Jack Cottrell
Quando
a maioria das pessoas pensa no Calvinismo, elas pensam em uma flor: a TULIPA.
Estas cinco letras[1]correspondem
aos “Cinco Pontos do Calvinismo,” ou as cinco doutrinas interconectadas a
respeito do pecado e da salvação como os calvinistas as compreendem.
O
“T” significa depravação total. A palavra “depravação” refere-se a uma
condição do coração; ela significa que a alma ou espírito do pecador é mau,
pecaminoso, corrupto ou espiritualmente enfermo. A maioria dos cristãos
(inclusive eu) acredita que todos os pecadores tornam-se parcialmentedepravados,
mas os calvinistas dizem que todo ser humano nascetotalmentedepravado.
Isto não significa que um pecador é 100% corrupto, ou tão depravado quanto
poderia ser. Também não significa que todo ato do pecador é mau tanto interna
quanto externamente. Até mesmo uma pessoa totalmente depravada pode fazer
coisas que aparentemente são boas.
O
que a depravação total significa é que a pessoa em sua totalidade está
corrompida pelo pecado; todo aspecto da natureza humana é depravado, incluindo
o intelecto e a vontade. Por causa da corrupção do intelecto, um pecador não
pode compreender verdadeiramente as coisas de Deus, incluindo a Bíblia. Por
causa da pecaminosidade da vontade, um pecador não pode fazer nada que seja
interiormente bom e aceitável a Deus. O último é o elemento-chave da depravação
total. É chamado de escravidão da vontade.
A
implicação mais significante desta escravidão é que os pecadores são totalmente
incapazes de responder ao evangelho e voltar-se para Deus em fé e
arrependimento. Como Louis Berkhof diz, o pecador “não pode mudar sua
preferência fundamental pelo pecado e por si mesmo, trocando-a pelo amor; não
pode sequer fazer algo que se aproxime de tal mudança.”[2]Estaincapacidade
total, é, portanto, o coração da doutrina da depravação total. Porque o
pecador é incapaz de crer no evangelho por sua própria escolha, a
regeneração deve preceder a fé, com a regeneração e a fé sendo dons
unilaterais e incondicionais de Deus, e com o próprio Deus incondicionalmente
escolhendo aqueles a quem ele irá concedê-los.
Esta
“eleição (escolha) incondicional” é o segundo ponto principal (o “U”)no sistema
TULIP do Calvinismo; ele resulta logicamente do ponto “T”, a depravação total.
Uma vez que nenhum pecador é capaz de escolher a Deus, Deus deve escolher o
pecador, ou seja, deve selecionar quais pecadores ele fará com que creiam e
quais deixar em seu estado de incredulidade. Esta escolha ocorre antes da
criação, quando Deus em seu eterno decreto predestina em detalhes tudo o que
irá acontecer dentro do universo criado.
A
questão agora é: sobre qual baseDeus escolhe quem ele irá salvar? Qual o
critério que ele usa para selecionar um e não outro? A resposta é: não temos a
menor ideia. As razões para as suas escolhas (se é que há alguma) são
conhecidas apenas pelo próprio Deus, e ele determinou não revelá-las a nós.[3]Assim,
do ponto de vista do conhecimento humano, a eleição é totalmente incondicional.
A decisão de Deus não parece ser contingente a se ou não alguém satisfará
certas condições anunciadas, tais como a fé e o arrependimento.
João
Calvino coloca desta forma, que no seu decreto de predestinação, “Deus não foi
movido por nenhuma causa externa – nenhuma causa fora de si mesmo – ao nos
escolher; mas que Ele próprio, em Si mesmo, foi a causa e o autor da escolha do
seu povo.”[4]Assim,
a predestinação de indivíduos para a salvação é incondicional.
O
“L” no sistema TULIP significaexpiação limitada. Uma vez que Deus
determinou desde a fundação do mundo o número exato e a identidade daqueles que
serão salvos, não há nenhuma necessidade para Cristo o Redentor realmente
morrer pelos não-eleitos. Assim, Deus determinou que Jesus não iria sofrer por
eles. Sua morte na cruz pagou o preço pelos pecados dos eleitos apenas.
A
próxima doutrina no sistema TULIP é o “I”, que significa graça irresistível.
Por causa da depravação total ninguém tem o livre-arbítrio para fazer qualquer
movimento em direção à fé no evangelho, nem mesmo aqueles que Deus
incondicionalmente elegeu. Assim, para cada pessoa eleita, no momento escolhido
por Deus, o Espírito Santo realiza uma obra de salvação direta sobre o coração
totalmente depravado, assim libertando o potencial humano para crer e
arrepender.
O
principal aspecto desta obra direta do Espírito, esta graça irresistível, é o
ato divino unilateral da regeneração, que eleva o pecador de sua condição de
total depravação e diretamente lhe outorga os reais dons da fé e do
arrependimento. É importante ver que no sistema calvinista, este ato da
regeneração devepreceder a fé. O pecador eleito é, em primeiro lugar,
regenerado, e em seguida ele crê. Esta obra do Espírito é totalmente
irresistível. O pecador não pode nem escolhê-la nem recusá-la.
O
aspecto final da TULIP é a doutrina “P”, a perseverança(ou preservação)
dos santos. Esta significa que, uma vez que Deus elegeu e regenerou um pecador,
ele permanecerá salvo para sempre. Uma vez que o dom da salvação foi recebido,
ele é irrevogável. Esta é a ideia do “uma vez salvo, sempre salvo,” também
descrita como “uma vez na graça, sempre na graça” e “segurança eterna.”
Esta
é simplesmente a conclusão lógica dos pontos anteriores, especialmente a
depravação total, a eleição incondicional e a graça irresistível. Em conjunto,
estes pontos significam que Deus determina cada passo no processo de salvação,
do começo ao fim. O livre-arbítrio não é um fator. Neste sistema, não se pode
nemaceitara salvação nemabandoná-lade sua livre escolha.
Após
a explicação do sistema TULIP, vou agora oferecer razões básicas a partir das
Escrituras por que eu creio que essas doutrinas são falsas. Neste artigo
discutirei a doutrina da depravação total; no artigo final, irei tratar do
restante.
É
óbvio que a depravação total é a doutrina central. Se verdadeira, ela torna
necessário todo o sistema calvinista. Se falsa, ela nega todo o sistema. Em
minha opinião, ela é falsa. A Bíblia não ensina que os pecadores são totalmente
depravados, nem no nascimento nem por seu próprio pecado. Em particular, ela
não ensina que um pecador é totalmente incapaz de crer no evangelho e voltar-se
a Deus para a salvação.
A
Bíblia ensina que os pecadores são depravados e espiritualmente mortos (por
exemplo, Jr 17.9; Ef 2.1, 5). Mas não devemos supor que a depravação como tal é
o mesmo quetotaldepravação. Além disso, não podemos supor que a morte
espiritual seja equivalente à incapacidade total. Não devemos definir morte
espiritual,a priori, antes de examinar o que a Bíblia na verdade diz o
que uma pessoa espiritualmente morta pode fazer. Ela diz que alguém em tal
estadopodecrer (Cl 2.12).
Mas
(o calvinista vai dizer) Rm 8.7-8 não diz que a mente incrédula “não se sujeita
à lei de Deus, pois nem sequer é capaz de fazê-lo, e aqueles que estão na carne
não podem agradar a Deus”? Isto não é uma “incapacidade total” para crer no
evangelho? Absolutamente não! O contexto mostra claramente que a incapacidade
aqui está relacionada com alei, não com oevangelho. Enquanto uma
pessoa é controlada pela carne, ela é incapaz de obedecer a qualquer mandamento
da lei como Deus quer que seja feito e como a lei exige. No estado de
incredulidade, ela não pode agradar a Deus com respeito à lei. Mas este texto
não diz nada sobre um pecador ser incapaz de responder ao evangelho, ou através
do poder do evangelho ser incapaz de redirecionar a inclinação de sua mente da
carne para o Espírito. Em outras passagens, está claro que os pecadores são
capazes e espera-se que eles respondam ao evangelho com fé e arrependimento (Mt
23.37; Jo 3.16; Rm 1.17; Ap 22.17).
Mas
Jesus não diz, “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que Me enviou não o trouxer”
(Jo 6.44)? Isto certamente é verdadeiro, mas contrário ao Calvinismo este
trazer não é seletivo e irresistível; é universal e resistível. Todos são
atraídos a Jesus pelo poder do evangelho (Rm 1.16; 10.17; 2Ts 2.14; Hb 4.12),
mas somente alguns respondem (Mt 23.37). Sobre a universalidade do chamado,
Jesus disse, “E eu, quando for levantado da Terra [sobre a cruz, verso 33],
todos atrairei a mim” (Jo 12.32). Negar que a Palavra de Deus tem o poder de
atrair todos os pecadores a Cristo é ignorar a própria finalidade e caráter da
palavra escrita como sendo dirigida aos pecadores. O evangelho é a boa nova de
salvação aos pecadores, e é evidente aos pecadores. João diz que os seus
escritos sobre a vida e os milagres de Jesus “foram escritos para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20.31). Isto não foi escrito em vão.
Em
conclusão, vemos que não há base bíblica para a doutrina da depravação total. O
Calvinismo começa do lado errado do processo de salvação. Ele começa com uma
definição e descrição do pecado e da morte espiritual de maneira abstrata,
incluindo uma concepçãoa priorido que um pecador pode e não pode fazer;
em seguida faz o processo de conversão se encaixar nesta preconcepção. É muito
melhor tomar a descrição bíblica da própria conversão, e usar isso para nos
ajudar a entender os limites da condição pecaminosa do homem. Não devemos
decidir o que um pecador pode e não pode fazer antes de ver o que a Bíblia diz
que ele pode e faz em relação à conversão.
Tradução: Cloves Rocha dos Santos
[1]TULIP,
em inglês.
[2]Louis
Berkhof,Teologia Sistemática (Campinas-SP: Luz para o Caminho, 3ª
edição, 1990), p. 249.
[3] G. C.
Berkouwer, Divine Election, 1960:60.
[4]“A Treatise on
the Eternal Predestination of God,” Calvin’s Calvinism,
1956:46.
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