segunda-feira, 17 de maio de 2021

A Presciência de Deus Anula o Livre Arbítrio Humano?

A PRESCIÊNCIA DE DEUS ANULA O LIVRE ARBÍTRIO HUMANO?

 

Por Jack Cottrell

 

PERGUNTA: Me parece que a presciência não elimina o livre arbítrio, porém, várias pessoas que eu conheço acreditam que sim. Eles argumentam que, se Deus conhece o que vai acontecer amanhã, isso significa que é um fato estabelecido, removendo quaisquer escolhas de livre vontade que se pode fazer amanhã. O que você diz sobre isto?

RESPOSTA: Esta objeção à presciência Divina vem, nos dias atuais, especialmente do recente movimento teológico conhecido como “teísmo aberto.” Ele vem ganhando força desde a década de 80; alguns dos seus maiores representantes são Richard Rice, Clark Pinnock, John Sanders e Gregory Boyd. A discussão que segue, deste assunto, vem do meu recente livro, God Most High: What the Bible Says About God – Deus Altíssimo: O que a Bíblia Diz Sobre Deus. (2012), páginas 99-101.

Uma das objeções do teísmo aberto contra a presciência declara ser impossível que eventos contingentes futuros, incluindo escolhas livres, sejam pré-conhecidos simplesmente porque eles ainda não existem. O futuro não aconteceu ainda; não existe nada no futuro para ser conhecido. A impossibilidade do pré-conhecimento não é uma fraqueza para Deus; ela é, simplesmente, exigida pela natureza das coisas.

Como respondemos a esta objeção? Primeiro, notamos que a Bíblia ensina a presciência Divina. Não podemos rejeitá-la, simplesmente, porque não a entendemos. Segundo, devemos relembrar a distinção qualitativa, entre o infinito Criador, transcendente, e nós, suas criaturas finitas. Não podemos limitar Deus às coisas que estão dentro do reino da possibilidade humana. Deus, em Sua natureza infinita, certamente, pode fazer coisas que não podemos e não entendemos. Imaginar como Deus pode conhecer o futuro ainda-para-acontecer, é uma questão legítima; porém, provavelmente nunca seremos capazes de respondê-la satisfatoriamente. Assim, devemos estar contentes em deixar, o “como” do pré-conhecimento, no reino do mistério e aceitar sua realidade, simplesmente, porque a Bíblia o ensina. É o cúmulo da arrogância rejeitar uma realidade tão gloriosa só porque não podemos envolver nossas mentes finitas, insignificantes, em torno dela. (Veja Cottrell “A Visão Arminiana Clássica da Eleição” em Perspectivas sobre a Eleição: Cinco Visões, 114-115).

A principal objeção do teísmo aberto contra a presciência divina, levantada também pelos calvinistas, é que tal pré-conhecimento dos atos humanos futuros é incompatível com o livre arbítrio. Isto é, se Deus sabe de antemão, desde antes da Criação, cada escolha que todo o mundo ainda fará, então, todas as escolhas humanas são fixas ou certas e, portanto, não podem ser livres. O pré-conhecimento, dessa forma, exclui o livre arbítrio em qualquer sentido (libertário) verdadeiro. Um calvinista diz: o pré-conhecimento Infalível de um evento pressupõe a necessidade desse evento e, portanto, impede a sua real liberdade” (Donald Westblade, em Still Sovereign – Ainda Soberano [Baker 2000, 71]. Teólogos do teísmo aberto dizem a mesma coisa: Se o pré-conhecimento de Deus é infalível, então, o que Ele vê não pode deixar de acontecer… E, se o futuro é inevitável, então, a experiência aparente da livre escolha é uma ilusão” (Richard Rice, em The Grace of God, the Wil of ManA Graça de Deus, A Vontade do Homem [Zondervan, 1989], página 127).

Nós, aqui, negamos de forma categórica a validade desta afirmação e declaramos que a presciência, de modo algum, nega a contingência ou a liberdade das escolhas livres. A presciência não causa nem determina quaisquer dos eventos pré-conhecidos, assim como o testemunho de um observador de eventos atuais ― os quais estão se desenrolando diante dele ― não tem qualquer influência causativa sobre estes eventos. Pelo contrário, são os eventos que causam o conhecimento, tanto o conhecimento presente quanto o conhecimento prévio.

Além do mais, uma vez que o evento ocorreu, ele torna-se um evento passado e, portanto, torna-se “fixo” ou “certo” no sentido de que ele não pode ser mudado. Porém, isto não significa que todas as escolhas livres envolvidas nesse evento são, de alguma forma, roubadas de sua liberdade só porque o evento assumiu a característica de certeza. Aqui está um exemplo. Digamos que eu peço a você para assistir comigo um vídeo de um sermão que eu já assisti antes. Então, eu digo em um determinado ponto do vídeo: “eu sei exatamente o que o pregador vai dizer em seguida. Não há dúvida sobre isso. Ele vai dizer isso e aquilo.” E, assim, no vídeo, as palavras são ditas conforme eu predisse. Será que o meu “pré-conhecimento” destas palavras, de alguma maneira, afetou a liberdade do pregador quando as proferiu? Nem um pouco. Minha certeza, quanto ao que acontecerá no vídeo, de maneira nenhuma afeta a integridade do sermão conforme originalmente pregado. Na verdade, minha certeza é dependente do sermão conforme pregado. O pré-conhecimento de Deus funciona de maneira similar, exceto, que Ele vê a realidade dos eventos antes que eles aconteçam, ao invés de ver após o acontecimento. Porém, o pré-conhecimento de Deus não afeta a contingência dos eventos mais do que o meu conhecimento, após-o-fato, afeta um evento passado.

É um fato verdadeiro que todos os eventos futuros, incluindo as escolhas do livre arbítrio, são certas de acontecer, conforme pré-conhecidas; porém, não é o pré-conhecimento que as torna certas; elas apenas são certas. Então, o que as tornam certas? Os próprios atos, conforme previstos por Deus, da Sua perspectiva da eternidade. Todos concordariam que os eventos passados são certos. O que os tornam certos? O simples fato de que eles já aconteceram; da maneira como aconteceram. Os próprios atos os tornaram assim. Este mesmo princípio estabelece a certeza dos eventos futuros pré-conhecidos. Sua certeza não é definida pelo pré-conhecimento de Deus; pelo contrário, o pré-conhecimento de Deus é definido pela realidade dos próprios eventos. O fato de que Deus os vê “antes do tempo”, da Sua perspectiva de eternidade, significa que eles vão acontecer conforme Deus os vê; porém, eles vão acontecer por causa das genuínas escolhas livres dos sujeitos envolvidos.

Mas o cético ainda pergunta: se as escolhas futuras são certas, como elas podem ser livres? A fonte da confusão parece ser que, tanto o Calvinismo quanto o Teísmo Aberto, estão indo muito fundo no conceito de certeza, erroneamente, equiparando-o com necessidade. Este erro é visto na afirmação de Westblade, de que, “o pré-conhecimento infalível de um evento pressupõe a necessidade desse evento” (página 71, itálicos adicionados). Porém, até mesmo Agostinho argumentou que o pré-conhecimento não nega o livre arbítrio, chamando tal ideia de, “uma estranha tolice”![3] Armínio disse que, somente o decreto de Deus torna algo necessário, no sentido de que ele deve acontecer; Seu conhecimento, simplesmente, torna o evento certo, no sentido de que o evento vai acontecer.[4] A distinção adequada é entre “deve ocorrer” e “certamente vai ocorrer”.

Assim, concluímos que, as objeções contra a presciência não são válidas. Mesmo antes da Criação, Deus tinha o verdadeiro pré-conhecimento (conhecimento prévio, presciência), de todos os eventos futuros, incluindo, todas as escolhas livres. Não obstante, este pré-conhecimento signifique que todos os eventos futuros são, na verdade, certos de acontecer, conforme pré-conhecidos; o pré-conhecimento, por si só, não torna, qualquer evento futuro, necessário; e, portanto, não nega o livre arbítrio.

 

Tradução:Cloves Rocha dos Santos

 

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[1]Nota do tradutor: Este artigo foi publicado por Jack Cottrell no dia 09 de junho de 2014, no seu site, aonde ele, de forma fraterna, responde a várias perguntas relacionadas à vida cristã e também às dificuldades bíblicas, por parte daqueles que visitam a sua página e se interessam pela sua opinião, nos assuntos abordados. (Fonte: http://jackcottrell.com/uncategorized/does-gods-foreknowledge-negate-mans-free-will/)

[2]Nota do tradutor: Jack Warren Cottrell é um autor e teólogo cristão associado às Igrejas Cristãs Independentes / Igrejas de Cristo, às quais fazem parte do Movimento de Restauração Stone-Campbell. Ele tem sido professor de Teologia na Universidade Cristã de Cincinnati desde 1967. Ele é autor de numerosos livros sobre a Doutrina e Teologia cristã. Jack Cottrell nasceu em Kentucky e foi criado em Stamping Ground, Kentucky. Casou-se com sua esposa, Barbara, em 1958. Cottrell recebeu um Bacharelado em Artes (B.A.) em 1959 e um Bacharelado em Teologia (Th. B.) em 1960 do Seminário Bíblico de Cincinnati. Em seguida, recebeu um Bacharelado em Filosofia da Universidade de Cincinnati em 1962. A seguir, ele recebeu um Mestrado em Divindade (M.Div.) do Seminário Teológico de Westminster em 1965 e, por último, recebeu o doutorado em Filosofia (Ph. D.) em história de doutrina do Seminário Teológico de Princeton em 1971. Cottrell retornou à Universidade Cristã de Cincinnati, em 1967, como professor de Bíblia e Teologia. Desde então, escreveu mais de 20 livros sobre Doutrina e Teologia Cristã. Os tópicos freqüentes abordados por ele incluem a graça, fé, batismo, exatidão bíblica, bem como a natureza de Deus. Ele também já abordou questões como liderança e teologia feminista no cristianismo. Cottrell tem adicionalmente escrito diversos comentários bíblicos. As visões teológicas de Cottrell são semelhantes à opinião majoritária das Igrejas Cristãs Independentes / Igrejas de Cristo. Ele crer na inerrância da Bíblia. Ele também crer que o batismo por imersão é o momento, no qual, os pecados individuais são perdoados. Devido à sua sólida formação dentro dos círculos reformados, Jack Cottrell tem sido um crítico convicto do Calvinismo. Cottrell está casado com sua bela esposa Barbara por mais de 50 anos. Eles ministram na Igreja Cristã da cidade de Bright, no estado de Indiana, nos EUA, e residem na cidade de Lawrenceburg, Indiana. Ele e Bárbara têm três filhos e quatro netos. (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_Cottrell)

[3]Nota do tradutor: Agostinho, O Livre Arbítrio, [tradução, organização, introdução e notas Nair de Assis Oliveira ; revisão Honório Dalbosco]. — São Paulo: Paulus, 1995.— (Patrística), Seção 154, Livro III: capítulo III, verbete 8, página 157.

[4]Nota do tradutor: The Works of James Arminius – As Obras de Tiago Armínio, Vol. 1 (Christian Classics Ethreal Library, Grand Rapids, MI ), Seção III, Artigo 7, resposta . (fonte:http://www.ccel.org/ccel/arminius/works1.html)

 

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