Por Paul Copan[2]
"A regeneração precede a fé." Esta afirmação é
aquela que muitos, na tradição reformada, tomam como evidente. Temos que
"nascer de novo" a fim de "entrarmos no reino de Deus "
(João 3:3). Afinal, se estamos "mortos em nossos delitos e pecados",
precisamos ser "vivificados", a fim de nos arrependermos, sermos
"vivificados" e sermos "salvos" (Efésios 2:1-5; compare Col.
2:13). Todos sabemos que as pessoas espiritualmente mortas não podem se
arrepender e serem salvas. A Regeneração precede a fé!
Em segundo lugar, como eu indiquei, este dogma de que a "regeneração precede a
fé", não é evidente nas Escrituras. Na verdade, a fé precede a regeneração. Eu vou dizer mais sobre isso em
breve. Mas, primeiro, alguns rápidos esclarecimentos. (a) _A fé não precede o convite, geral e genuíno, de Deus às pessoas, a
participarem de seu reino:_ Ide, pois, às principais rodovias, e tantos
quantos vocês, lá, encontrarem, os convidem para a festa do casamento" (Mateus.
22: 9). (b) Nem a fé precede a iniciativa
graciosa de Deus, em permitir às pessoas responderem à ordem universal de Deus,
para que todas as pessoas, sem exceção, se arrependam: "Deus agora
declara aos homens, que todas as pessoas, em toda parte, se arrependam" (Atos
17:30). Claro, algumas pessoas podem resistir,
extinguir e entristecer o Espírito Santo. Elas podem repudiar a iniciativa
graciosa de Deus, que torna possível o cumprimento da ordem de Deus, para se
arrepender: "Era necessário, em primeiro lugar, que a palavra de Deus fosse
pregada a vocês; uma vez que, vocês a repudiaram e julgaram a si mesmos, indignos
da vida eterna, eis que voltamos para os gentios "(Atos13:46).
Antes de explorar algumas Escrituras, é digno mencionar
aqui a ordo salutis - "ordem da
salvação." Teólogos reformados estão, particularmente, interessados na
referência à sequência lógica ou ordenação da salvação de Deus. Aqui está um
desses exemplos, de R. C. Sproul:[3]
• Queda;
• Eleição;
• Chamada Externa;
• União com Cristo;
• Chamada Interna;
• Regeneração;
• Fé;
• Arrependimento;
• Justificação;
• Adoção;
• Santificação;
• Segurança da Salvação;
• Glorificação.
Enquanto eu não tenho nenhum problema com sistematização, por si só, eu tenho minhas dúvidas a
respeito de uma ordenação tão específica. O estudioso do Novo Testamento R. T.
France - um dos meus favoritos comentaristas - sugere que essas tentativas
precisas para uma ordo salutis são,
muitas vezes, artificiais e enganosas.[4] Concordo. Enquanto "queda",
obviamente, precede a "fé" ou "glorificação", devemos ter
cuidado ao ordenar, rigidamente, categorias de "regeneração",
"justificação", "adoção" e, até mesmo, "santificação".
Por exemplo, embora tenhamos sido "justificados pela fé" (Rom. 5: 1),
ainda esperamos uma justificação futura, também. (Gálatas 5:5: "a
esperança de justificação/justiça"). E eu pergunto: Será que podemos, confiante
e dogmaticamente, insistir que a categoria relacional de "adoção" seja,
logicamente, posterior à categoria forense de "justificação"? Eu seria
um pouco mais hesitante, especialmente, uma vez que, tanto a adopção quanto a
justificação, têm uma dimensão futura também (Rom; 8:23; Gal. 5: 5). Devemos
perguntar qual delas é, logicamente, anterior neste estado futuro? Além disso,
embora Abraão tenha sido "justificado" ou "declarado justo"
por Deus, em Gênesis 15:6 ele não respondeu,
de forma obediente, pela fé, à primeira chamada de Deus, para deixar sua
terra natal e ir a um lugar que Deus lhe mostraria (Gênesis 12: 1,4; compare
Hebreus 11: 8)?
Além disso, embora muitos teólogos se refiram à
"santificação", como sendo um processo,
alguns estudiosos evangélicos têm questionado isso, ao chama-la de um estatuto conferido
aos crentes na conversão.[5] Eu não vou entrar em detalhes aqui, mas,
certamente, está claro, a partir da Escritura que, como povo de Deus, somos
chamados "santos" - santos, santificados (por exemplo, 1ª Coríntios
1:2). Na verdade, veja 1ª Coríntios 6:11, onde o evento passado de ter sido
"lavado" ocorre ao lado de termos sido tanto "justificados"
quanto "santificados".
Até mesmo o teólogo reformado Louis Berkhof observa que a
Palavra de Deus "não equipa, explicitamente,
o crente com uma completa ordem da salvação."[6] Outro teólogo reformado,
Millard Erickson, rejeita o próprio dogma
de que a "regeneração precede a fé". Ele opta, em vez disso, pela
prioridade do chamado eficaz de Deus
(um trabalho intensivo e eficaz, do Espírito), que é anterior à regeneração
(que completa o trabalho inicial do Espírito).[7] Parece-me que a Escritura não
é tão clara quanto à ordem específica dos detalhes salvíficos e, por isso,
devemos ser cautelosos a respeito - dogmatizando. Naturalmente, a compreensão
de uma ordem básica de salvação é importante para nós como "meros
cristãos": que estamos caídos; que necessitamos da iniciativa graciosa de
Deus; que devemos receber essa graça e nos arrependermos e que, com a ajuda de Deus,
perseveramos com foco na glorificação final.
Assim, quanto aquelas Escrituras que são contrárias à ideia
de que a "regeneração precede a fé"? Os textos a seguir indicam que a
fé precede a regeneração e a salvação inicial (confira Efésios 2:5,
onde a ser "vivificado" está ligado a ter sido "salvo"):
Lucas 8:12: "Aquelas que caíram ao lado do caminho são
aqueles que ouviram; depois vem o diabo e tira a palavra do seu coração, de
modo que eles não creiam e sejam salvos. "(fé/ crer resulta em
salvação.)
João 1:12: "Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes
o poder de se tornarem filhos de Deus, a saber: os que crêem no seu nome.
"(fé/crer precede a salvação.)
João 3:15-16: "... para que todo aquele que nEle crer, tenha a vida eterna. Porque Deus tanto amou o mundo, que deu o seu Filho
unigênito, para que todo aquele que Nele crer
não pereça, mas tenha a vida eterna.
"(fé/ crer precede a regeneração.)
Atos 2:38: "Pedro disse-lhes: "Arrependei-vos e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo.
(Veja uma passagem similar em *Atos 3:
19-21:* "Portanto, arrependei-vos
e convertei-vos, para que os vossos pecados
sejam apagados [purificação do pecado], a fim de que, da presença do Senhor,
venham tempos de refrigério [regeneração?]; E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado; a
quem o céu deve acolher até o período de restauração de todas as coisas, a
respeito das quais, Deus falou pela boca dos seus santos profetas, desde os
tempos antigos. ") (Arrependimento/conversão [que inclui fé] leva à
regeneração – receber o Espírito.)
Atos 11:18: " E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram
a Deus, dizendo: Na verdade, até aos gentios deu Deus o arrependimento para a
vida. "(O arrependimento leva à regeneração.)
Atos 16:31: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e
tua casa. "(fé / crer leva à salvação.)
Romanos 10:9-10: "... se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em o seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo, pois com o coração se crê para justiça, e com a boca se
confessa, resultando na salvação."
(fé/crer resulta em salvação.)
1ª Coríntios 1:21: "Visto que, na sabedoria de Deus o
mundo, pela sua própria sabedoria, não conheceu a Deus, foi do agrado de Deus,
através da loucura da pregação, para salvar
aqueles que crêem." (fé/ crer
precede a salvação.)
Eu poderia acrescentar outros textos, mas acho que estes
são suficientes. E para um pouco mais de contexto teológico à nossa discussão,
veja o capítulo 6 do meu livro, em co-autoria, An Introduction to Biblical Ethics: Walking in the Way of Wisdom – Uma
Introdução à Ética Bíblica – Andando no Caminho da Sabedoria (IVP
Academic). Contudo, deixe-me oferecer algumas observações finais para colocar
as coisas em perspectiva:
Em primeiro lugar, Deus deve iniciar salvação. Ao fazer
isso, Deus, rotineiramente, exerce genuínas e diretas influências salvadoras, de
todos os tipos, até mesmo se elas, no final, sejam rejeitadas. Uma vez que Deus
deve iniciar a salvação, devemos rejeitar o Pelagianismo
– pois declara, que, em si mesmos, os seres humanos têm a capacidade de
viver sem pecado. Rejeitamos também Semi-pelagianismo
– pois declara que os seres humanos podem, sem ajuda divina, dar os primeiros
passos iniciais em direção a Deus, que, em seguida, nos responde; este ponto de
vista, sustentado por João Cassiano, foi condenado no Conselho de Orange, na
França, em 529. De fato, vemos, repetidamente, por toda a Escritura que a
iniciativa tomada por Deus, em oferecer, livremente, a salvação, é resistível
(por exemplo, o Salmo 81:10-13; Isaías 5:1-7).
Em segundo lugar, devemos ter cuidado em dogmatizar demais uma
ordem da salvação, quando as Escrituras não são claras, em relação ao número
delas. Vamos nos esforçar em manter o essencial.
Em terceiro lugar, como
crentes chamados a amar uns aos outros, devemos evitar em rotular os outros
crentes como "semi-pelagianos" que não abraçam uma visão reformada de
que a "regeneração precede a fé". Se o fizéssemos,
teríamos que condenar respeitados teólogos reformados como Millard Erickson,
que reconhecem que as Escrituras não ensinam isso. Porém, além disso, devemos exibir
um espírito fraternal àqueles com quem discordamos em questões secundárias e
terciárias: "No essencial, unidade; No não-essencial, liberdade; em tudo as
coisas, o amor. "
____________________
Referências
e notas:
[1] Nota do
Tradutor: Fonte: http://credohouse.org/blog/does-regeneration-precede-faith-apparently-not
[2] Nota do
Tradutor: Paul Copan, nascido em 26 de setembro de 1962, é um teólogo
cristão, filósofo analítico, apologista e escritor. Atualmente é professor da
Universidade Atlântica de Palm Beach e ocupa a cátedra Pledger Famíly de
Filosofia e Ética. Ele escreveu e editou mais de 25 livros na área de filosofia
da religião, apologética, teologia, ciência e religião; e da historicidade de
Jesus Cristo. Ele contribuiu com muitos artigos para revistas profissionais e
tem escrito vários ensaios para livros já editados. Durante seis anos ele atuou
como presidente da Sociedade Filosófica Evangélica. O pai de Paul Copan, Valery
Copan, é de origem ucraniana e sua mãe, Waltraut (Kirsch) Copan, nasceu em
Riga, Letónia. Ele nasceu em Cleveland, Ohio e, em seguida, se mudou para
Connecticut quando adolescente. De 1980-1984, ele frequentou a Universidade
Internacional de Columbia e adquiriu um B.A. (licenciatura) em estudos
bíblicos. Copan frequentou a Universidade Internacional Trinity, onde recebeu
seu M.A. (mestrado) em filosofia da religião, bem como, o seu M.Div. (Mestrado
em Teologia). Copan recebeu o Prêmio Prof. C. B. Bjuge para uma tese de que
"evidencia da erudição criativa no campo da teologia bíblica e
sistemática." Em maio de 2000, Copan recebeu seu Ph.D. (doutorado) em
filosofia da religião da Universidade de Marquette, em Milwaukee, Wisconsin.
Seu tema da dissertação foi "As Dimensões Morais da Ateologia de Michael
Martin: Uma avaliação crítica". Copan começou sua carreira na equipe
pastoral da Primeira Igreja Presbiteriana em Schenectady, N.Y. Serviu no
Ministério Internacional Ravi Zacharias e foi Professor Associado Adjunto do
Universidade Internacional Trinity (Deerfield, Illinois). Ele foi Professor
Associado Adjunto de Teologia e Filosofia no Seminário Betel. Ele foi Professor
Associado Adjunto de Filosofia na Faculdade Georgia Perimeter. Atualmente,
Copan ocupa a cátedra da Pledger Famíly em Filosofia e Ética, Professor de Filosofia e Ética na
Universidade Atlântica Palm Beach, em West Palm Beach, FL, onde recebeu o
prêmio de Mentoria do Ano. (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Copan,
acesso em 20/01/2016)
[3] Veja o Capítulo 5 em Eleitos de Deus de R.C. Sproul (Wheaton, IL: Tyndale, 1994).
[4] Veja R. T. France,
“Conversion in the New Testament – Conversão no Novo Testamento,” Evangelical
Quarterly 65 (1993): 291-310.
[5]
Por exemplo, David Peterson, Possessed by
God: A New Testament Theology of
Sanctification and
Holiness – Adquiridos por
Deus: Uma Nova Teologia da Santificação e Sda Santidade (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 2001).
[6] Louis Berkhof,
Systematic Theology – Teologia Sistemática (Grand Rapids: Eerdmans, 1941), 416.
[7] Millard J.
Erickson, Christian Theology – Teologia Cristã, segunda edição. (Grand Rapids:
Baker, 2004), 901-978.
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