Dr. William Lane Craig
Partidários da doutrina da perseverança dos santos
caracteristicamente sustentam que, uma vez que uma pessoa seja verdadeiramente
regenerada, não meramente ela não irá apostatar, mas que ela literalmente não
pode decair da graça e perder-se. Comumente se pensa que esta conclusão segue
do caráter irresistível e da eficácia intrínseca da graça de Deus: uma pessoa que
foi regenerada pelo Espírito Santo é tão dominada pelo amor, poder e majestade
de Deus, que ela simplesmente se torna incapaz de cometer apostasia. Por essa
razão, todo aquele que através da operação soberana de Deus tem chegado ao
conhecimento de Deus irá perseverar até o fim e ser salvo.
Entretanto, esta doutrina se coloca incomodamente com numerosas
passagens na Escritura que advertem os fiéis do perigo da apostasia e descrevem
os terríveis fins daqueles que caem da graça (por exemplo, Rm 11.17-24; 1Co
9.27; Gl 5.4; Cl 1.23; 1Ts 3.5; 1Tm 1.19, 20; 2Tm 2.17, 18; Tg 5.19, 20; 2Pe
2.20-22; 1Jo 5.16). O escritor da Epístola aos Hebreus, cujos leitores estavam
tentados a voltar ao Judaísmo sob a pressão da perseguição, é especialmente
explícito, alertando e exortando seus leitores contra o perigo da apostasia
(6.1-8; 10.26-31), “para que ninguém caia” no mesmo exemplo de desobediência (4.11).
Embora alguns partidários da doutrina da perseverança têm tentado
minimizar seu significado explicando tais passagens, primeiramente, sustentando
que elas dizem respeito a pessoas que nunca foram verdadeiramente regeneradas,[1] tal alegação parece altamente duvidosa em
virtude da linguagem destas admoestações, que parecem claramente ser
direcionadas a crentes regenerados.[2] À luz deste fato, os defensores da
perseverança que consideram estas passagens como sérias advertências aos
cristãos têm oferecido uma outra explicação da compatibilidade da doutrina da
perseverança e das advertências contra a apostasia: as próprias advertências
são o meio pelo
qual Deus preserva os eleitos.[3] Berkhof, por exemplo, observa,
Há advertências contra a
apostasia que pareceriam completamente sem razão de ser, se o crente não
pudesse cair... Mas estas advertências consideram a questão toda a partir do
lado do homem e seu propósito é sério. Elas incitam os crentes ao exame de si
mesmos e servem de instrumento para mantê-los no caminho da perseverança. Não
provam que alguns dos seus destinatários irão apostatar da fé, mas simplesmente
que o uso dos meios é necessário para impedi-los de cometer este pecado.[4]
Advertindo os crentes contra a apostasia, Deus assegura que eles
não irão cometer apostasia.
Esta engenhosa resposta levanta toda sorte de questões
intrigantes. Por exemplo, se a vontade do crente é tão dominada pela graça de
Deus que ele de fato é incapaz de apostatar, então por que proferir tais
advertências? Elas não seriam inteiramente supérfluas? Se, por outro lado, são
as próprias advertências que efetuam a perseverança, então não é verdadeiro que
o crente é capaz de
apostatar, mesmo que, por causa das advertências, ele não irá se apostatar? Pois
advertências não parecem agir como causas eficientes sobre a vontade, forçando
alguém a agir de uma certa maneira; elas podem ser desobedecidas. Contraste,
por exemplo, o fato de eu falar inglês como resultado de ser criado por pais de
língua inglesa: eu estou determinado a falar inglês; eu não posso
repentinamente escolher começar a falar vietnamita. Eu não tenho liberdade para
simplesmente escolher qual língua falo. Agora, no caso das advertências, se
elas são severas o suficiente e eu sou prudente, então certamente darei atenção
a elas. Mas em virtude de ser advertido, não penso que queiramos dizer que
minha liberdade tem, por meio disso, sido removida; está ainda dentro de minha
capacidade desconsiderar as advertências, e se sou imprudente o bastante,
talvez farei exatamente isso. Se então é meramente as advertências que garantem
a perseverança, parece que o crente é de fato livre para desobedecê-las e
apostatar, ainda que ele não irá. Eu assumirei, portanto, que as advertências
não removem a liberdade humana.
O que parece estar em jogo na pergunta que estou levantando é uma
proposição contrária aos fatos como
1. Se as advertências não tivessem sido dadas, os crentes teriam
apostatado.
O defensor da perseverança considera (1) como verdadeiro ou não?
Se ele acredita que (1) é verdadeiro, então parece claro que os crentes são de
fato capazes de apostatar, pois nos mais próximos mundos possíveis em que o
antecedente de (1) é verdadeiro, eles apostatam.
Agora, o defensor da perseverança poderia insistir que, mesmo se
(1) for verdadeiro, todavia, dado
o fato que os crentes têm, de fato, sido advertidos, eles não podem
apostatar-se. Mas esta resposta comete um erro que é prevalecente nas
discussões de pré-conhecimento divino e liberdade humana, a saber, confundir a
necessidade de uma proposição in
sensu composito com sua necessidade in sensu diviso. Proponentes do fatalismo
teológico muitas vezes deixam de distinguir estes dois sentidos ao considerar
uma proposição como
2. O que quer que seja pré-conhecido por Deus deve ocorrer, o que
eles consideram exigir uma negação da liberdade humana.
Mas (2) in
sensu composito significa meramente
2*. Necessariamente, qualquer evento que seja pré-conhecido por
Deus irá ocorrer.
Neste caso, o que é necessário não é a ocorrência de qualquer
evento per se,
mas o estado composto das coisas consistindo do pré-conhecimento de Deus do
evento e a ocorrência do evento. Toda a combinação é necessária, mas não os
pares em particular. Por essa razão, esta necessidade in sensu composito de
forma alguma é adversa à liberdade humana. Por outro lado, (2) in sensu diviso significa
2**. Necessariamente, qualquer evento, que seja pré-conhecido por
Deus, irá ocorrer.
Isto não exige uma negação da liberdade humana, visto que o que é
necessário é qualquer evento. Neste caso, não temos uma mera necessidade
composta, mas um dos pares é afirmado ser necessário. O oponente do fatalismo
teológico irá alegar que (2) quando entendido in sensu diviso, isto é, como (2**), é falso,
mas quando entendido in
sensu composito, isto é, como (2*), é verdadeiro, e que por isso o
fatalismo teológico falha.
Similarmente, no caso da perseverança, se (1) é verdadeiro, então
a proposição
3. Qualquer crente que foi advertido por Deus não pode
apostatar-se
É no melhor dos casos verdadeiro in sensu composito, em outras palavras, é
verdadeiro que
3*. Necessariamente, um crente que foi advertido por Deus não irá
apostatar-se.
Mas de acordo com (3*) não é impossível que o crente cometa
apostasia, o que é impossível é a combinação da advertência de Deus a ele e sua
apostasia. A necessidade afirmada por (3*) é atribuída somente ao estado
composto de coisas consistindo da advertência de Deus a um crente e a sua
permanência na fidelidade. Mas esta necessidade composta de forma alguma remove
a liberdade ou capacidade do crente de apostatar. Por outro lado, (3) é falso in sensu diviso, em outras
palavras, é falso que
3**. Necessariamente, um crente, que foi alertado por Deus, não
irá apostatar-se.
Pois se (1) for verdadeiro, então ainda que seja impossível ao
crente tanto ser advertido quanto apostatar-se, é possível que ele cometa
apostasia. Por essa razão, se (1) for verdadeiro, então a doutrina da
perseverança classicamente entendida é falsa: o crente pode apostatar-se, mas
necessariamente, se ele foi advertido por Deus, ele não irá apostatar-se.
Mas então
suponha que o defensor da perseverança diga que (1) é falso, isto é, que o
oposto de (1) é verdadeiro.[5] Nesse caso, as advertências pareceriam
ser supérfluas. Pois se a graça de Deus é intrinsecamente eficaz de modo que o
crente não pode apostatar-se, então é causalmente impossível que o crente
cometa apostasia. Deus faz com que ele persevere na graça. Visto nesta luz, a
doutrina da perseverança é um termo errôneo; pois não é na verdade perseverança, mas preservação que está em
discussão aqui. O ponto crucial é que Deus preserva o crente no estado de graça
causalmente agindo sobre ele, e por isso, é causalmente impossível que ele
cometa apostasia, e dessa forma ele persevera. Mas se sua apostasia é
causalmente impossível, então nenhuma advertência é necessária e as admoestações
da Escritura perdem toda a seriedade.
O defensor da
perseverança pode se libertar deste dilema, entretanto. Ele poderia sustentar
que (1) é falso, mas argumentar que a razão de ser falso não é porque é
causalmente impossível que o crente cometa apostasia, mas porque
4. Se as
advertências não tivessem sido dadas, então Deus teria proporcionado algum outro meio de garantir que
o crente perseveraria na graça.
Ele poderia
argumentar que, devido à fidelidade e amor de Deus pelos eleitos, é uma
impossibilidade completamente lógica que um crente cometa apostasia, porque em
todo mundo possível em que um crente existe, Deus proporciona algum meio de
assegurar sua perseverança. Visto que simplesmente não há mundos possíveis em
que crentes caiam da graça, os mundos mais próximos em que o antecedente de (1)
é verdadeiro deve ser mundos em que os crentes perseverem. As razões deles
perseverarem podem ser numerosas, e não há razão para pensar que os crentes em
qualquer mundo são causalmente constrangidos a perseverar. Nem pode alguém
inferir da falsidade de (1) ou da verdade de (4) que as advertências bíblicas
não são os meios pelos quais Deus garante no mundo real que os crentes
perseverem.
Mas o problema
com tal resposta é que ela claramente não distingue a doutrina clássica da
perseverança de uma versão molinista dessa doutrina.[6] O cerne da questão se encontra na eficácia
da graça de Deus: a graça de Deus é intrinsecamente eficaz ou extrinsecamente
eficaz? De acordo com a doutrina clássica da perseverança, a graça de Deus é
intrinsecamente eficaz em produzir seu resultado, o que equivale a dizer, a
graça infalivelmente produz seu efeito. Mas de acordo com Molina, a graça
divina é extrinsecamente eficaz, o que equivale a dizer, ela se torna eficaz
quando se une à livre cooperação da vontade humana. Na opinião de Molina, Deus
dá graça suficiente para a salvação a todos os homens, mas ela se torna eficaz
somente nas vidas daqueles que respondem afirmativamente a ela.
Agora, dentro
do Molinismo, existe uma escola chamada Congruísmo que concordaria um tanto
apropriadamente com (4) e até com a impossibilidade claramente lógica de um
crente cair da graça e, todavia, insistir que tal argumentação de forma alguma
é incompatível com as asserções de que o crente livremente persevera e até que
se encontra dentro da capacidade do crente renunciar a graça de Deus e
apostatar-se.[7] O Congruísmo, como representado, por
exemplo, por Suarez, defende que logicamente antes do decreto de Deus da
criação, Deus livremente escolheu certos indivíduos para obterem a
bem-aventurança. Por meio de Seu conhecimento médio, Deus sabia quais dons da
graça seriam eficazes em extrair a resposta afirmativa livre destas vontades
humanas. Por essa razão, Ele decretou criar um mundo contendo estes indivíduos
e para lhes conferir esses dons da graça aos quais Ele sabia que livremente
responderiam. Estes dons são extrinsecamente, não intrinsecamente, eficazes,
visto que a vontade humana é livre para rejeitar tal graça, mas visto que tais
dons são selecionados de acordo com o conhecimento médio de Deus, eles são
congruentes com cada vontade criada, e por isso são infalivelmente deparados
com uma resposta afirmativa. Deus sabe por meio de Seu conhecimento médio que
ainda que o indivíduo poderia
rejeitar Seus dons particulares da graça, de fato ele não iria rejeitá-los. Suarez
parece sugerir que em qualquer mundo logicamente possível em que um indivíduo
eleito existe, Deus concede, baseado em Seu conhecimento médio, graça
congruente sobre essa pessoa, que assegura sua livre resposta. Aplicado à
questão da perseverança, o Congruísmo poderia sustentar que Deus, por meio de
Seu conhecimento médio, sabe exatamente quais dons da graça conceder em
qualquer mundo possível à vontade de cada crente de modo a extrair uma resposta
contínua de fé dessa pessoa. Conseqüentemente, todo crente irá perseverar até o
fim em qualquer mundo que ele exista, ainda que ele seja livre e se encontra
dentro de sua capacidade rejeitar quaisquer dons particulares da graça de Deus.
Tal doutrina
congruísta da perseverança se mostra muito paradoxal porque, ainda que o crente
livremente persevera e é capaz de rejeitar a graça de Deus, todavia não há
nenhum mundo logicamente possível em que ele cometa apostasia. Tal doutrina é
coerente?
Parece
coerente, penso, para o congruísta manter que o crente livremente persevera
ainda que ele não seja livre para apostatar-se. Que o crente livremente
persevera é evidente do fato que, para qualquer graça congruente particular concedida a
ele, há mundos em que o crente rejeita essa
graça. Mas por meio de Seu conhecimento médio, Deus em cada um
desses mundos oferece ao crente algum outro
dom da graça ao qual Deus sabe que o crente livremente responderá. Então, mesmo
que não haja mundos possíveis nos quais um crente cometa apostasia, não
obstante os crentes livremente perseveram. O ponto crucial, mais uma vez, é que
a graça de Deus é somente extrinsecamente eficaz, e por isso a liberdade do
crente não é causalmente constrangida pela ação de Deus.[8]
Mas o crente é
livre para abandonar a fé e apostatar-se? Por outro lado, não pareceria, visto
que é uma impossibilidade completamente lógica que ele cometa apostasia.
Certamente se um agente é livre para fazer alguma ação A, então deve ser uma
possibilidade completamente lógica para ele fazer A! Mas por outro lado, nada causalmente o
constrange em qualquer mundo a perseverar, de modo que a impossibilidade
completamente lógica de sua apostasia depende de seu livre-arbítrio. Então como
ele não pode ser livre? Parte do problema aqui é que a introdução de um Deus
anselmiano na esfera da modalidade completamente lógica embaralha nossas
percepções do que deve ser considerado como uma possibilidade completamente
lógica ou uma necessidade. Por exemplo, parece intuitivamente óbvio que um
mundo possível existe no qual coelhos são a forma mais alta de vida que existem
em constante miséria. Mas como Thomas Morris observa, tal mundo é de fato uma
impossibilidade completamente lógica porque seria inconsistente com um Deus anselmiano.
Um ser maximamente perfeito não criaria uma situação de sofrimento constante
como esse. Dessa forma, “...mundos concebíveis são (ao menos parcialmente) aqueles que,
caso, per impossibile,
o Deus anselmiano não existisse, seriam possíveis.”[9] Similarmente, nesse caso
à disposição temos o que parece intuitivamente ser um mundo logicamente
possível (um no qual os crentes cometem apostasia), mas que se mostra ser
completamente impossível porque Deus em Sua bondade essencial sempre age de
modo a ganhar a resposta afirmativa livre dos crentes à Sua graça. Na raiz do
paradoxo aqui parece estar uma deficiência na moderna classe de teoria das
condições da verdade das proposições contrafactuais de Stalnaker-Lewis, a
saber, a incapacidade da teoria de lidar com contrafatos que têm antecedentes
impossíveis. Pois o que realmente queremos saber não é se (1) é verdade, mas se
é verdadeiro que
1*. Se as
advertências não tivessem sido dadas e Deus não tivesse proporcionado dons da
graça, os crentes teriam cometido apostasia.
O problema é
que na opinião que estamos atualmente considerando, o antecedente é uma
impossibilidade completamente lógica porque Deus é bom demais para falhar em
proporcionar dons adicionais da graça. Conseqüentemente, tendo um antecedente
impossível, (1*) é vagamente verdadeiro, mas dessa forma é sua contraditória,
visto que não há mundos que permitam antecedentes. Mas intuitivamente queríamos
dizer que (1*) é falso se a graça de Deus é intrinsecamente eficaz e
não-vagamente verdadeiro se Sua graça é extrinsecamente eficaz.
Conseqüentemente, o congruísta estaria justificado em sustentar a liberdade do
crente para apostatar ainda que não haja mundos em que ele exerça essa
liberdade. Esta conclusão parece exibir a verdade da observação de Plantinga
que o emprego de mundos possíveis não é adequado para lançar muita luz sobre a
opinião de “dentro
da capacidade de alguém.”[10]
Mas o
congruísta está confinado em qualquer caso à posição de que não há mundos
possíveis nos quais os crentes cometam apostasia? Uma cuidadosa reflexão sugere
que não. Pois o conceito da graça congruente não significa graça que não pode ser rejeitada
pela vontade criada, mas graça que é tão adequada à vontade criada que se for
oferecida, ela não seria rejeitada.
Conseqüentemente, mundos possíveis existem nos quais a graça que de fato seria
congruente e eficaz, fosse ela oferecida, é rejeitada e, por isso, ineficaz.
Nem precisa tais mundos ser mundos nos quais alguma outra graça oferecida por
Deus seja congruente. O congruísta pode sustentar que em alguns mundos como
esse toda graça
oferecida por Deus é rejeitada pela vontade criada. A integridade da bondade e
fidelidade de Deus ao crente é conservada em tais mundos porque Ele oferece ao
crente a mais graciosa ajuda que Ele pode, mas o crente apóstata rejeita todo
dom da graça que lhe é oferecido. Nem tal possibilidade compromete a doutrina da
perseverança, visto que o congruísta irá sustentar que tais mundos não são
factíveis ou realizáveis por Deus porque o crente de fato responderia a tais
graciosas ajudas fossem elas na verdade oferecidas.[11] Em todo mundo realizável por Deus, Suas
várias graças são congruentes e eficazes; por essa razão, não há nenhum mundo
realizável em que os crentes cometam apostasia e se percam. Isto pode parecer
estranho à primeira vista porque a palavra “factível,” que normalmente é usada
para descrever a série de mundos realizáveis por Deus, tende a carregar com ela
a conotação de que mundos não factíveis para Deus são mundos que Ele gostaria
de realizar (como mundos nos quais todas as criaturas livremente sempre
reprimem o pecado), mas não pode porque as vontades humanas deixam de cooperar.
Mas no caso da perseverança, Deus sem dúvida alguma está satisfeito que mundos
nos quais os crentes cometam apostasias são impraticáveis para Ele, e isso
porque as vontades humanas sempre cooperam
com Sua graça. Por isso, uma doutrina congruísta da perseverança não exige que
não haja mundos logicamente possíveis nos quais os crentes caiam da graça.
Nesta luz (4)
pode ser mais claramente expressado como
4.’ Se as
advertências não tivessem sido dadas, Deus teria proporcionado outros dons da
graça e o crente teria respondido livremente a estes.
O congruísta
considera (4’) como verdadeiro, mas acredita que haja mundos possíveis nos
quais o crente rejeita todos os outros dons da graça divina oferecidos a ele;
ele acrescenta meramente que todos esses mundos são impraticáveis para Deus.
Está por essa razão claro que enquanto todos os crentes verdadeiramente
regenerados irão perseverar até o fim, não obstante eles são livres para
cometer apostasia.
Portanto, se o
defensor clássico da perseverança for distinguir sua opinião de uma perspectiva
molinista, ele deve fazer mais do que insistir na verdade de (4). Pois o
congruísta também irá insistir que os crentes sempre perseveram na graça e que
se as advertências bíblicas não fossem dadas, Deus teria oferecido aos crentes
outros dons da graça que Ele sabia ser congruentes; mas ele também insistirá
que o crente é inteiramente livre para rejeitar a graça de Deus e apostatar-se.
O defensor clássico da perseverança deve, parece, se ele deve distinguir sua
opinião do Molinismo, se ater à eficácia intrínseca da graça de Deus e,
conseqüentemente, à impossibilidade causal da apostasia do crente. Mas nesse
caso, as advertências da Escritura contra o perigo de apostasia parecem se
tornar fúteis e artificiais. Talvez o melhor caminho para o defensor clássico
tomar seja adotar uma espécie de ocasionalismo
admonitório: que na ocasião de alertar o crente contra a apostasia
Deus infunde Sua graça intrinsecamente eficaz para a perseverança.
Manter que as
advertências da Escritura são os meios pelos quais Deus garante a perseverança
dos eleitos é de fato adotar uma perspectiva molinista. Essa perspectiva não
precisa ser tão radical como o Congruísmo. O molinista que se atém à
perseverança dos santos pode considerar (4) e (4’) como falsos porque, em
contradistinção ao congruísta, ele acredita que há mundos realizáveis nos quais
os crentes rejeitam a graça de Deus e cometam apostasia. Em outras palavras,
tais mundos não são meramente possíveis logicamente, mas são factíveis para
Deus. Mas o molinista que adere à perseverança irá acrescentar simplesmente que
Deus não decretaria realizar quaisquer destes mundos, ou até mais
comedidamente, que Deus de fato não decretou realizar tal mundo. No mundo que
Ele escolheu realizar, os crentes sempre perseveram na fé. Talvez as
advertências na Escritura sejam os meios pelos quais Deus debilmente realiza
sua perseverança. Em outras palavras, no momento logicamente anterior à
criação, Deus por meio de Seu conhecimento médio sabia quem livremente
receberia Cristo como Salvador e que espécies de advertências contra a
apostasia seriam extrinsecamente eficazes em impedi-los de apostatarem-se.
Portanto, Ele decretou criar para ser salvas somente aquelas pessoas que Ele
sabia que livremente responderiam às Suas advertências e dessa forma
perseverariam, e Ele simultaneamente decretou proporcionar tais advertências.
Por causa disso o crente certamente irá perseverar e todavia ele age dessa
forma livremente, considerando seriamente as advertências que Deus lhe tem
dado.
Obviamente, o
Molinismo não infere a doutrina da perseverança dos santos. O defensor do
conhecimento médio poderia sustentar que logicamente anterior à criação Deus
sabia que não haveria nenhum mundo factível para Ele no qual todos os crentes
perseverariam ou que, se houvesse, tais mundos tinham deficiências
predominantes em outros aspectos. Portanto, as advertências da Escritura não
garantem a perseverança dos crentes, pois os crentes podem e as ignoram.
Todavia, não me parece que aqueles que interpretam as advertências da Escritura
como os meios pelos quais Deus assegura a perseverança dos santos abandonaram o
entendimento clássico dessa doutrina e adotaram em seu lugar uma perspectiva do
conhecimento médio sobre a perseverança.
Tradução: Paulo Cesar
Antunes
_________________________
Notas:
[1] Esta parece ter sido a
posição de João Calvino Institutes
of the Christian Religion 3.3.21,24; 4.1.10; 4.24.6-11. VejatambémseuscomentáriossobreHb 6 e 10 emJoão Calvino, Calvin's Commentaries,
vol. 12: The Epistle of Paul
the Apostle to the Hebrews and the First and Second Epistles of St. Peter,
trad. Walter B. Johnston (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans, 1963).
[2]Veja I. Howard Marshall, Kept
by the Power of God (Minneapolis: Bethany Fellowship, 1983).
[3]Veja, porexemplo, Judy Gundry-Wolf, “Perseverance and Falling Away in
Paul's Thought” (D. Theol. dissertation, Eberhardt-Karls-UniversitätTübingen,
1987); para umacrítica, veja I. H. Marshall, “Election and Calling to Salvation
in 1 and 2 Thessalonians,” ensaio lido no 38º Colloquium BiblicumLovaniense, 1988, a
serpublicadonaBibliotheca
EphemeridumTheologicarumLovaniensium.
[4] Louis Berkhof, Teologia Sistemática
(Campinas, SP: Luz Para o Caminho, 3ª. ed., 1994), p. 552.
[5] Isto é, que se as
advertências não tivessem sido dadas, os crentes não teriam se apostatado. O
defensor da perseverança poderia dizer que ambos (1) e seu oposto são falsos,
mas eu considero esta posição como improvável. Veja minha crítica desta posição
em Divine Foreknowledge and
Human Freedom (Leiden: E.J. Brill, 1990), cap. 13.
[6]Veja Luis Molina, On
Divine Foreknowledge: Part IV of “De LiberiArbitrii cum Gratia Donis,
Praescientia, Providentia, Praedestinatione et Reprobatione Concordia,”
trad. com Introdução e Notas de Alfred J. Freddoso (Ithaca, N.Y.: Cornell
University Press, 1988); William Lane Craig, The
Problem of Divine Foreknowledge and Future Contingents from Aristotle to
Suarez, Brill's Studies in Intellectual History 7 (Leiden: E.J.
Brill, 1988), caps. 7, 8; Dictionnaire
de théologiecatholique, ed. A. Vacant, E. Mangenot, e E. Amann
(Paris: LibrairieLetouzey et ane, 1929), s.v. “Molinisme,” de E.
Vansteenberghe, vol. 10, pt. 2, cols. 2094-2187.
[7] Veja Francisco Suarez, Opera omnia, vol. 10: Appendix prior: Tractatus de vera
intelligentia auxilii efficacis, ejusque concordia cum libertate voluntarii
consensus 1, 12, 13, 14; idem De
concursu et auxlio Dei 3.6, 14, 17, 20; Craig, Divine Foreknowledge and Future
Contingents, cap. 8; Dictionnaire
de théologie catholique, s.v. “Congruisme,” de H. Quillet, vol. 3,
pt. 1, cols. 1120-38.
[8] Veja as muito
estimulantes observações de Thomas V. Morris, The Logic of God Incarnate (Ithaca, N. Y.:
Cornell University Press, 1986), pp. 151-52. Ele imagina um caso no qual o
cérebro de Jones é ligado com elétrodos de tal forma que se ele tentasse
escolher diferentemente do que ele escolhe, os elétrodos seriam ativados e
impediriam essa escolha. “Ele não poderia possivelmente ter feito de outra forma, mas, para
falar a verdade, nada à parte de suas próprias decisões o efetuou aquilo que
ele fez como ele fez” (Ibid., p. 152). Substitua elétrodos pela graça congruente de
Deus e vemos que Jones livremente persevera ainda que não haja mundos nos quais
ele não persevera. De fato, visto que a graça de Deus é, diferente de
elétrodos, somente extrinsecamente eficazes, a livre perseverança de Jones é
tanto mais evidente.
[9] Morris, Logic of God
Incarnate, pp. 112-13.
[10] Alvin Plantinga, “Ockham’s Way Out,” Faith
and Philosophy 3 (1986): 265.
[11]Sobre a noção de mundosfactíveis para Deus, veja Thomas P. Flint, “The
Problem of Divine Freedom,” American
Philosophical Quarterly 20 (1983): 257.
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