Por Walson Sales
Sempre em nossa mente, quando pensamos em determinadas escolas de pensamento ou visões de mundo, pensamos em uma possível uniformidade, o que não é uma realidade na maioria dos casos. Com o ateísmo não é diferente. O termo pode conter uma simplificação exagerada apenas de um pensamento que nega a existência de Deus. Contudo, o termo é amplo em se tratando de formas e variações de ateísmos. Norman Geisler apresenta um breve apanhado do desenvolvimento e das variações de ateísmos. Ele afirma que enquanto o politeísmo dominou grande parte do pensamento grego antigo e o teísmo dominou a posição Cristã medieval, o ateísmo floresceu no mundo moderno (GEISLER, 2002, p. 83). Com isso não quero dizer que o ateísmo era completamente desconhecido no mundo grego antigo, nem no período medieval. Mas também é bom dizer que apesar do ateísmo ser um pensamento moderno bem conhecido e atuante, esse pensamento não chega nem perto de ser um consenso geral ou de ser importante.
Ao falar sobre essa diversidade de tradições, o ateu John Gray afirma com muita confiança que em vez de o ateísmo ser uma visão de mundo que se repete ao longo da história, tem havido muitos ateísmos com visões conflitantes do mundo. Na Grécia antiga e Roma, Índia e China, havia escolas de pensamento que, sem negar a existência dos deuses, estavam convencidas de que tais entidades não estavam preocupadas com os seres humanos.[1] Algumas dessas escolas desenvolveram versões iniciais da filosofia que sustenta que tudo no mundo é composto de matéria.[2] Outros evitavam especular sobre a natureza das coisas. O poeta romano Lucrécio achou que o universo era composto de "átomos e o vazio", enquanto o místico chinês Chuang Tzu seguiu o sábio taoísta (possivelmente mítico) Lao Tzu ao pensar que o mundo tinha uma maneira de trabalhar que não podia ser apreendida pela razão humana. Como a visão deles das coisas não continha uma mente divina que criou o universo, ambos eram ateus. Mas nenhum deles se preocupou com a "existência de Deus", uma vez que não tinham a concepção de um deus criador para questionar ou rejeitar (GRAY, 2019, p. 8). Nem todos se preocupam com o termo “ateus”, bem como outros gostam de denominar-se com outros termos, apesar de defender praticamente a mesma visão de mundo ateísta. Geisler confirma essa máxima com outras palavras,
É claro que nem todos que não têm fé num ser divino querem ser chamados de “ateus”. Alguns preferem a atribuição positiva “humanistas”. Outros talvez sejam mais bem descritos como "materialistas”. Mas todos são não-teístas, e a maioria é antiteísta. Alguns preferem o termo mais neutro “ateístas”. Ao contrário do teísta, que acredita que Deus existe além do e no mundo, e do panteísta, que acredita que Deus é o mundo, o ateu acredita que não há Deus neste mundo e nem no além. Só existe um universo ou cosmo e nada mais. Já que os ateus têm muito em comum com os agnósticos e céticos, são muitas vezes confundidos com eles. Tecnicamente, o cético diz: “Eu duvido que Deus exista” e o agnóstico declara “Eu não sei (ou não posso saber) se Deus existe”. Mas o ateu afirma que sabe (ou pelo menos acredita) que Deus não existe. Uma vez, porém, que ateus são todos não-teístas e já que a maioria dos ateus partilha com os céticos a posição antiteísta, muitos dos seus argumentos são iguais. É nesse sentido que o ateísmo moderno baseia-se muito no ceticismo de David Hume e no agnosticismo de Immanuel Kant. (GEISLER, 2002, p. 83).
John Gray faz uma analogia pertinente ao dizer que se existem muitas religiões diferentes, também existem muitos ateísmos diferentes. O ateísmo do século XXI é quase sempre um tipo de materialismo. Mas essa é apenas uma das muitas visões do mundo que os ateus defendem. Alguns ateus - como o filósofo alemão Arthur Schopenhauer do século XIX - pensaram que a matéria é uma ilusão e uma realidade espiritual. Não existe uma "visão de mundo ateu" nesse tipo de ateísmo. O ateísmo desse tipo simplesmente exclui a ideia de que o mundo é obra de um deus criador, que não é encontrado na maioria das religiões (2019, p. 8). Apesar de John Gray negar a visão de mundo ateu, na verdade ele a está afirmando, pois as implicações dessa negação atingem a forma como se entende o mundo.
Geisler faz um apanhado bem atual e pertinente sobre as variações atuais do ateísmo. Ele afirma que em geral, há tipos diferentes de ateísmo. O ateísmo tradicional (o metafísico e mais comum) afirma que nunca houve, não há e jamais haverá um Deus. Esta é a visão de mundo que acredita que o universo é um fato bruto, como já vimos acima. Há muitos que defendem essa posição, inclusive Ludwig Feuerbach, Karl Marx, Jean-Paul Sartre, e Antony Flew, antes de abandonar a causa sagrada de seus irmãos.
Ateus mitológicos como Friedrich Nietzsche, acreditam que o mito “Deus” jamais foi um Ser, mas o modelo vivo pelo qual as pessoas viviam. Esse mito foi morto pelo avanço do entendimento e da cultura do homem, o que poderia até ser uma ideia genial em seus dias e entre seus seguidores, mas que é uma teoria natimorta hoje.
Houve uma forma passageira de ateísmo dialético defendido por Thomas Altizer que propôs que o Deus transcendente do passado morreu na encarnação e crucificação de Cristo, e essa morte foi posteriormente realizada nos tempos modernos, o que é em si uma contradição de termos, pois evocar a ideia de Deus ter morrido é negar o caráter necessário e autoexistente do ser de Deus. Além do mais, defender essa ideia seria necessário reconhecer a existência de Deus e a realidade dos fatos históricos concernentes ao nascimento, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, sem excluir o caráter sobrenatural dos relatos.
Ateus semânticos (positivistas lógicos já mencionados acima) afirmam que a discussão sobre Deus está morta. Essa posição foi defendida por Paul Van Buren e outros influenciados pelos positivistas lógicos que desafiaram seriamente a significância da linguagem sobre Deus. É claro que os que apóiam esta última posição não precisam nem ser ateus verdadeiros. Podem admitir a existência de Deus e ao mesmo tempo acreditar que não é possível falar sobre ele em termos significativos. Essa posição foi chamada “acognosticismo”, já que nega que possamos falar de Deus em termos cognitivos e significativos.
O ateísmo conceitual acredita que há um Deus, mas ele está escondido da nossa visão, obscurecido por nossas construções conceituais.
Finalmente, ateus práticos confessam que Deus existe, mas acreditam que devemos viver como se não existisse. A questão é que não devemos usar Deus como muleta para a incapacidade de agir de forma espiritual e responsável.
Existem outras maneiras de designar os diversos tipos de ateus. Uma maneira seria por meio da filosofia que expressa seu ateísmo. Dessa maneira pode-se falar de ateus existencialistas (Sartre), ateus marxistas (Marx), ateus psicológicos (Sigmund Freud), ateus capitalistas (Ayn Rand) e ateus comportamentais (B. F. Skinner) (GEISLER, 2002, p. 83). Diante de um mundo de interpretações negativas sobre Deus, não devemos esquecer as religiões não-teístas. Elas não devem ser ignoradas, pois ao olharmos suas definições, perceberemos que não se afastam tanto do ateísmo em direção as nomenclaturas mais comuns das religiões.
O Budismo, por exemplo, não diz nada sobre a mente divina e rejeita qualquer ideia de alma. O mundo consiste em processos e eventos. O senso humano de si é uma ilusão; a liberdade é encontrada ao se livrar dessa ilusão. O Budismo popular manteve ideias da transmigração das almas, originárias da Índia na época em que o Buda alegadamente viveu, juntamente com a crença de que méritos acumulados em uma vida podem ser passados para outra. Mas a ideia de karma, que sustenta essas crenças, denota um processo impessoal de causa e efeito, em vez de recompensa ou punição por um Ser Supremo. Em nenhum lugar o Budismo fala de tal ser, e é de fato uma religião atéia, o que parece uma contradição de termos. Sendo assim, neste contexto, as acusações e agressões dos 'Novos Ateus' só fazem sentido em um contexto especificamente Cristão, e mesmo assim apenas dentro de alguns subconjuntos da religião Cristã, pois alguns grupos já abraçaram a teologia liberal antisobrenaturalista, o que não difere muito do ateísmo (GRAY, 2019, p. 10).
Outras formas de identificar os diferentes tipos de ateísmo[3] é seguir a fórmula apresentada pelo Dr. A. A. Hodge, pois conhecer as diferentes formas de apresentação e aplicação de determinados pensamentos facilita a identificação e o combate. O Dr. Hodge classifica assim os diferentes tipos:
O ateísmo existe nas seguintes formas: 1. Prático; 2. Especulativo. O ateísmo especulativo pode ser (1) dogmático, como quando a conclusão é alcançada seja (a) na ideia de que Deus não existe, ou (b) na ideia de que as faculdades humanas são positivamente incapazes de assegurar ou de verificar a sua existência; (2) cético, como quando se duvida simplesmente da existência, e a conclusão da evidência em que se confia é negada; (3) virtual, como quando (a) os princípios são mantidos como essencialmente inconsistentes com a existência de Deus, ou com a possibilidade do nosso conhecimento dele: e.g., pelos materialistas, positivistas e idealistas absolutos; (b) quando alguns dos atributos essenciais da natureza divina são negados, como acontece com os panteístas, e por J.S. Mill em seus “Essays on Religion”; (c) quando as explicações do universo são dadas e excluem a agência de um Criador e Governador inteligente, o governo moral de Deus, e a liberdade moral do homem... (A. A. HODGE apud CHAFER, 2003, Vol. 1 e 2, p. 192).
Reafirmo o que venho denunciando neste texto, ou seja, a característica religiosa e dogmática do ateísmo. Não podemos ignorar o caráter intrínseco de negação nesta linha de pensamento, diante das evidências apresentadas e implicações mais lógicas e racionais a serem adotadas. O Próprio Dr. A. A. Hodge traça uma crítica mortal à inclinação natural à negação constante no ateísmo e as possíveis razões ocultas que justificam, de forma psicológica, o estilo de vida ateu. Ele afirma que o ateísmo necessariamente significa a negação da existência de um Criador pessoal e de um Governador Moral. Não obstante a crença no Deus pessoal ser o resultado de um reconhecimento espontâneo de Deus como aquele que se manifesta na consciência e nas obras da natureza, o ateísmo é ainda possível como um estado anormal de consciência induzida pela especulação sofista ou pela indulgência de paixões pecaminosas (A. A. HODGE apud CHAFER, 2003, Vol. 1 e 2, p. 192).
Algumas implicações adicionais podem ser apresentadas dentro da visão de mundo ateísta. Negar a existência de Deus implica negar o sobrenatural (por implicação os milagres), negar a criação do universo, da vida, dos seres humanos, dos animais, implica negar a alma, o espírito, os anjos, demônios, o diabo, o pecado, a condenação, a salvação, e em muitos casos o livre-arbítrio e implica em afirmar que o mundo é estritamente material (ver Materialismo), estritamente natural (ver Naturalismo), completamente aleatório (sem planejamento ou design), está completamente à deriva (sem sustentação de nenhum ser Todo Poderoso, apenas pelas leis da natureza, que por acaso, também não tem um legislador), e que todas as coisas, seja o cosmos e a vida, evoluíram, passaram a existir aleatoriamente (uma vertente diz que a partir do nada, por nada e para nada e outra vertente defende que o universo não teve um começo, mas é eterno – um fato bruto - o que é impossível – ver Evolucionismo).[4] Todas essas implicações negam a existência da mente humana e afirmam que a mente é apenas o subproduto de um processo evolutivo constante nas interações químicas dentro do “nosso” cerébro e que essas interações não passam de um processo material que nos dão a ilusão do “nosso” pensamento racional (apesar dos ateus se considerarem mais inteligentes do que os religiosos, o que não faz nenhum sentido se eles estiverem certos). As ramificações dessas implicações são mortais para a racionalidade humana, para o valor da vida humana (que segundo o ateísmo não difere em nada da vida dos animais), para a moralidade (a moralidade não é objetiva no ateísmo, mas relativa, apesar da maioria dos ateus serem realistas morais). Acreditar no ateísmo não é fácil, pois necessita de um malabarismo cerebral incrível, mas quem disse que a vida é fácil?[5]
Fica claro que existe um panteão de escolas de pensamento antiteístas. Contudo, a fórmula é simples: todas as escolas defendem pontos em comum e conhecer esses pontos e respondê-los é melhor do que tentar conhecer à fundo todas as linhas de pensamento. Por isso iremos abordar a partir daqui o que se denomina de Novo Ateísmo, um tipo de ateísmo militante, agressivo, desrespeitoso e desagregador. O que temos ao nosso favor diante deste tipo de ateísmo? Tudo! Principalmente pelo fato destes “cavalheiros” saírem de suas áreas de atuação, notadamente a ciência[6] e a psicologia e se aventurarem nos campos desconhecidos para eles: a Teologia e Filosofia.
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REFERÊNCIAS
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. (Tradução Heber Carlos de Campos). Vol. 1 e 2. São Paulo: Hagnos, 2003
COPAN, Paul. Deus é um Monstro Moral? Entendendo Deus no Contexto do Antigo Testamento. (Tradução Walson Sales). Maceió: Editora Sal Cultural, 2016
GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética (tradução Lailah de Noronha). São Paulo: Editora Vida, 2002.
GRAY, John. Seven Types of Atheism. Londres, UK: Penguim Books, 2019.
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NOTAS:
[1] Claramente uma versão do Deísmo. Ver capítulo sobre.
[2] Claramente uma versão que é um dos diferentes tipos de ateísmo, chamado de Materialismo. Ver capítulo sobre.
[3] Em seu livro, o Dr. John Gray afirma que existem sete tipos de ateísmo, que ele contabiliza como, 1. O Novo Ateísmo (veremos no próximo ítem); 2. Humanismo Secular (Teremos um capítulo específico sobre); 3. O que ele chama de “Uma fé estranha na ciência”; 4. O que ele chama de uma mistura de “Ateísmo, Gnosticismo e Religião Política Moderna”; 5. Os odiadores de Deus; 6. O ateísmo sem progresso; 7. O ateísmo do silêncio. Entretanto, daremos uma atenção especial ao Novo Ateísmo nesta pesquisa, tendo em vista ser a principal vedete nos círculos antiteístas de hoje e também no campo popular. Contudo, é bom lembrar que todos os tipos de ateísmos, que não constam na relação proposta pelo ateu John Gray, defendem ideias comuns entre sí. Conhecer esses argumentos de antemão é uma grande ajuda para não ser surpreendido em um diálogo.
[4] Vale destacar que se o universo não tem um Criador, mas que surgiu sozinho, do nada, por nada e para nada (iniciando o próprio tempo, espaço, matéria e energia), por meio de um processo evolutivo cego e aleatório, esse processo evolutivo deve ser tríplice: cósmico, biológico e químico e deve ter sido capaz de ter gerado toda diversidade biológica e de ter criado uma ilusão de um mundo criado em que existem mentes e consciências que negam veementemente esse “milagre” ateu hercúleo.
[5] Não é por acaso que o número de ateus tem permanecido praticamente o mesmo durante 63 anos nos EUA. Foi realizada uma pesquisa Gallup em 2007 que constatou que o número de ateus é o mesmo – 4% - que era em 1944 (COPAN, 2016, p. 14). No Brasil eles tiveram um “avivamento”, contudo não foram tão longe. A crença em Deus no Brasil está mais atual do que nunca.
[6] Ser cientista não é vantagem para o ateu. Não adianta ser cientista e distorcer os dados à favor de seu argumento ou visão de mundo. Os cientistas ateus se orgulham de que a ciência supostamente lhes dá vantagem e desbanca a religião, o que não passa de um mantra moderno. Os ateus usam a ciência como uma manta de inteligência, mas negam essa postura com seus argumentos. Sempre é bom ter em mente o enredo do livro As Roupas Novas do Imperador de Hans Christian Anderson. O livro conta a história de um alfaiate trapaceiro que chega em um reino e oferece um tipo de roupas especiais que apenas pessoas de sangue azul conseguem enxergar. O rei se interessa e o contrata para preparar a tal roupa e testar quais entre seus nobres tinham sangue azul de fato. No dia do rei provar as roupas, o rei veste a roupa invisível (na verdade não tinha roupa nenhuma, era uma trapaça) e fica perplexo por não conseguir “enxergar” a tal roupa. Então o rei pensou: “Se eu disser que não estou vendo, todos saberão que não tenho sangue azul”. Logo o rei começou a elogiar a roupa, os detalhes, fazer poses diante do espelho, mas estava só de ceroulas diante dos nobres. Estes pensaram a mesma coisa e seguiram elogiando as vestes reais e o rei só de ceroulas. Então um dos nobres sugere que essas vestes deveriam ser mostradas a todo o reino e o rei agendou a caravana pública. No dia do desfile, o povo (a plebe) ansioso para usar este argumento para entrar na nobreza, começaram a gritar, elogiando as roupas, dando a entender que conseguiam ver e por isso também tinham sangue azul. Mas o rei estava de ceroulas diante de todos. De repente surge uma criança pequena entre a multidão e grita: O REI ESTÁ NU!!! Todos caem na risada. O rei corre envergonhado e manda prender o alfaiate trapaceiro que já estava longe com a fortuna. Ateus, Calvinistas e outros grupos fazem a mesma pressão, tipo: se você não consegue alcançar nossa visão de mundo, você não tem sangue azul, não passa de um plebeu. Neste caso em particular, não é um cientista de verdade. O problema é que quando vemos os seus “melhores argumentos”, percebemos que eles estão despidos de racionalidade e que a visão de mundo vendida por eles não se encaixa no mundo real. Muitos cientistas se “rendem” ao ateísmo para não serem excluídos do meio científico. Assista ao documentário: Expelled [Expulsos] No Intelligence Allowed [Nenhuma Inteligência permitida], aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ywYKBTwcHJg
Ou assista Evolution vs God aqui: https://www.youtube.com/watch?v=2qV76sG_i18 e você verá o nível raso das razões do ateísmo.
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