sexta-feira, 9 de abril de 2021

Eu Acredito na Soberania Divina


Thomas H. McCall

 

Thomas H. McCall é professor assistente de Teologia Bíblica e Sistemática na Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, Illinois

 

I. INTRODUÇÃO

 

Eu acredito na soberania de Deus. Eu acredito que as Escrituras, em vários gêneros e por meio de diversas proclamações, franca e vigorosamente declara que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. As Escrituras claramente ensinam essa verdade, e a tradição cristã – tanto a ocidental como a oriental, tanto a patrística e a medieval como a reformada[1]e a moderna – tem, com gozo no coração, afirmado isso também: o Deus de Anselmo, Irineu e João (Crisóstomo, Damasceno, Calvino ou Wesley) é o Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Com a grande companhia dos santos, eu entendo como aceitável toda doutrina da soberania divina que inclua (pelo menos) estes elementos: (a) Deus é onipotente, (b) Deus é a se,[2]e (c) Deus é providencialmente ativo em governar e julgar o mundo sem ser, de qualquer modo, ameaçado por ele. Até este ponto, tudo bem: eu suponho que nenhum cristão ortodoxo[3]poderia encontrar muito do que discordar ou queixar-se. Entretanto, a doutrina da soberania divina é frequentemente um foco de controvérsia teológica, e muito dessa controvérsia diz respeito à explicação apropriada de (c) – o governo providencial de Deus sobre o mundo é ponto de não pequenas discordâncias e contendas.

Neste ensaio, eu discuto acerca de uma explicação teológica muito (recentemente) influente em relação ao governo soberano de Deus sobre o mundo. Eu argumento que, completamente contrária às suas nobres intenções, tal formulação da doutrina do governo soberano na verdade mina um outro componente importante da doutrina da soberania divina: a asseidade.[4]Eu sugiro que, dado os problemas com a visão comum, outras alternativas são dignas de maior exploração.

 

II. SOBERANIA DIVINA COMO DETERMINISMO DIVINO

 

           Alguns teólogos (principalmente na tradição “reformada” em geral) promovem e defendem a doutrina da soberania divina, que será abreviada como S, e que inclui

 

            S’: Deus é soberano sobre qualquer evento E se, e somente se, Deus determina que E ocorre[5]

 

e

 

            S’’: Deus é soberano sobre todo e qualquer agente A se, e somente se, Deus determina todas as ações de A[6]

 

Como essenciais para a doutrina. Especialmente com o reaparecimento do recente Calvinismo entre os cristãos evangélicos, a crença em Sé tanto carinhosamente protegida quanto amplamente aceita – quer dizer, muitoaceita.[7]

 

Mas com Svem uma enorme gama de perguntas difíceis. Quando tal explicação do significado da soberania divina é acompanhada da (respeitável) afirmação de que Deus é soberano sobre tudo que não é Deus, então nós enfrentamos a inegável conclusão de que tudo o que acontece – todosos eventos que ocorrem etodasas ações realizadas – está determinado a ocorrer, e, de fato, está determinado a ocorrer em exata concordância com a vontade decretada de Deus. Enquanto alguns teólogos acham ser isto motivo para celebração, tal celebração deveria ser neutralizada rapidamente pelas difíceis questões que imediatamente advêm de tais afirmações. Considere, a título de exemplo, os problemas gerados por essa explicação da soberania divina em relação ao terrível mal natural e moral. SeSé a explicação adequada da soberania divina, e se Deus realmente é soberano sobre tudo, então é inegável que absolutamente todos os horríveis eventos da história humana são, em última análise, devido à vontade de Deus. Por que tsunamis surgem e enviam paredes de água a comunidades despreparadas e totalmente indefesas, deixando em seu rastro centenas de milhares de mortos, com praias repletas de corpos feridos e sem vida de crianças pequenas, famílias destruídas, e outros enlutados por seus entes queridos? Para o defensor deS, a resposta final é clara: essas coisas acontecem porque Deus determina que essas coisas aconteçam, e realmente elas irão acontecer exatamente como Deus quer que elas aconteçam. Por que o pai de uma bela menininha de cinco anos de idade a tira de sua pré-escola e extingue a vida dela? Novamente, para o defensor deS, a resposta final é clara: isso acontece porque Deus determina que isso aconteça, e isso irá acontecer exatamente como aconteceu. Depois que qualquer recurso a uma “causalidade secundária” pudesse ser feito, para um cristão que sustentaS, a resposta é clara e inevitável: se tudo está determinado, e se Deus determina tudo (mesmo se Ele o determina através de uma causalidade secundária), então essas coisas todas são determinadas por Deus.

Ou pense sobre problemas relacionados a predestinação e reprovação. Por que é que alguns pecadores são salvos e outros são condenados? Obviamente, os que propõemSirão (corretamente) dizer coisas sobre pecado e graça (os reprovados são condenados por causa de seu pecado e os santos são salvos por causa da graça), mas por trás de tais afirmações está a explicação final: alguns pecadores são salvos porque Deus determinou sua salvação, e outros pecadores são condenados porque Deus determinou que eles de fato serão condenados. Mas, considere:

 

1) Deus verdadeiramente ama todas as pessoas.

 

2) Verdadeiramente amar alguém é desejar seu bem-estar e promover seu desenvolvimento tanto quanto você puder.

 

3) O verdadeiro bem-estar e desenvolvimento de todas as pessoas é estar em um correto relacionamento com Deus, um relacionamento salvador no qual nós aceitamos o convite do Evangelho e viemosa amá-lo e obedecê-lo.

 

4) Deus poderia determinar que todas as pessoas livremente aceitassem o convite do Evangelho e viessem para um correto relacionamento e fossem salvas.

 

5) Portanto, todas as pessoas serão salvas.[8]

 

Calvinistas tradicionais irão concordar que (5) é diretamente contrário às Escrituras. Mas desde que (5) vem de (1) a (4), então parece que há um problema aqui.[9](Com certeza a óbvia solução é negar (4), mas fazer isso seria negar S[10]).

 

Ou, se tais considerações falham em perturbar as sensibilidades dos “jovens e reformados”, pense a fundo sobre os problemas concernentes à santificação. Por que, por exemplo, alguns cristãos ainda lutam contra pecados sexuais particulares? Por que eles ocasionalmente são vítimas de tais tentações? Por que eles deixam pelo caminho confianças devastadas e corações partidos? Novamente, para o cristão que crê ser Sa explicação apropriada para a soberania divina e acredita que Deus é soberano sobre tudo, a resposta definitiva é inequívoca: esses pecados são cometidos – pelos eleitos– em exata concordância com a vontade decretada de Deus.[11]Deus determina que seus filhos regenerados irão continuar a pecar e sem dúvida eles continuarão a pecar exatamente dessa maneira. Enquanto tal explicação sobre o pecado e a soberania poderia, inicialmente, oferecer conforto para a pessoa cometendo pecado, ela está longe de mostrar como isso pode ser compatível com os mandamentos de Deus para viver em pureza, ou com as promessas de que, em tempos de tentação, ele proverá “o escape” (1Co 10.12, 13).

 

Objeções a Sbaseadas nas considerações acima (e em muitas outras também) são encontradas em toda a tradição cristã, mas minha principal meta aqui não é explorar muito isso. Assim, eu não irei profundamente investigar, estender ou valorar tudo isso. Também não irei lidar com as várias respostas a essas objeções. Em vez disso, permitindo que esses assuntos nos movam para o coração do debate, eu focarei as consequências teológicas de (o que eu tomei como sendo) uma resposta teológica recente e extremamente influente para os referidos questionamentos e assuntos.

 

III. A “JUSTIFICAÇÃO” DOS CAMINHOS[12]DE DEUS

 

Alguns proponentes de Ssimplesmente continuam a insistir que sua visão de soberania é a correta – mas não creem que uma adequada defesa disto seja possível ou necessária. Eles apelam diretamente para o mistério neste ponto; eles dizem que “os caminhos de Deus não são os nossos”, e esses caminhos estão além da compreensão. Certamente, pode parecerque um Deus verdadeiramente bom não agiria dessa forma, poderia parecerser o caso de que um Deus infinitamente amoroso não determinaria que algumas pessoas cometessem atrocidades horríveis e fossem eternamente condenadas – mas quem somos nós para dizer algo sobre o que a bondade realmente é? Deus é simplesmente soberano, e Sé simplesmente a explicação correta de soberania, e daqui em diante, nós simplesmente apelamos para o mistério.

 

Mas outros proponentes de Snão são tão tímidos; eles vão muito mais além. Oferecem uma “justificação de Deus”. Eles dizem que Deus faz todas essas coisas para se glorificar, e de fato é esse o curso certode ação que Deus tem a tomar.

 

A. A Majestade da Soberania Divina

 

John Piper, um influente teólogo pastoral que escreve vários tratados muito úteis sobre vida cristã e que é chamado por Collin Hansen de “o porta-voz para o ressurgimento calvinista entre jovens evangélicos”, está convencido de que os cristãos que acreditam na soberania divina não só podemcomodevemir além.[13]Por que todos esses eventos horríveis acontecem? Por que essas perversas atrocidades são cometidas? Porque Deus determina que eles irão ocorrer; Deus determina que eles irão ocorrer exatamente da forma como ocorrem. Contundentementeele afirmaS; isso pode ser visto em seu entusiástico aval ao determinismo “moderado” ou “compatibilista” de Jônatas Edwards.[14]Assim como Carlos Spurgeon, ele está convencido de que “cada partícula de pó que dança no raio de sol não move um átomo a mais nem a menos do que Deus deseja”.[15]Longa e esforçosamente, Piper trabalha para ilustrar isso a partir de Rm 9.1-23, que ele conclui tratar dos propósitos de Deus sendo preservados “por meio da predestinação dos indivíduos aos seus respectivos destinos eternos”.[16]E nós não devemos pensar que Deus é justo apesardisso – ao contrário, devemos pensar que Deus é justo por causadisso, pois o “coração da defesa de Paulo” é este: “ao escolher incondicionalmente sobre quem ele terá misericórdia e quem ele endurecerá, Deus não está sendo injusto, pois, em seu ‘propósito de eleição’, ele está agindo em plena fidelidade ao seu nome e à sua estima por sua glória”.[17]

 

Esse agir todo-determinativo de Deus notavelmente inclui a predestinação e a eleição; todavia, ela se estende para muito além – ela se estende a tudo. Deus determina todosos eventos que ocorrem no universo, incluindo toda ação demoníaca e satânica.[18]Como expõe Mark R. Talbot, Deus cria, envia, instiga e move outros a fazerem o mal, porque “nada que existe ou acontece fica de fora da vontade determinativa de Deus”.[19]Talbot argumenta com resoluta e inequívoca clareza:

 

Nada, inclusive qualquer pessoa, ou coisa, ou evento, ou ato mau. A pré-ordenação de Deus é a razão última porque tudo acontece, inclusive a existência de todas as pessoas e coisas más e a ocorrência de quaisquer atos ou eventos maus.[20]

 

Não se engane: “quando mesmo os piores dos males nos atingem, eles não vêm, em última análise, de qualquer outro lugar senão da mão de Deus”.[21]

 

B. O Melhor de Todos os Mundos Possíveis

 

Por que todos esses horrores acontecem? Porque Deus os determina. Mas por queDeus os determina? Piper responde sem rodeios: porque este é o melhor mundo possível, e horrores e ações pecaminosas são parte deste mundo, que é o “melhor”.[22]Teólogo pastoral que é, Piper diz isso com grande consciência da ampla vastidão e da horrenda profundidade do pecado e do sofrimento. Como ele mesmo diz, “doenças, defeitos, deficiências, catástrofes naturais, atrocidades humanas – desde o mais jovem infante ao mais excêntrico velho, do mais vil patife ao mais doce santo: o sofrimento não faz acepção de pessoas”.[23]E Piper reconhece e afirma que o pecado e o sofrimento são genuinamente terríveis. Mas ele continua, insistindo que “Deus ordena que o que Ele odeia venha a acontecer”.[24]

 

Piper reconhece que o pecado e o sofrimento são repulsivos para Deus – pelo menos em algum nível: “Deus não se deleita nesse sofrimento”.[25]Ele toma passagens como 1 Timóteo 2:4; 2 Pedro 3:9; Ezequiel 18:23, 32; 33:11; Mateus 23:37; e textos correlatos como sendo afirmações diretas de que Deus realmente ama a todos e deseja a sua salvação.[26]Ele trabalha para explicar isso dizendo que “a vida emocional de Deus é complexa, além de nossa compreensão (...) portanto, nós não devemos tropeçar no fato de que Deus tem e não tem prazer na morte do ímpio”.[27]

 

Tal como está, essa explicação é confusa, e produz o retrato de um Deus em conflito consigo mesmo: neste ponto, o Deus de Piper parece ser um Deus que determina tudo, e que assim o faz por certas razões e maneiras, de forma que isso ao mesmo tempo o agrada e o aborrece.[28]Não fica óbvio, portanto, como isso pode ser coerente com a afirmação bíblica de que Deus “não é Deus de confusão, mas de paz” (1 Coríntios 14:33).[29]Como Karl Barth aponta:

 

N’Ele não há paradoxo, nem antinomia, nem divisão, nem inconsistência, nem sequer a possibilidade disso. Ele é o Pai das luzes, em quem não há variação ou mistura da luz com a escuridão. O que ele é e faz, ele o é e o faz em completa unidade consigo mesmo.[30]

 

Mas Piper explica mais adiante que Deus vê as coisas através de “duas lentes”: as “lentes estreitas” focam no pecado e na tragédia tal qual como são (produzindo, assim, sofrimento e compaixão em Deus), enquanto que as “lentes amplas” permitem que Deus veja “a tragédia ou o pecado em relação a tudo que os causa e tudo que advém deles. Ele o vê em todas as suas conexões e efeitos, formando um padrão ou mosaico que se estende até a eternidade. Nesse mosaico, com todas as suas partes (o bem e o mal), Deus se deleita (Salmos 115:3)”.[31]Dessa maneira, olhando pelas lentes estreitas, Deus se depara com coisas que lhe trazem pesar. Mas olhando através das lentes amplas, Deus vê que tudo lhe traz glória, e assim ele se deleita.

 

Deus tem “verdadeira compaixão”, uma “real e profunda compaixão pelos pecadores que perecem”.[32]Ele diz que “há uma genuína inclinação no coração de Deus para poupar aqueles que traíram seu reino”.[33]Então por que Deus não salva a todos? Afinal, sendo a Única Força Determinativa no cosmos, com certeza ele poderia fazer isso. A razão é a seguinte:

 

Nem todos esses anseios governam as ações de Deus. Ele é governado pela profundeza de sua sabedoria (...) [e] há santas e justas razões por que as afeições do coração de Deus têm a natureza, a intensidade e a proporção que têm.[34]

 

E quais, nós podemos perguntar, são essas razões? É-nos dito que “a vontade de Deus de salvar todas as pessoas é restringida pelo seu compromisso com a glorificação de sua graça soberana (Efésios 1:6, 12, 14; Romanos 9:22-23)”.[35]

 

As razões de Deus para determinar que o mal e o pecado existam (e que existam da forma como existem), e que alguns pecadores sejam condenados à perdição, consistem em que é através dessa ação divina que a completa variedade dos atributos divinos são exercitados. Algo em Deus deseja salvar a todos, mas é superado pelo seu interesse em ser verdadeiramente glorificado. E, como veremos, visto que tal glorificação só pode ocorrer na presença do pecado, do mal e da reprovação, então é apropriado e adequado que Deus aja justamente dessa forma. De fato, tal glorificação é a própria retidão de Deus – é ela que permite que Deus seja Deus. Isso significa, então, que a resposta final de Piper para a pergunta “por que existem o pecado e o sofrimento?” é que este é o melhor mundo possível, e mais do que isso, este é o melhor mundo possível porque este é o mundo em que Deus é mais glorificado. O bem maior, então, é este: é Deus sendo maximamente glorificado no mundo possível que mais o glorifica.

 

C. A “Justificação” Explicada

 

Assim, todos esses horríveis eventos ocorrem, todas essas atrocidades pecaminosas são cometidas, porque Deus os determina. E Deus os determina exatamente dessa maneira porque este é o melhor mundo possível. Mas por queeste é o melhor mundo possível? Novamente, Piper tem uma resposta direta, e é essa resposta que nos traz ao coração de sua narrativa da “justificação de Deus”.

 

Primeiro, temos de ver que o que podemos chamar de “glorificação máxima” é algo essencial para Deus. Piper diz que “a glória de Deus e o seu nome consistem fundamentalmente em sua inclinação para demonstrar misericórdia e em sua soberana liberdade na distribuição dessa misericórdia”.[36]Como o próprio Piper apresenta:

 

Mais precisamente, a glória de Deus e sua natureza essencial são o dispensar de misericórdia (mas também de ira, Êxodo 34:7) a quem quer que lhe aprouver, independentemente de qualquer restrição exterior à sua vontade. Essa é a essência do que significa ser Deus.[37]

 

Segundo, Piper é direto em dizer comoeste mundo possível glorifica Deus ao máximo. A soberana determinação de Deus de todas as coisas, vista talvez mais particularmente em sua predestinação de alguns para o paraíso e outros para a danação eterna, nãoé um mistério impenetrável, maséa poderosa expressão do fato de que Deus é apaixonado pela busca de sua própria glória. Isso pode ser visto com mais nitidez na longa citação de Piper feita por Daniel Fuller:

 

Sem dúvida, as pessoas não têm direito algum de pedir a Deus que deixe de ser Deus abrindo mão de parte de sua soberania. Mas da humanidade não é requerido submeter-se cegamente, pois o exercício de Deus de sua soberania é tão intencional e não-arbitrário quanto o modo como o oleiro usa o barro [...] É perfeitamente adequado que Deus trabalhe com a sua criação para que ela externalizetodosos aspectos de sua glória: por um lado, sua ira e poder; por outro, sua misericórdia.

 

Mas ele tem uma propósito maior que simplesmente mostrar a completa gama de sua glória, pois ele não estaria se relevando como realmente é se demonstrasse sua ira e poder como coordenados e iguais ao seu amor e misericórdia. Deus tem mais prazer em sua misericórdia do que em sua ira. Assim, para indicar a prioridade de sua misericórdia, ele precisa mostrá-la contra o pano de fundo da ira. Como poderia a misericórdia de Deus ser revelada plenamente como sua grande misericórdia se ela não fosse estendida a pessoas que estavam debaixo de sua ira, e, portanto, poderiam apenas suplicar por misericórdia? Seria impossível que elas compartilhassem com Deus do prazer que ele tem em sua misericórdia a menos que vissem claramente o horror da poderosa ira da qual sua misericórdia as liberta. Assim, para apresentar a gama completa de sua glória, Deus prepara de antemão não somente vasos de misericórdia, mas também vasos de ira, para que as riquezas de sua glória em conexão com os vasos de misericórdia possam ser dessa forma mais claramente manifestas [...] De tal maneira, é certamente correto que Deus prepare vasos de ira, pois é somente assim que ele pode manifestar as mui excelentes riquezas de sua glória, cujo ápice é a misericórdia. Se Deus não preparasse vasos de ira, isso significaria que Deus não pode revelar-se plenamente como o Deus misericordioso. Assim, a Criação não poderia honrá-lo pelo que ele realmente é, e então Deus teria de ser injusto, pois, no ato da criação, ele faria algo inconsistente com o completo prazer que ele tem em sua própria glória.

 

Mas ele é verdadeiramente justo, não somente em preparar vasos de ira, mas também em encontrar culpa em tais vasos, e em visitá-los com ira. Preparar esses vasos e depois falhar em visitá-los com ira seria um ato em completo desacordo com sua própria glória. Deus agirá consistentemente com o amor pela sua glória somente se ele se opuser a todos que desdenham de buscar deleite em sua glória. Se ele não agisse dessa maneira no mundo que ele livremente criou, então ele deixaria de ser Deus.[38]

 

O mesmo pode ser visto adiante na citação que Piper faz de Jônatas Edwards:

 

É apropriado que o resplandecer da glória de Deus seja completo; isto é, que todas as partes de sua glória resplandeçam [...] Assim, é necessário que a horrenda majestade de Deus, sua autoridade e terrível grandiosidade, justiça e santidade sejam manifestas. Mas isso é impossível a menos que o pecado e a punição sejam decretados; e o resplandecer da glória de Deus seria muito imperfeito, tanto porque aquelas partes da glória divina não brilhariam como as outras, como também a glória de sua bondade, amor, e santidade se tornaria fraca sem elas; não, elas sequer brilhariam.[39]

 

Parece, então, que Deus seria imperfeito se não fosse pelo exercício e pela manifestação desses atributos.[40]Ou, como Piper diz, “a glória de Deus brilha mais intensamente, mais plenamente, mais encantadoramente na manifestação da glória de sua graça”. E como isso somente pode acontecer num contexto de pecado e sofrimento, o resultado é que

 

O sofrimento é uma parte essencial do universo criado, no qual a grandeza da glória da graça de Deus pode ser mais plenamente revelada. O sofrimento é uma parte essencial da tapeçaria do universo, para que o tecer da graça possa ser visto pelo que ele realmente é.[41]

 

Segundo Piper (interpretando Fuller e Edwards), para que Deus seja quem ele é, Deus deve manifestar toda a gama de seus atributos.[42]Deus deve manifestá-los nas estimativas e porcentagens corretas, e, para tal, ele cria um mundo que o permite fazer exatamente isso. Criar esse mundo – com o mal e com pessoas pecaminosas destinadas à perdição, como também com algumas destinadas à salvação – permite que Deus seja Deus. Em apaixonada busca pela sua própria glória, é exatamente isso que Deus faz.

 

Piper reconhece que talvez não gostemos disso. Na verdade, nós usualmente não gostamos. Mas, Piper adverte, isso se deve ao fato de que esquecemos quem Deus é – e que não somos ele. Nós nos rebelamos contra a própria ideia de que Deus predestina para sua glória, e que isso torna necessário que criaturas feitas à sua imagem sejam condenadas para que ele possa parecer bom, e nossa rebelião é mais uma prova de que queremos ser Deus. Por outro lado, quando enfim reconhecemos quem ée quemnãoé soberano, entendemos que é certo que Deus busque sua própria glória dessa maneira. Realmente, nós veremos que Deus falharia em ser Deus se ele fizesse menos do que isso.[43]Pois “argumentar que Deus não deveria dar clara demonstração de sua ira é sugerir que isso não é de fato glorioso, que Deus não é de fato quem ele deveria ser”.[44]Se Deus fosse “alguma vez agir contrariamente à sua eterna paixão por suas próprias perfeições, ele seria injusto, ele seria um idólatra”.[45]

 

Então por que há tanto pecado e sofrimento em um mundo governado pelo Deus cuja soberania é toda-determinativa? Porque Deus determina que seja assim. Por que Ele faz isso? Porque este é o estado de coisas em que ele é mais glorificado – assim, este é o melhor mundo possível. E o que faz deste o melhor mundo possível? Este é o mundo que permite que Deus seja o que ele deve ser – maximamente glorificado –, e é o que permite que Deus seja verdadeiramente Deus.

 

IV. ALGUNS PROBLEMAS COM A ESTRATÉGIA DA “JUSTIFICAÇÃO”

 

Entretanto, por mais ousada que seja, na sua extensão de tirar o fôlego, a explicação de Piper não é imune à crítica. David Bentley Hart, por exemplo, veementemente rejeita tais tentativas de “justificar” os caminhos de Deus. Comentando sobre aqueles que estão “positivamente intoxicados com a grandeza da soberania divina”,[46]ele diz que esses “difamam o amor e a bondade de Deus devido a uma fascinação servil e doentia pela sua ‘terrível soberania’”.[47]Hart insiste que Deus é “infinitamente suficiente em si mesmo”, e assim Deus “não tem necessidade de se envolver com o pecado e com a morte para manifestar sua glória”.[48]Ele censura a “adoração exagerada da pura onipotência de Deus” de Calvino, presente no ensino daquele reformador de Genebra que diz que “Deus predestinou a queda do homem para manifestar sua grandeza tanto na salvação e na condenação daqueles que ele eternamente predestinou para seus diversos destinos finais”.[49]Isso, ele diz, ameaça fazer de Deus o autor do mal, e ele afirma que

 

O mais curioso na insensatez de tais doutrinas é que, devido a uma piedosa ansiedade de defender a transcendência de Deus em face de qualquer centelha de genuína liberdade da criatura, elas efetivamente ameaçam desmoronar aquela transcendência, tornando-a em absoluta identidade – identidade com o mundo, conosco, e com o diabo.[50]

 

O preço de tal justificação, ele conclui, é exorbitante:

 

Ela requer que acreditemos e amemos um Deus cujos bons fins serão realizados não somente apesar de, mas inteiramente através de cada crueldade, cada miséria fortuita, cada catástrofe, cada traição, cada pecado que o mundo já conheceu; ela requer que acreditemos na eterna e espiritual necessidade de que uma criança morra agonizando de difteria, de que uma jovem mãe seja destruída pelo câncer, de que dezenas de milhares de asiáticos fossem engolidos em um só instante pelo mar, de que milhões fossem assassinados em campos de concentração, e de gulags,[51]e de fome [...] É estranho buscar a paz em um universo que se apresenta moralmente inteligível às custas de um Deus que se apresenta moralmente repugnante.[52]

 

A linguagem de Hart pode ser bastante incisiva, e talvez ele tenha exagerado seu argumento em alguns pontos. No entanto e ainda assim, estou convencido de que ele está fundamentalmente correto em suas preocupações básicas. Correndo o risco de ser um pouco entediante, na seção seguinte eu descrevo essa afirmação em maiores detalhes. Considere o que eu chamarei de:

 

A. Alguns Problemas Morais

 

6) Se X é o maior bem para Deus, então X é o maior bem (simpliciter);

 

7) O mal é uma parte do maior bem para Deus (da teologia de Piper);[53]

 

8 ) Portanto, o mal é parte do maior bem (de 6, 7).

 

Como vimos, (7) é um elemento basilar da teologia de Piper. O grande bem é Deus sendo maximamente glorificado no mundo que mais o glorifica. Infelizmente, porém, (8) claramente viola G:O bem não é mau.Gé a verdade mais fundamental e básica – cristãos e outros realistas morais diriam que ela é uma verdadenecessária– então parece que há um problema bastante sério aqui.

 

Mas talvez não se deva ir tão rápido. Alguém poderia razoavelmente apontar que o argumento de (6) a (8 ) é vago, e alguém poderia também razoavelmente se perguntar se ele seria um exemplo pragmático de falácia composta. Eu prontamente admito que o argumento é vago – talvez até desesperadamente vago. Mas ao invés de tentar desambiguizá-lo adequadamente, podemos deixar que ele nos alerte sobre um outro problema à vista. De acordo com a narrativa de Piper do amor divino, o amor de Deus por nós é, em última análise, uma maneira de Deus amar melhor a si mesmo. Assim, Deus toma o curso de ação justo e busca sua própria glória, criando o mundo onde a porcentagem de estupros, terremotos, condenação e salvação divinamente determinados é tal que esse mundo trabalha para glorificá-lo maximamente. A visão de Piper, assim, implica a conclusão de que o amor divino é a exceção cósmica ao que nós conhecemos do amor de 1 Coríntios 13:5, que claramente diz “o amor não busca os seus próprios interesses”. O defensor da teologia de Piper teria de responder dizendo que 1 Coríntios 13 simplesmente não é relevante aqui; ele teria de apontar que essa passagem se refere ao amor humano, e ele teria de mais adiante defender que o amor de Deus édistintodo nosso nesse aspecto. Mas isso simplesmente equivaleria a uma admissão do meu argumento, e essa tentativa de fugir do erro (sobre essa descrição divinamente revelada do amor) tornaria muito difícil a explicação de imperativos inequívocos como aquele encontrado em João 15:12: “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”.

 

Além disso, pela argumentação de Piper, poderíamos nos perguntar por que, em última análise, deveríamos ver o pecado e o sofrimento como censuráveis? Afinal de contas, se todo o mal natural e o mal moral são tão importantes assim para Deus, tãobonsassim a longo prazo (ou pelo menos quando vistos pelas “lentes amplas”) – até mesmo tãoessenciaispara Deus –, então por que deveríamos detestar o pecado, a morte, e o diabo? Se todos os eventos causados pelo mal natural e todas as ações motivadas pelo mal moral irão finalmente se encaixar de tal maneira que Deus será maximamente glorificado e, portanto, Deus enfim seráDeuspor causa deles, então por que deveríamos ver algum problema neles? Se nós estamos realmente interessados em que Deus seja maximamente glorificado, então por que deveríamos lamentarqualquer coisaque, no fim de tudo, trará glória a ele? E, então, por que lamentaríamoso que quer que seja? Não estaríamos nós duvidando da sabedoria, do poder, e da justiça de Deus? Certamente, qualquer defensor deSconcordaria que devemos “aborrecer o mal e apegar-nos ao bem” (Romanos 12:9). Nós devemos, como Hart diz, odiar o mal com “ódio perfeito”.[54]No entanto, a maneira pela qual devemos fazer isso, quando nos fazemos participantes da compreensão de Piper sobre como todas essas coisas servem para glorificar a Deus, não está nem um pouco clara.

 

E há ainda outros problemas nos aguardando.

 

B. Um Problema Mereológico[55]

 

Considere:

 

9) Se aspectos maus (eventos, ações, disposições, etc) são partes essenciais do maior bem, então o maior bem é dependente dessas partes;

 

10) Aspectos maus são partes essenciais do maior bem (sem os quais o maior bem não poderia existir) (segundo a teologia de Piper);

 

11) Portanto, o maior bem é dependente do mal para sua existência (de 9, 10).

 

Como vimos, (10) é parte e parcela da teologia de Piper. Também não é difícil perceber porque as coisas são assim na visão de Piper. Piper repetidamente afirma que “a glória de Deus e sua natureza essencial são o dispensar de misericórdia (mas também de ira, Êxodo 34:7) a quem quer que lhe aprouver, independentemente de qualquer restrição exterior à sua vontade”.[56]Sua afirmação de que aquela é a “natureza essencial” de Deus é um tanto enigmática: é realmente isso que ele quer dizer? Parece que sim, pois ele reforça aquela declaração dizendo que “essa é a essência do que significa ser Deus”.[57]

 

Mas o que isso significa? Piper não dá mais explicações sobre sua posição, então eu tomarei sua declaração no contexto do sentido mais comum do que seja “essência”. Eu compartilho do que diz Thomas V. Morris sobre essência individual como “o conjunto completo de propriedades, individualmente necessárias e juntamente suficientes”, sendo esse conjunto numericamente idêntico a um indivíduo.[58]Um atributo essencial ou propriedade de Deus é aquilo que Deus exemplifica em todos os mundos possíveis. Como diz Alvin Plantinga,

 

Algo tem uma propriedade essencialmente se, e somente se, a tiver e não puder possivelmente dela carecer. Uma outra forma de se dizer isso é que um objetoxtem a propriedadePessencialmente se, e somente se,xtemPem todos os mundos possíveis em quexexista.[59]

 

E. J. Lowe concorda:

 

Uma propriedade essencial de um objeto é uma propriedade que aquele objeto sempre possui e que não poderia ter falhado em possuir – em outras palavras, na linguagem dos mundos possíveis, ela é uma propriedade que aquele objeto possui todas as vezes em cada mundo possível no qual ele exista.[60]

 

Sob essa luz, talvez possamos entender melhor o que Piper quer dizer com suas afirmações.

 

Considere a propriedadeD:demonstrar ira. De acordo com Piper,Dé uma propriedade ou um atributo divino essencial. E seDé um atributo divino essencial, então a ira divina deve ser demonstrada para que Deus seja Deus.[61]Se isso é verdade, então ficamos diante de duas alternativas (principais): ou a ira essencial de Deus é interna (talvez ele esteja sempre irado consigo mesmosans[62]pecado), ou a criação de um universo pecador é necessário para Deus. Eu acho que podemos ter certeza de que a primeira seria rejeitada pelos defensores deS, então nos resta a segunda.

 

Não surpreendentemente, Piper endossa a declaração de Edwards de que “é necessário que a horrenda majestade de Deus, sua autoridade e terrível grandiosidade, justiça e santidade sejam manifestas. Mas isso é impossível a menos que o pecado e a punição sejam decretados”.[63]Assim, “o mal é necessário”,[64]e “Deus é mais glorioso por ter concebido e criado e governado um mundo como este, com todo o seu mal”.[65]Seguindo Edwards (e sua interpretação dele), Piper insiste que Deus é perfeito se, e somente se, Deus é maximamente glorificado.[66]E já que Deus é maximamente glorificado somente com (e através de) o mal, nós somos levados a concluir que ele seria imperfeito sem tal mal.

 

Então (10) é vital para a defesa teológica deSde Piper. E (11) advém diretamente de conjunção de (9) (que, não obstante haver discussões sobre inclusão e complexidade, parece inquestionável) com (10). Mas (11) claramente viola defesas robustas tanto da santidade quanto da asseidade divina.[67]Como N. T. Wright conclui, a teologia de Piper “não pode evitar de soar como se Deusprecisassedo pecado, a fim de manifestar sua ira gloriosa e digna de adoração”.[68]Comprometer a asseidade divina em nome de uma certa formulação da doutrina da soberania divina parece uma atitude desesperada – é como cortar o braço de alguém a fim de lhe salvar a mão. E comprometer a santidade divina em nome de tal formulação se assemelha mais a arrancar o coração de alguém a fim de lhe salvar a mão! Com certeza, é melhor desistir de talformulação particularda doutrina da soberania divina (ouS, ou pelo menos a forma de Piper defendê-la), do que sacrificar tanto a santidade quanto a soberania divinas!

 

Como se não bastasse, as coisas ficam ainda piores. Pois refletir sobre esses assuntos levanta outras preocupações, como também o que posso chamar de...

 

C. Um Problema Modal

 

Considere ainda:

 

12) O melhor mundo possível =df[69]o mundo possível no qual Deus é maximamente glorificado (da teologia de Piper);

 

13) Se Deus não é maximamente glorificado, então Deus não é Deus (da teologia de Piper);

 

14) w* é o melhor mundo possível;

 

15) Portanto, se Deus não atualiza w*, então Deus não é maximamente glorificado (de 12, 14);

 

16) Portanto, se Deus não atualiza w*, então Deus não é Deus (de 13, 14, 15);

 

17) Portanto, a “bondade” de Deus é contingente à atualização de w* (de 13, 14, 15, 16);

 

18 ) w* é este mundo existente;

 

19) Portanto, sem este mundo existente, Deus não pode ser Deus (de 16, 17, 18).

 

Como vimos, a teologia de Piper requer (12) e (13). E, como podemos constatar, a conclusão (19) é a que se segue daquelas premissas. Eu não adicionei premissa alguma (controversas ou contrárias) à teologia de Piper – apenas extraí suas implicações. E essas conclusões não deveriam ser aceitáveis a alguém que leva a sério a histórica doutrina da soberania divina. Pois (19) está vinculada à lamentável conclusão de que a existência de Deus (ou o status como Deus) é contingente! E ainda pior, ela produz a absurda implicação de que Deus depende de você e de mim – e de nossos pecados! Se isso nos ofende como algo pretensioso e ultrajante – é porque realmente deveria ofender! De fato, como Karl Barth tinha dito (com relação a outro assunto), “o que foi feito para ser o maior louvor de Deus pode, na realidade, ser a maior blasfêmia”.[70]

 

Claro que Piper não diz e, tenho certeza, nem quer dizer quaisquer dessas coisas. Na verdade, eu creio que ele ficaria horrorizado com elas. Mas como Hart pontua, “deve-se perguntar [...] de cada teólogo [...] se, quando a lógica de sua teologia for levada a suas últimas implicações, ela chegará a alguma outra conclusão”.[71]Também de nada ajudaria, por um lado,negar(não importa o quão repetida, alta e forçosamente) que o mundo e seu pecado são necessários para Deus, enquanto, por outro lado, continuar insistindo nas premissas que implicam que Deus realmente depende deste mundo.[72]Fazer isso seria meramente trocar uma explicação obviamente problemática da soberania de Deus por uma explicação incoerente. Como Hart adverte,

 

É um disparate lógico asseverar que Deus é a fonte de tudoeque Deus pode “tornar-se” algo mais ou diferente do que ele era anteriormente. E se o amor de Deus fosse, em qualquer sentido, moldado pelo pecado, sofrimento e morte, então o pecado, o sofrimento e a morte seriam sempre, em determinado sentido, características de quem ele é [...] (Isso) significa que o mal, de alguma forma, seria parte de Deus, e que a bondade requereria o mal para ser boa. Tal Deus não poderia ser amor, mesmo se em algum sentido ele provasse ser “amável”. Nem poderia ele ser o bem, nem ser bondoso. Ele, como nós, seria uma síntese da vida e da morte.[73]

 

V. A VISÃO BÍBLICA?

 

Mas essa é a “visão bíblica”? A defesa de Piper da “justificação de Deus” provém de exegese, e firmemente se declara como sendo autorizada pelas Escrituras. Mas ela realmente é? Com certeza esperamos que não, pois, se for, então teremos de encarar a conclusão de que a doutrina da soberania divina tradicional (que inclui a asseidade) está fundamentalmente equivocada. Felizmente, porém, há motivos para pensar que a visão de Piper não é a requerida pelas Escrituras. Embora a exegese de Piper mereça mais atenção do que eu posso oferecer no momento, mesmo algumas poucas observações já serão suficientes para demonstrar que ela não é a “visão bíblica”.

 

A. A Tese Mais Convincente? O Argumento de Romanos 9:1-23

 

Minhas observações focam no tratamento dado por Piper a Romanos 9:1-23. Aquele é, até onde sei, o trabalho mais extenso e detalhado sobre esse assunto, e nele Piper apresenta alguma exegese impressionante. Todavia, antes de prosseguir, aviso que assumirei daqui em diante (em nome do debate) que a visão de Piper sobre essa passagem bíblica se refere diretamente ao (a) destino eterno dos (b) indivíduos.

 

Analisando seus argumentos, parece-me que há duas áreas cruciais onde ele precisa apresentar uma tese convincente, mas falha em fazê-lo. A primeira delas se refere ao crítico problema da relação entre as cláusulas nos versículos 22 a 23. Para que o argumento de Piper funcione, a cláusula θέλων deve ser causal (e, assim, Deus suportou os vasos de iraporqueele queria demonstrar sua ira) e não concessiva (e, assim, Deus suportou os vasos de ira com muita longanimidadeemboraele quisesse manifestar sua ira). Piper monta uma tese muito veemente de que essa cláusula é causal, e talvez ele esteja correto.[74]Mas ele não conseguiu se desvencilhar da leitura concessiva dessa cláusula. Pois, na leitura causal, Paulo estaria dizendo que Deus suportou esses vasos de ira – e assim, não manifestou sua ira – porqueele queria demonstrar sua ira. Mas é difícil até mesmo encontrar lógica nessa afirmação; como nota Ben Witherington III, tal afirmação é “difícil de imaginar”.[75]Pelo que posso ver, Piper não oferece uma explicação aqui. Por outro lado, como Witherington pontua, a leitura concessiva produziria a conclusão de que “embora Deus quisesse demonstrar sua ira contra os vasos de ira, todavia ele teve paciência com eles por um longo período de tempo”.[76]

 

A segunda área que permanece em disputa se refere à interpretação de κατηρτισμένα. Piper diz que, embora existam várias visões sobre como esse termo deva ser entendido, ele conclui que “Deusé quem torna adequados (ou cria) os vasos para destruição” (eliminando tanto a possibilidade de que os vasos de ira se fizeram adequados para a destruição, quanto a de que Paulo apenas procurava expressar um mistério).[77]Ele rejeita (como “menos provável” – não como impossível) a opção de que a voz é média, e não passiva.[78]Óbvio que, gramaticalmente, a voz média é possível, então apelar para a gramática não o ajudaria aqui. Seu apelo é ao contexto, e ele conclui que “em um contexto onde a soberania de Deus é enfatizada como a do oleiro sobre o barro, Paulo teria de usar uma construção mais clara para dizer que o destino do homem é auto-determinado”.[79]Piper afirma isso apontando que “a bem conhecida construção reflexiva de ἡτοίμασαν αὑτοὺς (Apocalipse 8:6; 19:7) estava à disposição para tal uso caso Paulo tivesse essa intenção”.[80]

 

Mas aquela seria uma construção “mais clara” para quem? Piper está certo em apelar para o contexto, mas muitos exegetas e teólogos na tradição cristã têm entendido o contexto (tanto o imediato quanto o canônico) de maneira muito diferente de Piper, e eles chegaram a conclusões muito distintas da dele. João Crisóstomo, por exemplo, era com certeza bem familiarizado com a gramática e com o contexto, mas ele considera a passagem como voz média, e não como passiva.[81]Também não é relevante que tal construção mais clara apareça no Apocalipse.

 

Por outro lado, a explanação de Piper se depara com o fato que uma mudança ocorre, partindo do uso de um “verbo passivo, referente aos vasos de ira, para um verbo ativo (προητοίμασεν), referente aos vasos de misericórdia”.[82]Ele admite que nós podemos apenas “dar palpites” quanto à razão para essa mudança “estranha”; seu primeiro palpite é de que talvez uma mudança ocorreu no pensamento de Paulo enquanto ele escrevia.[83]Ou, Piper sugere, podemos assumir que Paulo está fazendo uma “afirmação sobre o modo como Deus trabalha”; ou ainda, talvez Paulo esteja tentando nos dizer que Deus ama algumas coisas pelo que elas são, e outras apenas porque serão meios para atingir o bem maior.[84]De qualquer forma, a tese exegética de Piper envolve palpites e especulações nesse ponto. Ele pode, no fim das contas, estar correto, mas certamente não ofereceu uma explicação plena do que está acontecendo aqui, nem se livrou da possibilidade de que se trata de voz média, ao invés de voz passiva. Mas até onde posso ver, o argumento de Piper só funciona se a voz for realmente passiva. Assim, seu projeto teológico inteiro está pendurado em uma linha exegética muito fina nesse ponto.

 

B. Da Exegese à Teologia

 

Entretanto, antes de continuar, quero mencionar mais um problema. Mesmo se Piper estiver certo, mesmo se sua exegese estiver substancialmente correta, ela permanece obscura no seu objetivo de nos levar a aceitar sua defesa deS.[85]Mesmo se supusermos como certa a sua exegese, Piper não mostra que Paulo defende algo parecido com a sua conclusão de que “discutir que Deus não deveria manifestar abertamente sua ira é o mesmo que implicar que ela não é gloriosa, que Deus não é de fato como ele deveriaser”.[86]Piper insiste que “é justo, e talvez até mesmo o dever de um grande e talentoso artesão e artista, demonstrar toda a diversidade de seus poderes nos vários tipos de vasos que ele produz, e os propósitos para os quais eles foram criados”.[87]E ele prossegue dizendo “compete a todo artista demonstrar na diversidade de seu trabalho a gama completa de suas habilidades e poderes”.[88]Parece que ele está afirmando algo assim:

 

O: Deus está obrigado a manifestar sua glória.

 

Mas de onde Ovem? Não é, pelo que vejo, do texto bíblico. Também não é uma ideia exigida por passagem alguma das Escrituras.[89]Ela parece ser uma suposição que Piper traz para o texto bíblico, e que o ajuda a explicar uma passagem paulina bastante complexa. Mas essa suposição possui alguma garantia? Eu penso que não, assim como não está claro como ela poderia sergarantida.Olevanta uma série de perguntas interessantes e potencialmente preocupantes: a quem Deus está obrigado? Certamente não a outra entidade. É essa uma obrigação a um princípio abstrato? Olhando para a teologia de Piper, isso parece um tanto dúbio. Então é uma obrigação de Deus para consigo mesmo? Não sabemos. De qualquer forma, Piper não traz argumentos justificando O, mas apenas parece usá-la como uma premissa de seu argumento exegético. No entanto, a menos que ela seja segura, todo o seu argumento vacila.

 

Eu estou bem ciente de que não derrubei, nem refutei todos os argumentos exegéticos de Piper no que afirmei aqui. O que espero ter mostrado, todavia, é que ele não chegou nem perto de pôr um fim a essa discussão. Pelo contrário, há boas razões para questionar e se preocupar com seus argumentos exegéticos. Além das razões exegéticas mencionadas, e dos argumentos teológicos gerais que fiz até aqui, é difícil negar que a visão de Piper vai, sim, contra boa parte da largura e profundidade da tradição cristã; parece bastante óbvio que a sua teologia é exatamente o tipo de visão que foi condenada no Sínodo de Orange (529): “porém, nós não somente não cremos que alguns foram predestinados para o mal pelo poder divino, como também, com toda a aversão, se há alguém que creia em tão ímpia coisa, nós lhe dizemos: anátema”.[90]E, quando tais preocupações são combinadas com objeções bíblicas e teológicas mais gerais à sua visão, nós temos grande razão de não desejar qualquer envolvimento com sua defesa de S. Com certeza, sua estratégia peculiar da defesa de S– por mais popular que ela possa ser entre jovens evangélicos recentemente convertidos ao “Calvinismo” – não é uma posiçãorequeridapelas Escrituras.

 

VI. CONCLUSÃO

 

Neste ensaio, eu apontei algumas ressalvas já conhecidas contra formulações da doutrina da soberania divina que promovem e defendem a visão de que Deus determina tudo o que ocorre no cosmos, e levantei várias objeções contra uma estratégia em particular de “justificar” Deus nesse aspecto. Eu argumentei que tal estratégia, ainda que larga e apaixonadamente aceita por alguns evangélicos, na verdade implica na negação da asseidade divina – um elemento fundamental daquela própria doutrina.

 

Com tudo que há em mim, eu acredito na soberania de Deus. Eu estou convencido de que essa é uma afirmação teológica centralmente importante. Ela é uma afirmação inegavelmente firmada nas páginas das Escrituras, atestada na tradição cristã, e grande fonte de conforto pastoral e pessoal. Os cristãos devem afirmar que o Deus Trino e Uno de santo amor é onipotente,a se, e está ativamente julgando e governando o mundo sem ser de forma alguma ameaçado por ele. Eles devem se apegar a tal doutrina, e devem ser consolados por saber que o poder onipotente e o santo amor do Deus Trino e Uno são, em última análise, aliados – e que são até mesmo, aceitando a doutrina da simplicidade divina,umasó em Deus –, e que aquela força infinita e aquela bondade infinita são ambaspara nós.

 

A crença na soberania divina é importante para a fé cristã. Por causa da asseidade divina, Deus de forma nenhuma precisa do mundo e do seu mal para ser Deus. Citando Hart mais uma vez, “como Trindade, Deus já e sempre possui a plenitude da caridade em si mesmo – diversidade e respeito, celebração e comunhão, perfeito prazer e perfeito descanso – e ele não tem necessidade alguma de quaisquer fatos[91]externos para despertar ou fertilizar o seu amor. Nós não somos necessários a ele: ele não é nutrido por nossos sacrifícios, nem enobrecido por nossas virtudes, tampouco diminuído por nossos pecados e sofrimentos. Essa é uma verdade que pode não nos engrandecer, porém ela, mais maravilhosamente, nos glorifica: pois ela significa que, embora ele não tenha necessidade de nós, ainda assim ele nos amou, quando nós ainda nem éramos”.[92]Novamente, é justamente porque Deus é soberanamentea seque podemos afirmar que ele não tem necessidade alguma de nós: este mundo não é necessário para ele; ele não precisa de mortes em campos de concentração, nem de orfanatos; nem de assassinos implacáveis, e de crianças devastadas. Como soberano, o Deus Trino e Uno é completamente livre de todo mal e livre para serpor nós. O Deus Trinitárioébom, verdadeiro, e belo – ou, como os proponentes da simplicidade divina dizem, Deus é bondade, e verdade, e beleza –, e assim o que vem dele é bom, verdadeiro, e belo. A crença na soberania divina não está, portanto, em desacordo, e nem mesmo em “tensão”, com a crença na bondade sem limites de Deus. O que vem de Deus é bom e verdadeiro e belo, e deve ser recebido com gratidão e apreciado como tal, enquanto que aquilo que foi distorcido e pervertido em mal deve ser rejeitado e odiado como um parasita e destruidor e inimigo que é.

 

A crença na soberania divina é também vital para a esperança cristã. Essa esperança é cristã, ou seja, ela não é uma aceitação passiva de tudo como se fosse “do jeito que deveria ser”, nem mesmo é um otimismo cósmico moderado: ela é a esperança fundamentalmente cristã de que, em Cristo, Deus derrotou nosso inimigo, e ridicularizou aquele que nos escravizava, e conquistou o pecado, a morte e o diabo. Ela é uma esperança cristã, e assim reconhece o pecado, a morte e o diabo como inimigos. E ela é uma esperançacristã, pois ela celebra a vitória decisiva conquistada por nós e nossa salvação, ainda que também anseie pelo retorno do nosso Senhor, quando “todas as lágrimas serão enxugadas” e “todas as coisas serão feitas novas” (Apocalipse 21). Ela é uma esperança cristã, uma esperança centrada no Evangelho de Deus, uma esperança centrada na vida, morte, ressurreição, ascensão, e reinodo Filho de Deus encarnado – Deus-por-nós, Deus-conosco.

 

E a crença na soberania de Deus é também importante para o amor cristão. Porque Deus é Trinitário, a comunhão amorosa compartilhada pelo Pai, Filho e Espírito Santo é a essência de Deus. Deus não tem necessidade alguma do mundo nem para ser irado (como a narrativa de Piper implica), nem para ser amoroso. O amor santo é a essência de Deus, e a asseidade divina é a asseidade da comunhão Trinitária. Como afirma John Webster, “Deus é a sena eterna plenitude do relacionamento amoroso do Pai, Filho e Espírito”.[93]Nas palavras de John D. Zizioulas,

 

A expressão “Deus é amor” (1 João 4:16) significa que Deus “subsiste” como Trindade [...]. O amor não é uma emanação ou “propriedade” da substância de Deus [...], mas é constitutivo de sua essência, ou seja, é o que faz Deus ser o que ele é, o único Deus. Assim, o amor deixa de ser uma propriedade qualificadora – isto é, secundária – do ser, e se torna o predicado ontológico supremo.[94]

 

É a partir desse amor divino essencial que Deus age, e nós devemos entender a ação divina de acordo com a natureza de Deus como o santo amor Trino e Uno. É a partir da liberdade desse amor que Deus cria, e é a partir da bondade pura, total e inesgotável desse amor que Deus sustenta e salva. Nós o amamos porque ele nos amou primeiro (1 João 4:19). E o Deus Trino e Uno nos amou primeiro porque ele é amor (1 João 4:8, 16).

 

É por causadessas convicções – e não a despeito delas – que eu apresento essas críticas e preocupações. É por causa dessas convicções que sugiro que devemos desconfiar profundamente de qualquer modelo de soberania divina que abraça o determinismo. E é com base nessas convicções que eu concluo que devemos rejeitar abertamente quaisquer estratégias de defender tais modelos, os quais implicam numa negação direta da própria doutrina.[95]

 

Fonte: Trinity Journal29/2 (Outono de 2008), 205-226

Tradução: Glória Hefzibá

 


[1]N. da T.: “Reformada” aqui não é sinônimo de fé calvinista, mas sim da teologia que resultou da Reforma Protestante, liderada principalmente por Martinho Lutero, sendo assim um termo mais amplo.

[2]N. da T.:a seé expressão latina que significa “de si mesmo”. Isto é, Deus não deve sua existência a outro alguém.

[3]N. da T.: Isto é, de fé bíblica. Não se trata de sinônimo dos membros da Igreja Ortodoxa.

[4]N. da T.: Asseidade é o atributo divino que afirma que Deus existe por Si mesmo e não depende de outro ser para existir.

[5]Aqui (e por todo o texto) me valho de definições padrão de determinismo. O que eu digo aqui sobre determinismo inclui tanto o determinismo “fundamentalista” quanto o “moderado” (ou “compatibilismo”, a visão de que liberdade e determinismo são compatíveis). Para saber maissobre as definiçõespadrão de determinismo (especialmentecomoelas se relacionam com problemasteológicos) veja, porexemplo, Keith Yandel, Philosophy of Religion(New York: Routledge, 1999), 361; William Hasker,Metaphysics: Constructing a Christian Worldview(Downers Grove: InterVarsity, 1983), 32; Richard Taylor,Metaphysics(Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1974), 38-57; J.P. Moreland e William Lane Craig,Philosophical Foundations for a Christian Worldview(Downers Grove: InterVarsity, 2003), 268; Kelly James Clark, Richard Lints e James K.A. Smith,101 Key Terms in Philosophy and Their Importance for Theology(Louisville: Westminster John Knox, 2004), 30-31.

[6]Digo “qualquer agente A” (ao invés de “qualquer pessoa P”) para incluir tanto agentes humanos como não-humanos (p. ex. anjos e demônios), apenas para o caso de aqueles agentes não se encaixarem nas condições necessárias de pessoalidade.

[7]Sobre o ressurgimento do Calvinismo entre osevangélicosmaisjovens, veja Collin Hansen, Young, Restless, Reformed: A Journalist's Journey With the new Calvinists(Wheaton: Crossway, 2008).

[8]Poressaformulação, sougrato a Jerry L. Walls, “John Wesley on Predestination and Election”, emOxford Handbook of Methodist Studies(ed. William J. Abraham; Oxford: Oxford University Press, em breve).

[9]Não quero sugerir que este seja um problema não familiar aos proponentes deS, e eu não desconheço as típicas respostas para ele: alguém poderia efetivamente negar (1) (dizendo, dessa forma, que as passagens aparentemente universais das Escrituras devem referir-se a “todos os tipos de” ou “todos os que são eleitos”) ou alguém poderia recorrer à noção de que existem “dois tipos de vontade em Deus” (falarei sobre isso mais a frente).

[10]Ou, pelo menos, as versões compatibilistas ou deterministas moderadas de S.

[11]Como reconheceu John Piper, “An Interview with John Piper”, emSuffering and the Sovereignty of God(ed.John Piper e Justin Talyor; Wheaton: Crossway, 2006), 234-36.

[12]N. da T.: Ou maneiras, modos de agir.

[13]Hansen,Young, Restless, Reformed, 29. Hansen se refere aos que se auto-descrevem como “fanáticos de Piper”, que escutam centenas de seus sermões (alguns sermões mais de cinquenta vezes cada!).

[14]Porexemplo, John Piper, God's Passion for His Glory: Living the Vision of Jonathan Edwards, with the Complete Text ofThe End for Which God Created the World (Wheaton: Crossway, 1998), 86-89.

[15]Charles Haddon Spurgeon, “God's Providence”, Sermons, Vol. 54. Spurgeon prossegue dizendo: “Cada partícula que é borrifada contra um barco a vapor tem sua órbita, assim como o sol nos céus – que o joio da mão de um peneirador é dirigido como as estrelas em seus cursos. O rastejar de um pulgão sobre um botão de rosa é tão completamente ordenado quanto o desabamento de uma avalanche. Aquele que acredita em um Deus, deve também acreditar nessa verdade. Não há um meio-termo entre isso e o ateísmo. Não há uma via média entre um Deus poderoso que opera todas as coisas pelo conselho soberano de sua vontade, e não existir Deus algum. Um Deus que não consegue fazer o que quer – um Deus cuja vontade é frustrada, não é um Deus, e não pode ser um Deus. Eunãopoderiacrernum Deus assim”.

[16]John Piper,The Justification of God: An Exegetical and Theological Study of Romans 9:1-23(Grand Rapids: Baker, 1993), 218, cf. 56-73.

[17]Ibid., 219.

[18]Sobreisso, ver John Piper, “Suffering and the Sovereignty of God: Ten Aspects of God's Sovereignty Over Satan and Satan's Hand in It”, emSuffering and the Sovereignty of God, 19-30. Aqui Piper usa uma linguagem bastante confusa (devido a seu determinismo) de “permissão”. Pelo que entendo, o que ele quer dizer quando diz que Deus “permite” algo é que (a) Deus determina que ele ocorrerá e então (b) não age a fim de sobrepor sua ordem anterior. Com relação à “permissão”, eu penso que a tese de João Calvino é mais consistente, mas visto que esse parece ser um debate intramuros entre os proponentes de S, eu não vou comentar mais a fundo aqui. Mas veja João Calvino, Institutas da Religião Cristã, I.xviii.1, e John S. Feinberg, No One Like Him: The Doctrine of God(Wheaton: Crossway, 2011), 696.

[19]Mark R. Talbot, “All the Good That Is Ours in Christ: Seeing God's Gracious Hand in the Hurts of Others Do to Us”, emSuffering and the Sovereignty of God, 43 (41-43), ênfase do original.

[20]Ibid., 43-44.

[21]Ibid., 47.

[22]Vejaaexplicaçãoem “What Does Piper Mean When He Says That He's a Seven-Point Calvinist?” em desiringgod.org (acessadoem 29 de março de 2008).

[23]Piper, “The Suffering of Christ and The Sovereignty of God”, 86.

[24]Ibid., 85.

[25]Ibid., 86.

[26]John Piper, “Are There Two Wills in God? Divine Election and God’s Desire for All to Be Saved”, emStill Sovereign: Contemporary Perspectives on Election, Foreknowledge, and Grace(ed. Thomas R. Schreiner e Bruce A Ware; Grand Rapids: Baker, 2000).Notavelmente, Piper não lança mão de dizer que (a) Deus realmente não ama a todos ou (b) que Deus ama a todos apenas no(s) sentido(s) associado(s) com a “graça comum”.

[27]Ibid., 126-27.

[28]Como sua visão poderia funcionar associada à doutrina da simplicidade divina não está nem um pouco claro.

[29]1 Coríntios 14:33 aparece no contexto de uma discussão sobre ordem no culto (não uma discussão sobre a(s) vontade(s) de Deus). Mas, ainda assim, parece claro que as recomendações para o culto dadas aqui são devido a quem Deus é – um Deus de paz, e não de confusão.

[30]Karl Barth,Church DogmaticsIV/1, 186.

[31]Piper, “Are There Two Wills in God?”, 126.

[32]Ibid., 128.

[33]Ibid., 129.

[34]Ibid.

[35]Ibid., 130.

[36]Piper,TheJustificaton of God, 218-19.

[37]Ibid., 219.

[38]Ibid., 215-16, de Daniel Fuller,The Unity of the Bible: Unfolding God's Plan for Humanity(Grand Rapids: Zondervan, 1992), 445-48.

[39]Piper,The Justification of God, 215-16 n. 33.

[40]Mais precisamente, o “resplandecer” seria imperfeito. Mas desde que esse “resplandecer” é ele mesmo necessário para essa teologia, não é preciso que nos detenhamos aqui.

[41]Piper, “The Suffering of Christ and the Sovereignty of God”, 82.

[42]Quando digo “interpretando Edwards”, não faço julgamento algum da interpretação de Piper dos escritos de Edwards.

[43]Porexemplo, Piper,The Justification of God, 121-22.

[44]Ibid., 188, ênfase do original.

[45]John Piper,The Pleasures of God(Portland: Multnomah, 1991), 39.

[46]David Bentley Hart,The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami?(Grand Rapids: Eerdmans, 2005), 27.

[47]Ibid., 89.

[48]Ibid., 74.

[49]Ibid., 90.

[50]Ibid., 90-91. Aqueles tentados a descartar tais afirmações sem dar-lhes qualquer atenção deveriam revisitar as críticas feitas por Charles Hodge contra o perceptível “panteísmo” de Jonathan Edwards, por exemplo, em Systematic Theology: Volume One (Nova Iorque: Scribner’s, Sons, 1872), 577. O teólogo e filósofo reformado contemporâneo John W. Cooper julga que a teologia edwardiana é “melhor interpretada filosoficamente como uma forma de panenteísmo que beira ao panteísmo de Spinoza” (Panentheism, The Other God of the Philosophers: From Plato to the Present [Grand Rapids: Baker, 2006], 77).

[51]Gulag era o sistema de campos de trabalho forçado da União Soviética.

[52]Hart,The Doors of the Sea, 99.

[53]Realmente, o mal eterno é parte do maior bem para Deus. O mal, nessa definição, não tem um papel meramente temporário, pois a condenação eterna é necessária.

[54]Hart,The Doors of the Sea, 101.

[55]N. da T.: Mereologia é o estudo das propriedades lógicas da parte com relação ao todo, e das partes entre si no todo.

[56]Porexemplo, Piper,The Justification of God, 218.

[57]Ibid., 219.

[58]Veja a discussãofeitapor Thomas V. Morris,The Logic of God Incarnate(Ithaca: Cornell University Press, 1986), 38-41. Graeme Forbes explica isso com mais precisão quando diz que “a essência individual de um objetoxé um conjunto de propriedadesIque satisfaz estas duas condições: cada propriedadePemIé uma propriedade essencial dex, e não é possível que algum objetoy, distinto de [x], tenha todos os membros deI” (The Metaphysics of Modality [Oxford: Oxford University Press, 1985], 99).

[59]Alvin Plantinga, “Essence and Essentialism”, emA Companion to Metaphysics(ed.Jaegwon Kim e Ernest Sosa; Oxford: Blackwell, 1995), 138. Para ler mais sobre propriedades essenciais com relação aos conceitos modais, veja Kenneth Konyndyk,Introductory Modal Logic(Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1986), 113-14.

[60]E. J. Lowe,A Survey of Metaphysics(Oxford: Oxford University Press, 2002), 96.

[61]Assim, se Deus existe necessariamente, então a ira divina deve existir (todas as vezes) em todos os mundos possíveis. Se, ao contrário, Deus existe contingencialmente, então a ira divina existe (todas as vezes) em todos os mundos possíveis nos quais Deus existe.

[62]N. da T.: Do francês, “sem”. No contexto, “a despeito do”, “mesmo sem ter”.

[63]Piper,The Justification of God, 215.

[64]Citadoem John Piper, “Is God Less Glorious Because He Ordained that There Be Evil?” em desiringgod.org (acessadoem 29 de março de 2007).

[65]Ibid.

[66]Piper,The Justification of God, 216.

[67]O problema é ainda maior se, na visão de Piper, apenas um mundo possível é factível para Deus. Em resposta à pergunta “Deus está causalmente determinado a criar como ele cria por causas sobre as quais ele não tem controle?”, Thomas P. Flint responde dizendo, “é claro que não. Nãocausas externas a Deus que poderiam, por assim dizer, colocá-lo em movimento, pois Deus é o criador livre de todos os agentes causais. Tampouco é plausível pensar que fatores internos (relacionados à sua natureza ou caráter, digamos) sobre os quais ele não tenha completo controle determinem sua atividade criativa. Pois se assim fosse, então este mundo seria o único genuinamente possível, e todas as verdadeiras distinções entre necessidade e contingência entrariam em colapso, como também a gratuidade tanto da criação de Deus quanto de nossa existência” (Divine Providence: The Molinist Account[Ithaca: Cornell University Press, 1998], 30). Além dos pontos argumentados por Flint, parece que há mais uma pergunta que Piper precisa responder: se as ações de Deus são determinadas (mesmo que por sua própria natureza), em que sentido significativo seria possível dizer que eleescolhequem será salvo e quem será condenado?

[68] N. T. Wright, “Review of The Justification of God”, EvQ(1986): 83, ênfase do original.

[69]N. da T.: Em Lógica, “=df” significa “é por definição”.

[70] Karl Barth, Church DogmaticsIV/1, 185.

[71]David Bentley Hart,The Beauty of the Infinite: The Aesthetics of Christian Faith(Grand Rapids: Eerdmans, 2002), 166.

[72]Piper pareceemitirtaisnegaçõesemThe Pleasures of God, porexemplo, 18, 48.

[73] Hart, The Doors of the Sea, 78.

[74]Outros exegetaseruditosconcordam com a interpretaçãogeral de Piper apontadaaqui (da leitura causal); vejaespecialmente Thomas R. Schreiner, Romans(Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids: Baker, 1998), 519-21, e Douglas J. Moo, The Epistle to the Romans(Grand Rapids: Eerdmans, 1996), 604-8. Moo diz que fazer “uma decisão entre essas opções é difícil” em bases exegéticas (por exemplo, p. 523); se Moo concordaria ou não é outro assunto.

[75]Ben Witherington III,Paul's Letter to the Romans: A Social-Rethorical Commentary(Grand Rapids: Eerdmans, 2004), 257.

[76]Witherington III,Romans, 257. Witherington vê os versículos 22-23 como se referindo não “àqueles que são salvos ou condenados desde a fundação do mundo, mas sim a vasos que estão atualmente relacionados a Deus positivamente ou aqueles que atualmente não estão” (p. 252).

[77] Piper, The Justification of God, 211.Veja também Moo, Romans, 607. Schreiner concorda com Piper nesse ponto, mas (até onde vejo), ele rejeita a voz média em favor da passiva porque “a voz média é bastante rara no NT, enquanto que a voz passiva é comum”, (Romans, 521).

[78]Piper,The Justification of God, 211.

[79]Ibid.

[80]Ibid.

[81]João Crisóstomo,In Epistolam ad Romans homil.XVI.v. Podemos ver nesse contexto uma clara indicação de que (a) a predestinação sucede a presciência, e (b) o amor de Deus é sem limites. Sobreaexegese de Crisóstomo, vejaWitherington III, Romans, 258.

[82]Piper,The Justification of God, 213.

[83]Ibid.

[84]Ibid., 213-14.

[85]Outros proponentes deSpodem ver isso como algo bom.

[86]Piper,The Justification of God, 188, ênfase do original.

[87]Ibid., 186.

[88]Ibid., 187. A analogia em si mesma não é muito clara – por que deveríamos pensar que o artesão é habilidoso porque algumas de suas obras é de qualidade inferior?

[89]Ou, de maneira mais modesta, pelo menos Piper não demonstrou que isso é requerido pelas Escrituras.

[90]Talvez a traduçãomaislegível é aquela de Henry Bettenson, ed., Documents of the Christian Church(2ª ed.; Oxford: Oxford University Press, 1963), 62. Claro que Piper está livre para rejeitar isso sem maiores considerações, mas, dado o seu compromisso com o “cristianismo histórico e ortodoxo” (veja John Piper, “Is the Glory of God at Stake?” em desiringgod.org [acessado em 07 de dezembro de 2005]), não é fácil ver como ele poderia fazer isso com consistência.

[91]N. da T.: Do grego “páthos”. É a qualidade de uma experiência ou trabalho artístico que incita sentimentos de compaixão, de simpatia, de sofrimento, ou de tristeza.

[92]Hart,The Doors of the Sea, 77.

[93]John Webster, “God’s Aseity”, em Realism and Religion: Philosophical and Theological Perspectives(ed. Andrew Moore e Michael Scott; Aldershot: Ashgate, 2007), 158.

[94]John D. Zizioulas,Being as Communion: Studies in Personhood and the Church(Nova Iorque: St. Vladmir's Seminary Press, 1985), 45, ênfase do original.Para o mesmo sentimento de uma perspectiva confessional reformada (e não da Igreja Ortodoxa), ver Thomas F. Torrance,The Christian Doctrine of God: One Being, Three Persons (Edinburgh: T & T Clark, 1996), esp. 165-66.

[95]Agradecimentos a Phil Brown, Jim Beilby, Dave Baggett, e Jerry Walls pelas críticas e comentários encorajadores em um rascunho mais preliminar deste ensaio.

 

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