quinta-feira, 12 de maio de 2022

A REGENERAÇÃO PRECEDE A FÉ? APARENTEMENTE NÃO![1]

  

Por Paul Copan[2]

 

"A regeneração precede a fé." Esta afirmação é aquela que muitos, na tradição reformada, tomam como evidente. Temos que "nascer de novo" a fim de "entrarmos no reino de Deus " (João 3:3). Afinal, se estamos "mortos em nossos delitos e pecados", precisamos ser "vivificados", a fim de nos arrependermos, sermos "vivificados" e sermos "salvos" (Efésios 2:1-5; compare Col. 2:13). Todos sabemos que as pessoas espiritualmente mortas não podem se arrepender e serem salvas. A Regeneração precede a fé!

 Eu discordaria desta evidência. Embora alguns dos meus irmãos e irmãs em Cristo discordem de mim, deixe-me oferecer algumas razões.

 Em primeiro lugar, os mortos espiritualmente ainda podem receber influência e graça divinas, que podem leva-lo à salvação/regeneração. Hebreus 6:4-6 refere-se "àqueles que foram iluminados e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro", mas que, no final, não herdarão a salvação final. Pra começo de conversa, para muitos teólogos - tanto reformados quanto, igualmente, os não-reformados - essas pessoas nunca foram salvas. Mas se é assim, eles ainda foram iluminados, e provaram o dom celestial, se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a Palavra e o poder de Deus. Se me é permitido dizer: Nada mal para uma pessoa espiritualmente morta! Então, se é possível a uma pessoa, espiritualmente morta, ter esse tipo de experiência "esclarecedora", parece muito forte dizer que aqueles que estão afastados de Deus - os espiritualmente desamparados – necessariamente, serão, totalmente, "indiferentes" a todos os tipos de influência e graça divinas. Deus não pode usar tais influências para despertar e convencer os incrédulos, até mesmo quando eles, por fim, "sempre resistem ao Espírito Santo" (Atos 7:51)?

Em segundo lugar, como eu indiquei, este dogma de que a "regeneração precede a fé", não é evidente nas Escrituras. Na verdade, a fé precede a regeneração. Eu vou dizer mais sobre isso em breve. Mas, primeiro, alguns rápidos esclarecimentos. (a) _A fé não precede o convite, geral e genuíno, de Deus às pessoas, a participarem de seu reino:_ Ide, pois, às principais rodovias, e tantos quantos vocês, lá, encontrarem, os convidem para a festa do casamento" (Mateus. 22: 9). (b) Nem a fé precede a iniciativa graciosa de Deus, em permitir às pessoas responderem à ordem universal de Deus, para que todas as pessoas, sem exceção, se arrependam: "Deus agora declara aos homens, que todas as pessoas, em toda parte, se arrependam" (Atos 17:30). Claro, algumas pessoas podem resistir, extinguir e entristecer o Espírito Santo. Elas podem repudiar a iniciativa graciosa de Deus, que torna possível o cumprimento da ordem de Deus, para se arrepender: "Era necessário, em primeiro lugar, que a palavra de Deus fosse pregada a vocês; uma vez que, vocês a repudiaram e julgaram a si mesmos, indignos da vida eterna, eis que voltamos para os gentios "(Atos13:46).

Antes de explorar algumas Escrituras, é digno mencionar aqui a ordo salutis - "ordem da salvação." Teólogos reformados estão, particularmente, interessados na referência à sequência lógica ou ordenação da salvação de Deus. Aqui está um desses exemplos, de R. C. Sproul:[3]

 

• Queda;

• Eleição;

• Chamada Externa;

• União com Cristo;

• Chamada Interna;

• Regeneração;

• Fé;

• Arrependimento;

• Justificação;

• Adoção;

• Santificação;

• Segurança da Salvação;

• Glorificação.

 

Enquanto eu não tenho nenhum problema com sistematização, por si só, eu tenho minhas dúvidas a respeito de uma ordenação tão específica. O estudioso do Novo Testamento R. T. France - um dos meus favoritos comentaristas - sugere que essas tentativas precisas para uma ordo salutis são, muitas vezes, artificiais e enganosas.[4] Concordo. Enquanto "queda", obviamente, precede a "fé" ou "glorificação", devemos ter cuidado ao ordenar, rigidamente, categorias de "regeneração", "justificação", "adoção" e, até mesmo, "santificação". Por exemplo, embora tenhamos sido "justificados pela fé" (Rom. 5: 1), ainda esperamos uma justificação futura, também. (Gálatas 5:5: "a esperança de justificação/justiça"). E eu pergunto: Será que podemos, confiante e dogmaticamente, insistir que a categoria relacional de "adoção" seja, logicamente, posterior à categoria forense de "justificação"? Eu seria um pouco mais hesitante, especialmente, uma vez que, tanto a adopção quanto a justificação, têm uma dimensão futura também (Rom; 8:23; Gal. 5: 5). Devemos perguntar qual delas é, logicamente, anterior neste estado futuro? Além disso, embora Abraão tenha sido "justificado" ou "declarado justo" por Deus, em Gênesis 15:6 ele não respondeu, de forma obediente, pela fé, à primeira chamada de Deus, para deixar sua terra natal e ir a um lugar que Deus lhe mostraria (Gênesis 12: 1,4; compare Hebreus 11: 8)?

Além disso, embora muitos teólogos se refiram à "santificação", como sendo um processo, alguns estudiosos evangélicos têm questionado isso, ao chama-la de um estatuto conferido aos crentes na conversão.[5] Eu não vou entrar em detalhes aqui, mas, certamente, está claro, a partir da Escritura que, como povo de Deus, somos chamados "santos" - santos, santificados (por exemplo, 1ª Coríntios 1:2). Na verdade, veja 1ª Coríntios 6:11, onde o evento passado de ter sido "lavado" ocorre ao lado de termos sido tanto "justificados" quanto "santificados".

Até mesmo o teólogo reformado Louis Berkhof observa que a Palavra de Deus "não equipa, explicitamente, o crente com uma completa ordem da salvação."[6] Outro teólogo reformado, Millard Erickson, rejeita o próprio dogma de que a "regeneração precede a fé". Ele opta, em vez disso, pela prioridade do chamado eficaz de Deus (um trabalho intensivo e eficaz, do Espírito), que é anterior à regeneração (que completa o trabalho inicial do Espírito).[7] Parece-me que a Escritura não é tão clara quanto à ordem específica dos detalhes salvíficos e, por isso, devemos ser cautelosos a respeito - dogmatizando. Naturalmente, a compreensão de uma ordem básica de salvação é importante para nós como "meros cristãos": que estamos caídos; que necessitamos da iniciativa graciosa de Deus; que devemos receber essa graça e nos arrependermos e que, com a ajuda de Deus, perseveramos com foco na glorificação final.

Assim, quanto aquelas Escrituras que são contrárias à ideia de que a "regeneração precede a fé"? Os textos a seguir indicam que a fé precede a regeneração e a salvação inicial (confira Efésios 2:5, onde a ser "vivificado" está ligado a ter sido "salvo"):

 

Lucas 8:12: "Aquelas que caíram ao lado do caminho são aqueles que ouviram; depois vem o diabo e tira a palavra do seu coração, de modo que eles não creiam e sejam salvos. "(fé/ crer resulta em salvação.)

João 1:12: "Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, a saber: os que crêem no seu nome. "(fé/crer precede a salvação.)

João 3:15-16: "... para que todo aquele que nEle crer, tenha a vida eterna. Porque Deus tanto amou o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. "(fé/ crer precede a regeneração.)

Atos 2:38: "Pedro disse-lhes: "Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo. (Veja uma passagem similar em *Atos 3: 19-21:* "Portanto, arrependei-vos e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados [purificação do pecado], a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério [regeneração?]; E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado; a quem o céu deve acolher até o período de restauração de todas as coisas, a respeito das quais, Deus falou pela boca dos seus santos profetas, desde os tempos antigos. ") (Arrependimento/conversão [que inclui fé] leva à regeneração – receber o Espírito.)

Atos 11:18: " E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade, até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida. "(O arrependimento leva à regeneração.)

Atos 16:31: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa. "(fé / crer leva à salvação.)

Romanos 10:9-10: "... se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em o seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo, pois com o coração se crê para justiça, e com a boca se confessa, resultando na salvação." (fé/crer resulta em salvação.)

1ª Coríntios 1:21: "Visto que, na sabedoria de Deus o mundo, pela sua própria sabedoria, não conheceu a Deus, foi do agrado de Deus, através da loucura da pregação, para salvar aqueles que crêem." (fé/ crer precede a salvação.)

 

Eu poderia acrescentar outros textos, mas acho que estes são suficientes. E para um pouco mais de contexto teológico à nossa discussão, veja o capítulo 6 do meu livro, em co-autoria, An Introduction to Biblical Ethics: Walking in the Way of Wisdom – Uma Introdução à Ética Bíblica – Andando no Caminho da Sabedoria (IVP Academic). Contudo, deixe-me oferecer algumas observações finais para colocar as coisas em perspectiva:

Em primeiro lugar, Deus deve iniciar salvação. Ao fazer isso, Deus, rotineiramente, exerce genuínas e diretas influências salvadoras, de todos os tipos, até mesmo se elas, no final, sejam rejeitadas. Uma vez que Deus deve iniciar a salvação, devemos rejeitar o Pelagianismo – pois declara, que, em si mesmos, os seres humanos têm a capacidade de viver sem pecado. Rejeitamos também Semi-pelagianismo – pois declara que os seres humanos podem, sem ajuda divina, dar os primeiros passos iniciais em direção a Deus, que, em seguida, nos responde; este ponto de vista, sustentado por João Cassiano, foi condenado no Conselho de Orange, na França, em 529. De fato, vemos, repetidamente, por toda a Escritura que a iniciativa tomada por Deus, em oferecer, livremente, a salvação, é resistível (por exemplo, o Salmo 81:10-13; Isaías 5:1-7).

Em segundo lugar, devemos ter cuidado em dogmatizar demais uma ordem da salvação, quando as Escrituras não são claras, em relação ao número delas. Vamos nos esforçar em manter o essencial.

Em terceiro lugar, como crentes chamados a amar uns aos outros, devemos evitar em rotular os outros crentes como "semi-pelagianos" que não abraçam uma visão reformada de que a "regeneração precede a fé". Se o fizéssemos, teríamos que condenar respeitados teólogos reformados como Millard Erickson, que reconhecem que as Escrituras não ensinam isso. Porém, além disso, devemos exibir um espírito fraternal àqueles com quem discordamos em questões secundárias e terciárias: "No essencial, unidade; No não-essencial, liberdade; em tudo as coisas, o amor. "

 

____________________

Referências e notas:

 

[1] Nota do Tradutor: Fonte: http://credohouse.org/blog/does-regeneration-precede-faith-apparently-not

[2] Nota do Tradutor: Paul Copan, nascido em 26 de setembro de 1962, é um teólogo cristão, filósofo analítico, apologista e escritor. Atualmente é professor da Universidade Atlântica de Palm Beach e ocupa a cátedra Pledger Famíly de Filosofia e Ética. Ele escreveu e editou mais de 25 livros na área de filosofia da religião, apologética, teologia, ciência e religião; e da historicidade de Jesus Cristo. Ele contribuiu com muitos artigos para revistas profissionais e tem escrito vários ensaios para livros já editados. Durante seis anos ele atuou como presidente da Sociedade Filosófica Evangélica. O pai de Paul Copan, Valery Copan, é de origem ucraniana e sua mãe, Waltraut (Kirsch) Copan, nasceu em Riga, Letónia. Ele nasceu em Cleveland, Ohio e, em seguida, se mudou para Connecticut quando adolescente. De 1980-1984, ele frequentou a Universidade Internacional de Columbia e adquiriu um B.A. (licenciatura) em estudos bíblicos. Copan frequentou a Universidade Internacional Trinity, onde recebeu seu M.A. (mestrado) em filosofia da religião, bem como, o seu M.Div. (Mestrado em Teologia). Copan recebeu o Prêmio Prof. C. B. Bjuge para uma tese de que "evidencia da erudição criativa no campo da teologia bíblica e sistemática." Em maio de 2000, Copan recebeu seu Ph.D. (doutorado) em filosofia da religião da Universidade de Marquette, em Milwaukee, Wisconsin. Seu tema da dissertação foi "As Dimensões Morais da Ateologia de Michael Martin: Uma avaliação crítica". Copan começou sua carreira na equipe pastoral da Primeira Igreja Presbiteriana em Schenectady, N.Y. Serviu no Ministério Internacional Ravi Zacharias e foi Professor Associado Adjunto do Universidade Internacional Trinity (Deerfield, Illinois). Ele foi Professor Associado Adjunto de Teologia e Filosofia no Seminário Betel. Ele foi Professor Associado Adjunto de Filosofia na Faculdade Georgia Perimeter. Atualmente, Copan ocupa a cátedra da Pledger Famíly em Filosofia e Ética,  Professor de Filosofia e Ética na Universidade Atlântica Palm Beach, em West Palm Beach, FL, onde recebeu o prêmio de Mentoria do Ano. (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Copan, acesso em 20/01/2016)

[3] Veja o Capítulo 5 em Eleitos de Deus de R.C. Sproul (Wheaton, IL: Tyndale, 1994).

[4] Veja R. T. France, “Conversion in the New Testament – Conversão no Novo Testamento,” Evangelical Quarterly 65 (1993): 291-310.

[5] Por exemplo, David Peterson, Possessed by God: A New Testament Theology of

Sanctification and HolinessAdquiridos por Deus: Uma Nova Teologia da Santificação e Sda Santidade (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2001).

[6] Louis Berkhof, Systematic Theology – Teologia Sistemática (Grand Rapids: Eerdmans, 1941), 416.

[7] Millard J. Erickson, Christian Theology – Teologia Cristã, segunda edição. (Grand Rapids: Baker, 2004), 901-978.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário