Pb. Paulo Cristiano da Silva, apologista do
Centro Apologético Cristão de Pesquisas, CACP.
1 – INTRODUÇÃO
Certamente, o
termo “predestinação”, para muitos está associado à doutrina calvinista da
predestinação, o que não deixa de ser verdadeiro, na medida em que esta
corresponde à predestinação no seu sentido mais forte ou radical. Por conta disso, a questão da predestinação e
do livre-arbítrio, para muitos, tem sido encarada como um problema sempre de
oposição entre duas correntes, como Agostinho e Pelágio, calvinistas
(contra-remonstrantes) e arminianos (remonstrantes), tomistas e molinistas,
jesuítas e jansenistas, etc.
Mas, afinal,
predestinação e livre-arbítrio se auto-excluem?
É o decreto de Deus incompatível com a liberdade humana? Muito pelo contrário: um estudo minucioso das
Sagradas Escrituras nos leva a admitir que a graça e o livre-arbítrio cooperam
entre si (sinergismo). Isto, para nós cristãos, é um mistério
insondável.
Por respeito a Paulo e a Agostinho (354-430),
fico do lado dos que preferem resgatar o termo para a ortodoxia, sem contudo,
professar o erro de que decaímos totalmente do nosso livre-arbítrio. Eis o motivo por que, ao contrário de
calvinistas e pelagianos, professo a crença tanto na predestinação quanto no
livre-arbítrio. Para mim, não existe
predestinação sem livre-arbítrio, como também não existe livre-arbítrio sem
predestinação [1].
Difícil é
encontrar um equilíbrio entre dois sistemas que preconizam:
·
o predomínio da predestinação sobre o
livre-arbítrio (augustinismo, tomismo)
·
o predomínio do livre-arbítrio sobre a
predestinação (molinismo, arminianismo)
Há também os
radicalismos de ambos os lados:
·
exacerbado predomínio da predestinação sobre o
livre-arbítrio: negação do livre-arbítrio (predestinacianismo, calvinismo,
jansenismo)
·
exacerbado predomínio do livre-arbítrio sobre a
predestinação: negação da predestinação (pelagianismo, semipelagianismo)
De acordo com
Agostinho, a graça concorre para o livre-arbítrio, porque é de Deus a
iniciativa de nos salvar. Entretanto,
por mais que apelem para Agostinho os que negam a universalidade da graça,
jamais poderão apagar das Escrituras os textos categóricos onde Deus demonstra
o Seu amor por toda a humanidade e o Seu desejo de que nenhum dos pequeninos
que hoje nasce em qualquer um dos quatro cantos do mundo se perca. Isto está escrito em Mt 18.1-14 e é a maior defesa já feita da fé “arminiana”, feita
pelo próprio Jesus! [2]
É verdade que
a liberdade humana precisa do concurso da graça (Agostinho) e que Deus
distribui os Seus dons com soberana independência (Mt 25.14-30), inclusive predestinando indivíduos incondicionalmente
à vida eterna (tal é o caso das crianças que morrem no ventre materno ou recém-nascidas,
ou ainda pequeninas, antes do uso da razão).
Mas estes livres favores de Deus entendem-se com a salvaguarda do
princípio superior de que Ele quer a salvação de todos e de que para isso Ele
lhes concede todos os meios.
Em suma, este
é um trabalho didático, a fim de informar a todos sobre as discussões acerca do
alto mistério da divina predestinação, que tanto tem angustiado e dividido o
povo cristão, desde o tempo de Pelágio e Agostinho, até o dia de hoje; e
decorreu de uma iniciativa minha, visto que não travei contato, até então, com
defesas mais abalizadas da fé arminiana, que se propusessem a defender com
bastante propriedade as objeções dos calvinistas. Não quer dizer que elas não existam. Todavia, o calvinista Loraine Boettner, em seu livro “The Reformed Doctrine of Predestination”, chega ao ponto de dizer
que “um corpo lógico e sistemático de teologia” nunca foi desenvolvido pelos
arminianos. Engana-se, portanto, quem
não atribui a esta questão a importância devida. Lembro-lhes que Martinho Lutero, no auge da
sua polêmica com Erasmo, fez a seguinte declaração: “Eu te elogio e te louvo por teres sido o
único de meus adversários a perceber o ponto fulcral de nosso debate”.
2 – OPINIÕES ACERCA DA PREDESTINAÇÃO
Os
teólogos da Igreja se dividem com respeito à predestinação, em duas ou três
vertentes:
2.1 – PREDESTINAÇÃO INCONDICIONAL
– Não leva em conta a presciência, nem o livre-arbítrio das criaturas
racionais. Deus predestina os homens
como um ato soberano e como um ato explícito de Sua vontade.
Ao longo da
história da teologia cristã, católicos e protestantes tem se posicionado, de
uma forma ou de outra, a favor de uma forma de predestinação incondicional,
desde Pais da Igreja, grandes teólogos medievais até piedosos calvinistas, por
exemplo, Agostinho, Anselmo, Tomás de Aquino, Bernardo de Claraval, Tomás de
Kempis, John Wycliff, Jan Huss, Jerônimo de Praga, Martinho Lutero, João
Calvino, John Knox, os Pais Peregrinos, John Owen, John Bunyan, Jonathan
Edwards, George Whitefield, Charles Spurgeon, etc. Mais modernamente, poderíamos citar o
controvertido teólogo calvinista Karl Barth, tido como um dos maiores da
atualidade.
Haveria,
portanto, uma certa ligação entre Agostinho, os escolásticos e a Reforma
Protestante, no entendimento da predestinação.
Fato é que este ensino não vem de Calvino, mas de Agostinho, que não
deixou de ter enorme influência no pensamento medieval, tanto quanto teve para
os primeiros reformadores protestantes.
Contudo, os escolásticos, no oposto do caminho trilhado pelos
reformadores protestantes, procuravam conciliar a idéia da predestinação divina
com a liberdade arbitrária do homem.
Dentre os
nomes citados, reconhecemos muitos dos chamados “heróis da fé”, grandes
teólogos e servos de Deus do passado. Agostinho,
por exemplo, é considerado o maior teólogo da história do cristianismo; Tomás
de Aquino é o “gigante” medieval, o autor da grandiosa “Summa Theologica”; João Calvino, o mais genial dos reformadores e
também um dos maiores teólogos que já existiram, autor das célebres “Institutas” ou “Instituições da Religião
Cristã”; Jonathan Edwards e Charles Haddon Spurgeon, homens piedosos,
protestantes, pregadores excepcionais.
Sei da importância destes nomes, mas isso não retira o caráter falho ou
até herético das doutrinas que eles podem ter professado.
Alguns grupos
dentro da Igreja Católica também defendem a predestinação incondicional
(independente de qualquer mérito ou demérito previstos), tendo como base a
filosofia de Agostinho e Tomás de Aquino.
Mas, ao contrário do calvinismo, para a Igreja Católica, oficialmente,
não se deve excluir a possibilidade de salvação para os não-predestinados, o
que não impede certos grupos de defenderem uma posição bem próxima do
calvinismo. São estes grupos os tomistas,
os agostinianos, a maioria dos escotistas e também parte dos molinistas
(suarezianos). O mais radical destes
grupos foi, no entanto, o dos jansenistas, porque diziam que Cristo não morreu
por todos os homens, mas somente pelos eleitos, e um famoso seguidor desta
doutrina foi o filósofo Blaise Pascal.
Desta forma, os jansenistas se aproximavam muito dos calvinistas. [3]
2.2 – PREDESTINAÇÃO CONDICIONAL
(RESTRITA) – A predestinação tem como base a presciência. É o ponto de vista defendido por certos teólogos
da Igreja Católica, em particular os molinistas (adeptos da doutrina do jesuíta
Luis de Molina). Poderíamos dizer que,
de acordo com o ponto de vista destes teólogos, a presciência precede a
predestinação, ao passo que, no outro, a predestinação precede a
presciência.
Dos que criam
na predestinação condicional, contam-se também grandes “heróis da fé”:
praticamente todos os “Pais da Igreja” anteriores a Agostinho, com uma ou outra
discordância, além de Armínio, ou melhor, Jacobus Arminius (donde vem a
denominação “arminiano”), e o grande John Wesley, o fundador do metodismo, e
chamado por Loraine Boettner, em seu livro
“The Reformed Doctrine of Predestination”,
de “príncipe dos arminianos”. Charles
Finney, um dos maiores avivalistas da história do protestantismo, embora fosse
presbiteriano, também estava imbuído, de acordo com alguns calvinistas, de
idéias arminianas, e, infelizmente, até pelagianas.
Os arminianos,
portanto, que seguem a mesma interpretação de Arminius e John Wesley, crêem
numa predestinação condicional, que leva em consideração a fé prevista. Para os arminianos, uma predestinação
incondicional tem em vista somente a Igreja, nunca indivíduos isolados (1Pe 2.9; 5.13; 2Jo 1.1,13). Quanto a indivíduos, a predestinação só pode ser condicional: “Todo
aquele que me confessar diante dos homens, também o confessarei diante de meu
Pai” (Mt 10.32; Lc 12.8).
Alguns fazem
distinção entre uma “predestinação restrita” (baseada na presciência, defendida
por Pelágio [4]
e pelo sistema semipelagiano, ambos dos quais exaltam demais o livre-arbítrio
humano; mas também pelos molinistas e arminianos, que defendem que há uma
cooperação entre a predestinação e o livre-arbítrio) e uma “predestinação
condicional” (neste sentido, Deus haveria predestinado a Igreja, isto é, a
predestinação não seria particular).
Tenho restrições quanto a essa última opinião, pois pode levar ao
semipelagianismo e não é compatível com alguns textos bíblicos, onde se lê: “os
eleitos”, “os escolhidos”. O ensino de Arminius admite corretamente as
duas: predestinação incondicional da
Igreja como um corpo e de seus membros de modo condicional (1Co 12.27). A “predestinação condicional”, tal como foi
defendida por Arminius, também é conhecida como SINERGISMO (em oposição ao MONERGISMO
dos calvinistas), por crer que há um esforço conjugado (em grego, “synergeia”) entre a graça de Deus e a
liberdade humana. Esta é a posição que
eu defendo neste trabalho.
Devemos,
contudo, estar cientes que a eleição condicional se defende não sem
dificuldades, por causa da gratuidade da salvação. Pessoalmente, creio que não podemos
dogmatizar muito a respeito deste assunto.
Se a predestinação é incondicional, se é condicional, vai além do que a
Bíblia revela. Há indícios de que Deus
pode predestinar indivíduos incondicionalmente à vida eterna – tal é o caso das
crianças abortadas e as que morrem pequeninas ou recém-nascidas – , mas o
restante da humanidade está também sob a presciência (em grego, “prognosko”) [5], sendo que os eternos decretos
de Deus nunca serão um empecilho para aquele que deseja ardorosamente a
salvação. Esta foi a posição que a
Igreja Cristã tradicionalmente defendeu antes que os ventos da Reforma viessem
sacudi-la. Vide a declaração do concílio
de Valença (855): “Nós confessamos
firmemente a predestinação dos eleitos para a vida e a predestinação dos ímpios
para a morte, mas com esta diferença:
que na eleição dos que devem ser salvos, a misericórdia de Deus precede
o mérito, enquanto que na condenação dos que se perderam, o demérito precede o
justo julgamento de Deus” (Can., 3; DENZINGER, 816.
1556).
3 – TRADIÇÃO CALVINISTA E TRADIÇÃO
ARMINIANA
Assim como,
entre os católicos, houve a questão dos jansenistas, fala-se muito que também
há, dentro do protestantismo, duas tradições com respeito ao entendimento da
predestinação. O século XVII, mais ainda
que o XVI (com exceção, quem sabe, dos séculos V e VI), talvez tenha sido o
século das controvérsias a respeito da predestinação, e foi precisamente neste
século que afloraram as questões do jansenismo e do arminianismo.
A tradição
calvinista é a única que corresponde às idéias originais dos reformadores do
século XVI: Lutero, Calvino,
Zwinglio. Herdeira de Santo Agostinho,
ou, em alguns aspectos, do augustinismo rígido professado na Alta Idade Média,
está baseada no reconhecimento da pecaminosidade do homem e na absoluta
soberania de Deus. A respeito da
liberdade humana, Lutero polemizou com Erasmo de Rotterdam, Calvino com Alberto
Pighius.
A tradição
arminiana, cujo nome deriva de Jacobus Arminius, remonta a Pelágio (que foi
condenado pela Igreja), mas também à Patrística pré-agostiniana, no
entendimento de uma predestinação que tem por base a presciência. Pode-se dizer, também, que a mesma Igreja que
condenou Pelágio nos Concílios de Cartago (418) e de Milevis, de Éfeso (431) e
de Orange (529), condenou também as idéias de Lucidus no Sínodo de Arles (473)
e Gottschalk (Gotteschalcus) nos Sínodos de Mayence (também chamada Menz ou
Mogúncia) (848) e Quiercy (849 e 853), assumindo uma postura “nem tanto ao mar
nem tanto à terra”, chamada de augustinismo mitigado, até os dias de hoje. O arminianismo foi, por sua vez, já na Idade
Moderna, condenado no Sínodo de Dort (sínodo da Igreja Reformada holandesa), em
1618-9.
Arminius
Jacobus
Arminius (na verdade, Jacob Hermann ou Hermensen, ou ainda, Hermanson) nasceu
em Oudewater (Holanda), em 1560, e estudou em Leiden e em Genebra na gestão de
Teodoro Beza, sucessor de Calvino. Em
1588, tornou-se um dos ministros de Amsterdam.
O consistório de Amsterdam havia solicitado, então, ao jovem teólogo
Arminius a refutação das teses liberais de Coalhaes, um professor de Leiden que
se dera a atacar a visão calvinista da predestinação. Mas Arminius se deixou convencer pelos
argumentos que ele fora incumbido de combater.
Em 1603, foi indicado como professor de teologia em Leiden, em
substituição a Franciscus Gomarus (1565-1641), um dos grandes teólogos
calvinistas da época e que, inclusive, tomou parte, mais tarde, no Sínodo de
Dort. Quando foi nomeado professor em
Leiden, já não mais acreditava na predestinação e bem depressa entrou em
conflito com seu colega Gomarus, que ensinava, como Calvino, que Deus quisera a
queda de Adão (é a tese do supralapsarianismo).
Arminius pôs toda a força de sua dialética no ataque à dupla
predestinação (para salvação e para perdição), a qual nunca apareceu com
nitidez nos escritos de Agostinho, mas depois passou a atacar também a
predestinação simples, na forma como havia sido entendida por Agostinho e pelos
escolásticos.
Arminius
morreu em 1609, em Leiden, mas seus discípulos – os arminianos – buscaram apoio
junto às autoridades civis contra a maioria da Igreja holandesa, fiel à
tradição reformada. Foram defendidos por
homens famosos como os teólogos Vorstius (1569-1622) e Episcopius (153-1643), o
velho conselheiro e amigo de Guilherme, o Taciturno, Jan van Oldenbarnevelt (ou
Olden Barnaveldt), principal negociador da trégua dos Doze Anos, um pastor de
Haia, João Uitenbogaard (1557-1644), e um jovem jurisconsulto, Hugo Grotius
(1557-1644), pensionista de Rotterdam.
Alguns líderes arminianos dessa época também se tornaram vigorosos
defensores das teses erastianas – as mesmas defendidas por Thomas Liebber, dito
Erastus (1524-1583) em Heidelberg – de controle da Igreja pelo Estado. Os arminianos dirigiram, em 1610, uma
“Exprobação” (“Remonstrantia”) aos
Estados da Holanda, à qual os seguidores de Gomarus responderam com uma “Contra-Remonstrantia” e conseguiram, em
novembro de 1617, a convocação de um sínodo que definiria a doutrina oficial da
Igreja. O príncipe Maurício de Nassau,
filho de Guilherme, o Taciturno, e stadtholder
hereditário, deu seu apoio aos gomaristas contra os arminianos.
No Sínodo de
Dort começaram as inúmeras controvérsias “qüinquarticulares” ou dos cinco
artigos, nos quais fundamentalmente divergiam arminianos (ou remonstratenses) e
calvinistas (ou contra-remonstratenses).
Depois disto, os arminianos foram cruelmente perseguidos na Holanda,
sendo Oldenbarnevelt executado, tendo sido acusado de estar “vendido aos
espanhóis”, e o ilustre Grotius (Grócio) condenado à prisão perpétua, mas
conseguiu fugir.
A controvérsia
já então havia surgido em Cambridge, em 1549 (Pedro Baro), mas os reis ingleses
proibiram que se pregasse sobre os cinco pontos, o que nem sempre foi
observado.
A rigor, não
deveria existir uma tradição arminiana separada da tradição calvinista, sendo
que a própria história do calvinismo está marcada por essa crise
político-religiosa que se desenvolveu na Holanda na primeira metade do século
XVII. Não esqueçamos que o próprio
Arminius era calvinista, diferindo da Igreja Reformada apenas quanto aos cinco
pontos. A Arminius seguiram Episcópio (Episcopius),
Limborch e Tomline, entre outros, e modernamente, Wesley.
Ao contrário
do que pensam alguns calvinistas, o ensino de Arminius não tem nada a ver com o
pelagianismo ou com o semipelagianismo.
Arminius era completamente ortodoxo quanto ao pecado original e aceitava
plenamente a idéia de graça preveniente.
Rejeitava, contudo, a doutrina da graça irresistível e da predestinação
incondicional.
John Wesley
(1703-1791) foi uma das grandes figuras da história inglesa e da história do
protestantismo. Não nos demoraremos aqui
discorrendo sobre sua vida, mas é bom que se diga que o filho de Susana Wesley
e irmão de Charles foi responsável por um maravilhoso despertamento espiritual
no coração da Igreja Anglicana, bem como no Puritanismo.
Os calvinistas
exaltam muito a soberania de Deus e
se fazem remontar a Agostinho e a Paulo (isto é bastante discutido), e crêem
numa predestinação absoluta. Para os
calvinistas, Calvino, Agostinho e Paulo parecem fundir-se numa só pessoa. Das igrejas que sustentam essa teologia
calvinista (também conhecida como reformada), muito bem elaborada, diga-se por
sinal, poderíamos citar – muito embora esta teologia esteja bastante diluída
entre as várias denominações: as igrejas presbiterianas (calvinistas por
excelência) e uma boa parte das igrejas batistas (particulares),
congregacionalistas (puritanos), etc. A
Igreja Anglicana (“39 Artigos”) parece assumir uma posição não tão rígida
(predestinação dos eleitos), e que poderia ser chamada de um calvinismo
mitigado.
Por outro
lado, a concessão do livre-arbítrio está presente nas igrejas luteranas,
anglicanas, metodistas, a maioria das pentecostais e nas igrejas batistas ditas
arminianas, sem contar a Igreja Católica (tanto latina, quanto oriental). A Igreja Católica Romana, por exemplo, flutua
entre uma espécie de monergismo e sinergismo, sem, contudo, afirmar
categoricamente nenhum dos dois sistemas.
É bom
ressaltar que a concessão do livre-arbítrio não exclui a predestinação para a
glória, e vice-versa, o que podemos ver claramente na posição de equilíbrio
expressa oficialmente pela Igreja Católica Romana, bem como pela Igreja
Luterana, e que não deixa de ter suas raízes na própria tradição agostiniana
(augustinismo moderado). Agostinho, de
quem se socorrem os partidários da predestinação, tomou aliás uma posição
intermédia quando disse que é necessário professar com fidelidade uma e outra,
isto é, a liberdade e a predestinação, “essa para bem crer e aquela para bem
viver”. Tem-se falado duma “lógica do
cura d’almas” e duma “lógica do teólogo”, embora se deva resguardar de levar
essa diferença a extremos de admitir que Agostinho tenha falado contra sua
convicção. Entretanto, o pensamento de
Agostinho, nessa questão, não pode ser reduzido a um sistema único. É importante ressaltar também que, antes de
Agostinho, só incidentalmente os Pais da Igreja se referiam ao assunto,
inclinando-se fortemente para a liberdade humana, na necessária luta contra os
gnósticos e estóicos. Podem-se citar
entre eles Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Hermas, Justino Mártir e
Irineu. Vemos, portanto, o arminianismo
não tão desprovido de autoridade, perante a tradição cristã, como declaram os
calvinistas.
Wesley
O artigo XI do
Livro da Concórdia, que foi publicado em Dresden em 25 de junho de 1580, um dos
monumentos da dogmática luterana, explana a delicada questão da predestinação
eterna e da eleição divina e condena aqueles que apresentam esta doutrina de
molde a perturbar e desesperar os cristãos.
Aqui são visados os calvinistas.
A predestinação apenas atua para a salvação. “Cristo morreu por todos os pecadores”. A condenação não deve ser atribuída senão à
resistência voluntária dos maus.
A despeito de
alguns calvinistas se pautarem numa postura agressiva contra os arminianos,
muitos pastores presbiterianos de hoje são dados ao ecumenismo. O que dizer disto? Não foi o mesmo calvinismo que tachou, em
Dordrecht, as idéias arminianas de heréticas?
É notório que
o calvinismo tem dado, ao longo da história, vários exemplos do que poderíamos
chamar de fanatismo e de intolerância religiosa, a começar pelo próprio
Calvino. Todo historiador deve, no
entanto, estar consciente de que cada homem é fruto de sua própria época. Afinal, é difícil para nós ter a exata
compreensão da mentalidade de uma época, sem tê-la vivido. Além disso, nenhuma fé está isenta de radicalismos. Mesmo que nem todos os calvinistas se
revistam hoje da mesma capa de intolerância, acredito não serem poucos os que,
nos diais atuais, continuam tratando os arminianos como hereges, inclusive se
referindo ao “livre-arbítrio” como doutrina inventada por Satanás. Nós, enquanto cristãos, não devemos pensar em
pagar na mesma moeda, mas devemos ter consciência de que a verdade bíblica é
uma só. Se um está certo, o outro,
necessariamente, estará errado.
As igrejas
evangélicas que renegam essa falsa teologia da predestinação, que diz ter sido
o homem totalmente desprovido de livre-arbítrio por ocasião da queda, já são
grande maioria com relação às igrejas que adotam esta doutrina e com todos
aqueles que detêm o nome de calvinistas.
4 – OS “CINCO PONTOS” DO CALVINISMO À
LUZ DAS ESCRITURAS [6]
A teologia
reformada (calvinista) enfatiza que o homem natural está morto em “seus delitos
e pecados” (Ef 2.1) e que Deus
escolhe arbitrária e soberamente uns para a vida eterna e deixa os outros
seguirem seu curso, rumo à danação (augustinismo rígido), ou que Deus
predestina uns para a vida eterna e outros para o inferno (teologia
calviniana). Esta última é a tese
conhecida como dupla predestinação. Em todo caso, o homem não possui
livre-arbítrio, a não ser para praticar o mal, e se exclui uma verdade bíblica,
que é a universalidade da graça salvadora.
Os chamados
“cinco pontos” que os calvinistas ensinam não encontram respaldo senão na
própria filosofia de Calvino e de seus seguidores. É isto que pretendo provar nestas linhas
abaixo, fazendo largo uso das Escrituras.
Peço, portanto, aos leitores deste texto que o examinem com cuidado,
verificando daqui para frente todas as referências bíblicas colocadas, do
contrário, tornariam vão o meu trabalho.
Sei que são
muitas as passagens bíblicas de que se apóiam os calvinistas. Sei também que são muitas as referências
bíblicas usadas na defesa arminiana. Não
vou desperdiçá-las, colocando aquelas para as quais sei que todo calvinista já
tem uma resposta pronta, mas vou usar somente as que eu julgar serem as mais
importantes e cruciais.
Os calvinistas
costumam associar os seus famosos cinco artigos doutrinais à palavra TULIP (em inglês, tulipa). Trata-se de um acróstico, atribuindo a cada
letra um significado, em inglês, como vamos ver: T =
Total Depravity ou Total Inability
(Depravação Total ou Incapacidade Total); U
= Unconditional Election (Eleição Incondicional); L = Limited Atonement (Expiação Limitada); I = Irresistible Grace (Graça Irresistível); e P = Perseverance of Saints (Perseverança dos Santos). Eis os “cinco pontos” (artigos) da doutrina
calvinista da predestinação:
4.1 – DEPRAVAÇÃO TOTAL – A teologia
calvinista ensina que o pecado original arruinou de tal forma com a natureza
humana, que esta não é mais livre.
Conforme escreveu Calvino, o único homem que possuía o livre-arbítrio
era Adão. Adão perdeu o livre-arbítrio
quando pecou contra Deus, e com isso toda raça humana foi afetada,
constituindo-se, como diz Agostinho, numa “massa
damnata” (“massa de condenação”).
Desde então, o homem não tem liberdade para escolher Deus, estando
literalmente “morto” em seus delitos e pecados, com base em Ef 2.
Assim, neste estado, homem nenhum é capaz, por si só, de ter o mínimo
desejo por Deus, nem de querer a salvação.
A isto, os calvinistas chamam “depravação
total” ou “incapacidade total”.
Entre as provas bíblicas mais contundentes que os
calvinistas usam para afirmar que a depravação (corrupção) do homem é tamanha
que ele não tem liberdade de escolha, estando totalmente à mercê da graça de
Deus, podemos destacar Pv 30.12; Jr
13.23; Jo 5.21; Rm 3.11,12; 8.7-9; 1Co 1.9; 2.14. É o “servo-arbítrio”
de Lutero.
Santo Agostinho
distinguira entre “livre-arbítrio” (“liberum arbitrium)
e “liberdade” (“libertas”), atribuindo ao “livre-arbítrio” a
capacidade de eleger um determinado propósito, seja bom ou mau, mas a “liberdade” seria algo
diferente, pois radicaria no bom uso do livre-arbítrio. Ora, dada a corrupção da nossa natureza
produzida pelo pecado, o bom uso do livre-arbítrio ou liberdade, não pode
dar-se sem a intervenção divina.
Disto decorre que alguns calvinistas admitem que o
homem natural possui livre-arbítrio, mas, como resultado do pecado original, só
quer fazer o mal, e apontam para o fato das obras não serem a base da salvação
(Rm 11.6; Ef 2.8,9), mas serem a
base da condenação (Ap 20.13). Porque Deus encerrou a todos debaixo da
desobediência (Rm 11.32), o homem é
incapaz de um ato bom, sem a graça. Com
respeito a isso dizem os trinta e nove artigos da Igreja Anglicana: “As obras feitas antes da graça de Cristo, e da inspiração
do seu Espírito, não são agradáveis a Deus, porquanto não procedem da fé em
Jesus Cristo; nem fazem os homens dignos de receber a graça, nem (como dizem os
autores escolásticos) merecem a graça de côngruo; muito pelo contrário, visto
que elas não são feitas como Deus quis e ordenou que fossem feitas, não
duvidamos terem elas a natureza do pecado” (Artigo XIII). Decorre
daí, para os calvinistas, a idéia da “graça comum”, que Deus estende a todos os
homens, mas que não tem caráter salvífico, sem a qual seria impossível ao homem
natural realizar qualquer obra boa (Is
64.6).
O pecado original é, de fato, uma realidade que não
pode ser negada nas Escrituras (Rm 5.12). Aliás, o ensino calvinista está corretíssimo
quando afirma que o pecado corrompeu de tal forma a espécie humana, que esta é
incapaz de, num primeiro momento, escolher Deus (1Co 2.11-14). Por conta
disso, Deus enviou Seu Filho para morrer por nós e nos deu Seu dom gratuito,
Sua graça salvadora, sem a qual não podemos ser salvos (Sl 40.2; Jo 1.13; 3.19; Rm 8.33).
Logo, nenhum ser humano é capaz de merecer a graça de Deus (Ef 2.1,5,8). A grande controvérsia calvinista é considerar
esta graça reservada só aos eleitos.
A Bíblia, porém, também deixa claro que o homem ainda
tem livre-arbítrio para rejeitar esta graça, quando diz: “Veio para o que era seu, e os seus não o
receberam” (Jo 1.11). Veja também Is 30.9,11,12,15; Lc 10.16; Jo 12.18; At 7.51; 13.46; Rm 1.28; 1Ts 4.8. Cabe ao homem, portanto, cooperar com Deus,
cooperar com esta graça, uma vez que o primeiro passo já foi dado: “Chegai-vos
a Deus e ele se chegará a vós. Alimpai
as mãos, pecadores, e vós de duplo ânimo, purificai o coração.” (Tg 4.8). Este versículo se relaciona diretamente com Sl 24.3,4a, onde se lê: “Quem
subirá ao monte do Senhor, ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de
coração” e faz referência ao sumo-sacerdote que precisava estar “puro” para
entrar no Santo dos Santos. Ao empregar
estas palavras, Tiago não retira a responsabilidade humana em buscar a
santificação, nem o livre-arbítrio (ou liberdade) em se achegar a Deus. É certo que a carta de Tiago estava
direcionada a judeus convertidos (Tg 1.1),
mas a inclinação de Tiago parece ser bem clara em favor do livre-arbítrio (Tg 5.20).
Vejamos também o que Deus falou a Caim (a quem os
calvinistas, pretensamente baseados em 1Jo
3.12, dizem ter sido predestinado ao inferno): “Porventura
se procederes bem, não se há de levantar o teu semblante? e se não procederes
bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves
dominar” (Gn 4.7).
Os calvinistas
retrucam, dizendo que, no caso de Caim, ele tinha um “livre-arbítrio” que
somente podia praticar o mal, pois o livre-arbítrio do homem, completamente
corrompido pelo pecado original, só faz pecar, e que a eleição consiste, na
verdade, do indivíduo ser liberto do governo desse “livre-arbítrio”, ou seja,
de sua vontade corrupta e escravista; ou, ainda, que o mesmo tinha “livre
agência” – ou seja, ele teria uma certa liberdade de ação, que é diferente da
liberdade para aceitar ou rejeitar a salvação.
A Bíblia não dá margem a este tipo de especulação. Isto decorre da formidável capacidade que
Calvino e outros mais tinham de torcer as Escrituras, inventando doutrinas como
a “graça comum” (não-justificadora), e que eles, calvinistas, também têm, a fim
de adequá-las aos escritos de seu grande mestre (2 Pe 3.15-17).
Encontramos, na Bíblia, que o chamado de Deus
pode ser recusado: “[24] Mas, porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a
minha mão, e não houve quem desse atenção; [25] antes
desprezastes todo o meu conselho, e não fizestes caso da minha repreensão; [26] também
eu me rirei no dia da vossa calamidade; zombarei, quando sobrevier o vosso
terror” (Pv 1.24-26). Também em outra passagem: “Jerusalém,
Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! quantas
vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos
debaixo das asas, e não o quiseste!”
(Mt 23.37). Isso mostra que Deus quis salvar os
reprovados.
É certo,
porém, que há uma cooperação: Deus
endurece o coração daqueles que endurecem o coração para Ele. Este foi o caso do Faraó, endurecido em sua
“livre agência” (confronte Êx 4.21
com 8.32). A parábola do semeador também ilustra bem
isso (Mt 13.3-23). Veja Mt
13.10-15; Rm 11.7,8.
O
livre-arbítrio humano, embora prejudicado pela queda, não foi extinto (Is 55.6,7; Mt 23.13; At 17.30; Ap 22.17). Para Tiago, isto parecia ser bem claro (Tg 5.20). Não esqueçamos, contudo, que o nosso “liberum arbitrium” é uma liberdade doada
pela graça, é um livre-arbítrio doado por Deus.
É Cristo quem bate à porta, não é o homem que convida Cristo a cear em
sua casa (Ap 3.20). Desta forma, o livre-arbítrio humano é a
liberdade de rejeitar a graça de Deus.
Isto está fundamentado no próprio pensamento de Agostinho. Diz, corretamente,
o Artigo X dos trinta e nove do Anglicanismo (Artigo VIII dos vinte e cinco da
Igreja Metodista), intitulado “Do
livre-arbítrio”: “A condição do homem depois da queda de Adão é tal que ele
não pode converter-se e preparar-se a si mesmo por sua própria força natural e
boas obras, para a fé e invocação a Deus.
Portanto não temos o poder de fazer boas agradáveis e aceitáveis a Deus,
sem que a graça de Deus por Cristo nos previna, para que tenhamos boa vontade,
e coopere conosco enquanto temos essa boa vontade”. Tudo o que
somos também devemos a Ele (1Co 4.7)
e isto independe da queda do homem,
conforme Rm 9.20,21.
4.2 – ELEIÇÃO INCONDICIONAL
– Deus escolhe arbitrária e soberamente os eleitos, ou seja, aqueles a quem Ele
decidiu salvar, e abandona os outros à própria sorte. Para os calvinistas, a eleição incondicional
dos eleitos implica necessariamente numa reprovação incondicional dos
não-eleitos.
Alguns
calvinistas, entre eles o próprio Calvino, defendia que Deus predestinava (ou
preordenava) alguns – anjos e homens – para o céu e outros para o inferno,
independente de qualquer mérito (dupla
predestinação). Isto torna Deus o
autor do pecado, porque sugere que Deus impele esses homens para o mal. Este ensino da dupla predestinação, aparentemente, encontra ecos no Antigo
Testamento (Pv 16.4,9; 20.24; Jr 10.23). Confronte, todavia, com Pv 1.23-26; Is 55.7; Ez 18.23; 33.11.
Seja qual for
o enfoque (de uma predestinação incondicional para o inferno – dupla predestinação ou supralapsarianismo – ou de uma
arbitrária não-eleição à vida eterna, sem que se leve em conta o nosso
livre-arbítrio – infralapsarianismo),
isso contraria definitivamente o ensino bíblico de que “Deus não faz acepção de
pessoas” (embora os calvinistas entendam esta sentença, com alguma base
bíblica, como que significando que Deus escolhe pessoas de todos os povos e de
todas as classes sociais – por conta disso, veja especialmente 1Pe 1.17) e de que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu
Filho Unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (Jo 3.16). Com relação a este versículo, bem como a
muitos outros da Sagrada Escritura, os calvinistas o impugnam, interpretando-o
segundo uma exegese errada, uma exegese que lança objeções ao significado que
possui a palavra “mundo” neste e em alguns outros versículos: Jo 1.29;
3.17; 6.33; 12.47; 2Co 5.19; 1 Jo 2.2.
Veremos mais adiante se esta exegese tem fundamento.
Que quer
dizer, então, o verbo “proorizô” que
aparece em Rm 8.29,30; Ef 1.5,11?
Não existe
eleição incondicional que nos impeça de exercer o nosso “liberum arbitrium” doado por Deus (Is 55.6,7; Ap 22.17). É
certo, contudo, que há uma eleição (Mt
22.14; 24.22,24,31; Mc 13.22; Lc 18.7; Rm 8.33). A eleição incondicional visa, principalmente,
a Igreja, a Noiva de Cristo (1Pe 2.9;
5.13; 2Jo 1.1,13), e todos os
que ingressarem nela podem se considerar eleitos para a vida eterna (Mt 24.22; Lc 18.7; Rm 8.33; Ef 1.4-5,11; etc.). Concernente a isto, alguns textos bíblicos
usados na defesa dessa eleição ainda poderiam ser entendidos como claras
declarações acerca do pré-conhecimento de Deus (Jo 10.14-16,26,27; 2Tm 2.19).
O principal
problema, entretanto, com este segundo dogma calvinista, não é propriamente a
eleição incondicional, mas o que se deriva dele: a idéia de uma reprovação (ou rejeição)
igualmente incondicional, que contaria com o apoio de Rm 9.13-16,19-23; 1Ts 5.9. O
contexto dessa primeira passagem é a eleição e rejeição de Israel enquanto povo
escolhido (que é, aliás, o contexto geral de todo o capítulo 9, e até o 11) e
não diz respeito necessariamente à eleição para a salvação. Em Rm
11.5ss, a “eleição da graça” é vista em contraposição à eleição de Israel
no Antigo Testamento, por isso a ressalva do Apóstolo: “se é
pela graça, já não é pelas obras” (as obras da Lei mosaica). O ponto alto estaria em Rm 9.19-23 – uma obscura passagem bíblica, onde se lê:
[19] “Dir-me-ás
então: Por que se
queixa ele ainda? Pois, quem resiste à
sua vontade?
[20] Mas, ó
homem, quem és tu, que a Deus replicas?
Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?
[21] Ou não
tem o oleiro poder sobre o barro, para, da mesma massa, fazer um vaso para uso honroso e outro
para uso desonroso?
[22] E que
direis, se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder,
suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição;
[23] para que
também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia,
que de antemão preparou para a glória”.
Estes versos
aplicam-se à uma afirmação da soberania de Deus e apenas apontam para o direito
que Deus tem de fazer o que quiser com suas criaturas, o que não significa que
Ele não aceite a cooperação humana. A
expressão “vasos da ira preparados para a perdição” deve ser entendida à luz de
inúmeras outras passagens bíblicas como Rm
11.32 e Ez 18.23; 33.11, que diz
não ter o Senhor “prazer na morte do ímpio”.
Quanto o mais, diz a Bíblia terem sido outrora, também os eleitos, “por
natureza filhos da ira” (Ef 2.3),
estando, desta forma, “preparados para a perdição”, a quem Deus “suportou”, sem
dúvida, “com muita paciência”. Vasos de
ira podem ser quebrados pelo Oleiro e refeitos como vasos de misericórdia:
[1] “A palavra que veio do Senhor a Jeremias,
dizendo:
[2] Levanta-te, e desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas
palavras.
[3] Desci, pois, à casa do oleiro, e eis que ele estava ocupado com a sua
obra sobre as rodas.
[4] Como o vaso, que ele fazia de barro, se estragou na mão do oleiro,
tornou a fazer dele outro vaso, conforme pareceu bem aos seus olhos fazer.
[5] Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo:
[6] Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz
o Senhor. Eis que, como o barro na mão
do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel.
[7] Se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação, e acerca dum reino,
para arrancar, para derribar e para destruir,
[8] e se aquela nação, contra a qual falar, se converter da sua maldade,
também eu me arrependerei do mal que intentava fazer-lhe.
[9] E se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação e acerca dum reino,
para edificar e para plantar,
[10] se ela fizer o mal diante dos meus olhos, não dando ouvidos à minha
voz, então me arrependerei do bem que lhe intentava fazer.
[11] Ora pois, fala agora aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém,
dizendo: Assim diz o Senhor: Eis que estou forjando mal contra vós, e
projeto um plano contra vós; convertei-vos pois agora cada um do seu mau
caminho, e emendai os vossos caminhos e as vossas ações.
[12] Mas
eles dizem: Não há esperança; porque
após os nossos projetos andaremos, e cada um fará segundo o propósito obstinado
do seu mau coração.” (Jr 18.1-12)
É possível que
Paulo tivesse em mente justamente esta passagem do livro de Jeremias quando
trouxe aquelas frases de tão difícil compreensão. Note que ambos utilizam a mesma
ilustração: o vaso nas mãos do oleiro.
Pudessem essas palavras de Paulo ser tomadas literalmente, teríamos o
supralapsarianismo, ou seja, Deus como autor do pecado, algo que agride e
repugna a santidade de Deus, sendo que a grande maioria dos calvinistas nem
apóia esta heresia.
[9] “Pois este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem
ouvir a lei do Senhor;
[10] que
dizem aos videntes ‘Não vejais’; e aos profetas ‘Não profetizeis para nós o que
é reto; dizei-nos coisas aprazíveis, e profetizai-nos ilusões;
[11] desviai-vos
do caminho, apartai-vos da vereda; fazei que o Santo de Israel deixe de estar
perante nós’.
[12] Pelo que
assim diz o Santo de Israel: Visto como
rejeitais esta palavra, e confiais na opressão e na perversidade, e sobre elas
vos estribais,
[13] por isso
esta maldade vos será como brecha que, prestes a cair, já forma barriga num
alto muro, cuja queda virá subitamente, num momento.
[14] E ele o quebrará como se quebra o vaso do
oleiro, despedaçando-o por completo,
de modo que não se achará entre os seus pedaços um caco que sirva para tomar
fogo da lareira, ou tirar água da poça.
[15] Pois
assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel:
Voltando e descansando, sereis salvos; no sossego e na confiança estará
a vossa força. Mas não quisestes;
[16] antes
dissestes: Não; porém sobre cavalos
fugiremos; portanto fugireis; e: Sobre
cavalos ligeiros cavalgaremos; portanto hão de ser ligeiros os vossos
perseguidores.
[17] Pela
ameaça de um só fugirão mil; e pela ameaça de cinco vós fugireis; até que
fiqueis como o mastro no cume do monte, e como o estandarte sobre o outeiro.
[18] Por isso o Senhor esperará, para ter
misericórdia de vós; e por isso se levantará, para se compadecer de vós; porque
o Senhor é um Deus de eqüidade; bem-aventurados todos os que por ele esperam.”
(Is 30.9-15)
As expressões
“filhos da ira” ou “filho da perdição”, como aparece em Jo 17.12, com relação a Judas, não representam mais do que um
hebraísmo, são expressões peculiares ao modo de falar hebraico e não devem ser
tomadas literalmente. Diz a nota de “A
Bíblia de Jerusalém” relativa a este versículo:
“Em hebraico, quando se quer exprimir a relação íntima entre alguém e um
objeto, usa-se esta expressão ‘filho de tal coisa’ ”. Do mesmo modo, “odiar”, quando é dito “odiei
Esaú”, também é um hebraísmo e significa “amar menos”.
O texto
bíblico de 1Ts 5.9, onde está
escrito “porque Deus não nos destinou
para a ira”, por sua vez, é um louvor ao grandioso amor de Deus, que não
tratou os homens segundo as suas iniqüidades (Sl 103.10), mas propiciou-lhes uma tão grande salvação. Os precitos são todos aqueles que recusarão o
convite da graça: “também eu escolherei as suas aflições, farei vir sobre eles aquilo que
temiam; porque quando clamei, ninguém respondeu; quando falei, eles não
escutaram, mas fizeram o que era mau aos meus olhos, e escolheram aquilo em que
eu não tinha prazer”. (Is 66.4). Deus não destinou ninguém à ira, mas é o
homem que, por causa da sua dureza e de seu coração impenitente, entesoura para
si mesmo ira no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus (Rm 2.5). Em nenhum momento, a Bíblia dá as bases para
que se ensine uma predestinação para a perdição.
[20] “Pois
os seus atributos invisíveis, o seu eterno poder e divindade, são claramente
vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas,
de modo que eles são inescusáveis;
[21] porquanto,
tendo conhecido a Deus, contudo não o
glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes nas suas especulações
se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu.” (Rm
1.20,21)
Outro texto
bíblico usado pelos calvinistas é uma passagem lucana, dos Atos dos Apóstolos,
onde se lê: “e
creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). Para muitos, este texto justificaria uma predestinação individual e não coletiva (da Igreja), e seria um forte
apoio a favor da predestinação incondicional e da ruína do livre-arbítrio. Só que este texto deve ser inserido no seu
contexto próprio, e penso eu
que o mesmo se relaciona diretamente com um versículo anterior, o de número
46: “Então Paulo e Barnabé, falando
ousadamente, disseram: Era mister que a
vós se pregasse em primeiro lugar a palavra de Deus; mas, visto que a
rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos viramos para os
gentios”. Quem foram,
portanto, os “destinados para a
vida eterna”? Este texto é uma
referência óbvia à rejeição de Israel e a sua “substituição”
pelos gentios. Os gentios, que antes não estavam destinados à vida, agora
podiam experimentar da boa-nova do Evangelho.
Todos os que creram,
naquele momento, estavam
agora destinados à vida
eterna. Lucas apenas os insere, com estas palavras, num grupo maior. Não eram os que creram os destinados à vida eterna, mas tão-somente creram aqueles que
estavam agora destinados à
vida, isto é, todos os que creram e que faziam parte
dos gentios. A despeito de tudo isto, o termo grego traduzido por “destinados” (“tetagmenoi” e
não “protetagmenoi”) permite a tradução: “todos
quanto estavam dispostos para a vida eterna”.
É certo que
Ele escolhe quem Ele quer (Mt 11.27; Jo
5.21), mas decidiu escolher a todos quanto, movidos pelo Seu Espírito,
cooperarem livremente com Sua graça (2Co
6.1), desejando serem salvos. O
Espírito Santo incita todos quanto ouvem a Palavra (At 7.51, Rm 10.17), mas não rejeita ninguém (Sl 51.17; Mt 16.24; Mc 8.34; Lc 9.23), sendo o homem totalmente
responsável por suas escolhas (Dt 30.19). Bem sabemos que Deus, pelo Seu Espírito, é
Quem opera “tanto o querer como o efetuar” (Fp 2.13), é O que prepara o coração do homem para o arrependimento
e a conversão, todavia, por que Deus comunicaria Sua graça a todos (Rm 3.23,24; 5.18; 11.32; 1Co 15.22),
negando a alguns a possibilidade de salvação?
Mas, se até de pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão (Mt 3.9), como negar a poderosa operação
de Deus na salvação do homem? Não logro
dizer que a tese do monergismo seria válida, senão por um aspecto: este influxo divino operante é também
passível de ser resistido. Não há
irrestibilidade da graça interior (At
7.51).
Pois bem, se
Deus opera, opera então pela metade?
Respondo da seguinte forma: Deus
opera o querer, pois Sua ação é independente de qualquer iniciativa da parte do
homem, dispondo-o para receber a graça (At
13.48). A partir de então, o homem
coopera, “aceitando” ou rejeitando a graça para a qual havia sido
disposto. O homem não opera, mas
“co-opera”. Não é à toa que, no
versículo anterior, é dito: “Efetuai a vossa salvação com temor e tremor”
(Fp 2.12). Algum sentido poderia haver nesta
recomendação, se o homem não pudesse em nada colaborar? Desta forma, o Apóstolo dá forte apoio à tese
do sinergismo, quando diz: “Deus é o que opera em vós tanto o querer
como o efetuar” e “Efetuai a vossa
salvação com temor e tremor”.
Os calvinistas
poderiam argumentar: Mt 11.27, Jo 5.21; 6.37 provam de
maneira categórica a eleição incondicional.
Mas será que também não encontramos na Bíblia passagens que mostram ser
o homem responsável pelo seu próprio destino eterno (Mt 18.8,9; 25.14-30; Rm 2.5,6).
Se a eleição incondicional não pode ser negada, sem prejuízo para a fé,
o livre-arbítrio também não o pode. O
que faremos? Guardamos o mistério ou
aniquilamos o livre-arbítrio? Aqui a
solução tomista me parece mais adequada do que a calvinista.
[32] “Porque Deus encerrou a todos debaixo da
desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos.
[33] profundidade
das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis os seus caminhos!
[34] Pois,
quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu conselheiro?
[35] Ou quem
lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?
[36] Porque
dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele
eternamente. Amém.” (Rm 11.32-36)
A tese da
eleição condicional, por sua vez, longe de negar a predestinação nem a
causalidade universal de Deus, subordina a predestinação à previsão – embora
não sem dificuldades (Rm 11.5,6) – e
distingue em Deus uma vontade explícita (2Pe
3.9; 1Tm 2.4) e uma vontade permissiva (Mt 10.29,30).
Quanto à
eleição incondicional, calvinistas se dividem entre supralapsarianos (“altos calvinistas”), dentre eles o próprio
Calvino, e infralapsarianos. Os primeiros crêem que a eleição precede à
queda do homem, já os outros entendem a eleição em função da queda. A Confissão de Fé de Westminster, por
exemplo, defende o infralapsarianismo. O
supralapsarianismo nunca teve o apoio da Igreja, consistindo no
predestinacianismo de Lucidus e Gottschalk, ao passo que a posição
infralapsariana é a posição tomista e agostiniana, aceita pela Igreja Romana e
por Lutero.
4.3 – EXPIAÇÃO LIMITADA –
Este artigo é conhecido também como o da “redenção particular”, e postula que
Cristo não morreu por todos os homens, mas somente pelos eleitos. Desta
forma, a graça salvífica, que os calvinistas chamam de “eficaz”, não se
estenderia a toda humanidade, mas tão-somente aos eleitos, aqueles por quem
Cristo morreu. [7]
Os calvinistas
dizem que, se Cristo tivesse morrido por todos os homens, ninguém iria para o
inferno, porque a morte de Cristo realmente redime e salva o pecador, tendo-o
substituído na cruz do Calvário, num sacrifício perfeito e definitivo, e que
Deus não iria punir duas vezes pelo mesmo crime: primeiro punindo Jesus, depois punindo o
pecador pelo qual Ele morreu. O grande
pregador batista Charles H. Spurgeon, que era calvinista, assim se expressa:
“Se Cristo morreu por você, você nunca poderá perecer. Deus não irá punir duas vezes uma mesma
coisa. Se Deus puniu a Cristo pelos seus
pecados, Ele não pode te punir. O
pagamento da justiça de Deus não pode ser demandado duas vezes; primeiro, da mão
sangrenta do Salvador, e então da minha.
Como pode Deus ser justo se Ele puniu Cristo, o substituto, e então o
próprio homem mais tarde?”.
Reconheço que
isso até tem lógica, mas não resiste ao exame das Escrituras. A nós interessa saber o que a Bíblia
diz: Cristo morreu por todos, sob a
condição de que todos O aceitem como Salvador (Jo 3.16). Com certeza,
Cristo morreu eficazmente por todos os eleitos, mas a morte de Cristo foi em
proveito, não somente dos eleitos, mas de todos os homens, desde Adão até o
último que nascer (Jó 19.25; Jo 1.29;
4.42; Rm 5.18; 1Tm 4.10; Tt 2.11; Hb 2.9; 1Jo 2.2). Cristo nunca poderia ter sido o “segundo
Adão” (1Co 15.45) se não pudesse
redimir toda a humanidade. Isso é o que
se chama de universalidade da graça salvadora, ou universalismo da graça.
Sabemos que
muitos destes versículos citados são impugnados pelos calvinistas – Veja o apêndice no final desTe estudo. Advogam que a palavra “todos” aparece na
Bíblia referindo-se, em muitos casos, à Igreja tão-somente (Jl 2.28; At 2.17); e de que a crença
numa expiação universal implicaria na idéia de que a morte de Cristo, na
realidade, não assegurou a salvação de ninguém.
Também Lc 2.1; Jo 12.32; Cl 3.11
demonstrariam que, na Bíblia, a linguagem universal nem sempre é absoluta. O texto de Rm 5.18, no entanto, é bem claro em favor da universalidade da
graça: “Portanto, assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim
também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação e vida”. Se, sobre outros textos bíblicos, os
calvinistas podem lançar dúvidas sobre o uso da palavra “todos”, este texto
mostra de forma muito coerente que “todos” se aplica a toda a humanidade. Confronte também com Rm 3.23,24; 11.32; 1Co 15.22; 1Tm 4.10. Isto representa a extensão da misericórdia de
Deus à toda humanidade. Aí está, na
minha modesta opinião, o “calcanhar de Aquiles” do calvinismo. Não
é à toa que os calvinistas estão sempre caindo em contradição por causa
destes versículos, dizendo até que houve um certo sentido pelo qual Cristo
morreu por todos. À luz destes versículos, negar a expiação universal (desejo de Deus na redenção universal) é o mesmo que negar a depravação
universal.
As palavras de
Joel 2.28, aludidas em Atos 2.17, foram escritas,
indiscutivelmente, num estilo profético (velado), portanto, não podem ser
tomadas literalmente, no sentido de que “toda a carne” pudesse significar toda
a humanidade, o que nós sabemos que não significa, ao passo que as de Paulo,
quando diz “todos os homens”, em gênero epistolar. Entre o “todos os homens” de Paulo e o “toda
a carne” de Joel há, sem dúvida, uma diferença literária.
Os calvinistas
que crêem no dogma da expiação particular afirmam que o arminianismo limita o
poder da expiação e a eficácia da morte de Cristo. Logo, Cristo teria derramado muito do Seu
sangue em vão, ao morrer também pelos réprobos.
Ora, a morte de Cristo não somente assegurou a salvação dos eleitos,
como também obteve graça suficiente para salvar todos os perdidos. Isso é ineficácia? Melhor seria dizer que a morte de Cristo foi
mais do que suficiente. O fato de Cristo
ter morrido “inutilmente” pelos réprobos só agrava a situação deles (Hb 10.26-31). Faço analogia com as palavras do
Apóstolo: “De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor
indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor... come e bebe para
sua própria condenação” (1Co
11.27,29). Devemos nos resguardar, é
claro, de transformar a graça de Cristo num verdadeiro mal, porque veio trazer
vida, mas os que rejeitam a graça estão pisando o Filho de Deus e tendo por
profano o sangue do Pacto.
Temos, portanto, outra prova bíblica que
atesta ter Cristo morrido pelos réprobos, em Hb 10.26: “Porque
se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados”.
Estes são
alguns versículos também usados pelos calvinistas e que favoreceriam a expiação
particular: Is 53.11,12; Mt 1.21; 20.28; 26.28; Mc 10.45; Jo 10.15; 15.13; 17.6,9;
At 20.28; Rm 5.8; Ef 5.25; Tt 2.14; Hb 9.12,28; Ap 5.9. É só puxar um pouquinho pela razão. Qual palavra tem maior peso: “muitos” ou “todos”? “Muitos” podem ser “todos”, mas “todos” não
podem ser “muitos”. Além disso,
observemos a diferença numérica das passagens que afirmam ter Cristo morrido
por muitos para aquelas onde o “todos” aparece.
Devemos consentir também (e isso é importante) que há uma diferença
entre expiação limitada e redenção limitada:
estes versículos tratam de uma expiação que só se torna limitada por
conta do livre-arbítrio dos homens (Rm
5.17; 2Co 5.15). Não me arriscaria a
dizer ainda, que temos, concernente a isto (a que pese a opinião que Santo
Agostinho possa ter tido em sua última fase, se é que teve), o peso da tradição
a nosso favor. É sempre bom lembrar que
Calvino cria na expiação universal.
Mas, notem
bem: é, como ficou explícito, o
universalismo da graça, não universalismo da salvação (apocatástase). Quanto a isso,
distingue-se a redenção objetiva da redenção subjetiva. A morte de Cristo não beneficiou de fato a
todos (Ap 5.9), embora Deus tenha
amado todos, desejado a salvação de todos e entregue Seu Filho para morrer por
todos. De certo modo, a redenção torna-se
particular, a expiação torna-se limitada.
Certamente que a redenção não é,
em princípio, particular, mas torna-se. Neste sentido, podemos dizer que a morte de
Cristo beneficiou os homens, mas sob condição.
Aos homens é facultado rejeitar esta graça.
4.4 – GRAÇA IRRESISTÍVEL –
Este artigo é conhecido também como o da “chamada eficaz” (ou “graça eficaz”,
para distingui-la da “graça comum” – não eficaz, não salvadora – que seria, de
acordo com os calvinistas, oferecida a todos os homens, sem distinção).
Os calvinistas
ensinam que os eleitos não tem liberdade para resistir à graça de Deus. Além da chamada externa à salvação, que é
feita de modo geral a todos que ouvem o evangelho, o Espírito Santo estende aos
eleitos uma chamada especial interna, a qual inevitavelmente os traz à
salvação. A chamada externa (que é feita
indistintamente a todos) pode ser rejeitada; ao passo que a chamada interna
(que é feita somente aos eleitos) não pode ser rejeitada.
Esta chamada
faria sentir seus efeitos em Paulo, quando Jesus lhe disse: “Duro é para ti recalcitrar contra os
aguilhões” (At 26.14), embora
isso pareça mais uma advertência a Paulo (no caso, Saulo) para que parasse de
perseguir o povo de Deus.
Em suma, os
calvinistas ensinam que, quando Deus escolhe alguém, essa pessoa não tem
liberdade para dizer “não” a Deus. Uma
das “bases” para este ensino poderiam ser as palavras de Jesus: “E eu, quando for levantado da terra, todos
atrairei a mim” (Jo 12.32). Poderíamos citar também, de acordo com
os calvinistas, At 2.39; Rm 1.17; 9.11;
1Ts 5.24; 2Tm 1.9. Verdade é que
esta chamada é segundo a presciência (Rm
8.29; 1Pe 1.2).
Consideram
também que, se é o Espírito Santo Quem convence o homem do pecado, da justiça e
do juízo (Jo 16.8), ninguém se
arrepende se não por total operação do Espírito Santo. Isto é, em parte, verdade, porque a
iniciativa é sempre de Deus, o que nos impulsiona a crer que o homem não tem,
por si só, a capacidade de se arrepender dos seus pecados (Is 65.1; Jo 1.13; 6.44; 15.5,16; 1Co 2.9-12; Ef 1.19; Fp 2.13; Tg
1.17,18). Se disséssemos que uma
pessoa perdida pode ser salva por iniciativa própria, sem a intervenção do
Espírito, estaríamos defendendo o semipelagianismo, e a Bíblia diz que “ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor!’ senão
pelo Espírito Santo” (1Co 12.3). Creio ser neste sentido que se deve entender
o ensino de Agostinho de que a graça concorre para o livre-arbítrio. Diz o
Apóstolo ainda: “não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós
mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus, o qual também nos capacitou para sermos ministros dum novo pacto” (2Co 3.5,6). A graça não pode ser merecida, do contrário
não seria graça (Rm 11.5,6; Ef 2.8). Nisto estou de pleno acordo com o
calvinismo. O problema é: a quantos se estende esta graça? Os arminianos aceitam plenamente o fato de
que a salvação é pela graça; não se aceita, contudo, uma “graça soberana” que
não trabalhe em comum acordo com o nosso livre-arbítrio (1Ts 2.13). Afinal, fazendo
uso das palavras do próprio Agostinho – por ironia, grande advogado dessa graça
irresistível: “Qui fecit sine nobis, non salvabis nos sine nobis”, ou como já vi,
“o Deus que te criou sem ti não te salvará sem ti”.
Por outro
lado, se não houvesse nenhum controle da parte de Deus e toda responsabilidade
da salvação estivesse vinculada ao livre arbítrio humano, todos nós seríamos
responsáveis pela perdição de alguém, por não pregar-lhe o evangelho. Wesley pensa, portanto, que a “graça preventiva”
está em atuação no coração de todos os seres humanos, ao lado de sua
consciência, a própria presença de Deus em ação, por sua misericórdia,
procurando levar o ser humano ao arrependimento: “Parece ser esta faculdade a que se referem
usualmente aqueles que falam de consciência natural, expressão encontradiça
amiúde em alguns dos nossos melhores autores, contudo não estritamente certa,
pois, embora possa ser chamada natural, por achar-se em todos os homens, não é,
todavia natural, propriamente falando-se, mas um dom sobrenatural de Deus, acima
de todos os seus dotes naturais”.
Um dos
problemas que acabam sendo colocados seria:
se o homem não foi capaz de resistir à tentação no Éden, não foi capaz
de resistir ao diabo, como, pois, resistirá a um poder tão infinitamente maior,
como a graça de Deus? Respondo a este
questionamento, dizendo que o homem resiste porque Deus assim o quis, como
também podia ter resistido no caso da tentação do Éden. Os calvinistas que não aceitam esta última
possibilidade são supralapsarianos e agridem a santidade de Deus ao sugerirem
ser Deus o autor do pecado, ou, numa análise mais profunda, o único
pecador. O próprio Calvino ensinava que
o livre-arbítrio era uma prerrogativa de Adão, perdida quando ele pecou contra
Deus. Os calvinistas que usam este
argumento, estão indo, pois, contra a própria tradição calvinista.
Se dissermos
que a graça de Deus é irresistível, estaríamos realmente abrindo mão do
livre-arbítrio. Se a graça salvífica
fosse irresistível, também esta não teria sido oferecida a toda humanidade, porque
são muitos os que se perdem.
Contrariando este ensino, diz a Bíblia que é possível resistir ao
Espírito Santo (At 7.51). Por isso creio que o Espírito Santo convence, mas não constrange. O Espírito
Santo toma a iniciativa de nos salvar, mas só convence aqueles que, de fato,
abrem o coração para Jesus: “Eis que estou à porta e bato; se alguém
ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e
ele comigo” (Ap 3.20). Contra aqueles que dizem que estas palavras
são apenas uma exortação à igreja de Laodicéia, em meio à sua mornidão
espiritual, observe as seguintes palavras:
“Se ALGUÉM ouvir... entrarei em sua casa, e COM ELE cearei... ” Jesus diz “COM ELE”, não diz “com a
igreja”. Logo, se refere à uma igreja
local, mas também às pessoas individualmente.
Note também a afirmação condicional
(“se”). Jesus sabe que as suas ovelhas ouvirão a sua
voz (Jo 10.16,27; 18.37), mas não
forçará a entrada; Ele espera a nossa resposta e respeita nossa liberdade. À mesma igreja, ele diz “Eu
repreendo e castigo a todos quantos amo:
sê pois zeloso, e arrepende-te” (Ap
3.19), mas também diz “Assim, porque és morno, e não és quente nem
frio, vomitar-te-ei da minha boca”
(Ap 3.16).
4.5 – PERSEVERANÇA DOS SANTOS
– Os calvinistas ensinam, neste último “ponto”, que o salvo não perde a
salvação. Ou seja, uma vez salvo, salvo
para sempre. Não importa que ele peque,
se ele foi realmente salvo, não perde a salvação. É claro que, se ele apostatar, permanecendo
definitivamente neste estado, é porque não tinha sido realmente salvo. O salvo, por sua vez, estaria sujeito a
perder a “alegria da salvação” (Sl 51.12)
e até mesmo cair da graça, mas mesmo assim a sua salvação estaria assegurada (Sl 37.24; 145.14; Pv 24.16).
São muitas
passagens bíblicas usadas por quem defende a “perseverança dos santos”: Jo
6.37; 10.28,29; Rm 8.38,39; 14.4; Fp 1.6; Jd 24. Usa-se muito também a parábola das cem
ovelhas, para reforçar este ensino (Lc
15.4-6), embora não se coadune com a própria explicação de Jesus no
v.7.
Esta doutrina
é de índole totalmente calvinista, mas, mesmo assim, muitos arminianos, em
particular de confissão batista, também professam a crença de que o salvo não
perde a salvação. Em um certo sentido,
sim, uma vez que a salvação ou perdição de cada um é do pleno conhecimento de
Deus e está fixada nos Seus decretos eternos (Jo 17.12; Ap 13.8;
17.8), todavia alguém pode receber a graça e depois perdê-la
definitivamente. Os eternos decretos de
Deus não anulam o livre-arbítrio próprio das criaturas racionais. Veja, por exemplo, 1Co 9.27; Hb 10.38; 2Pe
2.20-22 e Ap 3.11.
A grande
dificuldade, todavia, para os que defendem esta suposta “perseverança” é
admitir que alguém possa receber a graça e terminar não sendo salvo. Em Hb
10.26-29 encontramos justamente este tipo de situação. Não há dúvida de que o texto em questão trata
de crentes que haviam experimentado a graça redentora de Jesus Cristo e caíram
definitivamente na apostasia. Como pode
alguém ter sido santificado pelo Espírito da graça (Hb 10.29), sem ter sido realmente salvo?
Se o crente
não pode cair da graça, que sentido há na Bíblia mencionar que há pecados que
são “para a morte” (1Jo 5.16,17), e cujo
sentido claro no texto não é o da morte física e sim espiritual?
Se não se pode
cair definitivamente da graça, que dizer de Hb 2.1-3: “[1] Por isso convém atentarmos mais
diligentemente para as coisas que ouvimos, para que em tempo algum nos
desviemos delas. [2] Pois
se a palavra falada pelos anjos permaneceu firme, e toda transgressão e
desobediência recebeu justa retribuição, [3] como
escaparemos nós, se descuidarmos de tão grande salvação? A qual, tendo sido
anunciada inicialmente pelo Senhor, foi- nos depois confirmada pelos que a
ouviram”. O autor da carta aos
Hebreus não parece compartilhar da tal doutrina da “perseverança dos santos”
pois encontramos lá incansáveis recomendações contra a apostasia. Cf. Hb
3.12,13; 10.38; etc.
Cristo
nos manda vigiar (Mt 24.42; 25.13;
26.41; Mc 13.33-37; Mc 14.38; Lc 21.36).
Cf At 20.31;
1Co 16.13; 1Pe 4.7. O apóstolo Pedro também escreve: “Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em
derredor, rugindo como leão, e procurando a quem possa tragar” (1Pe 5.8). Sem dúvida, Deus está sempre auxiliando Seus filhos para que não
lhes sobrevenha tentação maior do que as suas próprias forças para resistir (1Co 10.13). Por causa disso, nada nem
ninguém, nenhuma força demoníaca, pode arrebatar um crente das mãos de Deus,
com exceção dele próprio (Jo
10.28,29; Rm 8.38,39).
Quanto à certeza
de salvação que os calvinistas cultivam, isso se torna uma doutrina perigosa
(por estar baseada em critérios subjetivos), uma vez que eles crêem que não há
risco de perderem a salvação. O apóstolo
Paulo nos manda trabalhar a nossa salvação com temor e tremor (Fl 2.12). “Aquele
que pensa estar de pé, cuide para que não caia” (1Co 10.12). Certeza de
salvação? A doutrina calvinista da
predestinação negativa traz é insegurança ao cristão, na medida em que o mesmo
não pode saber se é ou não um dos eleitos.
A certeza que eles tem é baseada toda em critérios subjetivos. Que eles procuram viver uma vida santa, do
tipo “pelos seus frutos, os conhecereis” (Mt
7.20), disso eu sei muito bem.
Afinal, quem, cheio de vícios, teria a coragem de se declarar eleito de
Deus? E quanto a Paulo? O mesmo teve várias revelações especiais, mas
será que Paulo tinha certeza de sua eleição? – 1Co 9.27; 10.12; Fp 3.11-14.
Dizer que tem
certeza infalível da salvação é usurpação, pois é Cristo quem irá julgar os
vivos e os mortos (At 12.42; 2Tm 4.1; 1Pe 4.5). Quando digo “certeza infalível de salvação”,
estou me referindo a uma certeza de predestinação. Podemos e devemos ter certeza de que estamos
em estado de graça (salvos, mas sem garantias de que não iremos cair) e que
devemos zelar pela nossa salvação (Jo
5.24; Rm 8.16; 1Jo 3.14; 2Jo 1.8,9). Aqueles a quem Deus predestinou à vida eterna
acabam por ser, em última análise, os que perseverarão até o fim (Mt 10.22; 24.13; Mc 13.13). Diz-se que os mesmos têm o dom da perseverança
final, mas a certeza da predestinação, nestes casos, é algo, também, que só
pertence a Deus, a não ser daqueles que morrem na inocência, ou no caso de uma
revelação especial. Não deve, portanto,
estar firmada em critérios puramente subjetivos. Trataremos ainda deste assunto um pouco mais
adiante.
5 – PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO
Já vimos que é
totalmente absurdo crer que Deus não tenha dotado o homem de livre-arbítrio no
que tange à salvação (Tg 4.8), que a
graça de Deus não é irresistível (At
7.51). Aliás, o pecado contra o
Espírito Santo (Mt 12.31) parece
consistir exatamente em se resistir à graça de Deus.
Além disso,
nenhum homem nasce predestinado à perdição.
Do contrário, a chamada para o
arrependimento e a fé, dados através da Bíblia, e que visam a todos os homens,
conforme se vê em At 17.30 e 1Tm 2.4 e outras passagens
similares, seria apenas uma zombaria para aqueles que já se encontrassem em
estado de miséria espiritual, ou seja, aqueles que já de antemão estivessem
destinados ao inferno. Essa chamada
divina universal seria um absurdo se os homens não pudessem se arrepender (Ez 18.23; 33.11). O mandamento de Deus é que Ele
“...não tendo em conta os tempos da
ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se
arrependam” (At 17.30).
Como se poderia pensar que Deus ordena aos
homens uma coisa que lhes é impossível obedecer? Isso é inconcebível, fazendo as Escrituras se
tornarem mera zombaria. Bem pelo contrário
disso, Deus é o Salvador, que ama o mundo inteiro (Jo 3.16) e que proveu
meio seguro de salvação para todos, contanto que se deixem salvar (Jo 3.16,17; 1Tm 2.4; Tt 2.11; 1 Jo 2.2). Por
outro lado, sendo a fé um dom de Deus (Ef 2.8), e Cristo “o autor e
consumador da nossa fé” (Hb 12.2), nenhum arrependimento é
possível sem o concurso prévio da graça divina.
A fé tem, segundo a Bíblia, uma
origem sobrenatural, mas o homem ainda pode resistir à graça interior.
A Bíblia fala
de predestinação, mas não nos moldes em que esta seria concebida por Calvino. A
predestinação para a vida eterna está
afirmada em várias passagens como Mt 25.34; Jo 6.37; At 13.48; Rm
8.29,30; Ef 1.4-5,11. Algumas
passagens parecem sugerir uma predestinação para o inferno (negativa), como Rm
9.22, mas creio que é só aparência, ainda mais à luz de Ef 2.3.
Como pode haver uma predestinação para a vida
eterna, sem que haja, em contrapartida, uma predestinação para o inferno? Quanto a isso, temos Mt 25.34 e Mt
25.41. As Escrituras nos ensinam que
o Reino dos Céus está preparado para ser dado como herança aos santos desde a
fundação do mundo (Mt 25.34), ao passo que o inferno foi preparado para
o diabo e seus anjos (Mt 25.41), pelo mal uso que estes fizeram do seu
livre-arbítrio. A escolha de uma pessoa,
não significa a rejeição de outras.
A escolha de Israel não significou a rejeição dos gentios. Ao escolher Israel, Deus desejava que, por
seu intermédio, outras nações pudessem ser participantes de Sua graça (Gn 18.18; 22.18; Is 52.10; 60.3; Rm 10.20).
Embora não
negue, para todos os casos, uma predestinação
incondicional de indivíduos para
a glória (sem a participação
do livre-arbítrio), por causa dos
inocentes que morrem sem saber a distinção entre o bem e o mal, portanto sem condições de exercer a fé, acho justo crer que a doutrina
bíblica da predestinação é a de que Deus predestinou, primeiramente, a Sua
Igreja à glória celeste. Há, na Bíblia,
outrossim os exemplos de indivíduos que Deus chamou desde o ventre (este é o
caso de Jr 1.5; Lc 1.13-17), mas
tais chamados não se relacionam diretamente a uma predestinação para a
salvação. Mesmo para os inocentes
mortos, não se pode dizer que estejam predestinados independentemente do corpo
místico de Cristo. Nem mesmo At 13.48 pode provar de forma
absolutamente inconteste que a predestinação incondicional diz respeito à
indivíduos e não à Igreja como um todo. As palavras de Cristo em Jo 6.37 afirmam a predestinação, mas
também não delimitam o mecanismo da predestinação. Pode ser, também, que a vontade e
a soberania de Deus em predestinar seus eleitos seja misteriosamente
concordante com o nosso livre-arbítrio.
Em todo caso, Deus não escolhe à revelia do próprio homem.
É certo,
contudo, que Deus conhece o resultado final desde sempre e já o fixou nos Seus
decretos eternos (Is 46.9-11; Jo 17.12). Tudo o que sabemos é que Deus, no Seu tempo
(“kairós”) elegeu, pela Sua
presciência, aqueles que, no seu próprio tempo (“khronos”), livremente escolheriam crer em Jesus Cristo, ainda que
movidos e incitados pelo Santo Espírito, e permitiu a algumas de Suas criaturas
permanecer no estado de morte espiritual, não negando a elas as condições
necessárias para a salvação, que seriam a Sua graça redentora, resultante do
sacrifício do Seu Filho, que, como vimos, teve como propósito, muito claramente, reparar a falta de Adão (1Co 15.22), expiando os pecados de todos os homens (Rm 5.18).
Obviamente,
não se pode confundir a presciência de Deus com predestinação, todavia, para mim, as duas estão intrinsecamente
relacionadas. A presciência de Deus
consiste no fato de que Deus “viu” e sabe o futuro das pessoas no que tange à
salvação ou à perdição eternas (Jo 10.14-16,26,27; 2Tm 2.19). Ele elege os seus santos segundo a Sua
presciência (1Pe 1.2), porque
conhece de antemão as escolhas que nós mesmos faremos (Rm 8.28-30), mas até a nossa liberdade de escolha provém d’Ele, é
uma liberdade doada por Ele. Desta
forma, a vontade e a soberania de Deus não anulam o livre-arbítrio do homem.
Santo
Agostinho disse: “O homem é levado por caminhos misteriosos por Aquele que sabe obrar
no íntimo do coração dos homens, não para que os homens creiam sem querê-lo,
mas para que de não querer venham a querer” (Enchiridion, 98). Porém, em outra parte, disse: “Não defendamos a graça de maneira que pareça que estamos destruindo o
livre-arbítrio” (De peccatorum meritis et remissione, 2,18).
Fez Lutero isso, quando disse: “O
livre-arbítrio depois do pecado (original) não é mais que uma palavra vã; o homem, quando faz o que pode, peca
mortalmente”?
A teologia dos cristãos reformados não se baseia senão nos excessos do
pensamento de Agostinho, com o Agostinho já velho e amargurado.
Não creio ser
a posição calvinista de todo compatível com o pensamento de Agostinho, pois
este grande doutor da Igreja, apesar de tudo, não nega o livre-arbítrio. A má compreensão das teses agostinianas (em
refutação ao pelagianismo e ao semipelagianismo) levaram, contudo, à
heresia que tem o nome de predestinacianismo
(ou predestinarianismo), que negava
esta cooperação entre a graça e o livre-arbítrio. Este predestinacianismo
foi preconizado, em suas várias versões, por Lucidus, no século V, Gottschalk
de Orbais, no século IX, John Wycliff, Jan Huss, pelos reformadores Lutero, e
principalmente Calvino e, depois, ainda pelos católicos baianistas e jansenistas
– adeptos da heresia de Baio (Michel du Bay) e Jansênio (Janssen), bispo de
Ypres, que, em nome de Santo Agostinho, ensinava que o homem não pode resistir
à graça de Deus e que Cristo não morreu por todos.
Talvez
devêssemos evitar o termo “heresia”, para não afrontar demais os calvinistas,
mas é, no mínimo, uma tremenda distorção, afirmar que Cristo morreu só pelos
eleitos. O apóstolo Paulo nos exorta
para que façamos súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os
homens. Isto é bom e agradável aos olhos
do nosso Deus, “que quer que TODOS os
homens se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm
2.1-4).
Alguns
calvinistas dizem deste versículo: “O
texto de 1Tm 2.4, dentro de seu
contexto é claro: não se refere a todos os homens, mas a todas as classes de
homens (reis, governadores, ricos, pobres, etc)”. Contrapondo a essa explicação, eu apresento
um versículo mais claro: “Portanto,
assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato
de justiça veio a graça sobre todos os
homens para justificação e vida.” (Rm 5.18). O calvinista que
quiser interpretar o segundo TODOS
como sendo referente ao seleto grupo dos eleitos terá que aceitar que o
primeiro TODOS não faz referência a
toda a humanidade.
O fato da
graça vir sobre todos os homens para justificação e vida denota o propósito da
graça de Deus que é justificar e salvar o homem. Não significa que ela cumprirá o seu
propósito em todos (como, de fato, poderia ser deduzido erroneamente deste
versículo) ou que provocará sempre os mesmos resultados (1Co 15.10). Interpretar esse
versículo de maneira diferente é distorcer o seu sentido claro. O mesmo pode ser dito a respeito de 1Tm 4.10: o fato de Cristo ser chamado “o Salvador de
todos os homens” é pelo propósito que teve o Seu sacrifício de salvar toda a
humanidade. Por isso, o Apóstolo
acrescenta “especialmente dos fiéis”, Cristo é “o Salvador de todos os homens,
especialmente dos fiéis”. Fosse esta uma
referência a dois meios de salvação (o meio ordinário e o meio extraordinário,
sendo que este último é o meio pelo qual Deus salva as crianças eleitas, que
não podem exercer a fé pessoal), como entendem os calvinistas, haveria o
emprego do advérbio “especialmente”, que denota, sem dúvida, uma relação de
superioridade? Cristo é mais Salvador
dos adultos que crêem do que das crianças que não podem crer?
E não é só
isso. Por que Paulo nos mandaria, então,
orar por todos os homens, inclusive pelos reis e por todos que exercem
autoridade (1Tm 2.1,2)?
Vamos supor que a interpretação calvinista
esteja correta: Paulo nos manda,
então, orar por todos os eleitos, porque Deus quer que todos os eleitos se
salvem. Devemos então orar pela salvação
de todos os eleitos. Mas que incoerência, não?
Quando oramos
pela salvação de alguém, oramos para que Deus aumente a graça ao redor daquela
pessoa, para que o Espírito trabalhe mais intensamente no seu coração, não para
que o Senhor force a sua conversão.
Sabemos que a conversão é obra do Espírito de Deus, mas também fruto da
liberdade humana. Isto para nós é um
mistério, tão grande como o é o da Santíssima Trindade, por isso falamos em
cooperação (Jo 3.8). Fazendo uso das palavras da profecia de
Zacarias (Zc 4.6), também não é por
força nem por violência que se vai ao céu.
Se Deus deseja a salvação de todos, então
por que não salva todos? – dizem os calvinistas – Que Deus é Este, impotente,
que não consegue impor Sua vontade?
Nada de mal há
em que se veja Deus como “primeira causa” ou como “Primum Mobile” –
“primeiro motor” – de tudo (Mt 10.29,30),
como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino também fizeram [8], mas
não se pode excluir o desejo divino de que toda a humanidade fosse redimida
pelo sangue derramado pelo seu Salvador na cruz do Calvário, como fazem os
seguidores de Calvino. Nisto podemos
distinguir em Deus uma vontade ativa
(ou explícita) de que todos os homens
se salvem (Mt 18.1-6, mas principalmente
os vv. 10 e 14) e uma vontade
permissiva, em permitir a danação de algumas de Suas criaturas, uma vez que
nada escapa ao controle do Deus Todo-Poderoso.
No fundo, Deus é absolutamente soberano.
[32] “Deus encerrou todos na desobediência para a
todos fazer misericórdia.
[33] Ó abismo
da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos
e impenetráveis seus caminhos!
[34] Quem,
com efeito, conheceu o pensamento do Senhor?
[35] Ou quem
primeiro lhe fez o dom, para que receber em troca?
[36] Porque
tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos. Amém.” (Rm 11.32-36)
6 – O CRENTE E A SALVAÇÃO
A SALVAÇÃO É PELA GRAÇA (Mt 19.25,26; Mc 10.26,27; Lc 18.26,27; Ef
2.8; etc.). Graça é favor imerecido,
portanto, não há nada que nós possamos fazer para merecer a graça de Deus, mas
podemos rejeitá-la. Rejeitar a graça não
a exime de seu caráter absolutamente gratuito, conforme insistem os
calvinistas: qualquer um pode rejeitar
um presente. A fé, por sua vez, é dom de
Deus, podendo ser entendida também como o instrumento mediante o qual o homem
natural pode ser posto debaixo da graça salvífica de Deus (Ef 2.8), ou seja, a “causa instrumental”, mas, uma vez que Deus o
chama, esse homem tem liberdade para ser ou não propício a este chamado (Mt 22.2), pois, como vimos até aqui, a
graça salvífica atua em comunhão com o livre-arbítrio, não violentando Deus a
sua liberdade.
Esta graça é resultado da expiação de
Cristo e é oferecida a todos os homens, já que o chamado de Deus é dirigido a
todos os homens sem distinção (At 17.30). Os calvinistas costumam dizer que há um
chamado externo e um chamado interno (Mt
22.9-14), mas, embora esta distinção não possa ser abandonada, em nome da
razão torna-se inválido que Deus não possa chamar internamente a quem Ele
próprio ordena que seja chamado externamente, pela pregação do evangelho. Cristo ordenou que esse mesmo evangelho fosse
pregado a toda criatura (Mt 16.15). Quanto à “veste nupcial” que faltava a alguns
convidados, não é a expiação propiciada pelo sacrifício de Cristo, mas as obras
de justiça que devem acompanhar a justificação (Tg 2.14). Por causa delas,
muitos serão chamados e poucos os escolhidos (Mt 22.14). A veste nupcial
desempenha, na parábola do banquete nupcial (Mt 22.1-14), um papel semelhante ao do azeite na parábola das dez
virgens (Mt 25.1-13). Algum incauto poderia dizer que o azeite,
nesta parábola, simboliza o preço da redenção pago por Cristo na cruz?
A graça salvífica (ou justificadora), uma
vez recebida, ainda pode ser perdida (Hb
10.38), mediante o pecado mortal de 1Jo
5.16,17, que parece ser a apostasia, mas a salvação eterna não pode ser
perdida, porque já é eternamente do conhecimento de Deus. O número daqueles que serão salvos já está
escrito no livro da vida desde antes da fundação do mundo (Ap 13.8; 17.8). Creio,
portanto, que aqueles que apostatam da fé e morrem, realmente nunca tiveram
seus nomes escritos no livro da vida (evoco a presciência de Deus, não a
predestinação calvinista), embora estas pessoas possam ter, em algum momento,
recebido a “graça justificadora”, e terem sido santificadas
pelo “sangue do Pacto” (Hb 10.29). Por isso, se diz que estas pessoas perderam a
“salvação”, “salvação” não no sentido da salvação eterna, já decretada
eternamente, e que não é, em absoluto, do nosso conhecimento. Os calvinistas, no entanto, negam que se
possa perder totalmente esta graça justificadora, e arrogam para si
conhecimentos sobre a salvação eterna.
Digo que
ninguém pode declarar ter certeza absoluta da sua salvação, o que equivale a
ter certeza da predestinação, porque ninguém pode ter certeza absoluta de que
irá perseverar na fé. Podemos e devemos
ter certeza de que estamos em estado de graça, ou seja, debaixo da graça
salvadora de Cristo (1Jo 3.14). Mas, a salvação eterna só é dada àqueles que
perseveram: “Quem perseverar até o fim SERÁ SALVO” (Mt 10.22; 24.13; Mc 13.13).
Disto se depreende que só podemos nos considerar realmente salvos na
hora da morte (1Co 9.27; 10.12; Fp
3.11-14; 1Pe 1.5,9). Diante disso,
tem-se que qualquer discussão a respeito se o crente perde ou não a salvação
não mais tem sentido. Através da “metanoia” (arrependimento, conversão)
nos tornamos filhos de Deus (Jo 1.12;
Rm 8.16), nos colocamos debaixo da
graça salvífica de Deus, mas isso não é garantia de salvação eterna.
Quanto ao fato
do crente vir a pecar gravemente e perder esse estado de graça, inclusive
permanentemente, o texto de Hb 10.26-29
é bem claro a esse respeito. Cf. 1Jo 5.16,17. Por último, que sentido teriam as palavras de
Paulo em Gl 5.4 se a certeza de
salvação fosse tal, que não fosse possível “cair da graça”?
7 – A SALVAÇÃO DOS QUE NUNCA OUVIRAM
FALAR DE CRISTO
O homem habita
o nosso continente americano há, pelo menos, 11000 anos. Alguns pesquisadores ainda recuam esta data
em muitos milhares de anos. O Evangelho
só atingiu o nosso continente definitivamente só depois de 1492 (embora os
vikings tenham descoberto este continente antes de Colombo). Há muitos povos até hoje ainda não
alcançados. O Islã forma uma imensa
barreira para evangelização dos povos.
Como fica esta gente que nunca ouviu falar de Deus?
Se
acreditarmos que estas pessoas estão perdidas, a maioria quase absoluta dos
homens não pôde ser salva pelo sacrifício vicário de Cristo, o que reforça a
idéia de predestinação absoluta.
Por outro
lado, não se pode afirmar, pela Bíblia, que não haja esperança de salvação para
pessoas que nunca ouviram falar de Cristo.
Creio que há sim, alguma esperança de salvação para estas pessoas, desde
que dêem ouvidos à “lei natural”, que Deus estabeleceu e comunica ao homem
através da sua consciência (Rm 2.12-16;
5.13). Todavia, acredito ser difícil
alguém ser salvo desta maneira. Os
índios americanos, por exemplo, tinham, e continuam tendo até hoje, práticas
culturais tão cruéis e horripilantes, sem, contudo, parecer serem afrontados em
sua consciência.
Alguns
poderiam argumentar: Se o pecador não
recebe a Cristo como seu Salvador, ainda está debaixo do jugo da Lei (mesmo que
seja a “lei natural”) e não da graça, e diz a Bíblia que por “lei” alguma
ninguém se salva (Rm 3.20; Gl 3.21-25). Prefiro acreditar na misericórdia de Deus e
em sua justiça, no dia em que Ele há de
julgar os segredos dos homens (Rm 2.16). De qualquer forma, mesmo que Deus permita que
alguém se salve sem conhecê-lO, este alguém salva-se, não pelos seus próprios
méritos, mas pelos méritos de Cristo, que morreu por ele. Ninguém se salva se não for pela graça.
Com respeito
às crianças recém-nascidas e antes da idade da razão, não tenho dúvidas: estas, com certeza, estão salvas e
predestinadas à vida eterna, a despeito do pecado original e independentemente
de qualquer mérito previsto [9].
Chamamos isso de meio extraordinário de salvação, por não estar
condicionado ao exercício do livre-arbítrio, o que seria o meio ordinário. É o Senhor Quem diz: “ O reino dos céus é delas” (Mt 19.14).
8 – PONDERAÇÕES FINAIS SOBRE O
LIVRE-ARBÍTRIO
A doutrina
calvinista admite que o homem tem um certo livre-arbítrio, mas diz que este
livre-arbítrio é somente para praticar o mal, o que não se pode dizer que seja
um ponto de vista bíblico. Todavia,
quando afirmamos que o homem tem livre-arbítrio para escolher Deus, estamos
cientes de que este livre-arbítrio é, em si mesmo, limitado. Os homens vivem aprisionados em teias psico-culturais,
que dificultam seu poder decisório, e nem todos têm oportunidade de sequer
ouvir falar de Cristo. Saliento,
entretanto, que ninguém se perde sem culpa própria (Rm 5.12).
Não é à toa que Jesus disse: “E tu,
Cafarnaum, porventura serás elevada até o céu? Até o Hades descerás; porque, se
em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se operaram, teria ela
permanecido até hoje” (Mt 11.23).
O Senhor afirma que, se Sodoma tivesse tido o
mesmo privilégio de Cafarnaum, o povo daquela cidade teria sido salvo. Todavia, baseado neste argumento, pode-se
afirmar que Deus deseja a salvação de uns e não de outros?
O mesmo
ordenou que Seu Evangelho fosse pregado a toda criatura (Mc 16.15,16). Quem cresse e
fosse batizado seria salvo, quem não cresse seria condenado – é aí, portanto,
diante da Palavra pregada, que o homem exercita o seu livre-arbítrio. Por outro lado, faço minhas as palavras do
teólogo católico Ludwig Ott: “Deus, por
razão de Sua vontade salvífica, não está obrigado a intervir milagrosamente
para remover todos e cada um dos obstáculos que se derivam, segundo a ordem
criada do mundo, da cooperação das causas segundas criadas com a causa primeira
incriada (Deus), e que em muitos casos impedem a realização da vontade
salvífica de Deus. Existe, ademais, a
possibilidade de que Deus utilize caminhos extraordinários para remover o
pecado original às crianças que morrem sem batismo, e para comunicar-lhes a
graça, porque Seu poder não se amarra aos meios com que a Igreja comunica a
graça”.
Se a doutrina calvinista fosse levada à
risca, para que pregar? – eu pergunto – Deus precisa do homem, então? Deus não é onipotente? Para que, então, Ele precisa que o homem pregue
a Palavra?
____________________________________________
APÊNDICE: PASSAGENS BÍBLICAS QUE COMPROVAM O DESEJO DE
DEUS NA REDENÇÃO UNIVERSAL (E NÃO PARTICULAR)
Não há, de
fato, uma redenção universal, porque a morte de Cristo só se torna eficaz nos
que o aceitam, todavia há o desejo de Deus na redenção universal, que os calvinistas
tanto negam. Os versículos abaixo são
alguns dos que são impugnados pelos calvinistas, que advogam serem as palavras
TODOS e MUNDO nestes versículos referentes tão-somente ao seleto grupo dos
eleitos, ou seja, à totalidade dos eleitos.
Não nego que estas palavras possam ter, na Bíblia, outro sentido que não
o universal (por exemplo, “mundo” em Jo 15.18 é o sistema corrupto dos
homens que não estão sujeitos à lei divina), todavia, para estes versículos
defendo o sentido universalista, porque, afinal, “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua
graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.23-24). Esta é uma
das passagens bíblicas que comprovam:
negar a expiação universal
(desejo de Deus na redenção universal) é negar a depravação universal.
“TODO AQUELE, pois, que escuta estas minhas
palavras e as pratica, assemelha-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua
casa sobre a rocha” (Mt 7.24).
“Portanto,
QUALQUER que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu
Pai, que está nos céus” (Mt 10.32).
“Vinde a mim,
TODOS os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28).
“E
disse-lhes: Ide por todo mundo, pregai o
evangelho a TODA criatura. QUEM CRER e for batizado será salvo” (Mc 16.15,16a).
“E dizia a
TODOS: Se alguém QUER vir após mim,
negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (Lc 9.23).
“...Se vos não arrependerdes, TODOS de
igual modo perecereis” (Lc 13.36).
“Respondeu-lhe o
Senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e
obriga a TODOS a entrar, para que fique cheia a minha casa” (Lc 14.23).
“A lei e os
profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus e TODO O
HOMEM emprega força para entrar nele (Lc 16.16).
“Este veio para
testemunho, para que testificasse da luz, para que TODOS cressem por ele” (Jo 1.7).
“Mas a TODOS
quanto o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; aos que
crêem no seu nome” (Jo 1.12).
“No dia seguinte
João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).
“Porque Deus amou
o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que TODO aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3.16).
“Porque Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.17).
“e diziam à mulher:
Já não é pela tua palavra que nós cremos; pois agora nós mesmos temos ouvido e
sabemos que este é verdadeiramente o Salvador
do mundo” (Jo 4.42).
“Porque o pão de
Deus é aquele que desce do céu e dá vida
ao mundo” (Jo 6.33).
“Porquanto a
vontade daquele que me enviou é esta:
que TODO AQUELE que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna...” (Jo
6.40a).
“E, se alguém
ouvir as minhas palavras, e não as guardar, eu não o julgo; pois eu vim, não
para julgar o mundo, mas para salvar o
mundo” (Jo 12.47).
“todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.23,24).
“Portanto, assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre
todos os homens para condenação,
assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação e vida”
(Rm 5.18).
“Porque Deus
encerrou a todos debaixo da
desobediência, a fim de usar de misericórdia
para com todos” (Rm 11.32).
“Pois como
em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados” (1Co 15.22).
“pois que
Deus estava em Cristo reconciliando
consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos
encarregou da palavra da reconciliação”
(2Co 5.19).
“...o qual
deseja que todos os homens sejam
salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4).
“...o qual
se deu a si mesmo em resgate por todos,
para servir de testemunho a seu tempo”
(1Tm 2.6).
“Pois para isto é
que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo,
que é o Salvador de todos os homens,
especialmente dos que crêem” (1Tm 4.10).
“Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens” (Tt 2.11).
“O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia;
porém é longânimo para convosco, não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se” (2Pe
3.9).
“E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2.2).
“vemos, porém, aquele que foi feito um pouco menor que os anjos,
Jesus, coroado de glória e honra, por causa da paixão da morte, para que, pela
graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2.9).
Os Evangelhos declaram que “o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19.10).
– Quem se havia perdido? Todos os homens, porque as Escrituras
declaram que não há um justo, nem um sequer (Rm 3.10).
Por fim,
sugiro aos irmãos calvinistas que risquem todos estes versículos de suas
Bíblias. Se forem versículos mentirosos,
já que o livre-arbítrio é uma ficção introduzida na Igreja por Satanás, por que
não riscá-los?
Infelizmente,
para esses irmãos, a Palavra de Deus vale menos do que a palavra de Calvino, de
tal forma que aquela tem que ser relida e reinterpretada para adequar-se a
esta. No fundo, é isto mesmo: a Palavra de Deus acaba ficando por mentirosa
e Calvino é que estava certo.
____________________________________________
Notas:
[1] A
palavra “predestinação” não aparece na Bíblia, mas o verbo “predestinar”, em
grego “proorizo”, é empregado quatro
vezes, isto é, em Rm 8.29 e 30; Ef 1.5,11 (alguns manuscritos o
trazem também em At 4.28 e 1Co 2.7). A palavra é formada de “pró”, que significa “antes” e o verbo “horizo”, que significa “definir, limitar”. Este verbo é usado na palavra “horizonte”,
como círculo limitante do campo da nossa observação. “Proorizo”
pode ser traduzido por “demarcar de antemão, ser determinado anteriormente”.
[2] Poderíamos
argumentar que Cristo fala “pequeninos que crêem em mim”, mas em outra
passagem, Ele diz: “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, porque de tais é o
reino dos céus” (Mt 19.14).
[3] A
idéia de uma predestinação incondicional para a vida eterna (“ante praevisa merita”) não é
necessariamente herética, nem é necessariamente contrária à idéia de
livre-arbítrio, pois como vimos, muitos teólogos da Idade Média, como o grande
Tomás de Aquino, criam nela. Mas a
posição de Tomás de Aquino não é idêntica à de Calvino, pois nem Tomás, nem
Agostinho, nem mesmo Lutero (nem Calvino no seu início), criam numa
predestinação para o inferno. Portanto,
há uma certa concordância entre Agostinho e Tomás de Aquino, Lutero e Calvino
na questão da predestinação para a vida eterna, mas diferiam de Calvino na
questão da reprovação. Para a Igreja
Católica, não se exclui também a possibilidade de salvação para os
não-predestinados.
Calvino
admitiu as duas, ao escrever que Deus criou anjos e homens para o fim
específico da danação, propagando assim o ensino da dupla predestinação:
“Chamamos predestinação ao eterno decreto de
Deus pelo qual Ele determinou consigo mesmo aquilo que Ele quis que ocorresse a
cada homem. Porque não fomos criados em
condições iguais; certamente, a vida eterna é preordenada para alguns, e a
perdição eterna para outros. Portanto,
como todos foram criados para um ou outro destes fins, falamos deles como
predestinados para a vida ou para a morte” (Institutas, 3.21.5)
Antes dele, no
entanto, a idéia de uma dupla predestinação que abrangeria uma predestinação
para a glória e uma outra para o inferno, que poderia ser também chamada de uma
reprovação incondicional positiva, foi defendida, desde o século V, por
Lucidus, sacerdote gaulês que, inclusive, se retratou; no século IX pelo monge
Gottschalk de Orbais; depois pelos pré-reformadores Wycliff e Huss. Essa idéia foi desde o início condenada pela
Igreja Católica (desde 473, pelo Sínodo de Arles) e se constitui na heresia que
tem o nome de predestinacianismo. O erro deles consistia no fato de crerem que
Deus impele o homem para o pecado. Deus
não pode ser visto como causa do mal. O
mal não foi criado por Deus, o mesmo consiste tão-somente na ausência do bem.
A Confissão de
Fé de Westminster, que é o estatuto doutrinário das igrejas presbiterianas,
escapa ao supralapsarianismo calviniano (que é predestinacianismo), expõe a
doutrina da predestinação nos seguintes termos:
“Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e
alguns anjos são predestinados para
a vida eterna e outros preordenados
para a morte eterna” (CFW, III.3).
[4] Pelágio
(350-425) foi um monge bretão que negava os efeitos do pecado original e,
conseqüentemente, a corrupção do gênero humano.
Seu mais vigoroso seguidor foi o monge Celéstio. Agostinho, por sua vez, foi quem mais
combateu esse sistema. O
semipelagianismo, que surgiu depois, buscava combinar a heresia pelagiana com a
ortodoxia, e foi, por isso, condenado no segundo Concílio de Orange (529). O erro dos marselheses (semipelagianos)
consistia no esforço de atribuir ao homem o primeiro passo no caminho da
salvação; a acolhida da graça e até mesmo a busca de Deus anterior à conversão,
assim como a perseverança da graça recebida, dependeriam unicamente do esforço
humano. O termo semipelagianismo tem
sido, desde o início, usado pelos calvinistas para designar os arminianos.
[5] Os
exegetas afirmam que a palavra “presciência” delimita muito mais do que a
simples previsão de fé. “Presciência” é
a junção das palavras grega “pre”
mais “gnosko” ou seja, “conhecer de
antemão”. Mas a concepção judaica de
“conhecer” é muito diferente da nossa. O
verdadeiro significado de “conhecer” pode ser considerado em, por exemplo, Mt 1.25. José não conhecer Maria
significa que ainda não haviam tido intimidade.
Esse é o melhor sentido judaico para a palavra “conhecer”. Quando Jesus diz: “Nunca vos conheci”, o que ele quer dizer? É claro que Ele conhece a todos no sentido de
saber quem são. O verbo “conhecer”,
portanto, tal como aparece em Rm 8.29,
envolve mais do que o simples conhecimento de nossas ações futuras. É a divina predestinação, com a qual Deus
predestinou a Sua Igreja à herança eterna na glória celestial (Mt 25.34). Confronte At 2.23.
[6] Os
“cinco pontos” do calvinismo tiveram sua origem a partir de um protesto que os
partidários de Jacobus Arminius (um professor de seminário holandês) apresentaram
ao “Estado da Holanda” em 1610, um ano após a morte de seu líder. O protesto consistia de “cinco artigos de
fé”, baseados nos ensinos de Arminius, e ficou conhecido na história como a
“Remonstrância”, ou seja, “O Protesto”.
O partido “arminiano” insistia que os símbolos oficiais de doutrina das
Igrejas da Holanda (Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg) fossem
mudados. As doutrinas calvinistas às
quais os arminianos fizeram objeção eram justamente as relacionadas com a
inabilidade humana, a eleição incondicional, a redenção particular (ou expiação
limitada), a graça irresistível e a perseverança dos santos.
Mais tarde, os
calvinistas se reuniriam num sínodo – o famoso Sínodo de Dort (ou Dordrecht) – que durou de 13 de
novembro de 1618 a 9 de maio de 1619, e reafirmou a posição calvinista da
eleição e da reprovação, para fazer frente aos arminianos. Desde então, “arminianismo” passou a ser como
um sinônimo de heresia na boca dos calvinistas.
[7] Quanto à graça, os protestantes acentuam-lhe o caráter
salvífico (“Sola gratia”), mas negam – com Lutero – o caráter regenerador de
graça santificante.
A doutrina
calvinista admite, contudo, a existência de uma “graça comum” não justificadora
oferecida a toda humanidade, inclusive aos pecadores que viveram antes da
redenção do Cristo. Essa graça impediria
os homens de pecar tudo o que podem, permitiria acolher a Lei de Deus e fazer o
bem, e seria a expressão da misericórdia divina pela humanidade, ainda não regenerada
pelo Cristo. Não seria a graça
justificadora reservada aos eleitos, nem alteraria a natureza inteiramente
corrompida da alma humana. Seria uma
espécie de refreamento do pecado. Desta
forma, os calvinistas fazem distinção entre a “graça comum”, oferecida a todos
indiscriminadamente, e a “graça eficaz” (ou “especial”), oferecida somente aos
eleitos. Esta doutrina carece de base
bíblica sólida, ao afirmar a justificação divina sem a graça, e pode ser
considerada fruto de especulações humanas.
Na teologia católico-romana, usa-se o
termo “graça” no sentido da “graça atual” e da “graça habitual”.
Esta última é chamada “graça habitual” ou “graça santificante” ou, ainda, “justificante”, pelo caráter regenerador que é atribuído à mesma, e que foi
rejeitado por Lutero. De fato, Hebreus 10.29 diz: “de quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que
pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do pacto, com que foi
santificado, e ultrajar ao Espírito da graça?”. Confronte 2Co 5.17. Esta graça estaria distribuída aos batizados em parcelas
diferenciadas. A primeira graça atual,
por sua vez, é a graça necessária para a conversão. Os católicos também usam a terminologia “graça eficaz” (que termina por salvar o eleito) e “graça suficiente” (que é suficiente para salvar o réprobo),
para o discernimento desta graça atual. A
conversão de S. Paulo é tida como um exemplo de “graça eficacíssima”. A teologia católico-romana também admite o conceito de “graça
eficaz” da forma como é no calvinismo, à qual o homem não resiste, como no caso
de S. Paulo, embora o Concílio de Trento tenha se pronunciado contra ser
irresistível. Mas o entendimento desta
graça eficaz é visto de maneira diferente pelas duas escolas: tomistas e molinistas. Os tomistas, como vimos, têm uma visão da predestinação
que podemos chamar de infralapsariana, embora sem extirpar a idéia de liberdade
arbitrária do homem; os molinistas defendem um ponto de vista semelhante ao do
arminianismo, não podendo abandonar a idéia da graça preveniente, mas
submetendo a predestinação à previsão dos méritos, através do que chamam
“ciência média”.
[8] Alguns
teólogos católicos, seguidores de Tomás de Aquino, como Domingos Bañez (e os
bañezianos), por exemplo, sugeriram uma premoção de tal ordem (premoção física ou predeterminação física) que, embora não negando, de forma alguma, o
livre-arbítrio das criaturas racionais – corpóreas e incorpóreas – submete este
próprio livre-arbítrio à vontade controladora de Deus, na forma de um decreto
predeterminante. Santo Tomás, expondo com
precisão os diferentes modos da cooperação divina nas ações das criaturas, não
fala em predeterminação física. Pelo
contrário, afirma repetidas vezes que a criatura livre se determina a si mesma. E até neste fato que ele descobre a essência
do livre-arbítrio e o caráter que distingue as criaturas livres daquelas que o
não são.
Os muçulmanos,
com a sua idéia de “maktub” (“está escrito”), tendem para uma predestinação fatalista, na qual,
geralmente, não se admite em nada uma segunda causa, além do próprio Deus. O fatalismo é tido como uma crença também dos
antigos pagãos e nada tem a ver com o calvinismo. Este último defende a liberdade de ação dos
indivíduos, negando-lhes, contudo, qualquer decisão ou influência no seu
destino eterno.
[9] Agindo
assim, Deus é injusto ou imparcial?
Permitindo-me fazer uso das palavras de Agostinho, no Enchiridion: “Pois
o Deus Todo-Poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal
existir nas suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar
o bem do próprio mal”, digo que todas as ações de Deus
sempre visam o bem de todas as Suas criaturas (Mt 5.45). As crianças já
nascem corrompidas pelo pecado original (Sl
51.5; Rm 5.12). O ensino tradicional
da Igreja Cristã tem sido categórico ao afirmar que esse pecado de Adão se
propaga nos seus descendentes por geração e não por imitação, o que, de forma
aparente, parece contradizer a profecia de Iezequel (Ezequiel) em Ez 18.
Todavia, as criancinhas pequenas não tem culpas próprias (pecados atuais)
e, pela sua inocência, creio ser Deus suficientemente poderoso para
perdoar-lhes o pecado original. Para
resolver o problema, surgiu na Idade Média o ensino sobre o limbus infantum, que seria o lugar para
onde iriam as crianças mortas sem o batismo e que não tiveram perdoado o pecado
original. Hoje em dia, a Igreja Católica
já abandonou o ensino sobre o limbo.
____________________________________________
Bibliografia:
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Versão Revisada, De Acordo com os Melhores Textos em Hebraico e Grego. Imprensa Bíblica Brasileira.
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SOBRINHO, João Falcão.
A predestinação conforme à Bíblia. UFMBB.
(Não disponho de maiores informações sobre esta obra).
____________________________________________
Sites na Internet
usados como fonte de consulta:
TEXTOS DA REFORMA – PORTAL DE TEOLOGIA REFORMADA
(http://www.textosdareforma.net).
VERITATIS SPLENDOR – O ESPLENDOR DA VERDADE
(http://www.veritatis.com.br).
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