Roger E. Olson
Christianity
Today, 6 de setembro de 1999
Meus amigos reformados algumas vezes me
tratam como inimigo, mas na verdade precisamos uns dos outros.
Durante os grandes avivamentos do
século dezoito, John Wesley e George Whitefield pararam de cooperar um com o
outro devido às suas diferentes crenças acerca da predestinação. E embora eles
finalmente se reconciliaram, sua divergência persiste em debates ocasionais de
evangélicos americanos sobre a soberania de Deus e as doutrinas da eleição e do
livre-arbítrio.
Apesar desta história, a aliança
evangélica pós-segunda guerra mundial mantém juntos crentes calvinistas e
arminianos dentro de um grande movimento. Pelo menos há tanto igrejas membros
da Associação Nacional de Evangélicos arminianas em sua orientação teológica
quanto reformadas.
Mas agora, sinais de grande tensão
dentro da aliança estão aparecendo, incluindo uma nova estridência e
agressividade da parte de teólogos em alguns círculos reformados mais conservadores.
Como um inveterado arminiano assim como evangélico, e como alguém que se
preocupa profundamente com a unidade da comunidade evangélica, acho que isto é
muito lastimoso.
Alguns destes teólogos acham que o
evangelicalismo enfrenta uma crise que se concentra na questão da
predestinação. “Cristãos que negam a eleição incondicional e a graça
irresistível podem ser genuinamente evangélicos?” eles perguntam. Michael
Horton, professor no Seminário Teológico de Westminster, na Califórnia, afirma
na revista Modern Reformation que “arminiano evangélico” não
é uma opção mas um oxímoro. “Um evangélico,” ele diz, “não pode ser arminiano
mais do que um evangélico pode ser um católico romano.” Até mesmo o grande
reavivalista arminiano John Wesley é suspeito de uma fé evangélica defeituosa
por Horton e alguns de seus colegas em duas organizações, a Christians United for Reformation (CURE)
e a Alliance of Confessing Evangelicals
(ACE). Estes e outros movimentos evangélicos contemporâneos buscam restabelecer
e entronizar o monergismo – a crença na atividade única e soberana de Deus na
salvação – como crucial ao evangelicalismo autêntico.
Em anos recentes, uma enchente de
livros e artigos editados e escritos por líderes acadêmicos evangélicos
reformados (como R. C. Sproul do Ligonier Ministries) têm levantado questões
sobre a validade das credenciais evangélicas de todos e cada um dos
protestantes arminianos que negam a eleição incondicional e afirmam a graça
resistível. A ACE escreveu a “Declaração de Cambridge,” que criticou, entre outras
supostas aberrações entre os evangélicos, a crença de que os seres humanos
podem cooperar com a graça regeneradora de Deus.
Espero por outro período de
tranquilidade entre nós que cremos na capacidade da alma de cooperar com a
graça regeneradora (arminianos) e aqueles que crêem que a graça regeneradora
deve preceder até mesmo o arrependimento e a fé (calvinistas).
Quando iniciei o seminário eu era filho
de um pregador pentecostal convencido a me tornar um “esmurrador de púlpito”
teologicamente instruído. Eu me graduei numa “aspirante” a universidade
acadêmica teológica completamente evangélica pós-pentecostal. Enquanto no
seminário, eu descobri que alguém poderia ser cheio do Espírito e também
intelectualmente sério, aberto a pontos de vistas diversos dentro da mais ampla
herança evangélica, e até mesmo teologicamente reformado! Essa revelação veio a
mim através das vidas e ensino de professores como Ralph Powell, Al Glenn, Sam
Mikolaski e James Montgomery Boice. Revistas como a Eternity e
a Christianity Today ajudaram a transformar minha
anteriormente mais estreita ideia de cristianismo evangélico “pleno” autêntico.
Mas passando por isso tudo, e apesar de sérias lutas com seus problemas, eu
conservei o Arminianismo de minha herança holiness-pentecostal.
Dois conselhos que aprendi do meu
mentor evangélico no seminário, um batista moderadamente reformado, se fixaram
especialmente em minha mente. Durante a recepção, imediatamente após a
cerimônia de graduação, Ralph Powell me puxou para o lado, e da maneira mais
tocante, característica de um avô, disse: “Roger, jamais perca sua excelência
evangélica.” Sabendo que eu planejava continuar minha educação teológica numa
universidade secular, ele não poderia pensar num conselho de despedida melhor
para o seu jovem protegido. Nem eu poderia. Sempre tenho lembrado de sua
exortação afetuosamente e dado meu melhor para satisfazer seu desafio.
O outro conselho veio mais cedo. Powell
estava preocupado com minhas crenças arminianas um tanto firmes. Um dia ele me
levou à parte e disse, “Roger, você deve saber que o Arminianismo geralmente
tem levado à teologia liberal.” Como muitos teólogos reformados, ele acreditava
que uma ênfase arminiana no livre-arbítrio concede poder demais à humanidade e
por essa razão contém um impulso humanista. Embora apreciei sua admoestação
implícita, eu sabia de minha própria experiência que isto não era inteiramente
verdadeiro. Desde então, tenho me esforçado para provar que a teologia
arminiana e uma excelência evangélica podem ser combinadas confortavelmente.
Teologia Tulip – fabricada na Holanda
A teologia arminiana não começou na
Armênia. Na verdade, ela não tem nada a ver especificamente com aquela parte da
Ásia. O Arminianismo é uma designação derivada do nome de um teólogo holandês
que morreu em 1609 no auge de uma controvérsia envolvendo a doutrina da
predestinação. Jacob Arminius rejeitou algumas das doutrinas do Calvinismo
enquanto aceitava outras. Ele estudou sob o sucessor de Calvino em Genebra,
Theodore Beza, mas veio a repudiar algumas das crenças de Beza, tais como a
eleição incondicional e a graça irresistível, em favor da eleição condicional,
o livre-arbítrio e a graça preveniente, resistível.
A contraparte fielmente reformada em
teologia na Universidade de Leiden era Franciscus Gomarus – outro aluno de Beza
– que insistia que as doutrinas que Arminius rejeitou eram partes integrantes
da ortodoxia teológica reformada.
Os seguidores de Arminius na Holanda
ficaram conhecidos após sua morte como remonstrantes, e alguns
deles formularam um documento conhecido como a Remonstrância, no qual eles
detalharam sua rejeição da teologia calvinista de Gomarus. O resumo da fé
reformada de Gomarus tinha cinco pontos (a famosa fórmula “TULIP”): depravação
total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e
a perseverança.
Arminius mesmo nunca negou o primeiro e
o último dos cinco pontos, e seus seguidores os debateram entre si por séculos.
Resumidamente afirmados, os “cinco pontos” rejeitados pelos remonstrantes
significam (em ordem) que os humanos são todos (com a exceção de Jesus Cristo)
nascidos completamente mortos espiritualmente e incapazes de fazer qualquer
coisa agradável a Deus por causa da herança da natureza caída de Adão; Deus
predestinou certas pessoas para receber perdão e vida eterna, e a seleção de
Deus de forma alguma foi condicionada pelas vidas ou decisões dos eleitos;
Cristo morreu na cruz para proporcionar sacrifício expiador para os pecados
somente dos eleitos; Deus comunica a graça regeneradora aos eleitos de tal
forma que eles não podem ou querem resistir; e os eleitos de Deus irão
perseverar em estado de graça até a salvação final.
Os principais ministros reformados e
líderes políticos das Províncias Unidas dos Países Baixos – das quais a Holanda
era o estado mais proeminente – se encontraram no Sínodo de Dort de novembro de
1618 a janeiro de 1619 e condenaram os remonstrantes como heréticos. Dort
afirmou os assim chamados cinco pontos do Calvinismo como ortodoxos e forçaram
os seguidores de Arminius ou a retratar suas crenças no
livre-arbítrio, eleição condicional, graça irresistível e expiação ilimitada ou
a serem banidos da Igreja Reformada e dos Países Baixos. Alguns líderes
arminianos, tais como o estadista holandês Hugo Grotius, foram presos. Um foi
decapitado. Nesses dias não era tão fácil separar teologia e política como
fazemos hoje em dia.
Como resultado do Sínodo de Dort, os
arminianos se espalharam para outros países e encontraram refúgio em outros
ramos do Cristianismo protestante. Os menonitas e outros anabatistas já criam
quase a mesma coisa sobre a eleição divina e a salvação como muitos dos
arminianos: A eleição se refere ao pré-conhecimento de Deus
daqueles que livremente responderiam ao evangelho conforme fossem capacitados
pela graça preveniente. A teologia arminiana encontrou aceitação dentro da
Igreja da Inglaterra, embora muitos nessa igreja resolutamente se opuseram a
ela em favor da teologia reformada.
Gradualmente os arminianos se dividiram
em dois grupos, que Alan P. F. Sell – um intérprete moderno da história da
controvérsia reformada-arminiana – classifica como “Arminianismo da cabeça” e
“Arminianismo do coração.” Os primeiros se inclinaram ao Deísmo e à teologia
liberal. Muitos finalmente se tornaram unitários. Os últimos foram fortemente
influenciados pelo pietismo alemão e enfatizavam a conversão pessoal e a
santificação.
John Wesley foi o principal “arminiano
do coração” no século dezoito, e seu movimento metodista foi profundamente
caracterizado pela teologia arminiana do “livre-arbítrio”. Àqueles evangélicos
de seu dia, que o acusavam de ter tendências humanísticas e católicas por causa
de sua rejeição da eleição incondicional e da crença no livre-arbítrio, Wesley
afirmou a absoluta necessidade da graça preveniente (capacitante mas
resistível) de Deus para superar a ferida mortal do pecado e ter livre-arbítrio
suficiente para aceitar ou rejeitar a graça salvadora responsavelmente.
Os primeiros batistas foram divididos
por esta controvérsia reformada-arminiana. Os pregadores e as congregações
batistas que adotaram as doutrinas calvinistas da eleição incondicional,
expiação limitada e a graça irresistível vieram a ser conhecidos como “batistas
particulares,” enquanto os que seguiram os ensinos arminianos foram chamados de
“batistas gerais.”
Reavivalistas e seus conversos durante
os Grandes Avivamentos dos anos 40 do século dezoito e início do século
dezenove na América frequentemente se dividiram em tais linhas teológicas.
Jonathan Edwards da Nova Inglaterra foi um gênio na defesa de uma forte visão
reformada da soberania de Deus e da depravação do homem. Charles Finney, um
século mais tarde, promoveu uma versão extremada do Arminianismo. Todo o
Movimento de Restauração que deu origem às Igrejas de Cristo e Igrejas Cristãs
Independentes era arminiano, como foi o movimento Holiness e
seus descendentes, o movimento pentecostal. Ambos, Dwight L. Moody e Charles
Spurgeon, por outro lado, eram calvinistas.
Todos na família
Eu fui criado espiritualmente no âmago
do Cristianismo evangélico arminiano. Algumas das minhas mais vívidas
lembranças da infância são de transpirar nas noites de verão debaixo do
tabernáculo lateralmente aberto dos Acampamentos Nazarenos de Iowa em West Des
Moines. “Santidade ao Senhor!” declarava a faixa sobre o palanque; centenas –
talvez milhares – de adoradores Holiness e pentecostais,
todos à minha volta, gritavam e cantavam e louvavam o Senhor até tarde da
noite. Nossa própria pequena denominação pentecostal, como o maior
movimento Holiness-pentecostal, era inteiramente arminiana em sua
orientação teológica. A vontade universal de Deus pela salvação de todos e a
liberdade de todos para crer e receber a mensagem do evangelho era fundamental
à nossa visão de Cristianismo evangélico. Não havia nenhuma possibilidade da
teologia liberal invadir nossa teologia. Nenhum grupo de cristãos na história
jamais creu mais apaixonadamente na Bíblia como a Palavra escrita
sobrenaturalmente inspirada e infalível de Deus. A santidade e a majestade de
Deus eram também centrais à nossa pregação e ensino, apesar de que a soberania
de Deus era interpretada como geral antes que meticulosa. Para nós, Satanás era
um demônio real – um cachorro louco numa corrente longa – e de forma alguma o
“Satanás de Deus”. E todavia, críamos e ensinávamos que Deus finalmente
venceria a guerra espiritual cósmica e que Satanás poderia somente descarregar
tanta destruição conforme Deus o permitia assim fazer.
As reuniões de família eram eventos
fascinantes. Minha família mais ampla incluía, de ambos os lados, cristãos de
várias pontos de vistas, e muitos deles eram ardentes e francos acerca de suas
crenças. Do lado do meu pai, a maioria dos parentes eram ou Holiness ou
pentecostais, e as reuniões de família geralmente se dividiam em discussões
acaloradas sobre a santificação plena e o falar em línguas. A família de minha
madrasta incluía pentecostais e cristãos reformados. Embora eles nunca
discutiram abertamente sobre questões teológicas, me lembro bem que ambos os
lados da família olhavam com uma certa desconfiança para a teologia do outro.
Meus parentes da Igreja Reformada Cristã do norte de Iowa não estavam tão
seguros sobre o emocionalismo e a ênfase no livre-arbítrio entre aqueles de nós
que sustentávamos e praticávamos o Pentecostalismo. Meus pais, tias e tios
pentecostais – muitos deles pastores e missionários – claramente se admiravam
de como calvinistas ferrenhos podiam ser cristãos evangélicos. E todavia todos
amavam e aceitavam um ao outro apesar de suas diferenças teológicas.
No colégio da Bíblia, fui doutrinado
contra a teologia reformada. A maioria de meus professores pentecostais e
muitos dos oradores convidados nas capelas e assembléias ferventemente se
opunham não apenas à eleição incondicional e à graça irresistível (a expiação
limitada não valia nem a pena debater!) mas também à segurança eterna. Quando o
evangelista pentecostal Jimmy Swaggart publicamente declarou que o Calvinismo é
uma “heresia,” ele estava apenas tornando público o que muitos Holiness-pentecostais
pensavam e ensinavam mais discretamente por anos.
Mas algo continuava incomodando minha
mente, me fazendo duvidar da imagem extremamente negativa da teologia reformada
que me passavam no colégio da Bíblia. Alguns de nossos livros escolares eram
escritos por estudiosos calvinistas evangélicos. Um de nossos livros escolares
era uma coleção de sermões de Charles Spurgeon. Enquanto no colégio da Bíblia,
comecei a ler a revista Eternity e me apaixonei pelo grande
professor presbiteriano evangélico Donald Grey Barnhouse – um pacífico
calvinista cujos escritos também exigiam que lêssemos. A Eternity abriu
para mim o evangelicalismo tolerante que incluía tanto arminianos quanto
calvinistas. E então havia meus parentes reformados cristãos, cujas vidas e
testemunhos eram tão apaixonadamente evangélicos quanto qualquer pregador
zeloso completo.
Um ponto crítico em minha peregrinação
espiritual e teológica aconteceu em um funeral. O pastor reformado cristão da
tia Margaret, em Kanawha, Iowa, pregava um dos sermões mais evangélicos que eu
já tinha ouvido. Ele desafiou todos os presentes a dar suas vidas a Jesus
Cristo assim como Margaret tinha feito. A discrepância entre fé e prática
finalmente irrompeu-se numa rebelião completa contra a polêmica anti-calvinista
que eu tinha ouvido de líderes e professores pentecostais. Enquanto eu não
podia concordar com todos os cinco pontos da TULIP calvinista – especialmente a
eleição incondicional, a expiação limitada e a graça irresistível – eu sabia
que a “barraca” do Cristianismo evangélico autêntico era maior e mais ampla do
que eu tinha sido levado a acreditar. Essa convicção se fortaleceu enquanto
bebia intensamente das fontes de teologia reformada evangélica por todos os
meus estudos no seminário e na universidade.
Enquanto conservava minhas crenças
arminianas, minha mente evangélica se expandiu e se aprofundou enquanto lia
teólogos reformados como G. C. Berkouwer, Bernard Ramm, Donald Bloesch, J. I.
Packer e Francis Schaeffer. Eles me mostraram novas dimensões das doutrinas de
Deus e da salvação que estava faltando ou tinha sido obscurecida no
Arminianismo de minha juventude e início de minha educação teológica: a
diversidade misteriosa, santa de Deus; a soberania grandiosa de Deus sobre a
natureza e a história; a completa impotência da humanidade para realizar
qualquer bondade ou até mesmo decidir aceitar os benefícios do sofrimento e
morte de Cristo à parte da graça.
Tenho aprendido desde então que estes
temas não estão faltando na teologia arminiana clássica, mas eu tive que
aprendê-los de evangélicos reformados. Eu sai de meus estudos teológicos
convencido de que minha teologia arminiana, embora fundamentalmente correta,
carecia de profundidade e que ela poderia ser enriquecida pela herança do
Cristianismo reformado. Também sai convencido de que a teologia reformada –
particularmente em suas formas mais consistentes – carecia da observação
maravilhosa do amor universal de Deus por suas criaturas humanas tão evidentes
na melhor de minha própria tradição arminiana. Eu estava convencido de que a
comunidade evangélica precisa tanto de George
Whitefield quanto de John Wesley, e que seus herdeiros
precisam um do outro para atingir a beleza do equilíbrio.
Por algum tempo no começo de minha
carreira como teólogo evangélico, eu tentei viver como um pacífico arminiano
trabalhando tranqüila e discretamente no mundo amplamente reformado da teologia
evangélica prevalecente. Encontrei muitos companheiros arminianos ao longo do
caminho que muitas vezes preferiam chamar-se a si mesmos de “moderadamente
reformados” ou “calminianos,” e gradualmente foi ficando claro que para muitos
– talvez a maioria – teólogos evangélicos fora dos círculos estritamente
wesleyanos ou pentecostais, arminiano é uma palavra secreta
para semipelagiano (a heresia da crença na iniciativa humana
na salvação) se não “humanismo disfarçado.”
Um dia um amigo dirigiu-se a mim em
particular e me perguntou com grande preocupação se meu Arminianismo poderia
ser evidência de um humanismo disfarçado em meu pensamento. Era para mim a
primeira salva de artilharia em uma nova batalha pela mente evangélica no qual
eu me encontraria preso no meio. Tenho visto uma declaração de princípios de
ortodoxia evangélica por auto-proclamados “evangélicos confessos” – um de meus
professores do seminário entre eles – que coloca limites que me excluiria junto
com outros arminianos da comunidade evangélica. (Estes incidentes me fazem
lembrar, quando jovem, da minha própria tradição Holiness-Pentecostalismo
que tendia a fazer o mesmo com a teologia calvinista.) Uma nova ocorrência de
conflito e exclusão sobre esta questão não pode servir qualquer propósito útil
senão para dividir, excluir e enfraquecer a frágil unidade evangélica tão
cuidadosamente construída e preservada durante as últimas cinco décadas.
Estou firmemente convencido de que os
evangélicos arminianos e reformados precisam uns dos outros ainda que não tenho
esperança de um meio termo híbrido ou consistente emergindo deles. Se isso
fosse possível, teria acontecido há muito tempo atrás. Mentes brilhantes e
biblicamente comprometidas têm trabalhado nestas questões de interpretações por
centenas de anos sem chegar a tal combinação consistente. Não vejo problema se
alguns evangélicos querem afirmar algo chamado “Calminianismo” – o que eu
somente posso reconhecer como uma mistura evangélica paradoxal e portanto sem
firmeza. E eu percebo que muitos cristãos evangélicos não se identificam
especificamente nem com o Arminianismo nem com o Calvinismo.
Mas alguém ou crê que a graça é
resistível ou crê que ela não é. Não pode ser ambos da mesma maneira ao mesmo
tempo. Alguém ou crê que a eleição – um conceito completamente bíblico – é
incondicional ou não. Não pode ser ambos da mesma maneira ao mesmo tempo.
Alguém ou crê que a providência divina sobre a natureza e a história é
meticulosa e absoluta ou não. Em algumas destas questões teológicas cruciais,
sobre as quais a Bíblia fala frequentemente, alguém deve escolher um caminho ou
o outro, e infelizmente, ou a Escritura não é inteiramente clara ou nossas
mentes estão tão obscurecidas pela finitude e pela queda para chegar a uma
resposta definitiva que possa ser imposta como a única possível
interpretação para todos os que creem na Bíblia.
Não temos escolha
Alguns de nós não podem deixar de ser
arminianos porque quando lemos a Bíblia vemos como seu tema predominante o amor
universal de Deus e seu desejo pela salvação de todos e pela inclusão de todas
as pessoas em seu reino. Não o “humanismo disfarçado,” mas passagens como 1Tm
2.4; 2Pe 3.9, e Ez 33.11 (para não mencionar Jo 3.16, 17!) nos convence de que
Deus não exclui ninguém de seu amor e comunhão eterna por alguma preordenação
secreta e controle misterioso. Não a filosofia moderna, mas passagens como Lc
6.47 e 9.24, Act 7.51 e Ap 22.7 nos convence de que aos humanos são dados o
tremendo dom da liberdade para aceitar ou resistir a graça salvadora de Deus e
o dom do Espírito Santo. Nada disso, entretanto, significa limitação da
soberania de Deus ou um ganho meritório da salvação pelo esforço humano.
Nós arminianos clássicos – nem todo
arminiano é um arminiano clássico – cremos que Deus poderia controlar
tudo mas escolhe estar no comando ao invés de controlar
tudo a todo instante. A auto-limitação de Deus não impugna a
majestade e a soberania de Deus.
Também acreditamos com Jacob Arminius e
John Wesley que a graça preveniente é a única base para a
livre aceitação da graça salvadora de Deus. Sem ser anteriormente despertado,
chamado e capacitado, todos os humanos são pecadores demais para escolher
livremente aceitar a oferta de Deus da graça salvadora. Em nossa opinião, que a
salvação é aceita livremente não invalida sua natureza como uma completa
dádiva. Por compreender e fielmente comunicar o tema revelacional do amor e da
graça universal de Deus, os arminianos devem ser elogiados e estimados.
Alguns evangélicos não podem deixar de
ser reformados e calvinistas porque, quando lêem a Bíblia, eles vêem seu tema
predominante como a majestade transcendente, o poder e o controle soberano de
Deus. O exemplo clássico de Romanos 9-11 é prova suficiente para eles que a
providência é absoluta e meticulosa e que a eleição é incondicional e a graça é
sempre irresistível. Eles acham os mesmos temas e doutrinas ecoando por toda a
Escritura, incluindo Isaías 6, Am 3.6 e 4.13, João 17 e Efésios 1.
Além disso, se a salvação é
verdadeiramente um dom gratuito como Paulo ensina em Ef 2.8-10, de forma que
ninguém que é salvo pode possivelmente se gabar, então, os calvinistas afirmam,
ela deve ser dada à parte de qualquer atividade ou cooperação do lado do
pecador para recebê-la. De outra forma, a pessoa redimida poderia gabar-se. O
padrão do testemunho bíblico para Deus e seu plano providencial como percebido
pelos cristãos reformados os força a reconhecer e confessar a preordenação
incondicional de todas as coisas sem limitação ou exceção. Por compreender e
fielmente comunicar o tema revelacional da grandeza de Deus e da dependência
humana, os calvinistas devem ser elogiados e estimados.
Ainda que estes dois grupos da
comunidade evangélica não podem concordar – e parece improvável que qualquer um
deles alguma vez persuadirá todos os outros a “converter” para o seu ponto de
vista – eles podem e devem aceitar um ao outro como irmãos e irmãs em Cristo e
reconhecer seus laços evangélicos comuns. Esta tem sido uma das forças da
aliança evangélica do mundo pós-segunda guerra mundial. Para o bem maior do
reino de Deus, cristãos biblicamente comprometidos, centralizados em Cristo,
têm trabalhado juntos num espírito de respeito e aceitação mútuos para a
propagação do evangelho e para o alívio do sofrimento humano apesar das
diferenças de interpretação das doutrinas da eleição e providência. Seus
inimigos comuns da acomodação ao secularismo e da flagrante heresia dentro das
denominações reconhecidas têm fortalecido seu foco em sua crença comum na
autoridade da Escritura, divindade de Cristo, salvação pela graça apenas, por
meio da fé apenas, e outras grandes verdades da Bíblia e da fé cristã
histórica. O espírito semelhante a Cristo do amor e da aceitação pacífica das
diferenças de opinião sobre questões secundárias têm grandemente acentuado a
influência desta aliança evangélica na sociedade.
Cada vez mais acusações imoderadas de
quase heresia dentro da aliança evangélica sobre questões que concordamos em
discordar pacificamente pode simplesmente minar e enfraquecer seu testemunho.
Ao invés de dizer, “Vejam como eles amam uns aos outros!”, os não-evangélicos
dirão, “Vejam como eles brigam e disputam entre si!” Quem pode culpá-los?
A verdade importa, mas nem toda verdade
importa igualmente. Algumas coisas nunca saberemos com certeza até que as
lentes escurecidas sejam removidas e todos veremos “face a face.” Nesse meio tempo,
precisamos aprender como respeitar e apreciar um ao outro em humildade enquanto
defendendo nossas próprias interpretações preferidas dos questões bíblicas
debatíveis sobre a soberania divina, a eleição, o livre-arbítrio e a
resistibilidade da graça.
Para esse fim eu desafio meus
companheiros arminianos evangélicos a fazer como tenho feito: Bebam
intensamente das fontes do pensamento evangélico reformado e elogiem os
cristãos calvinistas por sua compreensão da glória de Deus e da completa
graciosidade da salvação. Admirem e busquem imitar seu amor pelo pensamento
cristão integrante e sua paixão por transformar a cultura. Evitem estereótipos
e caricaturas do Calvinismo, pois eles não fazem juz à sua riqueza e
profundidade. Todos os evangélicos devem à herança de Calvino, John Knox,
Edwards, Whitefield, Spurgeon e Schaeffer.
A meus colegas evangélicos calvinistas,
eu convido a dar a nós arminianos o benefício da dúvida: Ainda que vocês não
possam ver como podemos entender Deus como “no comando” mas não “no controle”
(soberano mas não todo-determinativo), entendam e aceitem que adoramos a Deus
como majestoso, todo-poderoso e misterioso em beleza e poder. Percebam, ainda
que não possam inteiramente entender, que nós arminianos afirmamos a salvação
como uma dádiva completa da graça imerecida, ainda que ela deve ser aceita
livremente. Leiam Arminius,
Wesley, Miley, Dale Moody, Grider, Dunning e Oden. Todos afirmam sobre bases bíblicas que a eleição é condicional e a graça
resistível, e todavia que a justificação é pela graça apenas por meio da fé
apenas, livre, completa e imerecida.
Desde esse dia, no funeral da tia
Margaret, tenho me associado com vários evangélicos reformados e aprendido a
apreciar tanto eles como sua teologia ainda que permaneço convencido de minha
própria perspectiva tanto biblicamente quanto logicamente. Tudo que eu peço é
que eles retribuam a gentileza e aceitam aqueles de nós que somos seus irmãos e
irmãs evangélicos na fé apesar de sua própria convicção da superioridade de sua
teologia.
Certamente podemos aprender a trabalhar
e testemunhar e adorar juntos novamente como fizemos no passado. Até John
Wesley e seu companheiro calvinista George Whitefield refizeram sua amizade
antes que morreram. Wesley pregou no funeral de Whitefield. Foi tudo para a
glória de Deus e seu reino eterno que ele fez.
Tradução: Paulo Cesar Antunes
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Roger E. Olson, editor conselheiro da
Christianity Today, é autor de A História da Teologia Cristã (Editora
Vida, 2000).
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