Gl 3.6-14
A Fé
de Abraão e a Maldição da Lei
Craig
S. Keener
Paulo
faz cinco referências à lei de Moisés e uma aos profetas, formando um argumento
com base na Escritura, de modo que aqueles que afirmavam respeitar a Lei tinham
que aceitá-lo. Ele faz uma comparação entre a fé (3.6-9; 14) e as obras
resultantes da prática da Lei (3.10-13), da mesma forma que em 3.5. Há duas
interpretações principais para esta passagem: a primeira é de que os cristãos
gentios criam como Abraão (a posição tradicional, seguida aqui) e a segunda, de
que eles seriam salvos pela fé de Abraão (como no judaísmo), e consequentemente
pela fé em Cristo, ou seja, pela fidelidade de Abraão e de Cristo à aliança.
3.6.
Paulo cita Gênesis 15.6, um texto bastante conhecido no judaísmo, para
demonstrar como Abraão era um exemplo de fé. Paulo apresenta uma interpretação
diferente daquela aceita pela tradição judaica.
3.7.
O povo judeu empregava a palavra “filhos” tanto no sentido literal
(descendentes biológicos) como no sentido espiritual (os que se conduziam de
acordo com os ensinamentos de seus antigos mestres). O título “descendência de
Abraão” (ou “filhos de Abraão”) era geralmente aplicado ao povo judeu, mas
algumas vezes referia-se especificamente àqueles que excediam em justiça – se
bem que o povo judeu nunca aplicasse esta designação aos gentios. Paulo
demonstra aqui que aqueles que criam como Abraão eram seus descendentes
espirituais (Gn 15.6, citado em Gl 3.6).
3.8,
9. Se os gentios podiam crer como Abraão (3.7), eles
também poderiam ser justificados da mesma maneira como ele foi justificado. (Os
mestres judeus consideravam Abraão um exemplo de conversão ao judaísmo,
portanto seriam forçados a respeitar os argumentos de Paulo mais do que
gostariam). Como bom expositor judeu, Paulo prova sua argumentação nesta
passagem referindo-se a um outro texto relacionado à promessa feita a Abraão
(Gn 12.3 = 18.18; cf. 17.4, 5; 22.18). O propósito de Deus, desde o princípio,
era alcançar também os gentios, como já havia sido predeterminado no início da
narrativa de Abraão. No modo de pensar judaico, os justos (Israel) eram salvos
em Abraão; Paulo afirma aqui que os cristãos gentios são salvos (abençoados)
junto com Abraão.
3.10.
Tanto Gênesis 12.3 como as bênçãos da obediência encontradas em Deuteronômio 28
estabelecem um contraste entre as maldições recebidas por aqueles que se opõem
a Abraão ou quebram a aliança e as bênçãos recebidas pelos descendentes de
Abraão ou por aqueles que guardam a aliança. O raciocínio dos adversários segue
o padrão normal de interpretação judaica. Paulo desta maneira apresenta seu
veredicto sobre a justificação baseada nas “obras da Lei” (ARA) ou na “prática
da Lei” (NVI): obediência parcial resulta em maldição (Dt 27.26, a síntese das
maldições). De acordo com o ensino judaico, a obediência humana foi sempre
incompleta, e Deus poderia, portanto não exigir uma obediência completa como
condição para a salvação; mas como bom rabino, Paulo interpreta Deuteronômio
27.26 de maneira a obter tudo que está contido neste texto – afinal, Deus
estava em posição de exigir perfeição.
3.11.
Paulo cita Habacuque 2.4 (ver comentário em Rm 1.17) para provar que a
justificação baseada apenas na obediência humana é inadequada. Paulo demonstra
conhecer profundamente o Antigo Testamento ao selecionar os dois únicos textos
ali presentes que tratam tanto da justificação como da fé: Gn 15.6 (citado em
3.6) e Hc 2.4 (citado aqui).
3.12.
Como Habacuque 2.4 estabelece o vínculo entre justificação e vida, Paulo cita
outro texto do Antigo Testamento relacionado a ambas, novamente demonstrando
sua destreza na exegese judaica (os mestres judeus normalmente relacionavam os
textos com base nas palavras-chave encontradas neles). Paulo apresenta o
contraste entre o método baseado na fé (3.11) e o método firmado nas obras,
apresentado em Levítico 18.5 (ver Êx 20.12, 20; Lv 25.18; Dt 4.1, 40; 5.33;
8.1; 30.16, 20; 32.47; Ne 9.29; Ez 20.11, 13; 33.19). Embora estes textos do
Antigo Testamento prometam uma vida longa na terra prometida, Paulo sabia que muitos
mestres judeus aplicavam estes textos à vida futura, por isso ele responde:
“Este é o método baseado nas obras”. Os adversários de Paulo talvez tenham
usado este texto para firmar seus argumentos de que só a fé não era suficiente.
Paulo concorda que a justiça baseada na lei tem que ser cumprida, mas ele crê
que essa justiça é cumprida em Cristo e pelo viver através de seu Espírito
(5.16-25); já seus adversários acreditavam que o gentio seria justificado
obedecendo aos pormenores da lei, especialmente o ato inicial da circuncisão.
3.13.
Paulo novamente emprega o recurso de ligar os textos do Antigo Testamento de
acordo com as palavras-chave que têm em comum e cita Deuteronômio 21.23 para
mostrar que Cristo se tornou “maldição” no lugar de todos os que deixaram de
cumprir integralmente a Lei (Gl 3.10).
3.14.
Na perspectiva judaica “a bênção de Abraão” incluía o mundo inteiro por vir;
Paulo aqui diz que os crentes se livraram da maldição deste mundo (Ef 1.3, 13,
14) pela bênção do Espírito (Is 44.3). (Sobre esta relação entre a promessa da
terra e a promessa do Espírito, compare também Ag 2.5 com Êx 12.25; 13.5.)
Fonte: Comentário Bíblico Atos: Novo Testamento, 544-546
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