[ Nota do tradutor: a intenção precípua na tradução da introdução desse livro é tripla: 1. Primeiro, fomentar o debate sobre o assunto: 2. Acender o interesse das editoras em adquirir os direitos e publicar a obra no Brasil. 3. Educar para evitar distorções acerca das posições de determinadas escolas de pensamento, algo muito comum no debate público. Tenha uma ótima introdução ao tema.]
Introdução
No decurso da história da igreja, os Cristãos têm discutido a natureza e o conteúdo da presciência de Deus. Por exemplo, Agostinho luta com essa questão na parte três da sua famosa obra O Livre Arbítrio. Em anos recentes, o debate sobre a presciência de Deus tem sido uma das questões teológicas mais controversas entre os evangélicos. De fato, alguns afirmam que esta é a controvérsia mais quente a atingir o evangelicalismo desde o debate sobre a inerrância na década de setenta. Um aspecto distintivo desse debate contemporâneo é que ele está ocorrendo não apenas nos círculos teológicos das elites, mas também nas igrejas, nos seminários teológicos e universidades, nas conferências denominacionais e nas revistas Cristãs populares.
Para entender o motivo desse debate ter assumido as proporções que assumiu dentro do evangelicalismo contemporâneo, deve-se perceber que a questão não versa simplesmente sobre a natureza da presciência divina. Antes, para muitos, esta questão tem se tornado um pára-raio teológico, devido amplamente pelas implicações que este tema tem para outras áreas da teologia. Pelo menos três áreas teológicas fundamentais estão envolvidas neste debate. Primeiro e mais tempestivamente, há a questão da natureza e modo da presciência de Deus. Segundo, aos olhos de muitos, há implicações importantes sobre a questão da natureza da soberania divina (ou seja, se a soberania de Deus opera de forma geral ou particular e meticulosa). Por fim, existem implicações diretas sobre a questão da natureza da liberdade humana (isto é, se os seres humanos tem liberdade compatibilista ou libertária). Além do mais, cada uma dessas questões teológicas desenvolve uma função essencial sobre a articulação para um posicionamento sobre o "problema do mal."
O catalisador primário dessa discussão contemporânea tem sido o debate concernente ao que tem sido chamado de Teísmo Aberto. Segundo seus defensores, Deus conhece o futuro parcialmente como uma gama de possibilidades, não exclusivamente como fatos dados. Muito sobre esse debate contemporâneo acerca da presciência permanece centrado na controvérsia do Teísmo Aberto, mas esta polêmica também tem alimentado o debate que já existe há séculos entre os teólogos Cristãos mais tradicionais. Apesar de muitos leigos não terem consciência deste fato, os teólogos Cristãos tem acolhido uma diversisade de opiniões sobre a natureza e o conteúdo da presciência de Deus no transcorrer da história. Este livro foi escrito para trazer clareza ao debate contemporâneo ao apresentar as quatro principais visões que os eruditos abraçam na comunidade evangélica. Estes quatro pontos de vistas são o Teísmo Aberto, a Presciência Simples, o Conhecimento Médio e a visão Agostiniana-Calvinista.
Gregory Boyd inicia defendendo o Teísmo Aberto. Este ponto de vista é relativamente raro na história da igreja, mas está ganhando popularidade hoje em certos setores do evangelicalismo. Diferente dos outros três pontos de vista representados neste livro, o Teísmo Aberto defende que o futuro está aberto para Deus apenas parcialmente, pois Deus não pode prever as decisões que os agentes livres farão. Deus é onisciente, o Teísmo Aberto insiste, pois Ele conhece toda a realidade perfeitamente. Contudo, a realidade que Deus conhece perfeitamente é parcialmente composta de possibilidades, "talvezes." Assim, enquanto Deus conhece muita coisa do futuro como fatos - pois Ele pode decidir estabelecer soberanamente o que quer que lhe apraz - Ele conhece alguma coisa do futuro como um "talvez." Boyd argumenta que apenas esta visão pode fazer um sentido adequado de passagens bíblicas em que Deus muda sua mente, se arrepende de decisões que tomou, fala sobre o futuro em termos condicionais, expressa surpresa ou desapontamento sobre o que acontece ou testa o coração das pessoas "para saber" o que elas farão.
O segundo ensaio é escrito por David Hunt, que defende a presciência simples. Especialistas debatem até que ponto a presciência simples é tradicional ou não, mas inquestionavelmente este ponto de vista tem inúmeros defensores eruditos hoje. Aqueles que creem em presciência simples defendem que Deus conhece "simplesmente" o que vai acontecer. Diferente do Teísmo Aberto, a presciência simples rejeita a noção de que algum aspecto do futuro esteja aberto para a perspetiva de Deus. Diferente do Conhecimento Médio, esta visão não sustenta que Deus escolhe que futuro criar baseado em Seu conhecimento de como os agentes livres agiriam em qualquer "mundo possível." E diferente da visão Agostiniana-Calvinista, a presciência simples não sustenta que Deus conhece porque Ele preordena. Deus conhece simplesmente o que os agentes livres farão, não o que eles fariam em diferentes circunstâncias ou o que Ele os ordena a fazer. Segundo Hunt, esta visão é consistente com o que a Escritura diz sobre a presciência de Deus e é uma posição filosoficamente mais defensável a sustentar.
O terceiro ensaio é escrito por William Lane Craig, que defende o Conhecimento Médio ou visão Molinista. Os eruditos debatem até que ponto esta visão fora pressuposta por vários teólogos na história da igreja (algumas pesquisas atuais interessantes sugerem que Jacó Armínio tenha defendido uma posição similar ao Molinismo), mas este ponto de vista foi formalizado primeiro por Luis de Molina no século 16, daí o nome Molinismo. Na visão do Conhecimento Médio, Deus conhece não apenas o que acontecerá, Ele conhece o que teria acontecido se tivesse escolhido criar qualquer outro mundo - este é seu Conhecimento "Médio." De fato, Deus escolheu criar o mundo que criou porque Ele previu que este exato mundo melhor alcançou seus objetivos para a criação e preservou ao mesmo tempo a liberdade das criaturas. Diferente do Teísmo Aberto, portanto, o Molinismo não permite nenhuma possibilidade futura aberta para Deus. Diferente da presciência simples, o Molinismo defende que Deus conhece as contrafatuais da liberdade das criaturas (a saber, o que os agentes fariam em outras circunstâncias). E diferente da visão Agostiniana-Calvinista, o Molinismo não sustenta que Deus só conhece o que os agentes fazem porque Deus preordena seus comportamentos. Deus tem simplesmente um conhecimento inato eterno de como os agentes livres se comportariam em todas as circunstâncias possíveis. Craig acredita que esta perspectiva tem apoio escriturístico e é capaz de incorporar tanto os insights sobre a soberania de Deus sustentada por Calvinistas, quanto os insights sobre a liberdade e responsabilidade humana sustentada por Arminianos.
O ensaio final escrito por Paul Helm defende o ponto de vista Agostiniano-Calvinista ou Reformado. Embora esta visão seja comumente creditada a Calvino, a maioria dos estudiosos acreditam que ela foi antecipada por Agostinho, Tomás de Aquino e outros teólogos notáveis. Nesta visão, Deus conhece tudo o que acontecerá porque Ele preordenou tudo o que acontecerá. Diferente das outras três visões apresentadas neste livro, esta visão nega que os agentes possuam liberdade auto-determinante (ou libertária). Os agentes são livres para fazer o que quiserem e são moralmente responsáveis pelas escolhas que fazem. Todavia, todas as escolhas dos seres humanos estão contidas dentro do plano soberano de Deus, que governa todas as coisas. Helm argumenta que aqueles que querem defender a presciência exaustiva de Deus ao mesmo tempo que defendem a liberdade libertária (por exemplo, Hunt e Craig), são logicamente inconsistentes. Além disso, Helm defende que apenas a visão Reformada se enquadra com as passagens da Escritura que asseveram o controle soberano meticuloso de Deus no mundo e que apenas esta visão é consistente com o entendimento Cristão de que a salvação é exclusivamente pela graça de Deus.
Procuramos tornar este livro acessível aos leigos instruídos e aos estudantes universitários que já cursaram algum curso de Teologia ou Filosofia. Isto sendo dito, algumas das questões levantadas neste livro são muito técnicas. Isto simplesmente é inevitável; questões sobre presciência divina são, pela própria natureza do assunto, muito complexas. Sempre que possível os autores tentaram usar as terminologias técnicas com moderação e forneceram exemplos para explicar os argumentos complexos. Também incluímos um glossário que fornece definições dos termos técnicos utilizados no livro. No entanto, como um todo, não pensamos que o leitor precise ter um nível de conhecimento de um especialista para entender os argumentos centrais contidos no livro.
Este livro tem a seguinte estrutura: cada colaborador apresenta um ensaio que serve para articular seu ponto de vista. Este ensaio é então seguido por uma série de três respostas dos outros colaboradores. É vital que nós na comunidade Cristã possamos entender o que os outros Cristãos acreditam e o porquê eles creem em determinado ponto de vista, independente de qual seja o entendimento sobre a presciência divina que se adote nesta presente controvérsia. Nossa esperança e oração é que este livro nos ajude a entender e a aprender uns com os outros e sirva para facilitar o diálogo saudável sobre este tópico polêmico, dentro e fora da comunidade evangélica.
Gostaríamos de expressar nossa gratidão aos quatro colaboradores deste projeto – Gregory Boyd, William Lane Craig, Paul Helm e David Hunt. Trabalhar com eles foi adorável e frutífero. Também gostaríamos de apresentar nossa gratidão ao nosso editor da InterVarsity Press, Dan Reid, pelo constante apoio a este projeto. Uma palavra de agradecimento especial a Chelsea DeArmond por sua assistência inestimável na preparação do manuscrito e a Michael Kukuska por compilar o Índice. Por fim, queremos agradecer às nossas esposas – Michele Beilby e Kelly Eddy – pelo amor inabalável e apoio em todas as nossas várias aventuras, acadêmicas ou não. É a elas que dedicamos este livro.
James k. Beilby e Paul R. Eddy – Bethel College
Tradução Walson Sales
Fonte:
BEILBY, James K.; EDDY, Paul R. (Eds). Divine Foreknowledge: Four Views. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2001
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