sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A Influência do Teísmo


Por Walson Sales


O teísmo tem proporcionado grande influência em muitas áreas do conhecimento humano. Os filósofos Charles Taliaferro, Victoria S. Harrison e Stewart Goetz afirmam, na obra The Routledge Companion to Theism, [1] que o termo “Teísmo” foi introduzido no século XVII por Ralph Cudworth para descrever a filosofia de Deus, segundo a qual Deus é o criador e sustentador do cosmos, todo bondoso, onipresente, eterno, onipotente, onisciente, que existe necessariamente (ou que existe a se), e providente. O “Teísmo” foi ainda delineado em contraste com o “deísmo” ao sustentar que Deus foi, ou é, revelado no cosmos através da história e experiência humanas. Apesar da proveniência bastante recente do termo "teísmo", e no entanto podemos desejar refinar e esclarecer sua definição, é inegável que o teísmo tem sido uma força tectônica moldando as histórias intelectuais e culturais de muitas partes do mundo, e deixou uma marca indelével em muitas áreas do pensamento e da vida humana. Consequentemente, talvez não seja surpreendente que, desde a antiguidade até os dias atuais, e com vários graus de intensidade durante diferentes períodos históricos, o teísmo tenha atraído o escrutínio crítico. E de fato, o teísmo influenciou aspectos da cultura humana de forma tão diversa que perpassa sua influência nas ciências naturais, arquitetura, literatura, política, e vai muito mais além. Sua influência tem sido tão difundida que não há dúvida de que, para compreender nossas histórias culturais, políticas e intelectuais, devemos buscar compreender o teísmo; isso é verdade tanto para a Europa e América quanto para a Índia e o Paquistão, por exemplo. A menos que entendamos este passado, é improvável que estejamos bem posicionados para ter uma visão clara de nossa situação global atual, muito menos das perspectivas futuras das grandes civilizações do mundo que sobreviveram até o segundo milênio da Era Comum (2013, p. 1). Roger Scruton especula sobre a força veemente do secularismo contra a cultura e o pensamento religioso (apesar de sabermos que a crença teísta está bem viva, tanto na academia, quanto nas comunidades espalhadas pelo mundo e de forma massiva e esmagadoramente maior do que os números de críticos), e faz um apanhado da pujança da importância do pensamento religioso de forma geral:


Nossa necessidade filosófica mais urgente, me parece, é compreender a natureza e o significado da força que outrora manteve nosso mundo unido e que agora está perdendo seu controle - a força da religião. Pode ser que a crença religiosa em breve seja coisa do passado; é mais provável, entretanto, que as crenças com a função, estrutura e ânimo da religião fluam para o vácuo deixado por Deus. Em ambos os casos, precisamos entender o porquê e o para quê da religião. É a partir das ideias religiosas que o mundo humano e o sujeito que o habita foram feitos. (SCRUTON 1996: 85-6. Grifos meus)[2]


Estimo, pelos trechos grifados, que Scruton se refere à realidade da Europa em si. Em países desenvolvidos, sabemos que a religião tem perdido a força de influência, inclusive política, por diversos motivos, entretanto, não é nenhuma novidade que o empreendimento religioso está bem vivo nos corações das pessoas e está longe de ser coisa do passado. Contudo, uma coisa Scruton fala como se fosse um baluarte da advertência: a modernidade e a pós-modernidade (seja o que for o que signifique o termo) está dando às costas aos seus alicerces mais preciosos, a força que moldou a própria cultura Ocidental. Taliaferro e seus colegas filósofos não podem deixar mais claro: onde quer que alguém se posicione sobre a questão da existência de Deus, é impossível pensar seriamente sobre uma série de questões centrais de interesse geral, a menos que alguém esteja preparado para se envolver com o conceito de Deus. Mesmo que o conceito de Deus tenha sido concebido apenas como um produto da imaginação humana (para os que negam a existência de Deus), a ideia de Deus continua sendo uma força a ser considerada. Quando alguém tenta formular um argumento para negar a existência de Deus, essa pessoa terá que conceber a existência de Deus, para então tentar negá-la. Um dos maiores historiadores vivos da filosofia, o agnóstico (que está mais para ateu) Sir Anthony Kenny, coloca a questão da seguinte maneira:


Se Deus não existe, então Deus é incalculavelmente a maior criação individual da imaginação humana. Nenhuma outra criação da imaginação foi tão fértil de ideias, uma inspiração tão grande para a filosofia, a literatura, a pintura, a escultura, a arquitetura e o drama. Ao lado da ideia de Deus, as invenções mais originais dos matemáticos e os personagens mais inesquecíveis do drama são produtos secundários da imaginação: Hamlet e a raiz quadrada de menos um tornam-se insignificantes em comparação. (KENNY 1983: 59)[3]


Se você ler o capítulo sobre o Ateísmo, você verá que há uma resposta exatamente para essa afirmação do Antony Kenny.[4] Contudo, o que é importante aqui é a força influenciadora e modeladora que o Teísmo geral e o Teísmo Cristão em especial tem desempenhado no decurso da trama humana. Veja agora um breve apanhado sobre o Teísmo entre pagãos, Judeus, Cristãos, Muçulmanos e o papel desempenhado pelo Teísmo na vida intelectual a partir do século 17, só para termos uma ideia da pujança dessa herança intelectual e cultural. E para isso, irei utilizar também o apanhado feito pelo filósofo ateu Australiano, Graham Oppy.


Referências e Notas:


[1] TALIAFERRO, Charles; HARRISON, Victoria S.; GOETZ, Stewart (General Editors). The Routledge Companion to Theism. New York, NY: Routledge, 2013


[2] Scruton, R. An Intelligent Person’s Guide to Philosophy. New York: Penguin Books, 1996.


[3] Kenny, A. Faith and Philosophy. New York: Columbia University Press, 1983.


[4] Sir Anthony John Patrick Kenny, nascido a 16 de Março de 1931 em Liverpool, é um filósofo inglês. Foi presidente da British Academy e presidente do Royal Institute of Philosophy. Entre 1959 e 1963 foi pároco católico em Liverpool, depois de ter sido ordenado sacerdote no Venerable English College de Roma. Em 1963, questiona a validade da doutrina católica, regressa voluntariamente à sua condição laica por entretanto se ter tornado um agnóstico. No entanto, pela lei canónica, é considerada válida a sua ordenação sacerdotal. Em 1965 casa com Nancy Gayley, pelo que é excomungado pelo Vaticano, uma vez que a lei canónica não lhe permitia romper com o celibato clerical. Se tornou um ferrenho crítico das doutrinas de Tomás de Aquino, inclusive de suas conhecidissímas 5 Vias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário