quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A RELAÇÃO ENTRE ISRAEL E OS CANANEUS [PARTE 6]

 

Por Dyêgo Alves

 

13) A bondade de Deus e o Antigo Testamento 

           

Os atributos de Deus descrevem sobre seu ser, e através deles, é possível entender como o Senhor irá agir. As ações da bondade de Deus revelam um atributo que o diferencia em relação às ações dos seres humanos. Tal distinção pode ser vista no diálogo de Jesus com o jovem rico nos evangelhos escritos por Lucas no capítulo 18, Mateus 19 e Marcos 10; no diálogo o jovem usa o adjetivo bom, Jesus diz que não há bom, o único ser que é bom é o Senhor Deus.

A palavra, bom, usada nos textos bíblicos mencionados acima, no original, é a palavra grega “agathós”. Essa palavra descreve a ação da parte de Deus que promove o bem em todas as suas esferas de atuação; abrangendo as áreas intelectuais, morais e religiosas, alcançado o ideal almejado para a vida. Essa palavra também foi usada em um contexto que se tratava a conduta de alguém que vivia sobre a Lei. Jesus apresentou alguns mandamentos ao jovem rico, este por sua vez disse ter domínio dos respectivos mandamentos na sua conduta, mas a bondade que ele tanto falava não estava presente em sua conduta moral pois ele não quis desapegar das suas riquezas, em consequência disso, Cristo deixa claro que a Lei em seus princípios morais descreve a bondade de Deus e devem ser vividas completamente.

As características relacionadas a bondade também são evidenciadas em outros textos do Antigo Testamento. Nessa linha, a bondade é apresentada como fonte do bem, sendo cravados na conduta através da Lei de Deus. Sendo Deus bom ( 1 Cr 16.34), Seu Espírito sendo bom ( Sl 143.10); o homem por sua vez só poderia alcançar a bondade na medida certa, sendo guiado por Deus e pelo Espírito Santo( Ec 7.20). O crivo que diferencia o certo e o errado bom e o ruim, o bem e o mal no Antigo e Novo Testamento é a bondade de Deus, através da Lei revelada.

Portanto não é coerente dizer que as ações de Deus no Antigo Testamento são erradas. No que diz respeito a tomada de Canaã e a destruição de alguns cananeus, será explicado com base em uma abordagem das narrativas que envolvem tal acontecimento; que o fato não foi errado e pecaminoso, e que também não compromete natureza moral de Deus para com todos.

 

14) O contexto do Pentateuco sobre a destruição dos cananeus

 

A narrativa que trata a conquista da Terra Prometida transmite ao leitor a ideia de que Israel tomou Canaã para habitá-la. Esse acontecimento é importante para a cosmovisão teísta, pois os princípios que emanam do Senhor Deus são externados nesse evento. 

A Bíblia Sagrada em sua sequência tem os livros de Deuteronômio, Josué e Juízes. Para entender a guerra entre Israel e os cananeus é necessário ler em sintonia esses três livros, uma vez que, eles têm informações que ao serem transversalizadas, mostram a direção de Deus para tal acontecimento. É de suma importância dizer que os ataques à moral divina não têm base nesse relato bíblico como os ateus assim gostam de fazê-lo. Para fundamentar tal ideia, será posto em relevo o que foi dito em Deuteronômio; isso ocorrerá pelo fato de que esse livro é uma confirmação dos princípios antes ditos por Deus para Israel em todo pentateuco, semelhante, a uma repetição em forma de resumo da lei, e do que Deus tinha feito até ali. Isso não é de se estranhar pois o próprio Paulo em Fp 3.1 disse que a repetição é segurança para a crença em Deus; essa abordagem também tem a finalidade mostrar que, o que Deus planejara para a destruição dos cananeus percorre todo Pentateuco, reafirmando a veracidade da forma correta de entender o que Deus fez.   

Em Deuteronômio no capítulo 7 (texto usado pelos ateus para atacar a crença teísta), Deus dá instruções para Israel sobre como se portar quando fossem introduzidos na Terra, incluindo a forma como eles deveriam tratar aqueles que estivessem no local dado pelo Senhor a Israel. Observe o que diz Dt 7.1-5,20-24 (grifo nosso):

 

Quando o Senhor , teu Deus, te tiver introduzido na terra, a qual passas a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os ferezeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e o Senhor, teu Deus, as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas concerto, nem terás piedade delas; nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos e não tomarás suas filhas para teus filhos; pois elas fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira do Senhor se acenderia contra vós e depressa vos consumiria. Porém assim lhes fareis: derrubareis os seus altares, quebrareis as suas estátuas, cortareis os seus bosques e queimareis a fogo as suas imagens de escultura....

E mais:o Senhor, teu Deus, entre eles mandará vespões, até que pereçam os que ficarem e se escondam de diante de ti.

Não te espantes diante deles,porque o Senhor,teu Deus, está no meio de ti, Deus grande e terrível. E o Senhor,teu Deus, lançará fora estas nações,pouco a pouco,de diante de ti; não poderás destruí-las todas de pronto,para que as feras do campo se não multipliquem contra ti. E o Senhor tas dará diante de ti e as fará pasmar com grande pasmo,até que sejam destruídas.Também os seus reis te entregará na mão,para que desfaças os seus nomes de debaixo dos  céus;Nenhum homem parará diante de ti, até que os destruas.               

 

Essas passagens bíblicas relatam que Israel ao adentrar à Terra Prometida não poderia se misturar com os cananeus, antes deveria se estabelecer como nação e praticar o modo de viver esposado na Lei de Moisés. Para isso seria necessário que os habitantes desta localidade não permanecessem, visto que eles poderiam e iriam desestruturar a identidade de Israel enquanto nação. As partes destacadas no texto podem ser tidas como palavras-chaves para explicar resumidamente como seria a maneira de Israel agir em relação as nações presentes na terra prometida. É visto que há os termos: lançar fora, totalmente destruirás, os que ficarem e por fim lançará fora.

O contexto desse capítulo e essas palavras-chaves parecem indicar que a vontade de Deus não era de fato exterminar as nações citadas, antes deixam claro que Israel deveria abominar as relações com essas nações no que diz respeito a casamento. É intuitivo entender que para haver ou não casamento entre israelitas e cananitas é necessário que haja um homem e uma mulher de uma das nações. Sendo assim fica claro que o objetivo não era destruir.

Lançar fora é um termo utilizado para descrever expulsão. Nesse tanto, o foco maior era que, os que quisessem se opor a Israel deveriam ser expulsos, caso não quisessem sair seria necessário tirar os mesmos de uma forma ou de outra, medida essa gerada pelos resistentes, que poderia acarretar no combate armado em que o mais forte belicamente ou estrategicamente prevaleceria. O ideal de Deus era expulsar e não matar. 

 O termo “totalmente destruirás” é o mais abordado pelos críticos e ateus que buscam mostrar que houve um extermínio por completo. De fato, ao avaliar de forma isolada essa expressão, dá a entender que todos deveriam ser destruídos, englobando todas as pessoas sem diferença de sexo e idade. Todavia, uma análise minuciosa de todo o contexto faz com que essa ideia fique comprometida, não sendo eficaz para entender a atuação de Deus.

A abordagem dos originais há de ser feita posteriormente, nesse momento será tratado o que concerne ao contexto do texto em destaque.

Pode se observar que é apresentado no texto que Israel não poderia fazer concerto, ter piedade, e aparentar-se com as nações; que a medida a ser tomada era a de acabar com os templos, locais de adoração, altares e bosques. Nisso pode ser dito que Deus estaria atuando com mão forte em duas áreas, sendo estas: relações interpessoais e religiosa. Nestas áreas o Senhor não queria de forma alguma, nenhum tipo de vínculo entre os princípios dEle com os dos cananeus. O julgo desigual é uma realidade destruidora, fazendo com que o povo de Deus perca sua essência; tal realidade pode ser vista através das relações interpessoais e das questões religiosas. Se os cananeus não se rebelassem contra a religião de Israel permaneceriam na terra sem problemas, mas aqueles que ficassem e não quisessem aceitar a fé seriam retirados.

Os que ficarem, indica que alguns cananeus escolheram permanecer na terra junto com Israel e mesmo assim queriam a qualquer custo continuar com sua cultura e religião. Deus não permite isso de nenhuma maneira, o que geraria a saída dos cananeus de qualquer forma; essa saída poderia causar uma guerra contra esses resistentes e consequentemente sua destruição. Sobre isso, o comentário Adam Clarke diz:

 

Estas nações idólatras deveriam ser totalmente destruídas, e todas as outras também, que eram contíguas aos limites da terra prometida, desde que não renunciassem a sua idolatria e recebessem a verdadeira fé..., e elas deveriam abraçar, calorosamente, a verdadeira religião, ou serem cortadas.

 

Ainda, o apologista Paul Copan ao fazer uma análise minuciosa diz:

 

A ordem de “destruir totalmente” as sete nações ocorre em um contexto que afirma claramente que Deus já expulsou as sete nações de diante de Israel. No contexto, então, “elas” se referem àqueles cananeus que não fugiram, mas permanecem na terra depois da derrota militar. ...

A linguagem destruir, então, no contexto não pode se referir a todo homem, mulher e criança em Canaã sem exceção. A linguagem de “destruição” está diretamente ao lado da linguagem de “expulsar” e “desalojar” essas sete nações. Um grande número de pessoas é expulso da terra antes de Israel chegar, e muitas pessoas sobrevivem e permanecem escondidas após Israel tê-las “destruído totalmente”. Além disso, as nações cananeias ainda precisarão ser “expulsas” ao longo do tempo.

 

As duas citações se completam através das suas informações. A ideia central delas, mostra que a intenção de Yahweh não era destruir os cananeus completamente de forma indistinta, antes indica que o contexto de Dt 7 ao mencionar o termo “destruir totalmente”, o faz de forma restrita a poucas pessoas, sendo então, aquelas que ficaram no território para querer impor sua visão de mundo. Entende-se que houve pessoas que fugiram antes da chegada dos israelitas, e outras fugiram para não haver confronto com Israel. Vale salientar que ainda houveram aquelas que quiseram ficar no território se comprometendo a viver a fé em Deus e não foram aniquiladas, estas renunciaram a idolatria e passaram a professar a religião dos israelitas. 

O termo destruir no texto em destaque diz sobre os que ficaram no local. De forma alguma essa expressão foi direcionada às mulheres, crianças e até para homens. Nessa linha fica claro que a destruição se deu somente àqueles que se rebelaram contra a chegada de Israel.

A ideia da matança completa de todos cai por terra ao ser observado que na narrativa bíblica é visto que há pessoas dessas nações vivas, e que houve também outros habitantes que não foram expulsos de imediato, mas, gradualmente, através do estabelecimento de Israel na terra prometida. Por isso é mais coerente e correto dizer que a ideia de destruição está de fato ligada em seu sentido primário com as palavras “desalojar” e “expulsar” ou termos semelhantes, e não somente a matança generalizada.

Muitos textos bíblicos do Pentateuco manifestam a ideia de que, por consequência do pecado Deus “expulsou” pessoas de sua presença e em outras situações as “desalojou” de certos lugares. Tal ato por parte do Senhor era uma destruição das ações pecaminosas direcionadas aos seus propósitos sagrados, não das pessoas. De forma que se os pecadores quisessem viver uma vida de pecado, que assim o fizessem sem intentar ações contra os planos de Deus. Nessa linha, pode ser externada algumas referências bíblicas relacionadas aos cananeus:

 

          Ex 23,27-31: Deus enviaria o terror e vespões para lançar fora os cananeus, heveus e heteus e depois continua a dizer que iria lançar os mesmos fora. Esse texto é reafirmado em Dt 7.

          Ex 33.2-3: indica que o Anjo do Senhor iria guiar os Israelitas para a terra que mana leite e mel e iria lançar dessa terra fora os cananeus, amorreus, heteus, ferezeus, heveus e jebuseus.

          Lv 18.24-28: informa que os Israelitas não podiam se contaminar e nem fazer aliança com o povo, pois por causa dos seus pecados Deus os lançaria fora da face de Israel, uma vez que se contaminaram, e que a terra vomitaria pouco a pouco esses moradores para Israel habitar permanentemente no local.

          Lv 20.22-23: diz que Israel poderia ser vomitado da terra se não guardasse os estatutos do Senhor e não poderia andar nos estatutos das gentes (cananeus) que seriam lançados fora da face deles.

          Nm 21.32: revela que após habitar em Jazer, Israel iria tomar as aldeias e lançar os amorreus fora daquela localidade.

 

Esses textos destacados acima e outros que não foram citados, mostra  a visão do Senhor Deus sobre o que Israel deveria fazer com os habitantes ao entrar em Canaã. Dessa forma, fica claro que o foco principal era expulsar os moradores e não destruir todos eles. Destruir foi uma segunda opção que será tratada no próximo ponto.

 

CONTINUA...

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REFERÊNCIAS

Copan, Paul. Deus realmente ordenou o genocídio?: como compreender a justiça de Deus. (Tradução: Daniel Hubert Kroker). São Paulo: Vida Nova, 2020

Clarke, Adam. Clarke´s Commentary: Genesis-Deuteronomy. Albany: Books for the ages, 1996.

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