Por J.
P. Moreland
Capítulo
10 do livro The Rationality of Theism,
editado por Paul K. Moser e Paul Copan
[Nota do tradutor: a tradução deste
capítulo tem a intenção precípua de buscar editoras interessadas em comprar os
direitos autorais e publicar a obra completa em português. Os demais objetivos
são para informar os amantes de Teologia e Filosofia sobre assuntos correlatos
diversos e as correntes cruzadas e críticas dos principais inimigos da fé
Cristã com as devidas respostas, mostrando que a resposta Cristã aos problemas
levantados é a mais coerente. Nomes de peso na defesa da fé no mundo acadêmico
fizeram contribuições para este livro, como: WILLIAM P. ALSTON, WILLIAM LANE
CRAIG, ROBIN COLLINS, PAUL COPAN, R. DOUGLAS GEIVETT, J. P. MORELAND, FRANCIS
J. BECKWITH, CHARLES TALIAFERRO, entre outros. Este livro é leitura obrigatória
para os amantes da Palavra de Deus.EDITORES
DO BRASIL: AGORA É COM VOCÊS.]
A
consciência está entre as características mais mistificadoras do cosmos.
Geoffrey Madell opina que “o surgimento da consciência, então, é um mistério, e
para o qual o materialismo fracassa notoriamente em fornecer uma resposta”.[1] O
Naturalista Colin McGinn afirma que a chegada da Consciência beira a pura magia
porque parece não haver uma explicação naturalista para ela: “Como a mera
matéria pode originar a consciência? Como a evolução converteu a água do tecido
biológico no vinho da consciência? A consciência parece uma novidade radical no
universo, não prefigurada pelos efeitos posteriores do Big Bang; então, como a
Consciência planejou surgir a partir do que a precedeu? ”[2] Por fim, o Naturalista
William Lyons argumenta que “[o fisicalismo] parece estar em sintonia com o
materialismo científico do século XX porque a Consciência [está] em harmoniacom
o tema geral de que tudo o que existe no universo é matéria, energia e
movimento e que os seres humanos são um produto da evolução das espécies tanto
quanto os búfalos e castores. A evolução é uma vestimenta sem costura, sem
buracos onde as almas possam ser inseridas de cima.”[3]
A
referência de Lyons às almas sendo "inseridas de cima" parece ser uma
referência velada ao poder explicativo do teísmo para a consciência. Alguns
argumentam que, embora entidades mentais finitas possam ser inexplicáveis em
uma cosmovisão naturalista, elas podem ser explicadas pelo teísmo, fornecendo
assim evidências da existência de Deus. Neste capítulo, defenderei este
argumento da consciência (doravante denominado a partir daqui como AC), ao descrever
duas questões relevantes na aceitação da teoria científica, ao apresentar um
resumo do AC, ao caracterizar o naturalismo,ao mostrar porque as entidades
mentais são fatos recalcitrantes para naturalistas e ao avaliar três
explicações de consciência que servem como rivais para o AC.
Pontos Preliminares
Dois
pontos preliminares são importantes. Em primeiro lugar, por duas razões, devo assumir
que o teísmo e o naturalismo são as únicas cosmovisões relevantes para este
capítulo: essas visões de mundo são, de fato, as únicas opções válidas para
muitos que debatem este tópico; em todo caso, outras visões de mundo (por
exemplo, o Budismo) estão longe de ser unívocas em seus compromissos com a
realidade da consciência ou do próprio cosmos. Em segundo lugar, devo assumir
uma compreensão do senso comum dos estados mentais, como sensações,
pensamentos, crenças, desejos, volições e os eus que os possuem. Assim
entendidos, os estados mentais não são de forma alguma físicos, uma vez que
possuem cinco características que não
pertencem aos estados físicos:
ü há
uma sensação qualitativa bruta ou uma [sensação de] “como é” ter um estado
mental como uma dor;
ü pelo
menos muitos estados mentais têm intencionalidade –ofness*[de] ou aboutness**[sobre]
– dirigidos a um objeto.
ü estados
mentais são internos, privados e imediatos para o sujeito que os possui;
ü estados
mentais exigem uma ontologia subjetiva - a saber, os estados mentais são
necessariamente propriedade dos sujeitos sencientes da primeira pessoa que os
possuem;
ü estados
mentais falham em ter características cruciais (por exemplo, extensão espacial,
localização) que caracterizam estados físicos e, em geral, não podem ser
descritos usando linguagem física.
O
espaço limitado me impede de argumentar a favor dessas afirmações, mas isso não
é necessário para os propósitos presentes, uma vez que muitos (mas não todos)
críticos do AC assumem essas questões e defendem uma interpretação dualista da
consciência.[4]
Duas
questões na aceitação da teoria científica
Embora
o teísmo e o naturalismo sejam visões de mundo amplas e não teorias
científicas, duas questões que informam o julgamento entre teorias científicas
rivais são relevantes para o AC. Em primeiro lugar, há a questão de saber se
algum fenômeno deve ser considerado como básico,
para o qual apenas uma descrição e não uma explicação é necessária, ou como
algo a ser explicado em termos de fenômenos mais
básicos. Por exemplo, tentativas de explicar o movimento inercial uniforme
não são permitidas na mecânica Newtoniana porque tal movimento é básico nesta
visão, mas um Aristotélico teria que explicar como ou por que um corpo
particular exibiu movimento inercial uniforme. Assim, o que é básico para uma
teoria pode ser secundário para outra.
A
questão dois é a naturalidade de uma
entidade postulada à luz da teoria geral da qual faz parte. Os tipos de
entidades postuladas, junto com os tipos de propriedades que possuem e as
relações que estabelecem, devem estar familiarizadas com outras entidades na
teoria. Alguma entidade (coisa particular, processo, propriedade ou relação) e é natural para uma teoria T
apenas no caso de e ser uma
entidade central, principal de T ou e
ter uma similaridade relevante com entidades centrais, principais na categoria
de e dentro de T. Se e está em uma categoria como
substância, força, propriedade, evento, relação ou causa, e deve ter uma similaridade relevante com outras entidades
de T nessa categoria.
Esta
é uma definição formal e o conteúdo material dado a ela dependerá da teoria em
questão. Além disso, dados os rivais R e S, a postulação de e em R é ad hoc*** e de petição
de princípio contra os defensores de S se e
tiver uma semelhança relevante com as entidades apropriadas em S e, neste
sentido, está "familiarizado" em S mas não apresenta esta similaridade
relevante com as entidades apropriadas em R.[5]
A
questão da naturalidade é relevante para a avaliação da teoria entre rivais,
pois fornece um critério para os defensores de uma teoria alegarem que seus
rivais os questionaram ou ajustaram sua teoria de uma maneira inadequada e ad
hoc. E embora não seja necessário, a naturalidade pode ser relacionada à
basicalidade desta maneira: a naturalidade pode fornecer um meio de decidir os
méritos relativos de aceitar a teoria R, que descreve o fenômeno e como básico, vs. abrangendo S,
que leva e a ser explicável em
termos mais básicos. Se e é natural em S, mas não em R,
será difícil para os defensores de R justificar a afirmação crua de que e é básico em R e que o que todos
os proponentes de R precisam fazer é descrever e e correlacioná-lo com outros fenômenos em R em oposição a
explicar e. Tal afirmação por
defensores de R será ainda mais problemática se S fornecer uma explicação para e.[6]
O Argumento da Consciência
O
AC pode ser expresso de forma indutiva ou dedutiva. Como um argumento indutivo,
o AC pode ser interpretado como afirmando que dado o teísmo e o naturalismo
como as opções válidas fixadas por nossas crenças de fundo, o teísmo fornece
uma explicação melhor da consciência do que o naturalismo e, portanto, recebe
alguma confirmação da existência da consciência.
O
AC também pode ser expresso na forma dedutiva. Aqui está uma versão dedutiva do
AC:
1.
Existem estados mentais genuinamente não físicos.
2.Há
uma explicação para a existência de estados mentais.
3. A
explicação pessoal é diferente da explicação científica natural.
4. A
explicação para a existência de estados mentais é uma explicação científica
pessoal ou natural.
5. A
explicação não é científica natural.
6.
Portanto, a explicação é pessoal.
7.
Se a explicação for pessoal, logo é teísta.
8.
Portanto, a explicação é teísta.
Teístas
como Robert Adams[7] e Richard Swinburne[8] propuseram uma versão ligeiramente
diferente do AC, que se concentra nas correlações mentais / físicas e não
apenas na existência de estados mentais. De qualquer maneira, o AC pode ser
interpretado como um argumento dedutivo.
As
premissas 2, 4 e 5 são as que têm maior probabilidade de sofrer ataques.
Estamos admitindo a premissa 1 pelo bem do argumento.[9]
A
premissa 3 gira em torno do fato de que a explicação pessoal difere do evento
causal que cobre as explicações das leis empregadas nas ciências naturais.
Associado ao evento causal está um
modelo de explicação de lei inerente, de acordo com o qual algum evento (o explanandum) é explicado dando-se um
argumento dedutivo ou indutivo correto para aquele evento. Tal argumento contém
duas características em seu explanans:
uma lei da natureza (universal ou estatística) e condições causais iniciais.
Por
outro lado, uma explicação pessoal
(divina ou não) de algum resultado básico R provocado intencionalmente pela
pessoa P, em que esse desencadeamento de R é uma ação básica A citará a
intenção I de P de que R ocorra e a potência básica B que P exerceu para
produzir R. P, I e B fornecem uma explicação pessoal de R: o agente P causou R
exercendo o poder B a fim de realizar a intenção I como um objetivo
irredutivelmente teleológico.
Para
ilustrar, suponha que estejamos tentando explicar por que Wesson simplesmente
moveu seu dedo (R). Poderíamos explicar isso dizendo que Wesson (P) realizou um
ato de esforço para mover seu dedo (A) em que ele exerceu sua habilidade de
mover (ou vontade de mover) seu dedo (B) com a intenção de mover o dedo (I). Se
o movimento do dedo de Wesson foi uma expressão da intenção de mover um dedo
para disparar uma arma para matar Smith, então podemos explicar os resultados
não básicos (o disparo da arma e a morte de Smith) dizendo que Wesson (P)
praticou o ato de matar Smith (I3) ao se esforçar para mover seu
dedo (A) intencionalmente (I1) ao exercer seu poder para fazê-lo
(B), pretendendo assim disparar a arma (I2) para matar Smith. Uma
explicação dos resultados de uma ação não básica (como ir à padaria para
comprar pão) incluirá a descrição de um plano de ação. Uma explicação pessoal
não consiste em oferecer um mecanismo, mas sim em citar corretamente a pessoa
relevante, suas intenções, o poder básico exercido e, em alguns casos, oferecer
uma descrição do plano de ação relevante.[10]
Os
defensores do AC empregam a diferença entre esses dois modos de explicação para
justificar a premissa 2. Resumidamente, o argumento é que dada uma defesa das
premissas 4 e 5, não há explicação científica natural para entidades mentais.
Uma vez que os dois modos de explicação são usados o tempo todo, não há razão
para considerar entidades mentais como fatos brutos e há precedente para
oferecer uma explicação pessoal para esses estados mentais.
A
premissa 7 parece bastante incontroversa. Para ter certeza, os argumentos do
estilo Humeano sobre o tipo e o número de divindades envolvidas poderiam ser
levantados neste ponto, mas essas questões seriam problemas teístas intramuros
de pouco conforto para os naturalistas.[11] Ou seja, se a explicação para
mentes conscientes finitas for sobrenatural , então o naturalismo é falso. A
premissa 4 será examinada em conjunto com duas alternativas para o AC que
rejeitam a premissa: a posição de Colin McGinn e o panpsiquismo.
Isso
deixa a premissa 5. Pelo menos quatro razões foram oferecidas para o porquê de
não haver uma explicação científica natural para a existência de estados
mentais (ou sua correlação regular com estados físicos):
a. A uniformidade da natureza.
Antes do surgimento da consciência, o universo não continha nada além de agregados
de partículas / ondas posicionados em campos de forças em relação umas às
outras. A história do desenvolvimento do cosmos é contada em termos do
rearranjo das micro-partes em estruturas cada vez mais complexas de acordo com
a lei natural. Em uma descrição naturalista da matéria, esse processo é uma
coisa mecânica e física bruta. O surgimento da consciência parece ser um caso
de se obter algo do nada. Em geral, as reações físico-químicas não geram
consciência, nem mesmo em pequena porção, mas elas surgem no cérebro, embora os
cérebros pareçam semelhantes a outras partes de organismos ou corpos (por
exemplo, ambos são conjuntos de células totalmente descritíveis em termos
físicos). Como podem causas semelhantes produzir efeitos radicalmente
diferentes? A aparição da mente é totalmente imprevisível e inexplicável. Essa
descontinuidade radical parece uma ruptura não homogênea no mundo natural. Da
mesma forma, os estados físicos têm extensão e localização espacial, mas os
estados mentais parecem carecer de características espaciais. Espaço e
consciência se encaixam de forma estranha. Como a matéria organizada
espacialmente conspirou para produzir estados mentais não espaciais? Do ponto
de vista naturalista, isso parece absolutamente inexplicável.
b. Contingência da correlação mente-corpo. A
correlação regular entre tipos de estados mentais e estados físicos parece
radicalmente contingente. Por que dores, em vez de coceiras, pensamentos ou
sentimentos de amor se correlacionam com estados cerebrais específicos? Nenhum
conhecimento do estado do cérebro ajudará a responder a essa pergunta. Para o
naturalista, a regularidade das correlações mente-corpo deve ser considerada
como fatos brutos contingentes. Mas esses fatos são inexplicáveis de um ponto
de vista naturalista e são radicalmente sui
generis em comparação com todas as outras entidades na ontologia
naturalista. Portanto, é simplesmente lógico anunciar que os estados mentais e
suas correlações regulares com certos estados cerebrais são um fato natural.
Como o naturalista Terence Horgan reconhece, “em qualquer estrutura metafísica
que mereça rótulos como 'materialismo', 'naturalismo' ou 'fisicalismo', fatos
supervenientes devem ser explicáveis em vez de serem considerados sui generis.”[12] Visto que, na maioria
das representações, o Deus teísta possui liberdade libertária, Deus é livre
para agir ou abster-se de agir de várias maneiras. Assim, o fato de que a
existência da consciência e sua correlação precisa com a matéria é contingente
se encaixa bem com uma explicação pessoal teísta que considera a ação criativa
de Deus como contingente. Deus pode ser um ser necessário, mas a escolha de
Deus de criar seres conscientes e correlacionar certos tipos de estados mentais
com certos tipos de estados físicos foram escolhas contingentes, e isso se
encaixa perfeitamente com os próprios fenômenos.
c. Epifenomenalismo e fechamento causal. A
maioria dos naturalistas acredita que sua visão de mundo requer que todas as
entidades sejam físicas ou dependam do físico para sua existência e
comportamento. Uma implicação dessa crença é o compromisso com o fechamento
causal do físico. Com base neste princípio, quando alguém está rastreando os
antecedentes causais de qualquer evento físico, nunca terá que deixar o nível
do físico. Os efeitos físicos têm apenas causas físicas. A rejeição do
princípio do fechamento causal implicaria na rejeição da possibilidade de uma
teoria física completa e abrangente de todos os fenômenos físicos - algo que
nenhum naturalista deveria rejeitar. Assim, se os fenômenos mentais são
genuinamente não físicos, então eles devem ser epifenômenos - efeitos causados
pelo físico que não têm poderes causais em si mesmos. Mas [nesse caso] o
epifenomenalismo é falso. A causalidade mental parece inegável e, portanto,
para o naturalista, pode-se permitir que o mental tenha poderes causais apenas
se estiver de uma forma ou de outra identificado com o físico. A admissão de
entidades mentais epifenomenais não físicas pode ser considerada uma refutação
do naturalismo. Como o naturalista D. M. Armstrong admite:
Suponho
que se os princípios envolvidos [na análise do único sistema espaço-temporal
abrangente que é a realidade] fossem completamente diferentes dos princípios
atuais da física, em particular se envolvessem o apelo a entidades mentais,
tais como propósitos, poderíamos então contar a análise como uma falsificação
do naturalismo.[13]
d. A inadequação das explicações
evolutivas.Os Naturalistas estão comprometidos com a
visão de que, em princípio, explicações evolutivas podem ser oferecidas para o
aparecimento de todos os organismos e suas partes. Não é difícil ver como uma
explicação evolutiva poderia ser dada para estruturas físicas novas e cada vez
mais complexas que constituem organismos diferentes. No entanto, os organismos
são caixas pretas no que diz respeito à evolução. Enquanto um organismo, ao
receber certos estímulos, gera os resultados comportamentais corretos que os
faz lutar, fugir, reproduzir e se alimentar, o organismo sobreviverá. O que se
passa dentro do organismo é irrelevante e só se torna significativo para os
processos de evolução quando um resultado é produzido. A rigor, é o resultado,
não o que o causou, que pesa na luta pela vantagem reprodutiva. Além disso, as
funções que os organismos desempenham conscientemente poderiam muito bem ter sido realizadas inconscientemente. Assim,
tanto a simples existência de estados conscientes quanto o conteúdo mental
preciso que os constitui estão fora do âmbito da explicação evolucionária. Como
Howard E. Gruber explica:
a
ideia de um Planejador ou de uma Providência Interventora participando das
operações do dia-a-dia do universo era, com efeito, uma teoria concorrente [à
versão de evolução de Darwin]. Se alguém acreditasse que existe um Deus que
originalmente projetou o mundo exatamente como ele veio a ser, a teoria da
evolução por meio da seleção natural poderia ser considerada supérflua. Da
mesma forma, se alguém acreditasse em um Deus que intervinha de tempos em
tempos para criar alguns dos organismos, órgãos ou funções encontrados no mundo
vivo, a teoria de Darwin poderia ser considerada supérflua. Qualquer introdução
de planejamento inteligente ou tomada de decisão reduz a seleção natural da
posição de um princípio necessário e universal a uma mera possibilidade. [14]
Vimos
quatro razões pelas quais muitos estudiosos, incluindo muitos naturalistas,
sustentam que o naturalismo requer a rejeição da consciência construída ao
longo de linhas dualistas. Falando da conjunção de naturalismo e evolução, o
naturalista Paul Churchland afirma:
O ponto importante sobre a
história evolucionária padrão é que a espécie humana e todas as suas
características são o resultado totalmente físico de um processo puramente
físico. . . . Se esta é a explicação correta de nossas origens, então não
parece haver necessidade, nem espaço, para encaixar quaisquer substâncias ou
propriedades não físicas em nossa explicação teórica de nós mesmos. Somos criaturas
de matéria. E devemos aprender a conviver com esse fato.[15]
A Visão de Mundo Naturalista
Neste
ponto, pode ser sábio examinar brevemente a natureza do naturalismo como uma
cosmovisão para obter mais informações sobre por que a consciência é um
problema para os naturalistas. O naturalismo geralmente inclui:
•
diferentes aspectos de uma atitude epistêmica naturalista (por exemplo, uma
rejeição da chamada “primeira filosofia” junto com uma aceitação de um
cientificismo forte ou fraco);[16]
•
uma Grande História que equivale a um relato etiológico de como todas as
entidades vieram a ser contadas em termos de uma história causal de eventos
descrita em termos científicos naturais, com um papel central dado à teoria
atômica da matéria e à biologia evolutiva;
•
uma ontologia geral na qual as únicas entidades permitidas são aquelas que
apresentam uma similaridade relevante com aquelas pensadas para caracterizar
uma forma completa da física.
Para
a maioria dos naturalistas, a ordem desses três ingredientes é importante.
Freqüentemente, a atitude epistêmica naturalista serve como justificativa para
a etiologia naturalista, que, por sua vez, ajuda a justificar o compromisso
ontológico do naturalista. Além disso, o naturalismo parece exigir uma
coerência entre os postulados dessas três áreas diferentes da virada
naturalística. Por exemplo, deve haver uma coerência entre as formas
científicas de conhecimento na terceira pessoa; um relato físico e evolutivo de
como nossos processos sensoriais e cognitivos surgiram; e uma análise
ontológica desses próprios processos. Quaisquer entidades consideradas
existentes devem ter uma similaridade relevante com entidades que caracterizam
nossas melhores teorias físicas; seu vir-a-ser deve ser inteligível à luz da
história causal naturalista; e eles devem ser conhecíveis por meios
científicos.
Para
nossos propósitos, é importante falar um pouco mais sobre os compromissos
ontológicos naturalistas. Um bom lugar para começar é com o que Frank Jackson
chama de problema de localização.[17] De acordo com Jackson, dado que os
naturalistas estão comprometidos com uma história física amplamente aceita
sobre como as coisas surgiram e o que são, o problema de localização é tarefa
de localizar ou encontrar um lugar para alguma entidade (por exemplo, conteúdo
semântico, mente, agência) nessa história. Como ilustração, Jackson mostra como
a solidez dos macroobjetos pode ser localizada dentro de uma visão de mundo
naturalista. Se a solidez for tomada como impenetrabilidade, dada a estrutura de
rede dos átomos que compõem, digamos, uma mesa e uma cadeira, torna-se óbvio
por que eles não podem penetrar um no outro. Dada a micro-história naturalista,
o macromundo não poderia ser diferente: a mesa não poderia penetrar na cadeira.
A localização é necessária.
Existem
três restrições para desenvolver uma ontologia naturalista e localizar
entidades dentro dela:
• As
entidades devem estar de acordo com a epistemologia naturalista.
• As
entidades devem estar de acordo com a Grande História naturalista.
• As
entidades devem ter uma semelhança relevante com aquelas encontradas na química
e na física ou demonstrar que dependem necessariamente de entidades na química
e na física.
Com
relação à epistemologia naturalista, todas as entidades devem ser conhecíveis
por meios científicos de terceira pessoa. Em relação à Grande História, deve-se
ser capaz de mostrar como qualquer entidade teve que aparecer à luz da história
causal do evento naturalista, segundo a qual a história do cosmos equivale a
uma série de eventos regidos pela lei natural em que as micropartes se juntam
para formar vários agregados com estruturas físicas cada vez mais complexas. Os
quatro argumentos listados acima (letras a, b, c, d), de uma forma ou de outra,
afirmam que a consciência não pode ser localizada na ontologia naturalista sob
as restrições relevantes.
Tendo
o teísmo e o naturalismo como rivais, os teístas que empregam o argumento da
consciência procuram capitalizar sobre a falha naturalística em chegar a um
acordo com a consciência, oferecendo uma explicação rival para o seu surgimento.
Essa falha se dá porque a maioria dos naturalistas proeminentes (por exemplo,
John Bishop, Daniel Dennett, D.M. Armstrong, Paul Churchland, David Papineau e
Jaegwon Kim) rejeitam a premissa 1 do AC ("estados mentais genuinamente
não físicos existem") e eliminam ou, de uma maneira ou outra, identificam
os estados conscientes com os físicos.[18]
Infelizmente
para os naturalistas, a consciência resistiu obstinadamente ao tratamento em
termos físicos. A consciência tem sido recalcitrante para os naturalistas e a
premissa 1 é difícil de descartar. Ciente desse problema, várias alternativas
ao teísmo e aoAC foram fornecidas, que aceitam a premissa 1. Nesta seção,
examinaremos as opções principais.
Alternativas ao Argumento da Consciência
O
Naturalismo Biológico de John Searle
John
Searle desenvolveu uma explicação naturalista da consciência que, se
bem-sucedida, forneceria justificativa para rejeitar a premissa 5 do AC.[19] De
acordo com Searle, por 50 anos a filosofia da mente foi dominada por
naturalistas científicos que desenvolveram diferentes versões do
fisicalismoestrito, porque esse tipo de fisicalismo foi visto como uma
implicação crucial da virada naturalista. Para esses naturalistas, se o fisicalismo
estrito é abandonado, então se rejeita uma abordagem cientificista naturalista
do problema mente-corpo e se abre o caminho para a intrusão de conceitos
religiosos e argumentos sobre o mental.
Em
contraste, a própria solução de Searle para o problema mente-corpo é o
naturalismo biológico: embora os estados mentais sejam exatamente o que os
dualistas os descrevem, eles são meramente estados e processos biológicos
emergentes que causalmente sobrevêm a um cérebro funcional e adequadamente
estruturado. Os processos cerebrais causam os processos mentais, que não são
ontologicamente redutíveis aos primeiros. A consciência é apenas uma
característica comum (ou seja, física) do cérebro e, como tal, é apenas uma
característica comum do mundo natural.
Devido
ao fato dele caracterizar a consciência como os dualistas caracterizam, por que
Searle afirma que não há implicações metafísicas profundas que decorram do
naturalismo biológico? Mais especificamente, por que o naturalismo biológico
não representa uma rejeição do naturalismo científico que, por sua vez, abre a
porta para conceitos religiosos e explicações para o mental? A resposta de
Searle a esta pergunta é desenvolvida em três etapas.
Na
Etapa 1, ele cita vários exemplos de emergência (liquidez, solidez,
características de digestão) que ele considera não problemáticas para os
naturalistas e afirma que a consciência emergente é análoga a esses casos não
problemáticos.
Na
Etapa 2, ele formula duas razões pelas quais a consciência não é um problema
para os naturalistas. (i) O surgimento da consciência não é um problema se
pararmos de tentar esboçar ou imaginar a consciência. (ii) Em casos padrões
(calor, cor), uma redução ontológica (por exemplo, identificar uma cor
específica com um comprimento de onda) é baseada em uma redução causal (por
exemplo, alegar que uma cor específica é causada por um comprimento de onda)
porque nossos interesses pragmáticos estão na realidade, não nessa aparência.
Nesses
casos, podemos distinguir entre a aparência
do calor e da cor com a realidade,
ao colocarmos o primeiro na consciência [a aparência], deixarmos o segundo no
mundo objetivo [a realidade] e passarmos a definir o próprio fenômeno em termos
de suas causas. Podemos fazer isso porque nossos interesses estão na realidade
e não na aparência.
A
redução ontológica do calor às suas causas deixa a aparênciado calor na mesma
condição. Em relação à consciência, estamos interessados na aparência e,
portanto, a irredutibilidade da consciência se deve apenas a considerações
pragmáticas, não a algum problema metafísico profundo.
Na
Etapa 3, Searle afirma que uma explicação científica adequada para o surgimento
da consciência consiste em um conjunto detalhado de correlações entre as
representações do estado físico e mental. Parte de sua justificativa para isso
é que algumas explicações na ciência não apresentam o tipo de necessidade que
explica por que certas coisas devem acontecer (por exemplo,
macroimpenetrabilidade), dado que outras coisas foram obtidas (por exemplo,
microestrutura). Searle cita como exemplo a lei do inverso do quadrado, que é
um relato explicativo da gravidade que não mostra por que os corpos devem ter
atração gravitacional.
Várias
coisas podem ser ditas em resposta à posição de Searle. Com relação aos Passos
1 e 2, seus exemplos de emergência (rigidez, fluidez) não são boas analogias
para a consciência, pois os primeiros são fáceis
de localizar na epistemologia e ontologia naturalista, mas os últimos não. Dada uma descrição fisicalista
amplamente aceita de átomos, moléculas, estruturas de rede e semelhantes, a
rigidez ou fluidez de macroobjetos seguem necessariamente. Mas não existe uma
conexão clara e necessária entre qualquer estado físico e qualquer estado
mental. Por exemplo, dado um estado específico do cérebro normalmente
"associado" com o estado mental do ser aparecendo em vermelho, os mundos
qualia**** invertidos (mundos com esse estado físico, mas estados mentais
radicalmente diferentes "associados" a ele), mundos zumbis (mundos
com esseestado físico e nenhum estado mental), e mundos desencarnados (mundos
com seres que possuem estados mentais sem nenhuma entidade física) ainda são
metafisicamente possíveis. É fácil localizar a solidez em uma estrutura
naturalista, mas o mesmo não pode ser dito com respeito a consciência. É por
isso que tem havido turbulência para os naturalistas na filosofia da mente, mas
não na filosofia da solidez. As entidades emergentes de Searle seguem
necessariamente a Grande História naturalista, mas a consciência não.
Além
disso, o surgimento de propriedades genuinamente novas em macroobjetos que não
fazem parte do micromundo (por exemplo, calor interpretado como aquecimento,
cor interpretada pelo senso comum como uma qualidade) apresenta problemas para
os naturalistas da mesma forma que a consciência apresenta e, historicamente, é
por isso que essas propriedades foram colocadas na consciência. Ao contrário de
Searle, elas não foram colocadas assim devido à pragmática de nossos
interesses. Por exemplo, historicamente, o problema era que, se as chamadas
qualidades secundárias fossem mantidas no mundo independente da mente, não
havia explicação para por que elas surgiram por ocasião de um mero rearranjo em
micropartes exaustivamente caracterizadas em termos de qualidades primárias.
É
esse problema ontológico franco, não a pragmática da redução ou a tentativa de
imaginar a consciência, que apresenta dificuldades para o naturalismo: como
você faz com que qualidades secundárias ou a consciência surjam meramente pelo
reorganizar das entidades puramente físicas desprovidas das características
emergentes? Tendo em vista a existência dessas características emergentes, por
que as qualidades secundárias e os estados conscientes que são regularmente
correlacionados com os estados puramente físicos são igualmente desprovidos?
Na
verdade, o surgimento de propriedades mentais é mais parecido com o surgimento
de propriedades normativas (por exemplo, morais) do que as propriedades de
solidez ou digestão. Até o ateu J.L. Mackie admitiu que o surgimento de
propriedades morais forneceu evidências para um argumento moral para a
existência de Deus análogo ao AC: "As propriedades morais constituem um
agrupamento tão estranho de propriedades e relações que é muito improvável que
tenham surgido no curso normal de eventos sem um deus todo-poderoso para criá-las.”[20]
No
que diz respeito à Etapa 3, as “explicações” em ciência que não expressam o
tipo de necessidade que estivemos discutindo são mais bem entendidas como descrições, não como explicações. Por exemplo, a equação do
gás ideal é uma descrição do comportamento dos gases. Uma explicação desse
comportamento é fornecida pela teoria atômica do gás. Curiosamente, o próprio
Newton considerou a lei do inverso do quadrado uma mera descrição da gravidade e
não uma explicação; então o próprio exemplo de Searle conta contra ele. Além
disso, devido o teísmo e o AC, juntamente com nossa discussão anterior sobre a
aceitação da teoria científica, é uma petição de princípio e ad hoc para Searle
afirmar que as entidades mentais e as correlações físico-mentais são básicas,
uma vez que tais entidades são naturais à luz do teísmo mas não naturais dado o
naturalismo filosófico.
Nossa
crença atual de que não há necessidade causal de correlações mente-cérebro
específicas não se deve à nossa ignorância de como o cérebro funciona, mas a
uma compreensão das diferenças radicais entre entidades mentais e físicas. Como
observa o colega naturalista Jaegwon Kim, as correlações não são explicações.
São exatamente as coisas que precisam ser explicadas e, dada uma compreensão
adequada das questões reais, nenhuma explicação naturalística parece estar
disponível:
Como poderia uma série de
eventos físicos, pequenas partículas se chocando umas contra as outras,
correntes elétricas correndo de um lado para o outro. . . florescer em uma
experiência consciente? . . . Por que ao invés de dor não poderia ser uma
coceira e vice-versa? . . . Por que deveria surgir alguma experiência quando esses neurônios queimam? [21]
Ao
interpretar mal o problema, Searle não consegue resolver o problema real e,comparado
contra o AC, sua posição é inadequada.
O
Naturalismo Agnóstico de Colin McGinn
O
naturalista Colin McGinn ofereceu uma solução diferente.[22] Devido a diferença
radical entre a mente e a matéria como é descrita pela física atual ou mesmo
por uma física futura ideal, não há solução naturalista que permaneça dentro da
epistemologia e ontologia naturalista amplamente aceita. As explicações Darwinianas
também falham em princípio porque não podem explicar por que a consciência
apareceu. O que é necessário é um tipo radicalmente diferente de solução para a
origem da mente, que deve atender a duas condições: (1) deve ser uma solução
naturalista; e (2) deve representar o surgimento da consciência e sua
correlação regular com a matéria como fatos necessários e não contingentes.
McGinn
afirma que deve haver dois tipos de propriedades naturais desconhecidas que
resolvem o problema. Deve haver algumas propriedades gerais da matéria que
entram na produção da consciência quando montadas dentro de um cérebro.
Portanto, toda matéria tem o potencial de fundamentar a consciência. Além
disso, deve haver alguma propriedade natural do cérebro, que ele chama de C*,
que libera essas propriedades gerais.
A
tentação de considerar a origem da consciência um mistério, na verdade, um
mistério que é melhor explicado pelo teísmo, deve-se à nossa ignorância dessas
propriedades. No entanto, devido C* e as propriedades gerais da matéria, o
vínculo incognoscível entre mente e matéria é comum, trivial e requer o
surgimento da consciência. Infelizmente, a evolução não deu aos humanos as
faculdades necessárias para conhecer essas propriedades e, portanto, elas
estão, em princípio, além do nosso alcance. Seremos para sempre agnósticos
sobre sua natureza. No entanto, elas devem estar lá, uma vez que deve haver
alguma explicação naturalista da mente, pois todas as outras soluções falharam.
McGinn
oferece duas descrições adicionais dessas propriedades desconhecidas, embora
comuns, que ligam matéria e mente: (i) elas não são perceptíveis pelos
sentidos; e (ii) uma vez que a matéria é espacial e a mente não espacial, essas
propriedades são, em certo sentido, pré-espaciais ou espaciais de uma maneira
que é ela mesma incognoscível para nossas faculdades. Desse modo, essas
propriedades incognoscíveis contêm pelo menos a potencialidade tanto para as
características espaciais comuns da matéria quanto para as características não
espaciais da consciência, conforme julgado por nosso conceito usual de espaço.
Em
suma, o elo mente-matéria é um mistério incognoscível devido às nossas
limitações cognitivas resultantes de nossa evolução. E uma vez que a ligação é
bastante comum, não devemos nos confundir com a origem da mente, e nenhuma
explicação teísta é necessária.
A
solução de McGinn foi bem-sucedida? Por pelo menos três razões, essa solução
deve ser julgada um fracasso. Primeiro, tendo em vista o agnosticismo de McGinn
sobre as propriedades que ligam mente e matéria, como McGinn pode afirmar com
segurança algumas de suas características? Como ele sabe que essas propriedades
são não sensoriais, pré-espaciais ou espaciais de uma forma desconhecida? Como
ele sabe que algumas dessas propriedades são a base de toda a matéria? Na
verdade, que justificativa possível ele pode dar para a realidade dessas
propriedades? A única solução que ele oferece é que devemos fornecer uma
solução naturalista, e todos os naturalistas comuns ou negam a consciência ou falhamem
resolver o problema. Mas, em vista da presença do AC, as afirmações de McGinn
são simplesmente uma petição de princípio. Na verdade, seu agnosticismo parece
ser uma maneira conveniente de se esconder atrás do naturalismo e evitar uma
explicação teísta. Dado que o teísmo goza de um grau positivo de justificação
anterior ao problema da consciência (ver outros capítulos neste volume), ele
deve se valer dos recursos explicativos do teísmo.
Em
segundo lugar, não está claro que sua solução seja uma versão do naturalismo,
excetoapenas no nome. Em contraste com outras entidades na ontologia
naturalista, as propriedades de ligação que McGinn propõe não podem ser
conhecidas pelo emprego da epistemologia naturalista, nem são semelhantes de
forma relevante ao resto da ontologia naturalista. Assim, torna-se vazio chamar
essas propriedades de "naturalistas". As próprias especulações de
McGinn parecem ad hoc à luz das inadequações das explicações naturalistas. Na
verdade, a solução de McGinn está realmente mais próxima de uma forma agnóstica
de panpsiquismo (veja abaixo) do que do naturalismo. Dado o AC, a solução de
McGinn é um reajuste ad hoc do naturalismo.
Terceiro,
McGinn não resolve o problema da consciência; ele simplesmente o realoca. Em
vez de ter duas entidades radicalmente diferentes, ele nos oferece propriedades
desconhecidas com dois aspectos radicalmente diferentes, por ex. seus vínculos
contêm a potencialidade para a espacialidade e não-espacialidade comuns, para a
materialidade e mentalidade comuns. Além disso, esses aspectos radicalmente
diferentes das propriedades de ligação são tão contingentemente relacionados
quanto parecem estar, sem um intermediário de ligação. A contingência vem da
natureza da mente e da matéria como os naturalistas a concebem. Isso não remove
a contingência de realocá-la como dois aspectos de um terceiro intermediário
desconhecido com ambos.
Panpsiquismo
Atualmente,
existem poucos defensores sérios do panpsiquismo, mas ele foi sugerido por
Thomas Nagel e David Chalmers.[23] Grosso modo, o panpsiquismo é a visão de que
toda matéria contém consciência. Uma vez que cada parcela de matéria tem sua
própria consciência, o cérebro está consciente, pois é apenas uma coleção
dessas parcelas. A consciência é universal na natureza; portanto, seu aparente
surgimento em casos particulares não é algo que requer explicação especial.
Pode-se distinguir duas formas de panpsiquismo. De acordo com a versão forte,
toda matéria contém estados de consciência no mesmo sentido que organismos como
cães e humanos tem. De acordo com a forma fraca, a matéria regular tem
consciência de uma forma degradada e atenuada na forma de estados proto-mentais
que, nas circunstâncias certas, produzem estados mentais conscientes sem que
eles próprios sejam conscientes.
A
forma forte é bastante implausível. Por um lado, a matéria regular não dá
qualquer evidência de possuir consciência. Além disso, se toda matéria tem
consciência, por que ela emerge de maneira especial apenas quando certas
configurações da matéria estão presentes? E se os seres humanos conscientes
são, em certo sentido, apenas combinações de pequenos fragmentos de
consciência, como devemos explicar a unidade de consciência e por que as
pessoas não têm memória das carreiras conscientes dos fragmentos de matéria
antes de sua combinação para formar os humanos? Não há resposta para essas
perguntas e poucos, se houver, defendem o panpsiquismo forte.
E
a versão fraca? Dado o clima intelectual atual, uma explicação pessoal teísta
ou naturalista esgotaria pelo menos as opções vivas - senão as lógicas. É
amplamente reconhecido que o panpsiquismo fraco tem problemas sérios por si só,
por exemplo,ao explicar o que é uma entidade incipiente ou proto-mental; como o
tipo de unidade que parece caracterizar o self [o eu], poderia emergir de um
mero sistema de partes juntas em várias relações causais e espaço-temporais; e
por que certas condições físicas são regularmente correlacionadas com a
atualização da consciência quando a conexão entre a consciência e essas
condições parecem ser totalmente contingente.[24]
Além
disso, o panpsiquismo é indiscutivelmente menos razoável do que o teísmo por
outros motivos. Não posso prosseguir com esse ponto aqui, mas outros capítulos
deste volume abordam outros aspectos da defesa do teísmo. À luz desse caso, o
teísmo goza de justificação epistêmica positiva antes da questão da
consciência, mas o mesmo não pode ser dito para o panpsiquismo.
Além
disso, o panpsiquismo é apenas um rótulo e não uma explicação dos fenômenos a
serem explicados. Como Geoffrey Madell observa, “a sensação de que o mental e o
físico são inexplicavelmente e gratuitamente unidos dificilmente é amenizada
pela adoção. . . uma visão pan-psiquista. . . da mente, pois [não] tem uma
explicação a oferecer sobre por que ou como as propriedades mentais são
coerentes com as físicas.”[25]
Conclusão
O
proeminente naturalista Jaegwon Kim observou que "se todo um sistema de
fenômenos que, prima facie, não estão entre os fenômenos físicos básicos,
resiste à explicação física, e especialmente se não sabemos nem por onde ou
como começar, seria hora de reexaminar os compromissos fisicalistas.”[26] Para
Kim, entidades mentais genuinamente não físicas são o caso paradigmático de tal
sistema de fenômenos. O conselho de Kim para seus companheiros naturalistas é
que eles devem simplesmente admitir a irrealidade do mental e reconhecer que o
naturalismo cobra um preço alto e não pode ser obtido de forma barata.[27] Se
fingir anestesia é o preço a pagar para manter o naturalismo, então o preço é
alto demais. Felizmente, o argumento teísta da consciência nos lembra que é um
preço que não precisa ser pago.
____________________
Notas do Tradutor:
* dirigido
a um objeto;estado: condição: qualidade: grau de bondade;
** A
qualidade ou o fato de se relacionar ou ser sobre algo; Filosofia (de um estado
mental, símbolo, representação, etc.) a propriedade de ser sobre algo
(existente ou não existente).
*** formulado com o único objetivo de legitimar ou
defender uma teoria, e não em decorrência de uma compreensão objetiva e isenta
da realidade (diz-se de argumento, proposição ou hipótese).
****Na
filosofia da mente e em certos modelos de psicologia, os qualia são definidos
como instâncias individuais de experiência subjetiva e consciente. ... Exemplos
de qualia incluem a sensação percebida de uma dor de cabeça, o gosto de vinho,
bem como a vermelhidão de um céu noturno.
____________________
MORELAND, J. P. The
Argument from Consciousness.In COPAN, Paul; MOSER, Paul K.(eds). The
Rationality of Theism. New York: Routledge, 2003, pp. 204 – 220.
Tradução Walson Sales.
____________________
Notas:
[1]
Geoffrey Madell, Mind and Materialism
(Edinburgh: Edinburgh University Press, 1988), 141.
[2]
Colin McGinn, The Mysterious Flame
(New York: Basic Books, 1999), 13–14.Veja
a afirmação de G. K. Chesterton de que a correlação regular entre diversas
entidades no mundo é mágica que requer um Mágico para explicá-la. VejaOrthodoxy (John Lane Company, 1908;
reprinted, San Francisco: Ignatius Press, 1950), Ch. 5.
[3]
William Lyons, “Introduction,” in Modern
Philosophy of Mind, William Lyons (ed.) (London: Everyman, 1995), iv. No contexto, a observação
de Lyons é especificamente sobre a tese da identidade, mas ele claramente
pretende abranger o fisicalismo em geral. Da mesma forma, embora ele mencione
explicitamente uma entidade na categoria de indivíduo - a alma - o contexto de
sua observação deixa claro que ele inclui propriedades mentais e eventos entre
as entidades fora de sintonia com o materialismo científico.
[4]
Para defesas do dualismoconsulte William Hasker, The Emergent Self (Ithaca, New York: Cornell University Press,
1999); J. P. Moreland, Scott Rae, Body
& Soul: Human Nature and the Crisis in Ethics (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2000); Richard Swinburne, The Evolution of the Soul (Oxford: Clarendon Press, revised edn,
1997); Charles Taliaferro, Consciousness
and the Mind of God (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1994).
[5] Por exemplo, suponha que a teoria
S explique fenômenos em termos de corpúsculos discretos e ações por contato,
enquanto R usa ondas contínuas para explicar os fenômenos. Se algum fenômeno x fosse melhor explicado em categorias
corpusculares, seria ad hoc e questionável para os defensores de R simplesmente
ajustar suas entidades para assumir propriedades de partícula no caso de x. Essas propriedades não teriam uma
semelhança relevante com outras entidades em R e seriam mais naturais e familiares
a S.
[6] Por exemplo, suponha que R seja o
Neo-Darwinismo e S seja uma versão da teoria do equilíbrio pontuado.
Simplesmente para fins de ilustração, suponha ainda que R represente transições
evolutivas de uma espécie para outra envolvendo a execução de uma série de
formas de transição incrementalmente diferentes, exceto por alguma transição
específica e que seja considerada um fenômeno básico, digamos, o salto discreto
de anfíbios para répteis. S representa as transições evolutivas em geral,
incluindo e, como saltos
evolutivos a serem explicados de certas maneiras que constituem S. Neste caso,
dada a presença de S, seria difícil para os defensores de R alegar que seu
tratamento de e é adequado
contra S. o fenômeno e
claramente conta a favor de S contra R.
[7]
leiaRobert Adams, “Flavors, Colors, and God,” reprinted in Contemporary Perspectives on Religious Epistemology, R. Douglas
Geivett and Brendan Sweetman (eds) (New York: Oxford University Press, 1992),
225–40.
[8]
Leia Richard Swinburne, The Existence of
God (Oxford: Clarendon, 1979), Ch. 9; The
Evolution of the Soul, 183–96; Is
there a God? (Oxford: Oxford University Press, 1996), 69–94; “The Origin of
Consciousness,” in Cosmic Beginnings and
Human Ends, Clifford N. Matthews and Roy Abraham Varghese (eds) (Chicago:
Open Court, 1995), 355–78.
[9] Já listei cinco características
das propriedades e eventos mentais que justificam a afirmação de que não são
eventos e propriedades físicas. Está além do escopo deste capítulo defender a
natureza mental irredutível das propriedades e eventos mentais contra
alternativas fisicalistas estritas. Nosso foco é o mais limitado de comparar o AC
com rivais que aceitam a premissa 1. Para uma defesa de uma interpretação
dualista de consciência, veja as fontes na nota 4.
[10] Para uma defesa mais detalhada
dessa premissa, leia J. P. Moreland, “Searle’s Biological Naturalism and the
Argument from Consciousness,” Faith and
Philosophy 15 (January 1998), 68–91.
[11] Com relação ao número de divindades, o princípio da
economia nos moveria na direção de uma em vez de uma pluralidade de divindades:
por que postular múltiplas entidades quando uma entidade será suficiente? Em
relação ao tipo de divindade, os argumentos para a existência de Deus são - ou
deveriam ser - geralmente modestos no que tentam mostrar (por exemplo, o
argumento do design não se destina a mostrar que Deus é onisciente nem
supremamente bom ou a Causa Incausada). Além disso, reunir os vários argumentos
nos fornece uma compreensão muito menos reduzida deste Deus, que é suficiente
para nos tornar pessoalmente responsáveis perante este Ser, e não conflita de
forma alguma com o Deus revelado do teísmo Judaico-Cristão.
[12]Terence
Horgan, “Nonreductive Materialism and the Explanatory Autonomy of Psychology,”
in Naturalism, Steven J. Wagner and
Richard Warner (eds) (Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1993),
313–14.
[13]D.
M. Armstrong, “Naturalism: Materialism and First Philosophy,” Philosophia 8 (1978), 262.
[14]
Howard E. Gruber, Darwin on Man: A
Psychological Study of Scientific Creativity (Chicago: University of
Chicago Press, 1974), 211.
[15]
Paul Churchland, Matter and Consciousness
(Cambridge, MA: MIT Press, 1984), 21.
[16] A versão forte do cientificismo
afirma que a ciência nos fornece a única
base de conhecimento; a versão mais fraca
afirma que a ciência nos fornece a base de conhecimento mais certa, mesmo que outras disciplinas forneçam crenças ou
conhecimento justificados de maneira mais fraca.
[17]
Frank Jackson, From Metaphysics to Ethics
(Oxford: Clarendon Press, 1998), 1–5.
[18]
John Bishop, Natural Agency
(Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1989); Daniel Dennett, Elbow Room (Cambridge, MA: MIT Press,
1984); idem, D. M. Armstrong, Universals
and Scientific Realism, Vol. I: Nominalism&
Realism (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1978), 126–35;
“Naturalism: Materialism and First Philosophy,” Philosophia 8 (1978), 261–76; Churchland, Matter and Consciousness; David Papineau, Philosophical Naturalism (Oxford: Blackwell Publishers, 1993);
Jaegwon Kim, Mind in a Physical World
(Cambridge, MA: MIT Press, 1998); idem, Philosophy
of Mind (Boulder, CO: Westview Press, 1996).
[19]
Leia John Searle, The Rediscovery of the
Mind (Cambridge, MA: MIT Press, 1992).
[20]
J. L. Mackie, The Miracle of Theism
(Oxford: Clarendon Press, 1982), 115.
[21]
Kim, Philosophy of Mind, 8.
[22]McGinn,
The Mysterious Flame.
[23]Thomas
Nagel, The View From Nowhere (New
York: Oxford University Prerss, 1986), 49–53. David J. Chalmers, The Conscious Mind (New York: Oxford
University Press, 1996), 293–301.
[24] Para uma crítica do panpsiquismo
no processo de uma defesa do AC, leia Stephen R. L. Clark, From Athens to Jerusalem (Oxford: Clarendon, 1984), 121–57.
[25]
Madell, Mind and Materialism, 3.
[26]
Kim, Mind in a Physical World, 96.
[27] Ibid., Capítulo 4, especialmente
nas páginas 118–20.Parcialmente para justificar o preço pago pelo naturalismo,
Kim levanta o problema dualista da interação causal. É duvidoso, Kim argumenta,
que "uma substância imaterial, sem características materiais e totalmente
fora do espaço físico, poderia influenciar causalmente e ser influenciadapelos
movimentos de corpos materiais que são estritamente governados pela lei
física.” Veja Philosophy of Mind, p.
4. Várias coisas podem ser ditas resumidamente em resposta a este alegado
problema. Em primeiro lugar, o chamado problema da interação causal não surge
apenas no âmbito das substâncias ou particulares que interagem. Na medida em
que é um problema, ele se aplica em virtude da natureza díspar das entidades
físico-mentais, seja sua categoria de substância, propriedade, evento ou
relação. Em segundo lugar, essa objeção pressupõe que, se não sabemos como A
causa B, então não é razoável acreditar que A causa B, especialmente se A e B
são diferentes. Mas essa suposição não é boa. Muitas vezes sabemos que uma
coisa causa outra sem ter nenhuma ideia de como a causalidade ocorre, mesmo
quando os dois itens são diferentes. Mesmo que alguém não seja teísta, não é
inconcebível acreditar que é possível para Deus, se Ele existir, criar o mundo
ou agir nesse mundo, mesmo que Deus e o universo material sejam muito diferentes.
Um campo magnético pode se mover, a gravidade pode atuar em um planeta a
milhões de quilômetros de distância, os prótons exercem uma força repulsiva uns
sobre os outros e assim por diante. Nesses exemplos, sabemos que uma coisa pode
interagir causalmente com outra coisa, mesmo que não tenhamos ideia de como
essa interação ocorre. Além disso, em cada caso, a causa parece ter uma
natureza diferente do efeito - forças e campos vs. entidades sólidas,
espacialmente localizadas, semelhantes a partículas. No caso da mente e do
corpo, estamos constantemente cientes da causalidade entre eles. Episódios no
corpo ou no cérebro (ser espetado por um alfinete, ter um ferimento na cabeça)
podem causar coisas na alma (uma sensação de dor, perda de memória), e a alma
pode fazer com que coisas aconteçam no corpo (preocupação pode causar úlceras;
pode-se levantar o braço de forma livre e intencional). Temos evidências tão
avassaladoras de que a interação causal ocorre que não há razão suficiente para
duvidar dela. Terceiro, pode até ser que uma questão de “como” em relação à
interação entre mente e corpo não possa sequer surgir. Uma pergunta sobre como
A interage causalmente com B é uma solicitação de um mecanismo de intervenção
entre A e B que pode ser descrito. Pode-se perguntar como girar a chave para
dar partida em um carro porque existe um sistema elétrico intermediário entre a
chave e o motor do carro que é o meio pelo qual girar a chave faz com que o
motor dê partida. A pergunta “como” é um pedido para descrever esse mecanismo
intermediário. Mas a interação entre mente e corpo pode ser, e muito
provavelmente é, direta e imediata. Não há mecanismo de intervenção e,
portanto, uma questão de “como” descrevendo esse mecanismo nem mesmo surge.
Para uma defesa mais completa da interação dualista, consulte Keith Yandell, “A
Defense of Dualism,” Faith and Philosophy
12 (outubro de 1995), 551-3.
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