Por Walson Sales
O Teísmo é a visão de mundo que afirma que Deus existe como um ser com certas propriedades específicas. Um Deus infinito e pessoal que criou o universo do nada de forma miraculosa e que intervém no mundo por meio de milagres. Há três grandes religiões teístas, o Judaísmo, o Cristianismo, e o Islamismo e (GEISLER, 2002, p. 813). Apesar de três tradições religiosas serem teístas, minha meta não é apresentar o teísmo dessas três tradições em particular, mas mostrar o teísmo geral, aquele que não depende da revelação especial dessas tradições, ou seja, aquele teísmo que defende que se Deus existe, independente de qualquer tradição religiosa ou revelação especial (como a Torá, a Bíblia, ou o Alcorão), Ele deverá ter certas propriedades específicas, tendo em vista a forma como o nosso universo e o mundo são organizados. Isto é, os seres humanos podem inferir certo conhecimento sobre Deus por meio da razão humana ao observarem a ordem criada. Richard Swinburne destaca bem quais são estas propriedades: ser uma pessoa sem um corpo (ser espírito), estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo (ser onipresente), ser o Criador do universo, ser perfeitamente livre, ser capaz de fazer todas as coisas (onipotente), ser conhecedor de todas as coisas (onisciente), ser perfeitamente bom, ser uma fonte de obrigação moral, ser Necessário, eterno, santo e digno de adoração. Tendo em vista haver vários tipos de teísmos e todos defenderem que estas mesmas propriedades se inferem do ser de Deus, muitos teístas também defendem outras propriedades que possam fazer parte do ser de Deus e em respeito a essas propriedades, Judeus, Cristãos, e Muçulmanos podem diferir entre si e discordar também sobre outras doutrinas religiosas relacionadas, como por exemplo, os Cristãos afirmam e Judeus e Muçulmanos negam que Deus se encarnou em Jesus Cristo. Os Católicos afirmam e os protestantes negam que Cristo está realmente presente no pão e no vinho que é consagrado na Missa (SWINBURNE, 2016, p. 1). Neste capítulo, não estou interessado em abordar as crenças decorrentes das interpretações particulares das três tradições religiosas como nos exemplos acima, minha preocupação é primariamente sobre a crença teísta central de que Deus existe, tem certas propriedades específicas e se é coerente defender a existência desse ser com essas propriedades.
O apologista Robin Schumacher[1] apresenta quais são As Características da Primeira Causa do Universo, quando relaciona essas propriedades particulares com um dos Argumentos Naturalistas da Existência de Deus, o Argumento Cosmológico (que advoga o inicio do universo). Ele descreve as implicações de quais devem ser as características dessa Primeira Causa (ou da Causa Não Causada), caso o universo não fosse eterno ou necessário e que tivesse um início absoluto no tempo, advinda das implicações filosóficas atreladas às descobertas científicas. São elas: A Causa deve ser sobrenatural em natureza (Ele criou o natural); A Causa deve ser poderosa (extraordinariamente, pois trouxe tudo a existência do nada – tempo, matéria, energia e espaço surgiram neste evento); A Causa deve ser eterna (auto-existente; sem espaço para nenhum regresso infinito de causas); A Causa deve ser onipresente (Ele criou o espaço e não é limitado pelo espaço); A Causa deve ser atemporal e imutável (Ele criou o tempo); A Causa deve ser imaterial (porque Ele transcende o espaço/físico); A Causa deve ser pessoal (definido como “tendo intenção”); A Causa deve ser necessária (todas as demais coisas dependem dEle, ou seja, são contingentes); A Causa deve ser infinita e singular já que você não pode ter dois infinitos; A Causa deve ser diversificada e ainda ter unidade; A Causa deve ser inteligente (extremamente, pois é a fonte primária da racionalidade); A Causa deve ter propósito (Ele criou todas as coisas deliberadamente); A Causa deve ser moral (nenhuma lei moral pode ser recebida sem um legislador); A Causa deve ser zelosa (ou nenhuma lei moral teria sido dada).
Um dos maiores Teístas Clássicos da história recente é também um dos maiores apologistas Cristãos vivos hoje, William Lane Craig. No epílogo de um importante livro sobre a Presciência Divina, Craig faz uma citação estupenda de Charles Spurgeon acerca da importancia do Conhecimento sobre Deus:
O estudo apropriado de um Cristão é a divindade. A mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais poderosa filosofia que pode prender a atenção de um filho de Deus é o nome, a natureza, a pessoa, a obra, as ações e a existência do grande Deus, a quem ele chama de Pai.
Há algo que melhora excessivamente a mente em uma contemplação da divindade. É um assunto tão vasto, que todos os nossos pensamentos se perdem em sua imensidão; tão profundo que nosso orgulho desaparece em sua infinitude...nenhum tema contemplativo tende a humilhar mais a mente do que os pensamentos sobre Deus...
Mas enquanto o assunto humilha a mente, também a expande. Aquele que pensa em Deus com frequencia terá uma mente maior do que o homem que apenas caminha penosamente por este globo...Nada ampliará tanto o intelecto, nada enlevará tanto o todo da alma do homem, como um devoto sincero, em sua investigação contínua do grande tema da Deidade (CRAIG, 2016, p. 145).
Algumas coisas já podem ser ditas acerca do ser de Deus. Primeiro, Deus é pessoal. Deus não é impessoal, um elemento neutro ou uma força, como a energia e a eletricidade. Ele é uma mente incorpórea e pode pensar, sendo a fonte do Logos, ou seja, da própria racionalidade. Ele não existe em alguma dimensão fora da realidade de pensar e raciocinar. Deus possui vontade e pode decidir e fazer escolhas livres. Ele não é controlado por qualquer poder superior, pois não existe nenhum poder superior a Ele. Tendo em vista Ele ser pessoal, pode comunicar a verdade e se revelar aos homens de maneira pessoal.
Em segundo, Deus é Infinito. Apesar de ser pessoal, Deus não tem as limitações inerentes da personalidade humana e Ele mesmo não foi criado por alguém maior que Ele. Não há ninguém antes dele. Ele é a realidade suprema. Ele sempre existiu e sempre existirá, pois não é limitado pelo tempo, porquanto Ele criou tanto o espaço, quanto o tempo e a matéria. Ele não é limitado pelo universo, porquanto se mantém atuante por todo o universo. Ele é onipresente. Nada no universo opera independentemente dele. Ele é onisciente. Conhece todas as coisas. Conhece tudo de todas as pessoas, em todos os eventos, em todos os lugares e em todas as épocas. Se em uma noite escura, dentro de uma floresta densa, impenetrável e escura, há uma pedra escura e em cima dessa pedra há uma formiga escura, Deus sabe. Ele conhece até os estados (futuros ou passados) contingentes, caso a nossa realidade tivesse sido diferente, Deus sabe. Por exemplo, se você tivesse nascido no ano de 1900, no interior da Rússia ou do Alasca, Deus sabe tudo o que você faria ou seria. Se você fosse nascer daqui a 20 anos, na China, Deus sabe o que você seria e faria.
Em terceiro lugar, Deus é o Criador do universo. O universo de tempo e espaço foi trazido à existência por Deus, e por Sua própria livre escolha. Ele não foi forçado a criar o universo, pois Ele já era perfeitamente completo sem o universo. O universo é totalmente distinto de Deus; Deus é transcendental. O universo não faz parte de Deus, e nem é uma emanação de Deus; e nem Deus faz parte do universo. Deus criou o universo do “nada”; não havia qualquer matéria prima para Deus simplesmente organizar as coisas. Em segundo lugar, Deus é o Sustentador do universo. Não apenas o universo foi criado por Deus, mas também é “sustentado” por Ele. Deus é imanente dentro do universo, apesar de não fazer parte do universo nem ser limitado pelo universo. Ele não é meramente a causa primária. Ele não se assemelha ao relojoeiro, que deixa o relógio a funcionar por si só. O universo não continuaria sem o concurso de Deus.[2] Ele pode fazer tudo quanto quiser (embora sempre aja de acordo com Sua natureza); Ele é onipotente. (CHAPMAN, 1985, p. 17, 18). Todas essas características e outras serão abordadas em mais detalhes no tópico sobre a Coerência do Teísmo.
Muitos pensadores de peso na história, pessoas que ajudaram a moldar o pensamento Ocidental por causa da influência do Teísmo, eram Teístas Clássicos e Cristãos professos. Entre os principais defensores do teísmo clássico estavam Agostinho (354-430), Anselmo (1033-1109) e Tomás de Aquino (1224-1274). No mundo moderno, Descartes (1596-1650), Leibniz (1646-1716) e William Paley (1743-1805) são alguns dos defensores mais conhecidos do teísmo. Talvez o representante mais popular do teísmo no século xx tenha sido C. S. Lewis (1898-1963), entre outros (GEISLER 2002, p. 814).
Atualmente, muitos filósofos da religião, cuja maioria é Cristã, estão no rol dos defensores do Teísmo Clássico, entre eles (em ordem alfabética) Alexander R. Pruss, Alvin Plantinga, Brian Leftow, Bruce Reichenbach, Charles Hartshorne, Charles Taliaferro, Clement Dore, Dale Allison, Dallas Willard, David Clark, David Oderberg, David P. Hunt, Del Ratzsch, Douglas Geivett, Francis Beckwith, G.J. Whitrow, Gary Habermas, Gerald O'Collins, Gregory E. Ganssle, J. P. Moreland, Jaegwon Kim, James D. Sinclair, Jerome Gellman, John Hare, John Leslie, Kai-man Kwan, Keith Yandell, Kurt Gödel, Marilyn Adams, Mark Linville, Mark Nowacki, Michael Denton, Michael J. Murray, N.T. Wright, Norman Malcolm, Paul Copan, Paul Davies, Paul K. Moser, Peter van Inwagen, Richard Swinburne, Richard Taylor, Robert Adams, Robert E. Maydole, Robert Koons, Robin Collins, Stephen Davis, Stephen Evans, Stephen Wykstra, Stewart Goetz, Stuart Hackett, Timothy e Lydia McGrew, Timothy O'Connor, Victor Reppert, William Alston, William Dembski, William Lane Craig, William Wainwright, entre outros, que são especialistas em temas dos mais diversos como o Argumento Cosmológico, o Argumento Cosmológico Kalam, Tomista e de Leibnitz, O Argumento Teleológico, O Argumento da Sintonia Fina, O Argumento da Consciência, O Argumento da Razão, O Argumento Moral, O Problema do Mal, O Argumento da Experiência Religiosa, O Argumento Ontológico, O Argumento dos Milagres, junto com todos os conteúdos relacionados com os atributos e a Natureza de Deus. Não posso garantir uma abordagem circunstancial em todos os temas citados por causa do espaço máximo destinado a cada capítulo, mas farei o possível para apresentar um esboço dos principais e mais importantes.
Referências:
CHAPMAN, Colin. Cristianismo: A Melhor Resposta. São Paulo: Edições Vida Nova, 1985.
CRAIG, William Lane. O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência Divina e a Liberdade Humana. (Tradução Walson Sales). Maceió, AL: Editora Sal Cultural, 2016.
GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética (tradução Lailah de Noronha). São Paulo: Editora Vida, 2002.
MACGREGOR, Kirk R. Luis de Molina: The Life and Theology of The Founder of Middle Knowledge. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2015
SWINBURNE, Richard. The Coherence of Theism. Second Edition. Great Clarendon Street, UK: Oxford University Press, 2016.
Notas:
[1] Fonte: http://www.powerpointapologist.org/series_origins.html. Entretanto, curiosamente, todas essas características são encontradas no Deus revelado na Bíblia, dentro da cultura Cristã: Deus é...Sobrenatural (Gênesis 1:1); Poderoso (Jeremias 32:17); Eterno (Salmos 90:2); Onipresente (Salmos 139:7); Atemporal e Imutável (Malaquias 3:6); Imaterial (João 5:24); Pessoal (Gênesis 3:9); Necessário (Colossenses 1:17); Infinito/singular (Jeremias 23:24, Dt. 6:4); Diversificado com unidade (Mateus 28:19); Inteligente (Salmos 147:4-5); Propósito (Jeremias 29:11); Moral (Daniel 9:14); Zeloso (1 Pedro 5:6-7).
[2] Um exemplo da doutrina da Concorrência Divina pode ser visto em Luis de Molina nos seguintes termos para que fique bem entendido, segue uma citação um pouco extensa: Durante o primeiro e segundo semestre do terceiro ano (1556-57), Molina leu a Física de Aristóteles e foi influenciado por sua teoria de causalidade. De acordo com Aristóteles, existem quatro tipos de causas: causa material, a que explica de que algo é feito; causa formal, explica a forma ou o padrão que uma entidade segue para se tornar essa entidade; causa eficiente, explica a fonte real da mudança; e causa final, explica o propósito pretendido da mudança. Com respeito a causa eficiente, Molina subdividiu esta noção em causalidade primária, causalidade particular (direta) e causalidade geral (universal ou indireta). Molina defendeu que Deus é causa primária de tudo o que ocorre; nas palavras de Alfred Freddoso, Deus “criou os elementos originais do universo ex nihilo [do nada] e nenhuma criatura pode existir ou possui poder causal em nenhum intervalo de tempo a menos que Deus conserve esse poder causal e seu poder de ser em cada instante neste intervalo.” [Freddoso, “Introduction”, 16]. Contudo, isto não significa que Deus determina tudo o que ocorre ou é moralmente responsável por tudo. Molina sustentou que Deus é a causa direta ou particular quando Deus determina algo (pelo que Ele seria moralmente responsável) por produzir um efeito por si mesmo, desde que o poder causal de Deus em si mesmo controle a natureza específica desse efeito [Molina, Concordia, 2.14.13.25.]. Mas Molina insistiu que as criaturas possuem poder causal autêntico também e são, portanto, particulares e ainda causas secundárias. Contudo, para as criaturas exercitarem seu poder causal, Deus deve cooperar simultaneamente e indiretamente com eles para produzir o efeito pretendido. Quando Deus coopera dessa maneira com as criaturas, Deus age como uma causa geral do efeito, e Molina chamou de ação simultânea e indireta de Deus sua concorrência (Concursus generalis) [Ibid., 2.14.13.26.1.]. O termo geral indica que a natureza específica do efeito (ou seja, o bem ou o mal) não é, de forma alguma, atribuível a contribuição causal de Deus, apesar de essa contribuição ser necessária a fim de que qualquer efeito seja produzido. Antes, a maldade ou a bondade do efeito é devido apenas as criaturas, que são a causa particular desse efeito.
Para ilustrar, Molina observou que o sol contribui causalmente aos atos de pecado do homem ao prover calor e luz na terra, sem os quais os humanos não podem fazer nada. Por isso o sol não é moralmente responsável pelo pecado humano. Obviamente, no entanto, o sol não é moralmente responsável pelo pecado humano, pois nenhuma de suas contribuições causais determinaram a produção das ações pecaminosas. Os seres humanos escolheram livremente a capacitação causal do sol com respeito às ações pecaminosas e são, portanto, os únicos responsáveis pelo pecado [Ibid., 2.14.13.26.12.]. Exatamente da mesma forma, Molina asseverou, as criaturas usam a capacitação causal da concorrência geral de Deus com respeito às ações pecaminosas, apesar de que Deus não deseje absolutamente que a sua concorrência geral seja usada da maneira que é usada. Assim, como o sol, Deus é a causa geral do pecado humano (e tudo o mais que os humanos fazem), mas sem determinar ou ser moralmente responsável por eles. Como Freddoso colocou muito bem, para Molina “Deus é a paradigmática causa indeterminista” [Freddoso, “Introduction”, 19]. Ligada intimamente ao entendimento de Molina da causalidade divina estava sua análise da distinção de Aristóteles entre potencialidade e realidade. Molina argumentou que para essência individual, Deus conhece desde a eternidade, se e quando cada uma de suas potencialidades seriam efetivadas, ou por si mesmo ou por algum agente externo, sob qualquer circunstância [Molina, Commentaria,12.1.2.]. (MACGREGOR 2015, p. 53-55). Outras versões da doutrina da Concorrência Divina podem diferir um pouco, como a Tomista ou a Calvinista.
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