Por Victor R. Reppert
[Capítulotrês do livro: Contending with Christianity’s
Critics: Answering New Atheists & Other Objectors, editadopor Paul
Copan e William Lane Craig]
Obs.: “Traduzindo
trechos e buscando editoras interessadas na publicação”.*
*Este trabalho/projeto descrito acima, visa fazer
uma divulgação das obras importantes sobre temas atuais e relevantes e tentar
despertar o interesse das Editoras do Brasil.Aproveite a leitura e ore para que esta obra seja publicada no Brasil.
O Naturalismo e o Novo Ateísmo
Um
fenômeno recente conhecido como Novo Ateísmo surgiu nos últimos anos. Em certo
sentido, nada é novo sobre a doutrina do ateísmo em si. O ateísmo existe há
séculos. O ateísmo é a doutrina de que Deusnão existe, e o ateísmo de Richard
Dawkins não é, nesse aspecto, diferente do ateísmo do Barão d'Holbach. Mas há
uma diferença na maneira como os Novos Ateus defendem o ateísmo. Defensores
agressivos do ateísmo, eles sustentam que a crença religiosa não é apenas
falsa, mas também sustentada de forma irracional pelos adeptos e moralmente
perniciosa. Eles não sentem a obrigação de respeitar as crenças religiosas dos
outros; em vez disso, o objetivo declarado deles é inaugurar o fim da crença
religiosa, especialmente a crença na existência de Deus.
Uma
das reivindicações centrais que eles fazem é que não há nenhuma evidência para
a crença na existência de Deus. Todas as evidências estão firmemente do lado da
descrença, não do lado da crença. Pessoas que acreditam em Deus o fazem por
motivos irracionais, não porque existam boas razões para acreditar em Deus. Ser
racional [segundo eles] é formar crenças de acordo com os métodos das ciências
naturais; a ciência natural nos leva na direção do ateísmo; portanto, todas as
pessoas razoáveis devem ser ateus e não teístas.
O
trabalho de muitos ateus, como Dawkins ou Dennett, não é apenas defender o
ateísmo, a visão de que não existem deuses, mas defender e apoiar sua filosofia
positiva, uma doutrina que poderia ser melhor descrita como naturalismo
metafísico. Um naturalista metafísico afirma que a ordem natural é tudo o que
existe. Como disse Carl Sagan, o cosmos é tudo o que foi, é ou sempre será.
Supõe-se que essa crença no naturalismo filosófico seja o que devemos
acreditar, em vez do teísmo Cristão.
O
naturalismo é o resultado lógico e inevitável do pensamento científico? Parece
difícil negar a legitimidade da ciência como forma de conhecimento. Mesmo os
criacionistas científicos da Terra jovem não dizem que a fé Cristã é verdadeira
e que a ciência está simplesmente errada. Em vez disso, eles dizem que, se a
ciência tivesse sido operada da maneira certa, ela teria confirmado o ensino
tradicional extraído de uma leitura literal (eu diria hiperliteral) do livro de
Gênesis.
Em
minha opinião, há um problema profundo com o naturalismo. Para que a ciência
natural seja possível, um mundo natural deve ser analisável em termos
científicos. No entanto, os cientistas também devem usar métodos científicos
para descobrir a verdade sobre o mundo natural. A disputa do argumento da razão
é que se o mundo fosse realmente o que o naturalismo diz que é, haveria
matéria, mas não haveria cientistas para descobrir as propriedades da matéria.
Definindo o debate: a grande divisão
O
argumento da razão começa definindo dois tipos de cosmovisões: cosmovisões
mentalistas, segundo as quais os estados mentais são as causas básicas, e
cosmovisões não mentais, segundo as quais nenhum estado mental é causa básica.
Para entender a ideia das causas básicas, o seguinte relato de Keith Parsons é
útil:
Conseqüentemente, para
Swinburne, dizer que uma lei da natureza não tem explicação é dizer que não há
explicação de por que um certo corpo material possui os poderes e
responsabilidades particulares que possui. Obviamente, os poderes e
responsabilidades de um corpo podem ser explicados em termos dos poderes e
responsabilidades dos corpos constituintes e, por sua vez, de entidades ainda
mais fundamentais. Presumivelmente, porém, o cerne do problema é eventualmente
atingido. No momento, o cerne do problema seriam os poderes e responsabilidades
de entidades como quarks e elétrons. ... Dizer que não há explicação de por que
um quark, dado que é uma partícula fundamental, tem os poderes e
responsabilidades que tem, parece que equivale dizer que não há explicação de
por que um quark é um quark. Certamente, qualquer coisa com diferentes poderes
e responsabilidades não seria um quark.[1]
As
causas básicas são causas que são o ponto central, no sentido de que nenhuma
explicação subjacente será encontrada. O teísmo Cristão é uma cosmovisão
segundo a qual as causas básicas são mentais. Se Deus escolhe criar o mundo,
não há explicação não mental subjacente para essa criação. Supõe-se que Deus
cria o mundo porque fazer isso é bom e não há explicação subjacente em termos
de causas cegas.
Tomemos
um exemplo diferente - o das pedras caindo de uma montanha em uma avalanche.
Quando as pedras caem, elas não erram minha cabeça, porque pensam que não seria
bom me atingir ou que não me acertam porque pensam que estou me desviando delas.
Antes, as pedras caem às cegas, sem levar em conta os interesses das pessoas
que podem ou não ser atingidas. Em visões de mundo não mentalistas, o mundo é,
no fundo, tão cego quanto um monte de pedras caindo da montanha. No entanto,
por meio das pressões da seleção natural, talvez encontremos coisas no mundo
que imitem o que normalmente atribuiríamos a um designer. Se mantivermos uma
visão de mundo não mentalista, poderíamos dizer que “o propósito do seu olho é
ver”, mas o que queremos dizer é que as características do olho foram
selecionadas por causa de sua vantagem visual. Uma explicação mentalista é superficial,
mas pesquise mais a fundo e a "mente" será escrutinada. Em contraste,
em uma visão de mundo teísta, mesmo que a queda das pedras na avalanche não
tenha sido especificamente predeterminada por Deus, pelo menos as leis físicas
e os objetos físicos são produto de design inteligente.
As Marcas do Mental
Alguém
que nega o caráter último da mente afirma que quatro características do mental
não devem ser encontradas no nível mais elementar do universo. A primeira marca
do mental é o propósito. Se há um propósito no mundo, isso indica a existência
de uma mente que tem esse propósito. Portanto, para aquele que negue o caráter
último da mente, uma explicação em termos de propósitos requer uma explicação adicional
sem propósitos para dar conta da explicação de propósito. A segunda marca do
mental é a intencionalidade ou temacidade.* Os estados genuinamente não mentais
não tratam de absolutamente nada. A terceira marca do mental é a normatividade.
Se houver normatividade, deve haver uma mente para a qual algo é normativo. Uma
explicação normativa deve ser explicada posteriormente em termos do não
normativo. Finalmente, a quarta marca do mental é a subjetividade. Se há uma
perspectiva da qual algo é visto, isso significa, mais uma vez, que uma mente
está presente. Um relato genuinamente não mental de um estado de coisas deixará
de fora qualquer coisa que indique como é estar nesse estado.
________________________________________
*Nota do tradutor: do
original Aboutness que significa a
qualidade ou o fato de se relacionar ou ser sobre algo; Filosofia (de um estado
mental, símbolo, representação, etc.) a propriedade de ser sobre algo
(existente ou não existente).
________________________________________
Se
a mente não for definitiva, então qualquer explicação dada em termos de
qualquer uma dessas quatro marcas deve receber uma explicação adicional na qual
essas marcas são apagadas da equação.
Materialismo Mínimo
Uma
cosmovisão que afirma que a mente não é definitiva tem três características
mínimas.[2] Primeiro, o “nível básico” deve ser mecanicista, e com isso quero
dizer que é livre de propósito, livre de intencionalidade, livre de
normatividade e livre de subjetividade. Não está implícito aqui que um mundo
naturalista deve ser determinista. No entanto, tudo o que não é determinístico
em tal mundo é acaso bruto e nada mais.
Em
segundo lugar, o “nível básico” deve ser causalmente fechado. Nada que existe
independentemente do mundo físico pode fazer com que algo ocorra no mundo
físico. Ou seja, se um evento físico tem uma causa no tempo t, então ele tem uma causa física no
tempo t. Mesmo que seja meramente uma
condição necessária ou causa contribuinte, essa causa não é uma causa
determinante; não pode haver algo não físico que desempenhe um papel na
produção de um evento físico. Se, antes da ocorrência de um evento, você
soubesse tudo sobre o nível físico (as leis e os fatos), não poderia
acrescentar nada à sua capacidade de prever onde as partículas estarão no
futuro, ao não conhecer nada sobre qualquer coisa fora da física básica.
Terceiro,
tudo o que não é físico, pelo menos se for no espaço e no tempo, deve se seguir
do físico. Dado o físico, todo o resto é uma consequência necessária. Em suma,
o que o mundo é no fundo é um sistema estúpido de eventos no nível das
partículas fundamentais, e tudo o mais que existe deve existir em virtude do
que está acontecendo nesse nível básico. Essa compreensão de uma visão de mundo
amplamente materialista não é uma forma tendenciosamente definida de
reducionismo; é com o que a maioria das pessoas que se consideram pertencentes ao
campo amplamente materialista concordaria, uma espécie de "materialismo
mínimo". Não apenas isso, mas qualquer visão de mundo que poderia ser
razoavelmente chamada de "naturalista" terá essas características, e
as dificuldades que estarei avançando contra uma visão de mundo
"amplamente materialista" assim definida será uma dificuldade que
existirá para qualquer tipo de naturalismo.
Ao
mesmo tempo, devemos ter cuidado. Nenhum planeta
é mencionado na física básica, mas os planetas podem e existem como
conglomerados de entidades no nível básico. No caso dos planetas, entretanto,
com informações suficientes sobre as partículas básicas e sabendo o que é um
planeta, a questão está encerrada se um planeta está lá. Não descartei por
definição a possibilidade de que, por exemplo, a intencionalidade possa existir
em um nível não básico, embora esteja ausente no nível básico. Em vez disso,
argumentarei que um mundo naturalista não conteria tais elementos.
Os Compromissos Epistemológicos dos
Naturalistas Filosóficos
Delineei
os compromissos metafísicos daqueles que negam que o mental é básico para o
universo. Ao mesmo tempo, ateus como Richard Dawkins não são céticos
filosóficos. Eles sustentam que existe conhecimento genuíno, descoberto pela
ciência. Eles são realistas científicos que acreditam que a ciência descobre a
verdade sobre como a realidade é. É por isso que eles se opõem, por exemplo,
aos crentes religiosos que defendem o teísmo como verdadeiro e, portanto, uma
visão de mundo amplamente informativa sobre a natureza da realidade, incluindo
o mundo natural. Eles acham que a ciência descobriu que a evolução é verdadeira
e o criacionismo é falso. Eles acham que os físicos descobrem a verdade, o que
significa que acreditam que os físicos fazem inferências matemáticas corretas.
Eles pensam que literalmente adicionamos, subtraímos, multiplicamos, dividimos,
elevamos ao quadrado e obtemos as raízes quadradas dos números.
Em
um artigo recente, William Hasker recomendou que o Argumento da Razão seja
apresentado como um argumento transcendental que identifica os pressupostos
necessários do fato da inferência científica e parte daí para extrair suas
implicações. Ele escreve:
A objeção não é meramente
que o naturalismo ainda não tenha produzido uma explicação da inferência
racional e coisas semelhantes, como se esta fosse uma deficiência que pudesse
ser remediada por mais uma década ou mais de pesquisa científica. O problema é
que o naturalista está comprometido com certas suposições que impedem, em
princípio, qualquer explicação do tipo exigido. As suposições-chave são em
número de três: mecanismo (a visão de que as explicações físicas fundamentais
são não-teleológicas), o fechamento causal do domínio físico e a superveniência
do mental sobre o físico. Enquanto essas suposições permanecerem, nenhuma
quantidade de modelagem computacional engenhosa pode preencher a lacuna
explicativa. A fim de trazer à tona esta característica da situação, proponho
que os primeiros dois estágios do Argumento da Razão são mais bem vistos como
um argumento transcendental, aproximadamente no sentido Kantiano: Eles
especificam as condições que são necessárias para a experiência de um certo
tipo ser possível - neste caso, o tipo de experiência encontrada no desempenho
da inferência racional.[3]
Considere
a seguinte lista de pressuposições da razão. Essas pressuposições têm
justificativas transcendentais. A justificativa parte do fato de que pelo menos
uma pessoa fez uma inferência racional (como um cálculo matemático) e estabelece
que essas condições devem ser obtidas se essa inferência racional ocorreu.
1.
Os estados mentais têm uma relação com o mundo que chamamos de intencionalidade
ou temacidade [ver nota do tradutor acima sobre aboutness]. A intencionalidade a que me refiro é proposicional por
natureza. Nossa posse desse tipo de intencionalidade significa que somos
capazes de ter, entreter, acreditar e desejar estados de coisas
proposicionalmente descritos. Reconhecemos o conteúdo proposicional de nossos
pensamentos.
2.
Pensamentos e crenças podem ser verdadeiros ou falsos.
3.
Os seres humanos podem estar na condição de aceitar, rejeitar ou suspender a
crença em proposições.
4.
Existem leis lógicas.
5.
Os seres humanos são capazes de apreender as leis lógicas.
6. O
estado de aceitação da verdade de uma proposição desempenha um papel causal
crucial na produção de outras crenças, e o conteúdo proposicional dos estados
mentais é relevante para o desempenho desse papel causal.
7. A
apreensão das leis lógicas desempenha um papel causal na aceitação da conclusão
do argumento como verdadeira.
8. O
mesmo indivíduo nutre pensamentos sobre as premissas e então tira a conclusão.
9.
Nossos processos de raciocínio nos fornecem uma maneira sistematicamente
confiável de compreender o mundo ao nosso redor.[4]
A
menos que todas essas afirmações sejam verdadeiras, é incoerente argumentar que
se deve aceitar o naturalismo com base em evidências de qualquer tipo. Nem
seria possível aceitar a afirmação de que se deve aceitar a evolução em oposição
ao criacionismo porque há muitas evidências para a evolução. Nem se pode
argumentar que se deva estar extremamente confiante de que o uso do método
científico resultará em uma compreensão precisa da realidade. A menos que todas
essas afirmações sejam verdadeiras, não há cientistas e ninguém estaria usando
o método científico.
Para
ver como funciona a justificação transcendental, considere a possibilidade de
que a realidade consiste apenas em um nabo com creme de chantilly por cima.
Claro que isso vai contra todas as evidências empíricas, mas podemos argumentar
ainda que, se fosse assim, ninguém seria capaz de raciocinar para chegar a essa
conclusão. Dada a maneira como esse argumento está estruturado, não se poderia
usar o argumento do Caso do Paradigma para argumentar que, uma vez que deve
haver um contraste entre inferência válida e inválida, a inferência também
teria de ser possível no mundo dos nabos. Não, o fato de podermos fazer tal
distinção fornece uma base transcendental para acreditar que não vivemos no
mundo dos nabos.
A Irredutibilidade do Conteúdo
Proposicional
Em
meu livro anterior sobre o argumento da razão, gerei seis versões do argumento
da razão. Vou falar sobre uma dessas versões, a que chamei em meu livro de
argumento do conteúdo proposicional - o argumento de que se a ciência é
verdadeira, então nós, como seres humanos, estamos em estados com determinado
conteúdo proposicional; mas se o naturalismo for verdadeiro, nunca deveríamos
estar em tais estados proposicionais. A fim de satisfazer os compromissos
epistemológicos do naturalismo filosófico, os naturalistas devem afirmar que
estamos em estados proposicionais determinados. A fim de satisfazer seus
compromissos metafísicos, os naturalistas devem negar que estejamos sempre em
estados proposicionais determinados.
James
Ross, em seu ensaio “Aspectos imateriais do pensamento”, apresenta um argumento
contra uma explicação fisicalista do conteúdo proposicional que chamarei de
argumento do conteúdo determinado. Ele escreve:
Algum pensamento
(julgamento) é determinado de uma maneira que nenhum processo físico pode ser.
Conseqüentemente, tal pensamento não pode ser um processo (totalmente) físico.
Se todo pensamento, todo julgamento, é determinado dessa maneira, nenhum
processo físico pode ser (o todo de) qualquer julgamento. Além disso, as
“funções” entre os estados físicos também não podem ser determinadas o
suficiente para serem tais julgamentos. Conseqüentemente, alguns julgamentos
não podem ser processos totalmente físicos, nem totalmente funções entre
processos físicos. [5]
No
entanto, ele afirma que não podemos negar que realizamos determinadas operações
mentais. Ele escreve:
Proponho agora, com alguns
casos simples, reforçar o ponto talvez já óbvio de que a função pura deve ser
totalmente realizada em um único caso, e não pode consistir na matriz de
“entradas e saídas” para um certo tipo de pensamento. Alguém nega que podemos
realmente elevar os números ao quadrado? “4 vezes 4 é dezesseis”; uma forma
definida (N x N = N2) é “quadrada” para todos os casos relevantes,
quer sejamos capazes ou não de processar os dígitos, ou falar o tempo
suficiente para dar uma resposta. Para estar ao quadrado, tenho que estar
fazendo algo que funcione para todos os casos, algo para o qual qualquer caso
relevante possa ser substituído sem mudança no que estou fazendo, mas apenas
naquilo que é feito. [6]
Devo
acrescentar que, se não adicionamos, subtraimos, dividimos, multiplicamos, se
não elevamos os números ao quadrado e se não tiramos suas raízes quadradas, para
não mencionar todas as operações matemáticas complicadas envolvidas em,
digamos, na teoria da relatividade de Einstein, então o fisicalismo, que não
apenas diz que a realidade é física, mas que a física, pelo menos
aproximadamente, faz todas essas operações de forma correta, é o mesmo que subir
rio acima sem remo.O argumento de Ross pode ser formalizado da seguinte forma.
1.
Alguns estados mentais têm conteúdo determinado. Em particular, os estados envolvidos
em somar, subtrair, multiplicar, dividir, ao elevar os números ao quadrado e
obter suas raízes quadradas, são determinados com relação ao seu conteúdo
intencional.
2.
Os estados físicos são indeterminados com relação ao conteúdo intencional. Qualquer
estado físico é logicamente compatível com a existência de uma multiplicidade
de estados intencionais definidos proposicionalmente, ou mesmo com a ausência
total de estados intencionais definidos proposicionalmente.
3.
Portanto, os estados mentais envolvidos em operações matemáticas não são e não
podem ser idênticos aos estados físicos.
Algumas
teorias naturalistas foram desenvolvidas para fornecer uma explicação
fisicalista da intencionalidade. Feser delineia quatro tipos de teorias dessa
natureza: teorias do papel conceitual, teorias causais, teorias biológicas e
teorias instrumentalistas.
As
teorias de papéis conceituais explicam estados intencionais em termos de seus
papéis conceituais, isto é, em relação a outros estados intencionais. Claro,
isso não explica porque existe uma rede de estados intencionais em primeiro
lugar.[7]
Uma
abordagem mais popular para chegar a uma explicação naturalística da
intencionalidade são as teorias causais da intencionalidade. Elas apelam para
as relações causais que os estados intencionais representam para os itens do
mundo externo. Assim, se eu acreditar que há um monitor de computador à minha
frente enquanto digito essas palavras, há uma conexão causal entre o monitor e
meu córtex visual, que faz com que estados do meu cérebro sejam afetados por
ele.
As
teorias causais da referência certamente avançaram, mas muitas delas não
sugerem que as relações causais por si só sejam suficientes para fixar a
referência. Em uma visão Kripkeana da teoria causal da referência, o referente
de um nome é fixado por um ato original de nomear (também chamado de
"dublagem" ou, por Kripke, um "batismo inicial"), sobre o
qual o nome se torna um designador rígido daquele objeto. Os usos posteriores
do nome conseguem se referir ao referente por estarem ligados àquele ato
original por meio de uma cadeia causal. Em outras palavras, o que a causalidade
explica, segundo essa teoria, é como as referências são transmitidas uma vez
que um ato inicial de nomeação, um estado intencional (tanto no sentido de ser
pretendido quanto no sentido de possuir “sobreidade” [ver nota do tradutor
acima sobre “aboutness”, o original
utilizado aqui]), é realizado. Em primeiro lugar, como essas ações poderiam ser
realizadas não é contabilizado em termos causais. Para fazer o trabalho que o
naturalista requer, precisamos explicar até mesmo o ato inicial de nomear em
termos causais.
Quando
começamos a falar sobre estados proposicionais, temos que perguntar como
qualquer especificação de relações causais pode possivelmente implicar a
existência de significado. Digamos que um pássaro esteja programado para soltar
um determinado som quando algo com a forma aproximada de um falcão está por
perto. Existe uma relação causal regular entre o aparecimento de um falcão e a
ocorrência do grasnido. Em certo sentido, podemos dizer que o grasnido é sobre
o falcão. É claro que algo poderia disparar o sinal de “falcão” e a ação
evasiva subsequente sem ser um falcão. Isso não significa que o pássaro tenha a
habilidade de distinguir um falcão de todo falcão e qualquer outra coisa que
não seja o falcão. Um sósia devidamente constituído poderia enganá-lo. Esperar
fogo quando se vê fumaça não é o mesmo que inferir fogo de fumaça. Dizemos que
“fumaça significa fogo”, mas o que isso significa é que a fumaça e o fogo
costumam estar conjugados na experiência. Freqüentemente, sentimos a fumaça
antes de sentirmos o fogo, mas após o exame das relações causais o fogo causa
fumaça e não vice-versa. Dizemos que “fumaça significa fogo”, mas isso
significa que fumaça e fogo estão conjugados em nossa experiência. O
“significado” é imposto pela compreensão humana, não no mundo como ele é em si
mesmo. Como Feser escreve:
Qualquer explicação que
tais teorias poderiam dar as relações causais relevantes existentes entre um
estado mental particular e um objeto particular no mundo externo, exigirá a
escolha de um objeto particular no ponto inicial da série causal (chamemos de
A) e um ponto final particular (B) com o estado mental fazendo a representação [de]...
Nada no fluxo objetivamente, seja o ponto de partida determinado ou uma
sequência particular ou o ponto final determinado. Somos nós que escolhemos
certos eventos e os contamos como começos e fins; seu status como início e fim
é relativo a certos propósitos e interesses nossos.[8]
Em
suma, há uma diferença entre causar uma ação apropriada a algo que é o caso
(fazer as abelhas irem para onde o néctar está) e declarar que é o caso que o
néctar está em tal e tal lugar. A ciência é inerentemente declarativa e requer
compreensão. É tentador, mas errôneo, atribuir um caráter declarativo às danças
das abelhas e ao canto dos pássaros. Conexões casuais são invariavelmente
insuficientes para fornecer determinação do conteúdo proposicional. Sem
determinação do conteúdo proposicional, o tipo de inferência racional na
ciência não pode ocorrer.
Outra
teoria considera o papel ou função biológica como base para determinar o
conteúdo. No entanto, Dennett argumentou com sucesso que a função biológica
também deixa o conteúdo proposicional indeterminado. A função evolucionária é
essencialmente fluida por natureza, e obter algo tão determinado quanto o
conteúdo proposicional da função biológica é exigir muito dela. (Qual é a
função biológica das penas em um pássaro?). John Searle escreve:
Até agora, nenhuma
tentativa de naturalizar o conteúdo produziu uma explicação (análise, redução)
do conteúdo intencional que seja mesmo remotamente plausível. Um sintoma de que
algo está radicalmente errado com o projeto é que as noções intencionais são
inerentemente normativas. Elas estabelecem padrões de verdade, racionalidade,
consistência, etc., e não há como esses padrões serem intrínsecos a um sistema que
consiste inteiramente de relações causais
brutas, cegas e não intencionais. Não há um componente médio
[intermediário] para a causalidade da bola de bilhar. As tentativas biológicas Darwinianas
de naturalizar o conteúdo tentam evitar esse problema apelando para o que eles
supõem ser o caráter inerentemente teleológico [ou seja, proposital], normativo
da evolução biológica. Mas este é um erro muito profundo. Não há nada normativo
ou teleológico sobre a evolução Darwiniana. Na verdade, a principal
contribuição de Darwin foi precisamente remover o propósito e a teleologia da
evolução e substituí-la por formas puramente naturais de seleção. [9]
Ou
como Feser coloca:
Falar de propósitos e
funções, se tomado literalmente, parece pressupor intencionalidade; em
particular, parece pressupor a ação de uma inteligência de alguém que projeta
algo para um propósito particular. Mas o objetivo da teoria da evolução de
Darwin é explicar os fenômenos biológicos de uma maneira que não envolva nenhum
apelo ao design inteligente. ... Assim como a física moderna tende a explicar
os fenômenos esculpindo as aparências qualitativas subjetivas das coisas e
realocando-as na mente, também a revolução Darwiniana na biologia empurrou o
propósito e a função para fora do reino biológico, tornando-os dependentes da
mente e desprovidos de realidade objetiva.[10]
Na
verdade, o implacável naturalista W. V. Quine argumentou que a referência de
nossos termos é indeterminada e que não há nenhum fato relevante sobre a que
nossas palavras se referem.[11] No entanto, isso tem consequências desastrosas
para a prática da ciência. Somente se nossos termos tiverem referência
determinada, podemos raciocinar para conclusões. Considere o seguinte argumento
sobre o lápis não afiado.
1.
Ir para a aula é inútil.
2.
Um lápis não afiado é inútil.
3.
Portanto, ir para a aula é um lápis não afiado.
A
confusão do argumento sobre o significado torna inválido um argumento
aparentemente válido.
Nossa
capacidade de raciocinar logicamente só pode existir se formos capazes de
identificar semelhança de significado. A visão de Dennett da mente afirma essencialmente
a tese de indeterminação de Quine e, de fato, Dennett pensa que esse tipo de
indeterminação é uma consequência do naturalismo filosófico.
E porque não? Aqui, eu
acho, encontramos uma expressão tão poderosa e direta quanto poderia ser da
intuição que está por trás da crença na intencionalidade original. Esta é a
doutrina que Ruth Millikan chama de racionalismo
de sentido, e é um dos pontos centrais de seu importante livro, Language, Thought, and Other Biological
Categories[Linguagem, Pensamento e Outras Categorias Biológicas], a derrubar
[a intencionalidade] de seu pedestal tradicional ... Algo tem que ceder. Ou
você deve abandonar o racionalismo de significado - a ideia de que você é
diferente do cuco recém nascido não apenas por ter acesso, mas por ter acesso
privilegiado aos seus significados - ou você deve abandonar o naturalismo que
insiste que você é, afinal, apenas um produto de seleção natural, cuja
intencionalidade é, portanto, derivada e, portanto, potencialmente
indeterminada.[12]
Se
os significados são indeterminados, então é indeterminado o que Dennett quer
dizer com qualquer coisa que diz. Ninguém pode determinar se algum argumento é
válido porque se, digamos, for um silogismo categórico, não há como determinar
se temos três termos, quatro termos, cinco termos ou seis termos. Então, vamos
dar uma olhada no argumento de Dennett.
1.
Se o naturalismo for verdadeiro, então o significado é indeterminado.
2. O
naturalismo é verdadeiro.
3.
Portanto, o significado é indeterminado.
E
aqui está o meu argumento.
1.
Se o naturalismo for verdadeiro, então o significado é indeterminado.
2. O
significado é determinado (um pressuposto da razão e da ciência).
3.
Portanto, o naturalismo é falso.
Talvez
a indeterminação do significado seja benigna e não a ponto de minar a ciência
da maneira radical que descrevi. Considere a distinção de Kripke entre adição e
o que ele chama de “quadridição”, onde a adição tem a forma x + y, mas a
quadridiçãotem a forma x + y se xey forem menores que 57, 5.[13] Se a
matemática for indeterminada entre adição e quadridição, a ciência estará em
apuros.
Outra
abordagem da intencionalidade, atribuída a Dennett, diz respeito aos estados
proposicionais em termos instrumentais. Isso essencialmente torna toda
intencionalidade derivada da intencionalidade. Mas derivado de quê? Se temos
intencionalidade porque consideramos que temos intencionalidade, como podemos
explicar o estado intencional de considerar que temos intencionalidade?
Vários
argumentos foram apresentados contra a possibilidade de reduzir determinadas
crenças e desejos a estados físicos. O argumento de Quine para a indeterminação
da tradução, o argumento de Kripke adaptado de Wittgenstein, o argumento de
Davidson contra as leis psicofísicas [14] e as discussões de Nagel em The Last Word[15] têm essa implicação.
No entanto, diferentes filósofos tiraram conclusões diferentes dos argumentos
da irredutibilidade. Visto que a razão não pode ser reduzida a relações
físicas, os materialistas precisam usar outras estratégias para encaixar a
razão em um mundo fisicalista.
Atitudes Proposicionais e a Estratégia
de Superveniência
Outra
visão popular, que até mesmo foi aceita por alguns Cristãos, é a posição
materialista não redutiva. Nessa visão, os estados intencionais não são
eliminados; eles não são redutíveis a estados físicos. Eles são, entretanto,
supervenientes aos estados físicos. Os estados mentais não são idênticos aos
estados físicos, mas, devido o estado do físico, só existe uma maneira pela
qual o mental pode existir.
Claro,
anteriormente eu indiquei que a superveniência [sobreveniência] de todos os
estados não físicos em estados físicos é parte do que é necessário para que uma
cosmovisão seja naturalista. No entanto, se os estados mentais podem ser
redutivamente analisados em termos de estados físicos, então a superveniência é
simplesmente óbvia. Uma diferença em B requer uma diferença em A porque, na
análise final, Bs são apenas As.
Novamente, se os estados B são eliminados da ontologia, então não temos que nos
preocupar com uma diferença em B que não seja garantida por uma diferença em A.
No entanto, para muitos, talvez a maioria, os filósofos que acreditam em uma visão
de mundo teórica amplamente materialista, as posições reducionista e
eliminativista são ambas implausíveis. Para esses filósofos, a relação de
superveniência tem uma função: ela explica como é possível que tudo seja, em
última análise, físico, mantendo ao mesmo tempo a irredutibilidade e a
autonomia do reino mental.
Os
filósofos costumam distinguir entre superveniência fraca e superveniência
forte. De acordo com a superveniência fraca, as propriedades B sobrevêm de
forma fraca nas propriedades A se e somente se as coisas que são semelhantes em
suas propriedades A forem sempre semelhantes em suas propriedades B. O que isso
estabelece é uma conjunção constante entre as propriedades A e as propriedades
B. Isso não mostra realmente que há algo nas propriedades A que garanta que as
propriedades B serão sempre as mesmas. No entanto, devemos lembrar o que causou
problemas para as descrições reducionistas dos estados mentais. O físico é
incuravelmente [no sentido de ser incapaz de ser alteraldo] indeterminado com
respeito aos estados proposicionais. Qualquer história que contemos no nível
físico é compatível com uma multiplicidade de histórias no nível mental. Este
tipo de alegação de conjunção constante, entretanto, explica pouco. Há, por
exemplo, uma conjunção constante entre aumentos na taxa de homicídios na cidade
de Nova York e aumentos na taxa de consumo de sorvete. Poderíamos dizer que a
taxa de homicídios sobrevém sobre a taxa de consumo de sorvete, mas não teremos
explicado nada. Não teremos mostrado que o consumo de sorvete é responsável por
homicídios, ou vice-versa, ou se esses são apenas dois efeitos não relacionados
de uma causa comum (um aumento nas temperaturas da cidade).[16]
Muita
confusão na discussão das descobertas neurocientíficas e suas relações com a
filosofia da mente freqüentemente ocorre neste ponto. O que a neurociência
geralmente é capaz de fazer é fornecer correlações
entre certos estados mentais e atividades em certas partes do cérebro.
Freqüentemente, isso é considerado prova de materialismo, mas não há nenhuma
boa razão para que os dualistas não devam esperar que essas correlações
existam. Além disso, a correlação entre estados mentais e estados físicos não é
o mesmo que identificação de estados mentais com estados físicos.
A
superveniência forte é a alegação de que as propriedades B sobrevêm fortemente
nas propriedades A apenas no caso em que coisas que são semelhantes nas
propriedades A devem ser semelhantes nas propriedades B. Nesta visão, a
superveniência não é apenas uma conjunção bruta; é necessariamente assim. No
entanto, como uma tentativa de explicar qualquer coisa, isso também parece
inadequado. As explicações religiosas costumam ser consideradas explicações do
tipo Deus das lacunas; essa parece ser uma explicação da necessidade das
lacunas. “Ora, se as crenças de Jones pudessem ser de cinco ou seis maneiras
diferentes, dado o físico, ou talvez, dado o mental, Jones poderia ser um zumbi
sem nenhuma crença, porque Jones tem as crenças que tem?” Se a resposta for
“Bem, existe uma forte relação de superveniência que existe entre o físico e o
mental, então é necessário”, parece que não somos levados mais perto de uma
explicação de por que Jones tem as crenças que possui.
Por
que existe a relação de superveniência, se ela existe? É pura sorte estúpida? Seria
uma harmonia Leibniziana pré-estabelecida por Deus antes da fundação do mundo?
(Isso pode não ser naturalisticamente aceitável.) Presumivelmente, essa não é
uma relação física, então por que ela existe? A menos que algo sobre o físico
garanta que o mental seja apenas um caminho, a relação de sobreveniência
precisa ser explicada. Existe o que James Stump chama de “problema clássico de
reflexividade” para o teórico da sobreveniência. Para a teoria da
sobreveniência, tudo é físico ou sobrevém no físico.[17] Portanto, a relação de
superveniência terá que ser física ou sobrevir sobre o físico, se o fisicalismo
superveniente for verdadeiro. Mas é? Stump resume um argumento originalmente
apresentado por Lynch e Glasgow para sustentar que a própria relação de
superveniência não pode ser admitida na ontologia do materialismo
superveniente, que eu alterei ligeiramente para fins de congruência com a
discussão anterior:
1.
Para os fisicalistas, todos os fatos devem ser materialisticamente aceitáveis.
Ou seja, eles são fatos sobre coisas físicas, ou sobre coisas que são
ontologicamente distintas do físico, mas sobrevêm fortemente no físico.
2.
Deve haver algum fato - a explicação - em virtude do qual as propriedades B
sobrevêm às propriedades A; chamado de fatos-S. Que tipo de fatos são os fatos-S?
Existem duas opções para fatos materialisticamente respeitáveis:
1.
Eles próprios poderiam sobrevir às propriedades A. Mas então há um problema de
regressão infinita, pois agora temos que explicar essa nova relação de
superveniência, que por sua vez precisa ser explicada, e assim por diante, ad infinitum. Então isso não é bom.
2.
Ou, os fatos-S não poderiam ser apenas propriedades A adicionais, isto é, fatos
sobre a entidade física. Mas então esses fatos não preenchem a lacuna
explicativa entre os fatos B e os fatos A.[18]
Talvez
o teórico da superveniência possa simplesmente aceitar a relação de
superveniência como um fato bruto inexplicável. No entanto, como J. P. Moreland
argumenta, isso também é profundamente problemático para o teórico da
superveniência: Primeiro, ele destaca a afirmação feita pelo teórico da
superveniência Terence Horgan de que em um universo amplamente materialista as
verdades da superveniência devem ser explicáveis, em vez de seremsui generis. Como Horgan aponta, se vai
haver quaisquer dados brutos e inexplicáveis em um universo materialista, esses
devem ser os próprios fatos físicos, não algum fato relativo à superveniência
entre níveis.[19] Em segundo lugar, a verdade da superveniência não se parece
com algo que a ciência poderia possivelmente ter descoberto, e aceitar a
superveniência como um fato bruto seria aceitar a ideia de que verdades sobre o
mundo podem ser descobertas por meios filosóficos em vez de científicos, e isso
é um anátema para a maioria dos naturalistas contemporâneos.[20] Além disso,
esta posição levanta a questão contra pessoas como Swinburne e Robert Adams,
que afirmam que a superveniência da mente precisa de uma explicação teísta.[21]
Em
segundo lugar, o debate sobre que tipo de sobreveniência existe entre os
estados físicos e mentais não é uma questão científica e não pode ser resolvido
por teorias científicas. Além disso, a teoria da superveniência envolve termos
e conceitos que não são os termos e conceitos das ciências naturais. Como
Moreland coloca:
Os naturalistas criticam o
dualismo cartesiano e seu problema de interação entre tipos radicalmente
diferentes de entidades. Em minha opinião, o dualista tem os recursos para
responder a esse problema por causa de seu compromisso com entidades, relações
e causalidade que vão além daquelas nas ciências físicas. Mas o mesmo não se
pode dizer do naturalismo, e o que é molho para o pato é molho para a ganso
[pau que bate em chico, bate em Francisco]. Os naturalistas têm exatamente o
mesmo tipo de problema que afirmam ser uma dificuldade para o Cartesiano. E
dadas as restrições filosóficas que decorrem da aceitação da epistemologia,
etiologia e ontologia naturalista, é mais difícil ver como um naturalista
poderia aceitar a superveniência mental / física do que entender como um Cartesiano
sem essas restrições poderia aceitar a interação mental / física.[22]
A
intencionalidade é mais do que apenas um quebra-cabeça para o naturalismo; ela é
um problema profundo e distinto e tão sério quanto o “problema difícil” da
consciência. A redução de estados intencionais compreendidos e estados intencionais
proposicionais parece ser inerentemente impossível. A eliminação desses estados
elimina os estados essenciais para o funcionamento das ciências naturais nas
quais se baseia a credibilidade do naturalismo. Os sucessores não
proposicionais de atitudes proposicionais não podem cumprir o trabalho que lhes
foi atribuído. O materialismo superveniente compromete o materialista com uma
relação materialisticamente inaceitável entre o físico e o mental e, como
veremos, apresenta sérios problemas para explicar a causalidade mental.
As
teorias do universo que fazem do mental um fato básico da realidade, como
teísmo, panteísmo ou idealismo, não têm o problema de encerrar inaceitavelmente
cadeias explicativas com estados mentais. Se o mental é parte da mobília básica
do universo, então parece muito mais fácil ver como o mental pode acabar sendo
instanciado em seres humanos.
O Deus das Lacunas
Outro
argumento freqüentemente apresentado contra praticamente qualquer parte da
teologia natural é a acusação do Deus das lacunas. Na verdade, este é um dos
itens mais populares do manual ateu. Sabemos, pela história da ciência, que
muitas coisas que no passado se pensava exigir uma explicação em termos da
agência divina agora são conhecidas por terem explicações naturalísticas. Já se
pensou que os arco-íris, por exemplo, foram colocados no céu como um sinal;
agora sabemos que eles podem ser explicados naturalisticamente em termos de
refração da luz. Vários sistemas biológicos mostram uma harmonia entre meios e
fins que no passado eram caminhos utilizados para o argumento do design, mas que
agora são explicáveis em termos de variação aleatória e seleção natural.
Portanto, se pensarmos que algo não pode ser explicado em termos físicos, dê
algum tempo aos cientistas e eles descobrirão isso mais cedo ou mais tarde
[dizem os ateus].
Um
exemplo em que a objeção do Deus das lacunas parece forte é o caso do relato de
Newton sobre as órbitas dos planetas. Sua teoria especulava que as órbitas
fossem um pouco diferentes do que são, e então ele postulou Deus como aquele
que mantém os planetas alinhados. Laplace mais tarde desenvolveu uma teoria que
não exigia esse tipo de agência divina e, quando questionado sobre a teoria
teísta de Newton, ele disse: "Não tenho necessidade dessa hipótese."
No
entanto, não estou certo de que todo argumento que aponta para uma dificuldade
explicativa para o naturalista possa ser efetivamente respondido com uma
acusação do Deus das lacunas. Considere, por exemplo, estar em um jantar com
alguém que recebe uma grande quantidade de água e cria a partir dela um volume
igual de vinho. (Tem gosto de vinho realmente bom, não daqueles vinhos baratos.)
Podemos razoavelmente dizer que temos apenas uma lacuna em nosso entendimento?
Como Robert Larmer aponta, nossa compreensão de como o vinho é feito é
precisamente o que torna tão difícil explicar de forma naturalista:
O que deveria estar em
questão ao avaliar os argumentos do “Deus das lacunas” é se esses argumentos
exigiram essas condições. Afirmações sobre eventos tradicionalmente descritos
como milagres e afirmações sobre a origem e o desenvolvimento da vida são onde
os argumentos do “Deus das lacunas” são mais comumente encontrados. No caso de
eventos tradicionalmente descritos como milagres, parece muito evidente que
nosso maior conhecimento de como as causas naturais operam não tornou mais
fácil, mas mais difícil, explicar tais eventos de forma naturalista. A ciência
subjacente à produção de vinho está consideravelmente mais avançada hoje do que
estava na Palestina do primeiro século, mas nossos avanços tornaram ainda mais
difícil explicar em termos de causas naturais como Jesus, sem qualquer ajuda
tecnológica, poderia, em questão de minutos, transformar água em vinho de alta
qualidade. Na verdade, é a dificuldade de fornecer um relato naturalístico de
tais eventos que leva muitos críticos a negar que eles tenham ocorrido; embora
isso pareça ser suspeitosamente uma petição de princípio[retórica falaciosa] em
favor do naturalismo. É claro que, se tais eventos ocorreram, o avanço da
ciência os tornou mais, em vez de menos, difíceis de explicar em termos de
causas naturais. Empregar o argumento do “Deus das lacunas” de que a ocorrência
de tais eventos constituiria boa evidência para intervenção sobrenatural dentro
da ordem natural parece inteiramente legítimo.[23]
Afirmo
que existem lacunas e lacunas. A questão não é apenas apontar para um problema
de engenharia não resolvido na natureza. Primeiro, as categorias do mental e do
físico são categorias logicamente incompatíveis. Você começa a atribuir
propriedades mentais à física e pode acabar sendo informado de que não está
mais descrevendo o físico. Propósito, normatividade, intencionalidade ou temacidade
[aboutness] - todas essas coisas não
devem ser incluídas nas descrições físicas das coisas, pelo menos no nível mais
básico de análise.
Vamos
considerar a lacuna entre o conteúdo proposicional do pensamento e a descrição
física do cérebro. Minha afirmação é que não importa em quantos detalhes você
descreva o estado físico do cérebro (e do ambiente), o conteúdo proposicional
do pensamento será invariavelmente indeterminado. Esta não é minha afirmação ou
a de C. S. Lewis; este argumento foi apresentado pelo arquinaturalista W. V.
Quine. Não é uma questão de obter uma descrição física que funcione. A lacuna
lógico-conceitual sempre existirá, independentemente de quão extensivamente
você descreva o físico. Preencher o abismo não será uma questão de simplesmente
explorar o território de um lado do abismo.
Concluo,
portanto, que o Deus das lacunas ou mesmo uma resposta alma-das-lacunas ao
argumento da razão não funciona. Não estou dizendo que simplesmente não podemos
descobrir agora por que os estados mentais envolvidos na inferência racional
são realmente físicos; Estou sugerindo, com base em princípios, que uma
reflexão cuidadosa sobre a natureza da mente e da matéria invariavelmente
revelará que existe uma lacuna lógica entre elas que, em princípio, não pode
ser transposta sem categorias forjadas.
Conclusão
Os
Novos Ateus estão errados, portanto, em supor que não há uma boa razão para
rejeitar seu ateísmo naturalista em favor do teísmo. Existem questões
filosóficas profundas, não aquelas que serão automaticamente dissipadas pelo
avanço da ciência. Na verdade, acredito que a marcha da
ciência tornará os problemas piores em vez de melhores para o naturalista. A
marcha progressiva da ciência descobrirá extensas correlações entre estados físicos e mentais, mas deixará inalterada
a distinção lógico-conceitual entre essas duas categorias.
____________________
Fonte:
REPPERT, Victor.Confronting
Naturalism: The Argument from Reason.In COPAN, Paul; CRAIG, William Lane (General Editors). Contending
with Christianity’s Critics: Answering New Atheists & Other Objectors.
Nashville, Tennessee: B&H ACADEMIC, 2009, pp. 26-46.
Tradução Walson Sales.
____________________
Notas:
[1] K. Parsons, God
and the Burden of Proof (Amherst: Prometheus, 1989), 91–92.
[2] V. Reppert, C.
S. Lewis's Dangerous Idea (Downer's Grove, IL: InterVarsity Press, 2003),
52–53; leiatambémW. Hasker, The Emergent
Self (Ithaca: Cornell University Press, 1999), 59–64.
[3] W. Hasker, “What About a Sensible Naturalism?: A
Response to Victor Reppert,” Philosophia
Christi 5 (2003): 61.
[4]Reppert, Dangerous
Idea, 73.
[5] J. Ross, “Immaterial Aspects of Thought,” The Journal of Philosophy 89 (1992):
136–50.
[6] Ibid.
[7] E. Feser, Philosophy
of Mind: A Short Introduction (Oxford: Oneworld Press, 2005), 136.
[8] Ibid., 145.
[9] J. Searle, The
Re-Discovery of the Mind (Cambridge: Cambridge University Press, 1992),
50–51 (his emphasis).
[10]Feser, Philosophy
of Mind, 149.
[11] W. V. Quine, Word
and Object (Cambridge: MIT Press, 1960), chaps. 1 and 2.
[12] D. C. Dennett, “Evolution, Error and
Intentionality” in The Intentional Stance
(Cambridge: MIT Press, 1987), 313. O livromencionado é o de R. G. Millikan Language, Thought, and Other Biological
Categories: New Foundations for Realism (Cambridge: MIT Press, 1987).
[13] S. Kripke, Wittgenstein
on Rules and Private Language (Cambridge: Harvard University Press, 1982).
[14] D. Davidson, “Mental Events,” in Experience and Theory, L. Foster and J.
W. Swanson, eds. (London: Duckworth, 1970).
[15] T. Nagel, The
Last Word (Oxford: Oxford University Press, 1997).
[16] J. B. Stump, “Non-Reductive Materialism: A
Dissenting Voice,” Christian Scholar's
Review 36/1 (2006): 67.
[17] Ibid., 70.
[18] Ibid.
[19] T. Horgan, “Non-Reductive Materialism and the
Explanatory Autonomy of Psychology” in Naturalism:
A Critical Appraisal, ed. S. J. Wagner and R. Warner (Notre Dame:
University of Notre Dame Press, 1994), 295–320.
[20] J. P. Moreland, “Should a Naturalist Be a
SupervenientPhysicalist?” Metaphilosophy
29/1 and 2 (1988): 35–57.
[21] Ibid.
[22] Ibid.
[23] R. Larmer, “Is There Anything Wrong with ‘God of
the Gaps’ Reasoning?” International
Journal for Philosophy of Religion 52 (2002): 129–42.
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