Por Walson Sales
Próximo do exame preliminar para conseguir o grau de bacharel em artes, o “Little Go”, Darwin começou a sentir a pressão e a necessidade de estudar mais. Ele frequentou aulas de tutores e se enterrou em textos clássicos para o exame. Ele sabia que teria que enfrentar no exame: textos preestabelecidos em latim e grego, para traduzir e analizar gramaticalmente; trechos dos Evangelhos ou do Livro de Atos; e dez questões sobre as Evidences of Christianity de Paley. Os candidatos seriam examinados oralmente, cada um sendo chamado para falar em separado. Seria um desempenho em público, sob pressão, sem espaço para falhas. Os alunos de “primeira classe” ganhariam crédito pleno e os de “segunda classe” teriam de tentar de novo no ano seguinte. Charles entupiu-se à força das línguas antigas, desejando apenas passar. O que realmente aguçava seu apetite era Paley. A “lógica” de Paley deliciava tanto a Darwin que ele a decorou. O exame se deu em 24 de março de 1830 e recebeu os resultados no dia seguinte, havia passado. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 97, 98). Darwin menciona sua relação com as Evidences de Paley em sua Autobiografia nestes termos,
No último ano, voltei a trabalhar com certo afinco para conseguir o diploma de bacharel. Dei uma repassada nos clássicos, juntamente com um pouco de álgebra e Euclides, o que me proporcionou muito prazer, como já ocorrera em meus tempos de escola. Para obter aprovação no exame do bacharelado, também era necessário estudar as Evidences of Christianity e a Moral Philosophy, de Paley. Fiz isso com rigor. Creio que poderia ter reescrito com perfeição todo o texto das Evidences, embora, naturalmente, sem a linguagem clara de Paley. A lógica desse livro assim como a da Teologia natural desse autor deleitaram-me tanto quanto Euclides. O estudo criterioso desses textos, sem tentar decorar nenhuma parte deles, foi a única coisa do curso acadêmico que teve serventia, embora ínfima, na educação de minha mente. Em momento algum me preocupei com as premissas de Paley; aceitando-as em confiança, fiquei encantado com a longa linha de argumentação e convencido por ela. Dando boas respostas às perguntas da prova sobre Paley, saindo-me bem com Euclides e não sendo um fracasso vergonhoso nos clássicos, obtive boa colocação entre os ox polloi, ou aquela massa de homens que não se candidata a honrarias (DARWIN, 2000, p. 50, 51).
Contudo, Darwin afirma ter encontrado razões suficientes para desacreditar de Paley em momentos posteriores e ele demonstra com estas palavras,
Embora eu só tenha pensado na existência de um Deus pessoal em uma fase posterior da vida, indicarei aqui as conclusões vagas a que fui levado. O antigo argumento do plano da natureza, tal como exposto por Paley, e que antes me parecia tão conclusivo, cai por terra, agora que a lei da seleção natural foi descoberta. Já não podemos argumentar, por exemplo, que a bela articulação de uma concha bivalve deve ter sido feita por um ser inteligente, do mesmo modo que o homem criou as dobradiças das portas. Parece haver tão pouco planejamento na variabilidade dos seres orgânicos e na ação da seleção natural quanto na direção em que sopra o vento. Tudo na natureza é resultado de leis fixas. Discuti esse assunto no final de meu livro sobre a Variação dos animais e plantas domésticos, e o argumento apresentado ali, tanto quanto posso perceber, nunca foi contestado (DARWIN, 2000, p. 75, 76 – grifos meus).
Darwin pareceu “descrer” dos argumentos de Paley “depois” de suas descobertas relacionadas à Seleção Natural e as Leis da Natureza. Contudo, parece que Darwin já trazia consigo esses sentimentos por herança de família e os guardava a sete chaves. Desmond e More deixam esses aspectos bem evidentes ao relatarem a história de Darwin, pois eles relatam que certo dia Darwin estava pesquisando e observando o pólen sob a orientação do professor Henslow, ele viu três “cones” transparentes emergirem de sua parte lateral. Um estourou, espalhando inúmeros grânulos pelo líquido com grande violência. Para ele, não eram apenas ovos primitivos, pois a matéria interior parecia ter um poder de autoativação. Contudo, para Henslow, os grânulos diminutos eram na verdade os átomos constituintes do pólen – talvez a substância constituinte da vida - , mas que não tinham nenhum poder vital intrínseco. A vida era fortemente afetada na matéria a partir de fora; ela era um dom que, em última análise, derivava seu poder de Deus. Não havia nenhum átomo autoativante, por mais especulativos que fossem os naturalistas, disse o professor Henslow. Entretanto, Darwin ouvira coisas diferentes do evolucionista Grant – que a matéria movia a sí mesma – e fez uma pausa para refletir. Estava aprendendo a esperar o momento propício antes de anunciar descobertas (2001, p. 101). Fica claro que duas coisas podem ser tiradas dessas revelações. Primeira, o professor Henslow tocou no que é conhecido como o pesadelo dos naturalistas, a saber, o mistério da origem da vida. Segundo, Darwin já tinha ideias preconcebidas acerca de suas conclusões, tiradas dos ensinos do professor Grant, o evolucionista radical que o influenciara. Os historiadores também deixam claro que Darwin dedicaria sua devoção de forma total e completa à História Natural e usaria sua futura posição na igreja para tal exercício (Ibdem, p. 102).
O exame final para o grau de bacharel em artes ficou marcado para a terceira semana de janeiro de 1831 e seriam três dias de dissertações escritas. Quando chegou a hora, Darwin uma vez mais arrastou-se para o piso frio de mármore da Casa do Senado e sentou-se na cadeira indicada. Atormentou-se a manhã toda com Homero e a tarde com Virgílio. Teve um desempenho medíocre. No dia seguinte, após o café da manhã, enfrentou uma dúzia de perguntas sobre as Evidences de Paley e depois do almoço livrou-se rapidamente dos Principles e de perguntas sobre o Essay Concerning Human Understanding de Locke. Aqui ele brilhou. O último dia era o que mais temia, matemática. Foi bem nas demonstrações euclidianas, compensando a fraquesa de sua aritmética e álgebra. As questões de física – estática, dinâmica e astronomia – verificaram-se administráveis, não mais que isso. No final da semana, quando os resultados foram divulgados, Darwin ficou espantado e orgulhoso. Havia ficado em décimo lugar na lista de 178 aprovados. O bacharelado em artes era finalmente seu! (DESMOND & MOORE, 2001, p. 106, 107).
Para a ordenação leituras variadas eram vitais, seu passaporte para um mundo mais amplo. Ele sempre sentira atração pelas obras de Paley. Agora apanhava o último livro da famosa trilogia do arcediago, a pedra fundamental de todo o seu sistema, a Natural Theology. Para Paley, os animais, entre eles o homem, eram mecanismos complexos provindos da oficina divina e adaptados de forma perfeita a seus lugares no mundo. É claro que eles foram projetados por alguém, que tem de haver um projetista. Contudo, para Darwin, esse era um mundo diferente de conceber o mundo. Ele até ouvira Paley ser ridicularizado em Edimburgo. Isso também não estava de acordo com a teoria da vida de seu avô. Átomos mortos, de acordo com Paley, não possuíam inteligência inata nem vitalidade inerente – nem a própria matéria animal as possuía, como haviam pensado Erasmus e o dr. Grant. Então, a teoria de Erasmus “coincidia com o ateísmo” porque dispensava “uma mente projetista inteligente” que planejasse e construísse os corpos vivos. (DESMOND & MOORE, 2001, p. 109).
No dia 22 de abril de 1831 Darwin assinou os 39 artigos da Igreja Anglicana [assinou sem crer] em sua cerimônia de colação de grau. Pouco depois Darwin precisou fazer uns cursos e ele fez um curso de geologia com o professor Sedgwick e em menos de uma semana ele aprendeu a identificar espécimes, identificar estratos e fazer generalizações a partir de suas observações. Era o melhor curso relâmpago sobre a prática geológica que alguém poderia ter, ao mesmo tempo em que planejava uma viagem de exploração às ilhas Canárias já com o aval e patrocínio do pai, recebeu, em 29 de agosto, uma correspondência do professor Henslow que o deixou perplexo de alegria, pois estava sendo informado de que recebera uma passagem para uma viagem ao redor do mundo (DESMOND & MOORE, 2001, p. 115, 116).
Continua em outro lugar...
Fontes citadas:
DARWIN, Charles. Autobiografia: 1809-1882 (Tradução Vera Ribeiro). Rio de Janeiro: CONTRAPONTO EDITORA LTDA, 2000.
DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: A Vida de um Evolucionista Atormentado (Tradução Cyntia Azevedo). 4ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Geração Editorial, 2001
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