Jack
Cottrell
Esta
breve série irá tentar explicar a essência e os erros do Calvinismo, focando
principalmente naquela que é chamada a sua forma “moderada”.
A
principal doutrina do Calvinismo é uma compreensão específica da soberaniade
Deus. K. Talbot e Crampton W. dizem: “A soberania de Deus é fundamental para o
Cristianismo. É o princípio mais básico do Calvinismo”.[1]Mas
todos os cristãos creem na soberania de Deus (ou seja, o Senhorio). Como o
Calvinismo é diferente?
Para
os calvinistas, dizer que Deus é soberano significa que ele é e deve ser a causafinal
de todas as coisas fora de si mesmo, até os detalhes mais minuciosos. “Deus é a
primeira causa de tudo o que existe, e nada existe que não seja preordenado por
ele”.[2]Esta
é uma forma de determinismo ou preordenação absoluta cristã. Como John Feinberg
diz: “Os calvinistas em geral são deterministas”.[3]
O
conceito controlador e definitivo para a compreensão calvinista da soberania
divina é a doutrina do decreto eterno. Por sua própria natureza, este
decreto estabelece o Calvinismo como um sistema determinístico, no qual cada
detalhe do universo em curso é pré-determinado (predestinado, preordenado) para
acontecer em conformidade com a vontade intencional de Deus. James White
declara que o ponto mais básico da teologia de Calvino é a “absoluta liberdade
e soberania de Deus em decretar tudo o que acontece no tempo”.[4]O
decreto é “uma determinação divina”, diz John Frame.[5]
Qual
é a natureza do decreto? Ele é eterno, porque foi feito na eternidade
passada, antes da criação e existência de qualquer coisa fora de Deus. É abrangenteou
todo-inclusivo, pois engloba “tudo o que acontece”, como diz a Confissão de Fé
de Westminster (III:1). Ele inclui tudo, desde os destinos das nações até o
movimento das partículas atômicas. Ele inclui especialmente as decisões de
todos os seres humanos, até mesmo os seus pecados.[6]
O
que torna o decreto determinista é que ele é eficazeincondicional.
“Eficaz” é da família de uma palavra latina que significa “produzir, ocasionar,
causar”. Que o decreto é eficaz significa que, em certo sentido, ele (ou a vontade
de Deus expressa nele) é a causaúltima de tudo. O que quer que aconteça,
acontece em virtude do fato de que faz parte do decreto. Como Herman Bavinck
diz: “A resposta final à pergunta: por que uma coisa é, e por que ela é como é,
deve sempre ser: ‘Deus a quis’, conforme sua absoluta soberania”.[7]
Que
o decreto é incondicional significa que nada nele foi condicionado por qualquer
coisa fora de Deus; Deus não incluiu qualquer coisa no decreto em resposta ou
reação a algo fora de si, tais como as escolhas humanas pré-conhecidas.[8]“Deus
inicia todas as coisas”.[9]O
que ele decreta e faz em nada depende da criatura. “Um decreto condicional
subverteria a soberania de Deus e... torná-lo-ia dependente das ações
voluntárias de suas próprias criaturas”, diz A. A. Hodge.[10]
O
decreto é, portanto, “um modelo para tudo o que acontece”.[11]John
Frame sugere a analogia de Deus como o autor de um romance que “concebe e traz
à existência todos os eventos que acontecem”, exercendo “controle completo
sobre seus personagens”.[12]
Este
conceito do decreto soberano cria vários problemas para os calvinistas. O
primeiro é a questão do livre-arbítrio humano. Se Deus é soberano no sentido
acima descrito, e se as ações humanas são “causalmente determinadas”,[13]como
pode verdadeiramente haver livre-arbítrio? E como problemas resultantes: se as
escolhas de um homem são predeterminadas, como ele pode ser responsabilizado
por elas? Especialmente, como ele pode ser responsabilizado e punido por seus
pecados? Além disso, se Deus decreta esses atos pecaminosos, isto não significa
que ele próprio é o responsável pelo pecado do homem?
Como
os calvinistas resolvem esses problemas? Aqueles mais radicais nem sequer
tentam; eles simplesmente declaram que o livre-arbítrio não existe e que o Deus
soberano tem o direito de fazer o que lhe traz a maior glória, incluindo o
pecado. Calvinistas mais moderados, no entanto, introduziram diversos conceitos
e artifícios que eles acreditam que preservam a liberdade e a responsabilidade
humana, e isentam Deus da responsabilidade pelo pecado.
O
primeiro de tais artifícios é redefinir o livre-arbítrio de tal forma que seja
compatível com o determinismo; este é o conceito compatibilistado
livre-arbítrio. Os defensores deste “determinismo suave” afirmam que “tudo o
que acontece é causalmente determinado, porém... algumas ações são livres”.[14]É
dessa forma porque as escolhas de cada pessoa são baseadas em seu caráter,
desejos e motivações internas. Nesse sentido, sempre agimos de acordo com nosso
desejo mais forte, mais imediato.[15]Essas
escolhas são livres porque sempre fazemos exatamente o que queremos fazer, sem
constrangimento e sem qualquer tipo de coerção. “Assim, um ato é livre, embora
causalmente determinado, se ele é o que o agente queria fazer”.[16]Isto
explica também porque podemos ser responsáveis por nossas ações.
Mas
como pode tais escolhas “livres” serem causalmente determinadas, se estamos
sempre fazendo o que nósescolhemos fazer? Porque, embora Deus nos
“permita” agir de acordo com os nossos desejos e motivos mais fortes, ele mesmo
é quem arranja todas as nossas circunstâncias de tal maneira que ele faz com
que estejam presentes em nossos corações apenas aqueles desejos e motivos que
produzirão somente as escolhas que ele próprio decretou que fossem feitas.[17]R.
Peterson e M. Williams dizem: “Liberdade, no sentido compatibilista, é a
afirmação de que, ainda que cada escolha que fazemos e cada ato que realizamos
sejam determinados por forças que estão fora de nós mesmos e, finalmente
determinado pela orientação ordenada de Deus, ainda assim somos livres,
pois ainda agimos de acordo com nossos desejos”.[18]
Mas
se Deus está manipulando nossas circunstâncias e nossos corações para que, no
final, inevitavelmente escolhemos apenas o que ele decretou que iremos
escolher, por que Deus não tem responsabilidade e culpa por nossas escolhas
pecaminosas? Aqui é onde os outros dois artifícios são introduzidos. Um deles é
o conceito das segundascausas(secundárias). Isto significa que, embora
Deus tenha predeterminado cada detalhe do que vai acontecer, ele determina que
somente algumas dessas coisas sejam causadas diretamentepor ele; outras
serão causadas por ele apenasindiretamente, através de outros aspectos
da criação. No que diz respeito aos atos pecaminosos, os calvinistas creem que
Deus está, portanto, isento de qualquer responsabilidade por eles, porque ele
não os causa diretamente. A causa direta ou imediata é o próprio pecador.
Tal
artifício parece bastante artificial, entretanto, uma vez que Deus decretou
tais “segundas causas” exclusivamente com a finalidade de ocasionar os efeitos
específicos que irão produzir. É tudo parte do decreto: “O decreto inclui não
apenas os fins escolhidos por Deus, mas também os meios para a consecução
desses fins”.[19]“Tais
meios incluem todas e quaisquer circunstâncias e fatores necessários para
convencer a pessoa (sem constrangimento) de que a ação que Deus decretou é a
ação que essa pessoa deseja praticar”.[20]
O
outro artifício pelo qual os calvinistas tentam isentar Deus da
responsabilidade pelo pecado é o conceito depermissão divina. Ou seja,
em relação ao pecado, Deus não o causa ativamente, mas apenas opermite.
“Os decretos divinos são divididos em eficazes e permissivos”, diz W. G. T.
Shedd.[21]
Isso
parece razoável até que vemos que a maioria dos calvinistas não usa o termo
“permissão” no seu sentido usual, mas falam dele como uma paradoxal “permissão
eficaz”. Frame reconhece que os calvinistas usam o termo, mas diz que “eles
insistem que a permissão do pecado por Deus não é menos eficaz do que a
ordenação do bem”. De fato, para os calvinistas, a permissão “é uma forma de
ordenação, uma forma de causalidade”.[22]D.
A. Carson diz com razão: “Distinções entre a vontade permissiva e a decretiva
parecerá desesperadamente artificial” neste contexto. Como “esta permissão
difere do decreto?”[23]
No
próximo artigo, vou responder ao conceito calvinista da soberania mediante a
apresentação de uma alternativa que considero ser bíblica.
Tradução:
Cloves Rocha dos Santos
[1]Calvinism,
Hyper-Calvinism, and Arminianism, 1990:14.
[2]Idem,
6.
[3] Em
Basinger, ed., Predestinação e Livre-Arbítrio,2000:34.
[4]The Potter’s
Freedom, 2000:63.
[5]The Doctrine of
God, 2002:315.
[6] John Feinberg,
No One Like Him, 2001:516-518.
[7]The Doctrine of
God, 1951:371.
[8]Veja Feinberg, No
One Like Him, 527.
[9]
Arthur Pink, Deus É Soberano, 2002:181.
[10]Esboços de
Teologia, 2001:279.
[11] Feinberg, No
One Like Him, 530.
[12]The Doctrine of
God, 156, 314.
[13] Feinberg, emPredestinação,
45.
[14] Feinberg, No
One Like Him, 635.
[15] Frame, The
Doctrine of God, 136-137.
[16] Feinberg, No
One Like Him, 637.
[17]Veja Feinberg, No
One Like Him, 653-654.
[18]Why I Am Not an
Arminian, 2004:156;
grifo meu.
[19]
Feinberg, em Predestinação, 41.
[20]Idem.
[21]Dogmatic
Theology, 1969, I:405.
[22]The Doctrine of
God, 177-178.
[23]Divine
Sovereignty and Human Responsibility, 1981:213-214
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