas basilares haviam sido rejeitadas, a saber, a Santíssima Trindade e a Divindade de Jesus. O Cristianismo de Josiah havia rejeitado tantos elementos sobrenaturais que, se fosse rebaixado um pouquinho mais, aterrissaria em queda livre no ateísmo, dizia Erasmus. Erasmus era um crítico ferrenho do Cristianismo e da religião e era conhecido por dizer com certa frequencia “que necessidade existe para o Cristianismo, se os homens podem sorver ‘o leite da ciência’? As sacerdotisas da natureza não explicavam todas as coisas – até mesmo a criação?” (DESMOND & MOORE, 2001, p. 25). Os dois avôs de Darwin concordavam em muitas coisas, mas em questão de religião se afastavam drasticamente, apesar das acusações do velho Erasmus.

O doutor Erasmus Darwin era um gigante, um hedonista, cuja sombra se estendera pelas gerações posteriores. Marcado pela varíola, aleijado e obeso, era um médico renomado com uma atração fatal por mulheres. Foi pai de uma dúzia de filhos com duas esposas diferentes, e de mais dois com uma govenanta. Receitava sexo contra a hipocondria, compunha versos eróticos em profusão e mantinha um compromisso profundo com as maravilhas da mecânica e com a evolução. Charles Darwin via ali aspectos profundos de si mesmo. Erasmus admitia a ascenção natural da vida e o parentesco entre todas as criaturas; repudiava a escravidão, admirava a filantropia, e insistia na bondade para com os animais inferiores. Como deísta, acreditava em uma deidade distante – um Poder-potente, Todo grandeza, Todo bondade. Segundo consta, ele orava: “Ensina-me, Criação, ensina-me como adorar o vasto desconhecido”. Por não ser um Cristão Ortodoxo ou mais especificamente, da Igreja Anglicana, era grosseiramente caluniado e no mesmo ano em que morreu, em 1802, foi duramente atacado por duvidar da Bíblia. Isso abalou Charles Darwin profundamente, pois afirmou com muito desgosto “Esse era o estado do sentimento Cristão neste país no início do século corrente”. É de conhecimento dos principais biógrafos de Darwin que muitas histórias negativas sobre seu avô Erasmus foram recortadas dos relatos que vieram à público. Muita informação sobre filhos ilegítimos, muito vinho, mulheres e ardor. Frases grosseiramente agnósticas e tudo o que mostrasse sua heterodoxia foi também amputado, pois refletia mal o Cristianismo [e a família]. Darwin mesmo aprovou este processo impetrado por sua filha Henrietta. As asserções e supressões falavam pelos dois lados da família. Henrietta parecia com a mãe e com o avô materno, Josiah, pois 100 anos de devoção unitarista haviam marcado a mentalidade dos Wedgwood. A censora impôs sua vontade. O mundo teria que aguardar mais outro século para ler sobre as forças familiares que haviam moldado o destino de Charler Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 26, 27). Como já afirmei acima, os grifos falam por sí mesmos e em sua mente, você deverá interagir com os tópicos numerados no início deste tópico. Há muita desinformação sendo veiculada sobre Charles Darwin e os dois maiores biógrafos de Darwin deixaram tudo bem claro.

Erasmus era um polivalente. Além de médico, projetou uma carruagem capaz de fazer curvas em alta velocidade, na qual viajava 15 mil quilômetros por ano para medicar a nova elite da Inglaterra. Projetou um moinho de vento horizontal para pulverizar pigmentos nas instalações de Wedgwood e até mesmo uma máquina de falar, capaz de pronunciar o Pai-Nosso, o Credo e os Dez Mandamentos na língua comum”, onde foi-lhe oferecido 10 mil libras pelo invento. Mas este homens não apostavam muito na ortodoxia. A maioria deles era não-conformista por livre escolha, portanto, marginalizados em um mundo em que as oportunidades educacionais e políticas eram reservadas para os membros da Igreja Anglicana. Eles pertenciam a uma contracultura de capelas e prosperavam nas cidades industriais em crescimento. À parte do livre pensamento de Erasmus, sua vanguarda intelectual estava nos unitaristas como Josiah. Em 1870, quando Joseph Priestley, destacado filósofo, químico e unitarista da época, veio a Birmingham para servir como ministro na nova Casa de Culto dos Dissidentes, esse grupo marginalizado ganhou um aliado importante. Priestley era um gênio. Estudava o ar e os gases e é possível que tenha descoberto o oxigênio, a amônia, o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre e a lista segue. Foi financiado em suas pesquisas por Wedgwood. A teologia de Priestley foi provavelmente ainda mais influente, uma vez que moldou os pontos de vista de três gerações entrecruzadas pelo casamento de Darwin e Wedgwood. Ele pretendia restaurar o Cristianismo em sua pureza primitiva e torná-lo uma religião de felicidade universal, nesta vida e na próxima. Os Anglicanos acharam isso perigoso – Deus ordenando felicidade para todos de maneira imparcial, sem levar em consideração a posição social ou o ritual, também era condenável. Contudo, para Priestley, almas imortais não existiam mais do que os “espíritos” imateriais da química. Milagres e mistérios como a Santa Trindade e a Encarnação de Cristo tampouco faziam parte de seu cristianismo. Para ele, a benevolência de Deus estaria expressa em um mundo inteiramente material, no qual as leis da natureza reinariam absolutas e tudo teria uma causa física. A carne humana seria ressuscitada na próxima vida, como foi a de Jesus, graças a alguma lei física desconhecida. Esta era a fé robusta, esperançosa e autoconfiante da nova elite industrial que moldou o pensamento da família de Charles Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 28, 29). Está claro que o que moldou o pensamento de Darwin era algo estritamente antagônico ao Cristianismo histórico e ortodoxo, pois era um pensamento antisobrenaturalista e mais materialista do que se poderia permitir para a fé Cristã genuína. Chamar alguém de Livre Pensador, como era chamado o avô de Darwin, é sinônimo hoje de ateísmo. Continue seguindo os grifos e comparando com os tópicos numerados.

Nem todos os unitaristas foram tão longe a ponto de negar a alma. Por outro lado, livres-pensadores como Erasmus foram muito além disso, descartando a Bíblia e também Jesus – e clamando que “nenhuma Providência particular é necessária para fazer girar este planeta ao redor do sol”. A esposa de Erasmus bebia gim e morreu embriagada, deixando o marido com cinco crianças. Uma década de flertes, e namoros fúteis se seguiram e então, aos 49 anos, Erasmus descobriu-se gordo, manco e apaixonado por uma mulher casada, sua paciente, a quem dedicava poemas e versos de amor. Era uma bela paciente casada, filha ilegítima de um Conde. Quando seu rico marido morreu, em 1780, o viúvo Erasmus casou-se com ela, mudou de residência e transferiu suas operações para a mansão dela no interior, nos subúrbios de Derby. Tal devassidão era sinal de que uma elegante libertinagem afetava as melhores famílias (DESMOND & MOORE, 2001, p. 29, 30).

Erasmus estava fazendo versos sobre as novas liberdades francesas e finalizando seu livro médico-evolucionista Zoonomia, quando Priestley caiu nas “mãos sacrílegas dos selvagens de Birmingham”. Sua capela e sua casa foram invadidas e vandalizadas por uma multidão que gritava “nada de filósofos – a Igreja e o Rei para sempre”. Os tumultos de 1791 significaram o fim da Sociedade dos Dissidentes. Priestley recebeu uma oferta de asilo na Etrúria, mas acabou fugindo para os Estados Unidos. A Botânica erótica de Darwin foi denunciada como lixo titilante; seu “ateísmo”, ferozmente criticado como o tipo de filosofia desmoralizadora que desencadeara o terror (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31).

Para os Darwin, o casamento, como tudo o mais, era administrado pelo velho Erasmus. Para Robert, (pai de Charles Darwin, o naturalista), ele escolheu Susannah, filha de Josiah. Eles se casaram em abril de 1796, um ano depois da morte de Josiah. Robert estava então estabelecido como médico e a herança de Sussanah, de 25 mil libras, constituía um acréscimo bem-vindo à fortuna da família. Foram morar na periferia de Shrewsbury, onde construiu uma casa apelidada de The Mount. A primeira criança do casal foi uma garota, Marianne; duas outras filhas vieram a seguir, Caroline em 1800 e Susan em 1803, esta um ano depois da morte pacifica de Erasmus. Veio então o primeiro filho homem, em 29 de dezembro de 1804. O casal batizou o filho em homenagem ao tio, morto afogado cinco anos antes e ao falecido avô – Erasmus. Robert era temperamental em família e Sussannah sofria muito com isso. Em 12 de fevereiro de 1809, quando atingira 44 anos, ela deu à luz. O menino foi chamado Charles Robert Darwin em memória aos médicos da família e na esperança de uma carreira brilhante, batizaram o bebê na igreja Anglicana de St. Chad no dia 17 de Novembro. Isso era adequado e prudente. O país estava em guerra com a França, a família era conhecida por ser liberal. O velho Erasmus já havia sido ridicularizado publicamente pelo governo por ter composto uma poesia em favor do franceses e para piorar, o nome dos Darwin já era associado ao ateísmo subversivo. Apesar de Suassanah permanecer fiel aos seus princípios Cristãos, seu Cristianismo era do culto dos Dissidentes, ou seja, unitarista e “em queda livre” em direção ao ateísmo, como denunciava o velho Erasmus (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31, 32).

Até aqui já deu para perceber que a herança cultural deixada pelo avô paterno de Darwin era totalmente anticristã e evolucionista em essência, apesar de Deísta, e a herança do avô materno foi de um Cristianismo insípido, pois não permitia milagres (antisobrenaturalista) e negava doutrinas basilares da fé Cristã como a Trindade e a Divindade de Jesus. Apesar dos tempos conturbados, de sua herança cultural anticristã e de sua herança religiosa liberal, alguns vendem a história de Darwin como a de um pensador que saiu de uma família estritamente Cristã para mergulhar na “verdade” da ciência e na formulação vitoriosa e final da teoria da evolução. Deixemos seus biógrafos revelarem mais detalhes desta história “vitoriosa”.

 

O Menino e o Adolescente Darwin – Inclusive na Escola

 

Algumas características do Charles Darwin na adolescência são importantes. A educação de Charles começou em casa, com sua irmã Caroline, então no início da adolescência. Ele buscava atenção com ansiedade, ansiava por elogios. Gostava de pescar, colecionava conchas, selos, ovos de passáros e minerais. Eram troféus empilhados clamando por admiração. Ele até mesmo imaginava que as pessoas o admiravam. “Inventar falsidades deliberadas” tornou-se um método regular de estar na berlinda. Na escola do sr. Case era muito reservado no contato físico violento com outros alunos, mas “pelo puro prazer de despertar atenção e surpresa”, e suas “mentiras cultivadas lhe davam prazer como uma tragédia encenada”. Contava histórias imaginárias sobre história natural, falava de aves estranhas e trombeteava ser capaz de mudar a cor das flores. Era o meio encontrado por um garoto para manipular o mundo. Em julho de 1817 a mãe de Charles faleceu. O impacto em Charles foi difícil de avaliar (DESMOND & MOORE, 2001, p. 33, 34).

Darwin não se interessava pelo currículo tradicional da escola, repudiava os clássicos, a cultura e as línguas antigas. O latim e o grego o entendiavam. Também não gostava de esportes, gostava de fazer grandes caminhadas solitárias, criando fantasias a respeito de viagens mais distantes, sonhando acordado com ilhas tropicais e paraísos sul-americanos. Aos 10 anos tornara-se insuportável para suas irmãs. Junto com seu irmão mais velho se interessou pela química ao ponto de elaborar um laboratório no galpão do jardim junto com seu irmão, depois que o pai os baniu da casa com seus gases nocivos. Depois que seu irmão foi para a universidade, Charles voltava correndo da escola para se debruçar nos seus livros de química. Se tornou um autodidata em química, bem como em armas de fogo e caça. Contudo, em casa era uma fonte de problemas. Não se destacava na escola, parecia inferior demais para um Darwin, talvez mesmo deficiente, ao ponto do pai lhe dizer: “Você não se preocupa com nada, a não ser caçadas, cachorros e ratos, e será uma desgraça para você mesmo e para toda a sua família” (DESMOND & MOORE, 2001, p. 36-40).

 

Darwin na Universidade de Medicina

 

Depois de ajudar o pai nas visitas médicas aos pacientes, o pai decidiu enviá-lo para a universidade de Medicina. Seu irmãos mais velho, Erasmus, achava que ele deveria ir para Cambridge. Robert decidiu enviar Charles Darwin para a Universidade de Edimburgo, a “Atenas do Norte”, para Charles. Edimburgo tinha mais relação com a tradição liberal da família. Charles seria a terceira geração dos Darwin a estudar medicina lá, seguindo seu pai e seu avô. O professor de filosofia natural, John Leslie, havia sido professor particular dos filhos da família Wedgwood uma vez em Maer. Como resultado, Charles saiu de casa com cartas que o colocariam nas melhores mesas de jantar de intelectuais. Apesar de ser considerada melhor que as universidades inglesas e formar uma quantidade maior e melhor de médicos, Edimburgo havia muito era um refúgio para os Dissidentes ricos, barrados em Oxford e Cambridge por recusarem confessar os 39 artigos da Igreja Anglicana. Em Edimburgo eles estudariam uma série ampla de assuntos médicos e científicos, incluindo Botânica, Química, e História Natural. Edimburgo mantinha os alunos informados sobre as melhores,mais heterodoxas e as mais inovadoras ciênciasrecém-criadas, como Charles acabaria descobrindo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 41, 42) e como veremos mais adiante, de fato, o que moldou a mente de Darwin para que eletomasse emprestadaa Teoria da Evolução. De fato, em Edimburgo, Darwin se dedicou mesmo a colecionar espécimes de invertebrados, encontrou ideias materialistas radicais e negligenciou seus estudos médicos (GUNDLACH, 2018). Depois que Erasmus, irmão de Darwin, concluiu seus estudos médicos externos, ele veio morar com Charles e estudar em Edimburgo. Havia duas características distintas em Edimburgo. A primeira era a Igreja. Edimburgo era a capital religiosa da Escócia. Seus severos pregadores eram indicados por patronos nobres e pela Coroa. Assim era a igreja da Escócia, chamada “The Kirk”, a Assembléia Geral, reunia-se em Edimburgo em meio a muita pompa. Toda a cidade aparecia, incluindo Charles e Erasmus, para ver os delegados em becas negras convergindo a fim de discutir a saúde moral da nação. A segunda era a própria cidade. Era uma cidade de paisagens maravilhosas e ciências apavorantes;de socialistas fazendo experiências com a vida cooperativa e comerciantes frenólogos examinando as cabeças de seus fregueses; de professores debatendo a origem da Terra e anatomistas decifrando a criação da vida (DESMOND & MOORE, 2001, p. 43).

A posição política de Darwin, e da família, era Whig, ou seja, liberal (defendia competição aberta, emancipação religiosa, que permitia não-conformistas, Judeus e Católicos prestar culto e eram veementemente contra a escravidão), contrastando com o partido Tory, conservador, que já governava o país há 50 anos e defendiam abertamente a escravidão (DESMOND & MOORE, 2001, p. 44).

No primeiro trimestre na universidade eles se transformaram em ratos vorazes de biblioteca, pois retiraram mais livros do que qualquer outra pessoa na universidade. Além de participar de aulas particulares proferidas pelo professor Robert Knox, um exuberante, usando monóculo, vestido em ouro, atacando cruelmente o clero. Suas sátiras cortantes sobre religião fizeram dele o flagelo da liderança da igreja da Escócia. Ele deu aulas a mais estudantes do que todos os outros professores particulares reunidos. Neste mesmo período, Charles Darwin já estava desiludido com a medicina, notadamente a anatomia. Seria o começo da jornada para abandonar o curso de medicina. Além disso, Charles compartilhava com seu pai o horror pelo sangue e nunca se esforçou para para superar isso. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 45-47).

Ao escrever às suas irmãs, expressou seus planos: “vou aprender a empalhar pássaros com um negro”. O “negro” em questão era um escravo liberto, John Edmonstone que o excêntrico “lorde” e viajante católico Charles Waterton trouxera da Guiana. O ex-escravo havia aprendido taxidermia com Lorde e ofereceu um curso muito barato. Charles se matriculou  e não só aprendeu a empalhar animais, mas também ouviu em primeira mão as conversas e as histórias de um escravo sobre a exuberância das florestas tropicais. Apesar da pressão da família, Darwin não conseguia ver sabedoria na medicina. Sua falta de interesse na medicina era notória à família. Charles, nesses dias, reviveu o encanto de suas caminhadas de infância pela costa galesa. Por esse tempo, Erasmus encerrou seus estudos em Edimburgo e se matriculou na escola de anatomia de Londres, deixando Charles à própria sorte (DESMOND & MOORE, 2001, p. 48-49).

 

A Influência que Marcou Charles Darwin até a Formulação da Teoria da Evolução

 

Em novembro de 1826, Charles Darwin estava de volta a Edimburgo, longe de casa, sozinho, à deriva incerto sobre seu futuro. Sem tanta pressão da família para seguir nos estudos da medicina, com poucos compromissos e muito tempo livre, atirou-se nas sociedades estudantis e encontrou excitação nos lugares mais improváveis, algo que o nortearia, junto com a influência liberal da família, à formulação de sua famosa teoria. Adentrou a Sociedade Pliniana onde existiam debates acalorados, reuniões elétricas e tópicos que beiravam a responsabilidade penal. Esta sociedade fora fundada em 1823 pelo professor de História Natural Robert Jameson. As reuniões aconteciam às terças-feiras e todos os tipos de adolescentes de 16 anos a graduados antigos fluíam em um dos cômodos do porão para ouvir as discussões. Quando Darwin entrou, em 1826, estudantes radicais – ferozes democratas livres-pensadores que exigiam que a ciência fosse baseada em causas físicas, e não em forças sobrenaturais – faziam parte da sociedade. Darwin foi encaminhado para os plinianos por um de seus cinco presidente, William Browne, um militante, demagogo brilhante de 21 anos que se graduara em 1826 com um grande interesse pela loucura. Estava profundamente envolvido com a ciência radical antisobrenaturalista e a política anticlerical. Um sinal da influência recebida por Darwin por esses personagens foi que no dia que Darwin solicitou sua entrada na sociedade no dia 21 de novembro de 1826, ele ouviu uma palestra de Browne tentando refutar o livro Anatomy and Physiology of Expression, onde seu autor Charles Bell, sustentava que o Criador havia dotado suas criaturas com músculos específicos na face cuja intenção era expressar emoções e que isso refletia a natureza moral do ser humano. Browne não apenas repudiou esse ensino, como não via diferença alguma entre homens e animais. Darwin, seguindo seu “mentor”, atacou o mesmo livro em anos posteriores. Na semana seguinte Darwin foi eleito junto com William Greg, um estudante que tinha a mesma idade que ele. Greg era tão herético quanto Browne e ofereceu-se imediatamente para dar uma conferência provando que os animais inferiores possuem todas as faculdade e propensões da mente humana. Note a mesma herança religiosa de Darwin. Greg havia sido educado em uma escola unitarista e ali havia aprendido a ver a natureza puramente em termos de forças físicas, pois os unitaristas, como mostrado antes, evitavam deliberadamente a ciência criacionista ortodoxa, do tipo ensinado nas escolas anglicanas, que segundo os unitaristas, as espécies não eram criadas de modo miraculoso, nem o homem estava posicionado fora da natureza. Seus mestres haviam mesmo proclamado a mente humana como sujeita à lei da física – uma ideia que os anglicanos repudiavam, sabendo que a moralidade era um dom de Deus, não da natureza. Greg leu seu artigo sobre mente humana e animal e Darwin, com sua herança materna unitarista o escutou sem surpresa. As doutrinas da igreja estabelecida estavam sendo impugnadas nessas reuniões e a ciência dissidente sendo defendida. Isso deve, com certeza, ter afetado o impressionável garoto de 17 anos, pois foi essa herança que o guiou na sua jornada como naturalista e não demorou para tomar parte ativa na sociedade. Contudo, os novos amigos de Darwin não demonstravam “sabedoria” apenas na defesa do antisobrenaturalismo, Greg e Browne eram frenologistas ferozes e defendiam que cada faculdade de pensamento – Amor, Moralidade, Veneração - estava localizada em seu próprio “órgão” no cérebro e o tamanho de cada órgao era refletido na configuração da cabeça. Não havia arte ou mistério. Qualquer um poderia olhar para as saliências da cabeça de uma pessoa e ver seus dons. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 50-52).

Darwin endureceu seu caráter antisobrenaturalista depois que conheceu Robert Edmund Grant. Ele se tornou mais íntimo de Darwin e o influenciou mais do que qualquer outra pessoa nesse período. Ele era dezesseis anos mais velho que Darwin e era um médico com muitos anos de prática, mas que havia abandonado a medicina para estudar a vida marinha. Era o mais radical com uma retificação da ciência e da sociedade. Alguns diziam que era homossexual, mas ninguém tinha isso por certo. O encontro deles foi decisivo. Darwin iria ser protegido e influenciado por um evolucionista intransigente. Agora, veja de onde vem boa parte do que Darwin defendeu em anos posteriores. Não havia nada sagrado para Grant.Como livre-pensador, da mesma herança da família Darwin, não via nenhum poder espiritual comandando o trono da natureza. A origem e a evolução da vida eram devidas simplesmente a forças físicas e químicas, todas obedecendo a leis naturais. Como seus heróis franceses, o difamado Jean-Baptiste Lamark e Etienne Geoffroy St. Hilaire – ambos evolucionistas - , Grant acreditava que uma nova visão imaginativa era necessária. Contudo, a evolução era quase universalmente condenada (e fica claro que a ideia era amplamente conhecida e difundida) pela igreja e pelas autoridades científicas. Havia uma agenda clara por trás desse antisobrenaturalismo. Se a natureza e a cultura evoluíam por sí mesmas, se o clero não podia apontar para espécies criadas de maneira miraculosa como um sinal de seu poder operando das alturas, a legitimidade da igreja estaria solapada. A lógica era brutal – ainda que raramente fosse admitida. Isto é, no dia em que pessoas aceitassem que a natureza e a sociedade evoluíram sem ajuda, a igreja desabaria, a trama moral da sociedade seria despedaçada e o homem civilizado retornaria à selvageria (DESMOND & MOORE, 2001, p. 52, 53). Esta agenda oculta não era tão oculta assim e foi essa agenda que moldou o pensamento de Darwin por toda a sua vida.

Tal era o companheiro de caminhadas de Darwin e um bom companheiro de passeios também. Grant já havia cruzado os alpes sete vezes a pé, visitando as universidades da França, Alemanha, Itália e Suíça. Eles marchavam juntos em direção à costa, guarda-chuvas à mão, arrebatados em conversas e um inquisitivo Darwin aprendia as perguntas a serem feitas. Durante o inverno de 1827 Darwin conseguiu conhecer bem Grant. Darwin o achava rígido e formal a príncipio, pois Grant estava sempre vestido formalmente com fraque e cachecol. Porém, por baixo dessa indumentária era gentil, entusiástico e divertido, com um humor mordaz que a nada perdoava, nem mesmo às Escrituras. Uma sucessão de estudantes, Darwin entre eles, escutava as piadas de Grant sobre a Providência divina. Grant era um pesquisador das Lesmas-do-mar e semelhantes. Passava o inverno inteiro, no frio, coletando e observando estes pequenos seres vivos. Ele os colhia, criava desde o ovo, passava semanas debruçado sobre eles os observando. O resultado foi uma série de vinte artigos nos periódicos de Edimburgo em 1826 e 1827. O tutor não oficial de Darwin era agora um especialista mundial em invertebrados marinhos, admirado até pelos franceses, líderes mundiais no assunto. Grant apontava o que procurar, e Darwin encheu um caderno de anotações em março e abril de 1827. O que aprendeu de Grant nesses meses iria configurar sua própria abordagem inicial da evolução, dez anos depois (DESMOND & MOORE, 2001, p. 54, 55).

Darwin, absorvendo tudo isso, começou a fazer suas próprias observações originais e a primeira delas foi anunciada em outra sociedade estudantil – A Sociedade Werneriana de História Natural. Esta sociedade era mais antiga e mais pretigiada. Ali, Grant, membro do conselho, dera quinze palestras desde 1825. No final de 1826 Grant começou a levar Darwin às reuniões, pois apenas doutores em medicina podiam fazer parte da sociedade, os estudantes iam como convidados. Foi em uma dessas reuniões que Grant literalmente promoveu Darwin, pois em 24 de março de 1827 ele anunciou que Darwin havia desvendado o mistério dos corpos negros semelhantes a pimentas encontrados dentros das conchas das ostras, os quais os pescadores pensavam que fossem esporos de algas. Eram ovos de sanguessuga. Grant publicou uma descrição do parasita e congratulou seu “zeloso jovem amigo, o sr. Charles Darwin”, por sua descoberta. A partir daí, Grant empurrou-o mais fundo nos escritos dos evolucionistas (DESMOND & MOORE, 2001, p. 56).

Ao ler System of Invertebrate Animals de Lamarck, Darwin percebeu o que os franceses não haviam percebido e essa observação ajudou a confirmar a crença de Grant de que as larvas de todos aqueles animais marinhos minúsculos eram capazes de nadar livremente. Ele expôs sua descoberta em 27 de março na Sociedade Pliniana durante um encontro e anunciou que as larvas dos corais eram capazes de nadar e que os pequenos pontos negros nas ostras velhas eram ovos de sanguessuga. Essa foi sua primeira apresentação pública e ele reagiu com imenso orgulho ao ser solicitado a exibir seus espécimes diante da Sociedade. Contudo, durante esse encontro ficou explícito o que motivava essas sociedades estudantis da época de Darwin, pois Browne, o belicoso radical, apresentou uma polêmica tão inflamada sobre mente e matéria que desencadeou um debate furioso. Ele provocou os estudantes ao defender que a mente e a consciência não eram entidades espirituais separadas do corpo, mas que eram simples subprodutos da atividade cerebral. A implicação antirreligiosa e antisobrenaturalista era clara: se a vida não era um dom sobrenatural, se a mente não era alguma entidade incorpórea, o que seria feito da alma? Sem nenhuma alma, sem pós-vida, sem punição nem recompensa, onde estava o impedimento contra a imoralidade? Existem provas de que alguém ficou enraivecido ao ponto de apagar das atas tanto o artigo, quanto o anúncio na semana anterior. Esta foi a primeira apresentação de Darwin ao livre pensamento militante – e à tempestade que ele desencadeara. A notícia desta reunião se espalhou por todo o país (DESMOND & MOORE, 2001, p. 57).

Professores vigilantes temiam que os jovens rebentos fossem empesteados por essas ideias venenosas. Era conhecido de que os rumores de que os estudantes de medicina se degeneravam em ateus materialistas do maior desregramento pessoal era verdade.Ali estava o Darwin adolescente, misturando-se exatamente com essas pessoas, assistindo a debates que tocavam nos assuntos mais polêmicos de sua época. As minúsculas larvas de Darwin eram mais importantes do que ele mesmo acreditava. Eram um esteio central na pesquisa evolucionária de Grant, que rejeitava a explicação convencional de que os animais eram projetados por Deus. Grant acreditava que todos os animais eram relacionados estruturalmente e por isso podiam ser alinhados em uma cadeia e era isso que dava aos humildes seres da base uma importância fundamental, pois segundo ele, seus tecidos eram versões mais simples dos tecidos humanos e poderiam ser usados para explicar os órgãos humanos – para revelar sua origem primitiva e sua função primordial. Grant formulou uma linha parental real e elogiou Lamarck diante de Darwin e segundo os biógrafos em tela, Darwin ficou surpreso, pois a concepção tradicional era de que cada espécie fora criada de maneira direta [um erro de interpretação da época]. Pois é, no teatro de Edimburgo, era defendido que os animais superiores haviam evoluído, no sentido moderno do termo, dos vermes mais simples (DESMOND & MOORE, 2001, p. 58). Também causa surpresa ver os biógrafos de Darwin afirmarem que ele ficou surpreso, tendo em vista sua herança intelectual da família ser totalmente antisobrenaturalista. Veremos também que não existe uma sequência fóssil que se coadune com o “relato” da evolução (Ver o capítulo sobre Evolucionismo).

Grant, o evolucionista radical que agora influenciava Charles Darwin, mencionou com muita paixão que o livro Zoonomia de Erasmus Darwin, avô de Charles, havia aberto sua mente para algumas das leis da vida orgânica e que havia citado a obra na sua tese de doutorado. Uma ironia incrível. Grant era tão radical, daí estar claro a influência sobre Darwin, pois ele traçou um curso reverso de desenvolvimento dos reinos animal e vegetal até os pólipos (larvas) e algas mais simples, aceitava que eram relacionados e que tinham um ponto de partida evolucionário comum. Aqui ele se afasta da ciência da observação e parte para o argumento da especulação, pois defendia e acreditava que os ovos desses vegetais primitivos eram análogos às “mônadas” ou partículas vivas elementares que forneciam um relance dos blocos básicos de construção da vida. Logo, ele acreditava que essas mônadas também podiam emergir espontaneamente da matéria inorgânica e que detinham a chave para as leis finais da vida. Perceba que para os evolucionistas, onde os reinos convergem está o território mais fértil para o naturalista filosófico. Outro fato claro era que esses homens que encaminhavam Darwin às suas pesquisas eram selvagemente anticristãs. Darwin levaria esse ponto de vista ao extremo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 59). Vale ressaltar, apenas para preparar o leitor para as páginas seguintes que o naturalismo filosófico é o distanciamento da ciência propriamente dita apenas para o campo da especulação, da interpretação pessoal dos dados e da suposição. Está claro pois o tutor de Darwin defendia que a vida surgiu de matéria inorgânica, algo inaceitável para a ciência da vida e em nada diferente de um milagre.

A imagem de Darwin dissecando, empalhando, anotando, observando, assumindo posições, fazendo descobertas mostra que seu segundo ano não foi um período estéril. Seu treinamento intelectual havia começado. O melhor zoólogo de invertebrados o havia ensinado a estudar os detalhes ao mesmo tempo em que fazia as perguntas mais amplas. Darwin havia se tornado um observador geológico, tanto de rochas quanto de debates ásperos. Contudo, questões mais inflamadas o engolfaram: mente e matéria, um incômodo lamarckismo, censura e autoridadade. Esses eram assuntos que incendiavam paixões e revelavam que a ciência era algo mais que observação precisa – era uma completa obra de negociação política. Contudo, apesar de tentar, se desiludiu de vez com a medicina e em abril de 1827 ele abandonou o curso sem se formar. Seus companheiros de descobertas e muitas conversas seguiram seus caminhos. Grant foi lecionar em Londres. Browne foi para Paris. Greg foi administrar as fábricas do pai. Esses amigos haviam mostrado a Darwin o significado da dissidência intelectual. Em nenhum outro lugar a tensão entre explicações naturais e sobrenaturais, capitalismo e privilégio era mais aparente do que nesses debates em Edimburgo. A luta para redefinir o homem como um ser material, e a natureza como um mercado competitivo e secular era uma iniciativa contra a oligarquia religiosa da época. Entretanto, Darwin vislumbrara o lado social da ciência e talvez até mesmo um novo mundo em formação (DESMOND & MOORE, 2001, p. 62, 63).

 

O Verdadeiro Motivo de Darwin Ter Ido Estudar Artes (Teologia)

 

Charles Darwin precisava de uma profissão com urgência, a única questão era: qual profissão? Já que ele havia abandonado a medicina? Era verdade que a família Darwin havia produzido também advogados e militares, mas Charles era deficiente na autodisciplina exigida por essas profissões. Havia, porém, uma rede de segurança para impedir que um segundo filho se tornasse irresponsável: a Igreja da Inglaterra. A Igreja Anglicana, gorda, complacente e corrupta, vivia luxuosamente de seus dízimos e dotações, como fazia já havia um século. Paróquias eram rotineiramente leiloadas pela oferta mais alta. Uma excelente “habitação” rural com uma espaçosa residência paroquial, alguns acres para alugar ou cultivar e talvez um bom “celeiro de dízimos” para manter em bom nível as taxas locais, no valor de centenas de libras por ano, poderiam facilmente ser comprados como investimento por um cavalheiro com as possibilidades do dr. Darwin, pai de Charles, e mantido para seu filho. Isso era estímulo suficiente para um jovem subscrever praticamente qualquer credo. Quando Charles estivesse devidamente educado e ordenado, assumiria o cargo. Estaria estabelecido pela vida inteira. Entre a pequena nobreza que conhecia tão bem, ele desfrutaria proeminência social, renda constante e mais tarde uma herança vultosa. Isso já havia acontecido antes na família. Tanto o tio como o meio-avô do dr. Darwin, pai de Charles, haviam sido párocos de Nottinghamshire e poucos anos antes o tio Josiah instalara seu próprio sobrinho como vigário de Maer. Mesmo agora, um primo de Darwin, William Darwin Fox, estava se preparando para a igreja no Christ’s College, em Cambridge. Isso resolvia a questão. Charles, se não mantinha a fé em uma tradição da família, manteria em outra. Deveria ser enviado para a formação em artes e se preparar para a ordenação (DESMOND & MOORE, 2001, p. 66, 67).

Em Cambridge, ele obteve treinamento eclesiástico, na esperança de que, como pároco de alguma província, conseguisse respeitabilidade, renda e tempo livre para perseguir seus interesses na ciência natural (GUNDLACH, 2018). Ser um pároco rural se adequaria a ele perfeitamente, e não só nos aspectos recreacionais. Isso lhe daria mais tempo para seguir os passos [evolucionistas] de Grant. Havia, desnecessário dizer, a pequena questão de sua fé. Ele tinha dúvidas levemente perturbadoras sobre aquilo em que de fato acreditava. Edimburgo expusera-o a todo tipo concebíbel de não-ortodoxia (DESMOND & MOORE, 2001, p. 67).

Desde então Darwin começou a mergulhar nos livros de apologistas cristãos Exposition of the Creed do bispo Pearson e o Evidences of Cristianity de John Bird Sumner. Este o deixou mais impressionado. Charles não achou nada a que objetar em Sumner e nos outros livros. Nada em que não pudesse dizer que acreditava. E em outubro foi aceito como pensionista do Christ’s College, um graduando pagador de todas as taxas. Teria que encarar os Clássicos que houvera desprezado antes, pois nem sequer conseguia recordar o alfabeto grego, muito menos conjugar um verbo. O pai de Charles pagou um professor particular de grego e logo Charles estava decifrando a forma optativa e lutando com a crase e por volta do natal já estava traduzindo pequenos trechos de Homero e do Novo Testamento (DESMOND & MOORE, 2001, p. 68).

As horas de lazer não eram apenas dedicadas aos jogos. Todos se associavam a clubes de debates com tópicos quentes. Alguns deles debatiam amplamente sobre a fornicação, divisão de trabalho e até a tensa questão de se a humanidade descendera de uma linhagem. Pessoas que acusavam a igreja de hipocrisia, falso moralismo, por reduzir o cristianismo a um aprendizado mecânico e por fracassar as necessidades morais e intelectuais da geração em ascensão, ou seja, eles mesmos. Apesar de tudo, lá pelo final do perído letivo, Darwin estava muito animado com a História Natural, como nunca estivera antes. Ele sabia que havia encontrado seu nicho. O pai de Charles estava certo, a Igreja era o lugar ideal para ficar. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 76, 79).

 

Darwin, O Erudito “Exemplar” no Curso de Artes (Teologia)

 

Por esse tempo, a matéria de Charles era a matemática, mas ele queria combinar o melhor dos dois mundos e considerava aquilo uma “expedição entomo-matemática”, embora tivesse esperança de que “pelas bençãos da Providência, a ciência” (insetos) não “expulse a Matemática da minha pobre cachola”. Essa era uma confissão tácita de que sua matemática era sofrível. Depois de dois trimestres de aulas particulares, Darwin ainda estava confuso com os elementos básicos da álgebra. O binômio de Newton estava além de seu alcance e ele não conseguia ver razão em números irracionais. No final de julho, ele havia desistido da matemática (DESMOND & MOORE, 2001, p. 81).

Darwin confessa que tinha dificuldades não apenas em matemática, mas também em metafísica e que tinha outras dificuldades no aprendizado. Ele deixa claro em sua Autobiografia que

 

Nos três anos que passei em Cambridge, meu tempo foi tão completamente desperdiçado, no que diz respeito aos estudos acadêmicos, quanto em Edimburgo e na escola. Experimentei a matemática e, durante o verão de 1828, cheguei a ir a Barmouth com um preceptor particular, um homem muito maçante, mas meus progressos foram lentos. O trabalho me repugnava, principalmente por eu não conseguir perceber nenhum sentido nos primeiros passos da álgebra. Essa impaciência foi uma grande tolice. Em anos posteriores, lamentei não ter seguido adiante, pelo menos o suficiente para compreender um pouco os princípios centrais da matemática, pois os homens assim dotados parecem ter um sentido a mais. Entretanto, não creio que conseguisse ultrapassar um grau muito baixo. No que diz respeito aos clássicos, eu apenas freqüentava algumas aulas obrigatórias da faculdade, e a freqüência era quase nominal. Em meu segundo ano, tive que trabalhar um ou dois meses para ser aprovado no exame preliminar, o que não me custou grande dificuldade. (DARWIN, 2000, p. 50).

Não tenho a grande rapidez de apreensão ou de espírito que é tão notável em alguns homens inteligentes, como Huxley, por exemplo. Assim, sou um crítico precário: um artigo ou um livro, quando lidos pela primeira vez, geralmente despertam minha admiração. Só depois de uma reflexão considerável percebo seus pontos fracos. Minha capacidade de acompanhar um cadeia de ideias longa e puramente abstrata é muito limitada; além disso, eu nunca teria obtido sucesso na metafísica ou na matemática. Minha memória é ampla, mas vaga: é suficiente para me tornar cauteloso, dizendo-me vagamente que observei ou li alguma coisa que se opõe à conclusão que tirei, ou que, por outro lado, é favorável a ela; em geral, depois de algum tempo, consigo lembrar onde procurar minha fonte. Sob certo aspecto, minha memória é tão precária que nunca consegui decorar por mais de alguns dias uma data isolada ou um verso de um poema. (DARWIN, 2000, p. 122).

 

Era lidando com as borboletas e com besouros e a natureza onde ele se sentia mais à vontade.

O Christ’s College era agora sua casa. Não era uma das faculdades mais antigas, existia há apenas três séculos, nem estava entre as maiores, com apenas uns centros e poucos membros residentes. Contudo, era totalmente moderada, tranquila, tinha uma proporção alta de nobres em relação aos pensionistas (que custeavam seus estudos trabalhando para a universidade), o que a tornava um lugar conveniente para homens com dinheiro para gastar. A atmosfera religiosa era conforme a tradição. Grandes personagens havia estudado ali. O poeta John Milton e os teólogos Ralph Cudworth e Henry More faziam parte da relação. No elegante pátio frontal da faculdade, coberto de pedras, no lado sul, subindo as escadas para o primeiro andar, ficavam os comodos tradicionalmente habitados pelo teólogo mais conhecido pelos estudantes, autor dos textos estabelecidos para o curso, Evidences of Christianity e The Principles of Moral and Political Philosophy, o reverendo William Paley. Com a chegada de um novo inquilino aos quartos de Paley, a placa exibia o nome “Charles Darwin”. Por esta época, os Plinianos estavam florescendo mais vigorosamente do que nunca sob o mesmo médico maluco, William Browne. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 82, 83). Ele achava seus estudos em Cambridge pouco inspiradores, exceto (ironicamente, em vista de desenvolvimentos posteriores) o trabalho de William Paley, em cuja Teologia natural, com sua famosa analogia do relojoeiro, Darwin encontrou um modelo de raciocínio ordenado e um pensamento correto sobre a religião (GUNDLACH, 2018).

 

Darwin e a Igreja Anglicana – contexto político

 

Pouco tempo depois, Charles estava perdendo o rumo novamente. Sua falta de objetivos se agravava por ver seu irmão vivendo bem, com a fortuna da família. Seu primo Fox também já não estava por perto para o incitar a entrar em forma e para convencê-lo a submeter-se às ordenações sagradas. Os primeiros sinais do problema apareceram no verão anterior. Em conversa informal, Darwin perguntara a Herbert, colega de estudos, se ele realmente se sentia compelido interiormente pelo Espírito Santo a entrar para a igreja. O que este responderia quando o bispo lhe dirigisse a pergunta no ritual de ordenação? A resposta de Herbert foi “não”. Darwin o interrompeu  e disse “eu também não e, portanto, não posso me ordenar”. O que inflamava seu coração era o naturalismo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 85).

Algo assombrava Darwin de forma muito real naqueles dias. Eram as lições morais aplicadas pelo estado. Cerca de duas centenas de crimes diferentes acarretavam pena de morte em 1829. Os acusados eram julgados na dministração do Condado e tinham as sentenças executadas em Castle Hill. O enforcamento público era o dissuador final deste mundo, assim como o fogo do inferno era do próximo. O medo da lei e o medo do Senhor eram um só em Cambridge. Em 11 de abril, um clérigo evangélico, em carta aberta, convidara todo o condado a comparecer e oferecer preces “para que o arrependimento e a fé, e portanto, o perdão dos pecados possam lhe ser concedidos”. Então, pelo crime de assaltar nas estradas, William Osborne foi enforcado em um patíbulo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 88).

 

Darwin Seguindo Para o Encerramento do Curso

 

Próximo do exame preliminar para conseguir o grau de bacharel em artes, o “Little Go”, Darwin começou a sentir a pressão e a necessidade de estudar mais. Ele frequentou aulas de tutores e se enterrou em textos clássicos para o exame. Ele sabia que teria que enfrentar no exame: textos preestabelecidos em latim e grego, para traduzir e analizar gramaticalmente; trechos dos Evangelhos ou do Livro de Atos; e dez questões sobre as Evidences of Christianity de Paley. Os candidatos seriam examinados oralmente, cada um sendo chamado para falar em separado. Seria um desempenho em público, sob pressão, sem espaço para falhas. Os alunos de “primeira classe” ganhariam crédito pleno e os de “segunda classe” teriam de tentar de novo no ano seguinte. Charles entupiu-se à força das línguas antigas, desejando apenas passar. O que realmente aguçava seu apetite era Paley. A “lógica” de Paley deliciava tanto a Darwin que ele a decorou. O exame se deu em 24 de março de 1830 e recebeu os resultados no dia seguinte, havia passado. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 97, 98). Darwin menciona sua relação com as Evidences de Paley em sua Autobiografia nestes termos,

 

No último ano, voltei a trabalhar com certo afinco para conseguir o diploma de bacharel. Dei uma repassada nos clássicos, juntamente com um pouco de álgebra e Euclides, o que me proporcionou muito prazer, como já ocorrera em meus tempos de escola. Para obter aprovação no exame do bacharelado, também era necessário estudar as Evidences of Christianity e a Moral Philosophy, de Paley. Fiz isso com rigor. Creio que poderia ter reescrito com perfeição todo o texto das Evidences, embora, naturalmente, sem a linguagem clara de Paley. A lógica desse livro assim como a da Teologia natural desse autor deleitaram-me tanto quanto Euclides. O estudo criterioso desses textos, sem tentar decorar nenhuma parte deles, foi a única coisa do curso acadêmico que teve serventia, embora ínfima, na educação de minha mente. Em momento algum me preocupei com as premissas de Paley; aceitando-as em confiança, fiquei encantado com a longa linha de argumentação e convencido por ela. Dando boas respostas às perguntas da prova sobre Paley, saindo-me bem com Euclides e não sendo um fracasso vergonhoso nos clássicos, obtive boa colocação entre os ox polloi, ou aquela massa de homens que não se candidata a honrarias (DARWIN, 2000, p. 50, 51).

 

Contudo, Darwin afirma ter encontrado razões suficientes para desacreditar de Paley em momentos posteriores e ele demonstra com estas palavras,

 

Embora eu só tenha pensado na existência de um Deus pessoal em uma fase posterior da vida, indicarei aqui as conclusões vagas a que fui levado. O antigo argumento do plano da natureza, tal como exposto por Paley, e que antes me parecia tão conclusivo, cai por terra, agora que a lei da seleção natural foi descoberta. Já não podemos argumentar, por exemplo, que a bela articulação de uma concha bivalve deve ter sido feita por um ser inteligente, do mesmo modo que o homem criou as dobradiças das portas.[1] Parece haver tão pouco planejamento na variabilidade dos seres orgânicos e na ação da seleção natural quanto na direção em que sopra o vento. Tudo na natureza é resultado de leis fixas. Discuti esse assunto no final de meu livro sobre a Variação dos animais e plantas domésticos, e o argumento apresentado ali, tanto quanto posso perceber, nunca foi contestado (DARWIN, 2000, p. 75, 76 – grifos meus).

 

Darwin pareceu “descrer” dos argumentos de Paley “depois” de suas “descobertas” relacionadas à Seleção Natural e as Leis da Natureza. Contudo, parece que Darwin já trazia consigo esses sentimentos por herança de família e os guardava a sete chaves. Desmond e More deixam esses aspectos bem evidentes ao relatarem a história de Darwin, pois eles registraram que certo dia Darwin estava pesquisando e observando o pólen sob a orientação do professor Henslow, ele viu três “cones” transparentes emergirem de sua parte lateral. Um estourou, espalhando inúmeros grânulos pelo líquido com grande violência. Para ele, não eram apenas ovos primitivos, pois a matéria interior parecia ter um poder de autoativação. Contudo, para Henslow, os grânulos diminutos eram na verdade os átomos constituintes do pólen – talvez a substância constituinte da vida - , mas que não tinham nenhum poder vital intrínseco. A vida era fortemente afetada na matéria a partir de fora; ela era um dom que, em última análise, derivava seu poder de Deus. Não havia nenhum átomo autoativante, por mais especulativos que fossem os naturalistas, disse o professor Henslow. Entretanto, Darwin ouvira coisas diferentes do evolucionista Grant – que a matéria movia a sí mesma – e fez uma pausa para refletir. Estava aprendendo a esperar o momento propício antes de anunciar descobertas (2001, p. 101). Fica claro que duas coisas podem ser tiradas dessas revelações. Primeira, o professor Henslow tocou no que é conhecido como o pesadelo dos naturalistas, a saber, o mistério da origem da vida. Segundo, Darwin já tinha ideias preconcebidas acerca de suas conclusões, tiradas dos ensinos do professor Grant, o evolucionista radical que o influenciara. Os historiadores também deixam claro que Darwin dedicaria sua devoção de forma total e completa à História Natural e usaria sua futura posição na igreja para tal exercício (Ibdem, p. 102).

O exame final para o grau de bacharel em artes ficou marcado para a terceira semana de janeiro de 1831 e seriam três dias de dissertações escritas. Quando chegou a hora, Darwin uma vez mais arrastou-se para o piso frio de mármore da Casa do Senado e sentou-se na cadeira indicada. Atormentou-se a manhã toda com Homero e a tarde com Virgílio. Teve um desempenho medíocre. No dia seguinte, após o café da manhã, enfrentou uma dúzia de perguntas sobre as Evidences de Paley e depois do almoço livrou-se rapidamente dos Principles e de perguntas sobre o Essay Concerning Human Understanding de Locke. Aqui ele brilhou. O último dia era o que mais temia, matemática. Foi bem nas demonstrações euclidianas, compensando a fraquesa de sua aritmética e álgebra. As questões de física – estática, dinâmica e astronomia – verificaram-se administráveis, não mais que isso. No final da semana, quando os resultados foram divulgados, Darwin ficou espantado e orgulhoso. Havia ficado em décimo lugar na lista de 178 aprovados. O bacharelado em artes era finalmente seu! (DESMOND & MOORE, 2001, p. 106, 107). Darwin era o mais novo teólogo descrente da época.

Para a ordenação leituras variadas eram vitais, seu passaporte para um mundo mais amplo. Ele sempre sentira atração pelas obras de Paley. Agora apanhava o último livro da famosa trilogia do arcediago, a pedra fundamental de todo o seu sistema, a Natural Theology. Para Paley, os animais, entre eles o homem, eram mecanismos complexos provindos da oficina divina e adaptados de forma perfeita a seus lugares no mundo. É claro que eles foram projetados por alguém, que tem de haver um projetista. Contudo, para Darwin, esse era um modo diferente de conceber o mundo.Ele até ouvira Paley ser ridicularizado em Edimburgo. Isso também não estava de acordo com a teoria da vida de seu avô.Átomos mortos, de acordo com Paley, não possuíam inteligência inata nem vitalidade inerente – nem a própria matéria animal as possuía, como haviam pensado Erasmus e o dr. Grant. Então, a teoria de Erasmus “coincidia com o ateísmo” porque dispensava “uma mente projetista inteligente” que planejasse e construísse os corpos vivos. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 109).O amigo leitor pode já ter percebido que estou deixando as citações parafrásicas junto com os grifos falarem por si, mas não dá para deixar passar algo desse tipo e apontar que a influência que moldou o pensamento de Darwin vem de muito antes da sua formulação e carrega aspectos completamente contraintuitivos e anticientíficos.

No dia 22 de abril de 1831 Darwin assinou [sem crer] os 39 artigos da Igreja Anglicana em sua cerimônia de colação de grau. Pouco depois Darwin precisou fazer uns cursos e ele fez um curso de geologia com o professor Sedgwick e em menos de uma semana ele aprendeu a identificar espécimes, identificar estratos e fazer generalizações a partir de suas observações. Era o melhor curso relâmpago sobre a prática geológica que alguém poderia ter, ao mesmo tempo em que planejava uma viagem de exploração às ilhas Canárias já com o aval e patrocínio do pai, recebeu, em 29 de agosto, uma correspondência do professor Henslow que o deixou perplexo de alegria, pois estava sendo informado de que recebera uma passagem para uma viagem ao redor do mundo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 115, 116).

De volta dessa viagem, Darwin escreveria a obra A Origem das Espécies. Resolvi caminhar até aqui (até antes da viagem) apenas para mostrar que (1) Darwin NÃO nasceu numa família estritamente evangélica e Cristã ortodoxa; (2) que ele próprio NÃO era um Cristão fervoroso e frequentador de Igreja, um Cristão devoto antes de escrever A Origem; (3) que seus estudos NÃO foram um sucesso, tanto na escola, quanto na faculdade e que ele NÃO era um gênio; (4) que seus estudos científicos NÃO o levaram a formular a conhecida Teoria da Evolução, e que a teoria NÃO era desconhecida nem inédita; (5) que NÃO foram as “descobertas” que o levaram a formular a teoria, mas a influência recebida de outras pessoas e eventos muito tempo antes. Também é importante dizer que este texto mostra que Darwin NÃO abandonou a superstição da religião por nunca ter sido religioso de fato; (6) que suas descobertas NÃO foram isentas, sem uma influência prévia de quem quer que seja; (7) que o mecanismo, supostamente descoberto por ele, a Seleção Natural, NÃO explicou, de forma definitiva, o mecanismo da evolução das espécies, muito menos foi algo plenamente de sua mente, pois já havia sido formulada por outro pensador menos famoso e contemporâneo dele; (8) que Darwin NÃO vislumbrou, já em seus dias, uma cadeia fóssil completa como prova definitiva da evolução das espécies. O que você verá no capítulo sobre o Evolucionismo é que Darwin tinha muitas dúvidas, inclusive sobre a origem da vida, sobre o registro fóssil e sobre outros temas. Veja, por exemplo, o que Darwin escreveu em A Origem das Espécies: “Se pudéssemos demonstrar a existência de um órgão complexo, que não pudesse ter sido formado por numerosas modificações sucessivas e pequenas, minha teoria cairia totalmente por terra.”(DARWIN, 2018, p. 200). O grande problema é que a Teoria da Evolução tem incontáveis dificuldades insuperáveis como a complexidade irredutível nos seres vivos apresentada por Michael Behe no livro A Caixa Preta de Darwin, entre outros. Os astrofísicos John Barrow e Frank Tipler no livro The Anthropic Cosmological Principlelistam dez passos tão improváveis no curso da evolução humana que antes que pudessem ocorrer, o sol deixaria de ser uma estrela principal e teria incinerado a terra. São eles (1) o DNA baseado no código genético; (2) a respiração aeróbica; (3) a fermentação de glicose em ácido pirúvico; (4) a fotossíntese autotrófica; (5) a mitocondria; (6) o complexo centriole / Kinetosome / Umbulpodia; (7) um olho precursor; (8) o endoesqueleto; (9) os cordados; (10) a evolução do Homo Sapiens na linhagem dos cordados. E eles arrematam: “Se desenvolveu um consenso geral entre os evolucionistas que a evolução de vida inteligente comparável a habilidade de processar informação a essa do Homo Sapiens é tão improvável que é inverossímil ter ocorrido em qualquer outro planeta no universo visível inteiro” (BARROW e TIPLER, 1986, p. 133).

Diante de tudo o que foi exposto, deixo o capítulo sobre Evolucionismo com um certo mistério para o leitor se interessar em devorá-lo. Vamos para o próximo e último tópico deste capítulo.

 

Referências:

 

BARROW, John D; TIPLER, Frank J. The Anthropic Cosmological Principle. Oxford, NY: Oxford University Press, 1986.

 

DARWIN, Charles. Autobiografia: 1809-1882(Tradução Vera Ribeiro). Rio de Janeiro: CONTRAPONTO EDITORA LTDA, 2000.

 

DARWIN, Charles. Sobre A Origem das Espécies: por meio da seleção natural ou A preservação de raças favorecidas na luta pela vida. (Tradução Daniel Moreira Miranda). São Paulo: Edipro, 2018.

 

DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: A Vida de um Evolucionista Atormentado (Tradução Cyntia Azevedo). 4ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Geração Editorial, 2001

 

GUNDLACH, Bradley J. Charles Darwin. Em COPAN, Paul [et all] (organizadores). Dicionário de cristianismo e ciência: obra de referência definitiva para a interseção entre fé cristã e ciência contemporânea. (tradução Paulo Sartor Jr). 1. ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.

 

Notas

[1] Essa é uma ideia muito difícil de digerir, pois não demonstra nenhum pensamento genial em Darwin e, apesar disso, parece ser “o motivo principal” de sua teoria. Darwin defende que a dobradiça da porta é produto de planejamento e os seres vivos não são. Outra coisa, ele parece postular a existência de Leis Naturais sem a existência de um Legislador. Parece que aqui Darwin evoca uma ideia que circulava e era defendida em seus dias, a saber, que cada ser vivo era criado imediatamente por Deus. Se esta minha interpretação estiver correta, a situação é ainda pior, pois nem na criação dos seres vivos como relatado no Genesis, Deus criou os seres de forma imediata e nem continuou criando posteriormente. A criação é dada como acabada. Analise por si mesmo os versos:

E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi. E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. Gênesis 1:11,12;

E disse Deus: Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente; e voem as aves sobre a face da expansão dos céus. E Deus criou as grandes baleias, e todo o réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies; e toda a ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares; e as aves se multipliquem na terra. Gênesis 1:20-22;

E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis e feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi. E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. Gênesis 1:24,25;

Note que apesar de ser uma criação mediata (criado por ou com material já existente), esse ato foi atribuído a atividade divina de forma miraculosa. Os seres vivos seguiram sua jornada a partir das leis estabelecidas por Deus. Resumindo: tudo da concha bivalde é hereditário de todas as conchas bivaldes desde a primeira espécie criada e isso não anula o ato criador nem a existência do Criador.

 

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