sexta-feira, 21 de maio de 2021

O Calvinismo e a Bíblia: 5. As Doutrinas da T-U-L-I-P – 1ª Parte


 

Jack Cottrell

 

Quando a maioria das pessoas pensa no Calvinismo, elas pensam em uma flor: a TULIPA. Estas cinco letras[1]correspondem aos “Cinco Pontos do Calvinismo,” ou as cinco doutrinas interconectadas a respeito do pecado e da salvação como os calvinistas as compreendem.

O “T” significa depravação total. A palavra “depravação” refere-se a uma condição do coração; ela significa que a alma ou espírito do pecador é mau, pecaminoso, corrupto ou espiritualmente enfermo. A maioria dos cristãos (inclusive eu) acredita que todos os pecadores tornam-se parcialmentedepravados, mas os calvinistas dizem que todo ser humano nascetotalmentedepravado. Isto não significa que um pecador é 100% corrupto, ou tão depravado quanto poderia ser. Também não significa que todo ato do pecador é mau tanto interna quanto externamente. Até mesmo uma pessoa totalmente depravada pode fazer coisas que aparentemente são boas.

O que a depravação total significa é que a pessoa em sua totalidade está corrompida pelo pecado; todo aspecto da natureza humana é depravado, incluindo o intelecto e a vontade. Por causa da corrupção do intelecto, um pecador não pode compreender verdadeiramente as coisas de Deus, incluindo a Bíblia. Por causa da pecaminosidade da vontade, um pecador não pode fazer nada que seja interiormente bom e aceitável a Deus. O último é o elemento-chave da depravação total. É chamado de escravidão da vontade.

A implicação mais significante desta escravidão é que os pecadores são totalmente incapazes de responder ao evangelho e voltar-se para Deus em fé e arrependimento. Como Louis Berkhof diz, o pecador “não pode mudar sua preferência fundamental pelo pecado e por si mesmo, trocando-a pelo amor; não pode sequer fazer algo que se aproxime de tal mudança.”[2]Estaincapacidade total, é, portanto, o coração da doutrina da depravação total. Porque o pecador é incapaz de crer no evangelho por sua própria escolha, a regeneração deve preceder a fé, com a regeneração e a fé sendo dons unilaterais e incondicionais de Deus, e com o próprio Deus incondicionalmente escolhendo aqueles a quem ele irá concedê-los.

Esta “eleição (escolha) incondicional” é o segundo ponto principal (o “U”)no sistema TULIP do Calvinismo; ele resulta logicamente do ponto “T”, a depravação total. Uma vez que nenhum pecador é capaz de escolher a Deus, Deus deve escolher o pecador, ou seja, deve selecionar quais pecadores ele fará com que creiam e quais deixar em seu estado de incredulidade. Esta escolha ocorre antes da criação, quando Deus em seu eterno decreto predestina em detalhes tudo o que irá acontecer dentro do universo criado.

A questão agora é: sobre qual baseDeus escolhe quem ele irá salvar? Qual o critério que ele usa para selecionar um e não outro? A resposta é: não temos a menor ideia. As razões para as suas escolhas (se é que há alguma) são conhecidas apenas pelo próprio Deus, e ele determinou não revelá-las a nós.[3]Assim, do ponto de vista do conhecimento humano, a eleição é totalmente incondicional. A decisão de Deus não parece ser contingente a se ou não alguém satisfará certas condições anunciadas, tais como a fé e o arrependimento.

João Calvino coloca desta forma, que no seu decreto de predestinação, “Deus não foi movido por nenhuma causa externa – nenhuma causa fora de si mesmo – ao nos escolher; mas que Ele próprio, em Si mesmo, foi a causa e o autor da escolha do seu povo.”[4]Assim, a predestinação de indivíduos para a salvação é incondicional.

O “L” no sistema TULIP significaexpiação limitada. Uma vez que Deus determinou desde a fundação do mundo o número exato e a identidade daqueles que serão salvos, não há nenhuma necessidade para Cristo o Redentor realmente morrer pelos não-eleitos. Assim, Deus determinou que Jesus não iria sofrer por eles. Sua morte na cruz pagou o preço pelos pecados dos eleitos apenas.

A próxima doutrina no sistema TULIP é o “I”, que significa graça irresistível. Por causa da depravação total ninguém tem o livre-arbítrio para fazer qualquer movimento em direção à fé no evangelho, nem mesmo aqueles que Deus incondicionalmente elegeu. Assim, para cada pessoa eleita, no momento escolhido por Deus, o Espírito Santo realiza uma obra de salvação direta sobre o coração totalmente depravado, assim libertando o potencial humano para crer e arrepender.

O principal aspecto desta obra direta do Espírito, esta graça irresistível, é o ato divino unilateral da regeneração, que eleva o pecador de sua condição de total depravação e diretamente lhe outorga os reais dons da fé e do arrependimento. É importante ver que no sistema calvinista, este ato da regeneração devepreceder a fé. O pecador eleito é, em primeiro lugar, regenerado, e em seguida ele crê. Esta obra do Espírito é totalmente irresistível. O pecador não pode nem escolhê-la nem recusá-la.

O aspecto final da TULIP é a doutrina “P”, a perseverança(ou preservação) dos santos. Esta significa que, uma vez que Deus elegeu e regenerou um pecador, ele permanecerá salvo para sempre. Uma vez que o dom da salvação foi recebido, ele é irrevogável. Esta é a ideia do “uma vez salvo, sempre salvo,” também descrita como “uma vez na graça, sempre na graça” e “segurança eterna.”

Esta é simplesmente a conclusão lógica dos pontos anteriores, especialmente a depravação total, a eleição incondicional e a graça irresistível. Em conjunto, estes pontos significam que Deus determina cada passo no processo de salvação, do começo ao fim. O livre-arbítrio não é um fator. Neste sistema, não se pode nemaceitara salvação nemabandoná-lade sua livre escolha.

Após a explicação do sistema TULIP, vou agora oferecer razões básicas a partir das Escrituras por que eu creio que essas doutrinas são falsas. Neste artigo discutirei a doutrina da depravação total; no artigo final, irei tratar do restante.

É óbvio que a depravação total é a doutrina central. Se verdadeira, ela torna necessário todo o sistema calvinista. Se falsa, ela nega todo o sistema. Em minha opinião, ela é falsa. A Bíblia não ensina que os pecadores são totalmente depravados, nem no nascimento nem por seu próprio pecado. Em particular, ela não ensina que um pecador é totalmente incapaz de crer no evangelho e voltar-se a Deus para a salvação.

A Bíblia ensina que os pecadores são depravados e espiritualmente mortos (por exemplo, Jr 17.9; Ef 2.1, 5). Mas não devemos supor que a depravação como tal é o mesmo quetotaldepravação. Além disso, não podemos supor que a morte espiritual seja equivalente à incapacidade total. Não devemos definir morte espiritual,a priori, antes de examinar o que a Bíblia na verdade diz o que uma pessoa espiritualmente morta pode fazer. Ela diz que alguém em tal estadopodecrer (Cl 2.12).

Mas (o calvinista vai dizer) Rm 8.7-8 não diz que a mente incrédula “não se sujeita à lei de Deus, pois nem sequer é capaz de fazê-lo, e aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus”? Isto não é uma “incapacidade total” para crer no evangelho? Absolutamente não! O contexto mostra claramente que a incapacidade aqui está relacionada com alei, não com oevangelho. Enquanto uma pessoa é controlada pela carne, ela é incapaz de obedecer a qualquer mandamento da lei como Deus quer que seja feito e como a lei exige. No estado de incredulidade, ela não pode agradar a Deus com respeito à lei. Mas este texto não diz nada sobre um pecador ser incapaz de responder ao evangelho, ou através do poder do evangelho ser incapaz de redirecionar a inclinação de sua mente da carne para o Espírito. Em outras passagens, está claro que os pecadores são capazes e espera-se que eles respondam ao evangelho com fé e arrependimento (Mt 23.37; Jo 3.16; Rm 1.17; Ap 22.17).

Mas Jesus não diz, “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que Me enviou não o trouxer” (Jo 6.44)? Isto certamente é verdadeiro, mas contrário ao Calvinismo este trazer não é seletivo e irresistível; é universal e resistível. Todos são atraídos a Jesus pelo poder do evangelho (Rm 1.16; 10.17; 2Ts 2.14; Hb 4.12), mas somente alguns respondem (Mt 23.37). Sobre a universalidade do chamado, Jesus disse, “E eu, quando for levantado da Terra [sobre a cruz, verso 33], todos atrairei a mim” (Jo 12.32). Negar que a Palavra de Deus tem o poder de atrair todos os pecadores a Cristo é ignorar a própria finalidade e caráter da palavra escrita como sendo dirigida aos pecadores. O evangelho é a boa nova de salvação aos pecadores, e é evidente aos pecadores. João diz que os seus escritos sobre a vida e os milagres de Jesus “foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20.31). Isto não foi escrito em vão.

Em conclusão, vemos que não há base bíblica para a doutrina da depravação total. O Calvinismo começa do lado errado do processo de salvação. Ele começa com uma definição e descrição do pecado e da morte espiritual de maneira abstrata, incluindo uma concepçãoa priorido que um pecador pode e não pode fazer; em seguida faz o processo de conversão se encaixar nesta preconcepção. É muito melhor tomar a descrição bíblica da própria conversão, e usar isso para nos ajudar a entender os limites da condição pecaminosa do homem. Não devemos decidir o que um pecador pode e não pode fazer antes de ver o que a Bíblia diz que ele pode e faz em relação à conversão.

 

Tradução: Cloves Rocha dos Santos

 


 

[1]TULIP, em inglês.

[2]Louis Berkhof,Teologia Sistemática (Campinas-SP: Luz para o Caminho, 3ª edição, 1990), p. 249.

[3] G. C. Berkouwer, Divine Election, 1960:60.

[4]“A Treatise on the Eternal Predestination of God,” Calvin’s Calvinism, 1956:46.

 

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