Por Walson Sales
A Bíblia é o livro mais vendido, lido, examinado e mais criticado do mundo. Neste livro estão contidos os alicerces da cultura Judaico-Cristã e a base da própria Cultura Ocidental, por ter sido a fonte das três declarações de direitos humanos mais importantes, a Declaração de Independência dos EUA (1776), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), onde o valor intrinseco da vida humana é ratificado pelo fato do homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Apesar da sua importância clara na formação da cultura do Ocidente, a Bíblia tem a sua importância minimizada pelos críticos, notadamente no que diz respeito aos seus personagens. Geralmente é dito que alguns personagens citados na Bíblia sequer existiram como personagens da história, ou que esses personagens não são citados fora da Bíblia. Contudo, existem três tipos de testes para analisar as afirmações de qualquer livro antigo: o teste das evidências bibliográficas, das evidências internas e externas. Estaremos, a partir daqui, transitando sobre os dois últimos tipos de testes acerca de Pôncio Pilatos.
Pôncio Pilatos foi o quinto governador Romano da Judéia sob Tibério César. Ele presidiu o julgamento de Jesus, sentenciando-o à morte. Flávio Josefo informa (livro 18, cap. 4 das Antiguidades Judaicas) que ele foi nomeado para o cargo em 26 ou 27 d.C., em substituição a Grato e foi destituído dez anos depois (cerca de 37 d.C.) pelo governador Vitélio, da província vizinha da Síria, depois que Pilatos castigou um grupo de Samaritanos fanáticos que pegaram em armas. Vitélio o enviou a Roma para se justificar, pois a liderança desse movimento fora decapitada a mando de Pilatos. Giovanni Papini menciona que segundo uma tradição antiga, Pilatos foi exilado nas Gálias por Calígula, sucessor de Tibério, e ali morreu Cristão, ou se matou. Contudo, em dois séculos, ele pôde ser visto (por Tertuliano) como Cristão, e no século VI d.C., ele havia se tornado um santo e mártir na igreja Copta. Se esta tradição estiver correta, a primeira opção será a definitiva sobre seu fim.
Tremper Longman III nos informa que vários desastres anteriores envolvendo Pilatos são mencionados por Josefo e Filo, o que possivelmente inclui o evento mencionado em Lucas 13: 1, onde Jesus é informado sobre "os Galileus cujo sangue Pilatos misturara com seus sacrifícios". Digno de nota é que esta é a primeira vez que Pilatos aparece na trama Bíblica, e nem mesmo se explica no texto quem ele era, pressupondo que aqui ele já deve ter sido consagrado na pregação apostólica como uma âncora histórica. Em outras duas ocasiões Pilatos ofendeu os Judeus. Primeiro ele introduziu os estandartes militares em Jerusalém à noite, com imagens do imperador. Nesta ocasião, os Judeus se prostraram e ofereceram os pescoços para serem cortados, caso Pilatos não retirasse os estandartes profanos, o que o deixou assombrado. Em outra ocasião, Josefo também menciona que Pilatos ofendeu a população quando tentou retirar dinheiro do tesouro sagrado para construir um aqueduto para fornecer água a Jerusalém. Para piorar, o aqueduto passava por um cemitério, tornando sua água ritualmente imunda de acordo com a lei Judaica. Nesta ocasião, Pilatos ordenou que soldados armados de paus e sem farda, se misturassem ao povo e ao seu sinal, espancassem os sediciosos. Muitos jovens morreram por causa da violência da repressão. Lendo em Josefo, fica clara a intenção de apresentar Pilatos com um governo desastrado e violento, assim como os Evangelhos estão preocupados em subestimar seu papel no julgamento de Jesus em relação ao dos líderes Judeus. Contudo, seu longo mandato (10 anos) sugere que ele governou com sucesso segundo os padrões de Roma e que seu governo foi um dos mais calmos, apesar da população volátil na Judéia.
Tremper Longman III destaca acertadamente a participação de Pilatos no julgamento e crucificação de Jesus, detalhe mencionado nos quatro evangelhos. Como governador da Judéia, ele possuía o poder de executar criminosos, um poder negado às autoridades Judaicas que prenderam e iniciaram as acusações contra Jesus. Os Evangelhos apresentam Pilatos como o interrogador de Jesus, principalmente sobre suas atividades políticas, refletindo o fato de que o interesse de Pilatos no julgamento não era religioso ou teológico, mas sim baseado em sua preocupação de manter a ordem em sua província. A tendência geral dos relatos dos evangelhos é minimizar a culpabilidade de Pilatos na morte de Jesus. De acordo com o Evangelho de Mateus, a esposa de Pilatos lhe disse que Jesus era um homem inocente (27:19), e Pilatos mais tarde se eximiu de responsabilidade pela morte de Jesus e lavou publicamente as mãos para mostrar sua própria inocência (27:24). De acordo com Lucas 23: 4, 14, 22; João 19: 6, Pilatos declarou que não havia encontrado nenhuma acusação contra Jesus. Por fim, Pilatos cedeu a pressão porque a multidão estava ficando violenta (Mt 27:24) e porque eles ameaçavam implicitamente difamar Pilatos dizendo que ele não estava mantendo a ordem do Império Romano: “Se soltas este, não és amigo de César; qualquer que se faz rei é contra César.” (João 19:12). Lucas 23:12 relata que Pilatos fez amizade com Herodes Antipas como resultado de ter lhe encaminhado o caso com base em Jesus ser um Galileu e, portanto, sob jurisdição de Herodes. Pilatos é mencionado em 1 Tm. 6:13 como exemplo público de uma "boa confissão" feita por Jesus. Este versículo sugere que o julgamento de Jesus diante de Pilatos foi visto pela igreja primitiva como modelo para confrontos posteriores entre Cristãos e as autoridades seculares, uma situação previamente predita pelo próprio Jesus (Mt 10:18). Até mesmo o Credo dos Apóstolos, datado tradicionalmente nos primórdios do Cristianismo, em sua divisão tradicional de doze artigos, trás no artigo quarto, a informação antiga de que Jesus “Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado.”
Outras coisas podem ser ditas sobre Pilatos, conforme Edwin A. Judge. Por exemplo, Pilatos fez perguntas importantíssimas a Jesus: “És tu o Rei dos Judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes”. (Mt 27:11). No verso 14 é dito que Pilatos ficou maravilhado com o silêncio de Jesus. A trama se desenvolve no Evangelho de João, pois Pilatos pergunta: “Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo”. (Jo 18:35,36). Pilatos segue perguntando: “Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum”. (Jo 18:37,38). Pilatos acabara de fazer a maior pergunta de todos os tempos, o questionamento que tem inquietado filósofos, sábios e pensadores no decorrer dos séculos, o que é a verdade? Pilatos não esperou a resposta de Jesus, mesmo diante da própria verdade. Depois dos Judeus terem escolhido Barrabás, terem dito também que a culpa pelo sangue de Jesus poderia cair sobre eles e sobre seus filhos (Mt 27:25) e Pilatos ter entregue Jesus ao açoite e a cruz, Pilatos deixou um memorial aos Judeus: “E Pilatos escreveu também um título, e pô-lo em cima da cruz; e nele estava escrito: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS.” (João 19:19). Pilatos é citado ainda pelo historiador Romano Tácito nos seus Anais onde é mencionada uma revolta suprimida por ele e o surgimento da fé Cristã (Anais 15.4), o que Tácito chama de superstição. Bruce Metzger e David Coogan mencionam que em 41 d.C., Filo publicou uma "carta" de Herodes Agripa a Gaius Caesar, sucessor de Tibério, denunciando Pilatos como "inflexível, teimoso e cruel" (L (g. 299-305), citando o episódio dos Estandartes. Ainda, durante escavações em Cesaréia no ano de 1961, foi encontarada uma pedra na base de uma escada que trazia a inscrição: “ao povo de Cesaréia Tiberium Pontius Pilate Governador da Judéia” (Muncaster/Price). Recentemente foi publicado pelo Journal of the Institute of Archaeology of Tel Aviv que durante escavações os arqueólogos descobriram uma grande rua que ligava o Tanque de Siloé ao Monte do Templo, que fora construída por Pôncio Pilatos (Jarus). Estas fatos são marcantes, pois não apenas demonstram a existência de citações dos personagens bíblicos fora da Bíblia, mas que também corroboram com o texto bíblico em riqueza de detalhes.
Sendo assim, Pilatos não é conhecido apenas no NT, mas também por Flávio Josefo, Filo, pelo historiador romano Tácito, e na inscrição descoberta em 1961 em Cesareia, identificando Pilatos como "prefeito" da Judéia, termo técnico com conotações de autoridade militar e é mais específico que o termo mais amplo do NT "governador" (Gk. Hēgemōn), e por fim, na nova descoberta desta rua construída por ele. Mais uma vez a Bíblia tinha razão.
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Fontes:
JARUS, Owen. Archaeologists Identify 'Lost' Jerusalem Street Built by Pontius Pilate — the Man Who Condemned Jesus to Death. Recuperado de: https://www.livescience.com/pontius-pilate-street-jerusalem-found.html, acessado em 09/02/2020
JUDGE, Edwin A. Pontius Pilate. In METZGER, Bruce; COOGAN, Michael D. (eds). The Oxford Companion to the Bible. New York: Oxford University Press, 1993
LONGMAN III, Tremper. The Baker Illustrated Bible Dictionary. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2013
MUNCASTER, Ralph O. Examine as Evidências. Rio de Janeiro: CPAD, 2007
PAPINNI, Giovani. Quando Jesus viveu entre os homens. Rio de Janeiro: Alfalit Brasil, 2000
PRICE, Randall. Arqueologia Bíblica: o que as últimas descobertas da arqueologia revelam sobre as verdades bíblicas. Rio de Janeiro: CPAD, 2006
TACITUS, Cornelius. [Annales. English] The annals / Tacitus; translated, with introduction and notes, by A.J. Woodman. Indianapolis, IN: Hackett Publishing Company, 2004
Muito bom o Artigo, parabéns!
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