quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O Calvinismo Resumido[1]

  

Jack Cottrell[2]

 

ALGUÉM ESCREVEU: “Tenho seguido a igreja reformada moderna por algum tempo como um meio para modelar e estabelecer uma Igreja. Vejo um grande sucesso nos convertidos, no crescimento e na vida da igreja através da pregação e práticas reformadas modernas (não confundir com a igreja emergente). A única coisa com que eu estou lutando é [como] escolher entre as escolas de pensamento teológico, as quais se chamam Calvinismo e Arminianismo. Você pode esclarecer as principais diferenças ou me indicar um livro que fosse útil porém o menos tendencioso possível? Sinto que não importa qual lado você escolha, ele não deve causar divisão na igreja; assim, eu gostaria apenas de conhecer igualmente os dois lados e seguir a partir daí. Outra pergunta: você poderia comparar e contrastar a Propiciação e a Expiação?

 

Minha breve resposta:

 

PRIMEIRO DE TUDO, você seriamente subestima as diferenças entre o Calvinismo e o Arminianismo, se você acha que pode escolher entre eles e não “causar divisão.” A única maneira que você poderia fazer isso é pensar que a verdade doutrinária não é muito importante. Entre aqueles que creem que a Bíblia é a Palavra de Deus, não poderia haver maior rivalidade do que o Calvinismo e o Arminianismo (ou não-Calvinismo). Eles têm visões muito diferentes de Deus, do homem, do pecado, da salvação e do batismo. Sempre que os dois estão fazendo o trabalho da igreja juntos, um ou o outro está fazendo sérias concessões (talvez ambos).

 O CONTRASTE MAIS GRAVE se refere à natureza da soberania de Deus. Os calvinistas dizem que Deus é verdadeiramente soberano somente se Ele é a CAUSA última de tudo que acontece. O resultado é que os seres humanos NÃO PODEM ter um genuíno livre-arbítrio. Sempre que os calvinistas afirmam o “livre-arbítrio,” eles estão usando uma versão redefinida dele chamada “compatibilismo”. Ou seja, o livre-arbítrio é redefinido de tal forma que ele seja compatível com essa visão onicausal da soberania. Nesse caso, a vontade não é verdadeiramente livre. Então, se você deseja sustentar o conceito de um genuíno livre-arbítrio, você simplesmente não pode ser um calvinista. A verdadeira soberania bíblica significa que Deus CONTROLA tudo, o que não é o mesmo que CAUSAR tudo. (Tenho discutido isso no meu livro “What the Bible Says About God the Ruler – O Que a Bíblia diz Sobre Deus, o Soberano,”[3]  e em meu ensaio “The Nature of the Divine Sovereignty - A Natureza da Soberania Divina”, no livro “The Grace of God, the Will of Man – A Graça de Deus, a Vontade do Homem,”[4]  editado por Clark Pinnock.)

 O PRÓXIMO CONTRASTE é entre as duas visões do pecado e da salvação, as quais para os calvinistas são resumidas como os “Cinco Pontos do Calvinismo,” conhecidos como a T-U-L-I-P.

 O “T” representa a Depravação Total. Além de negar o genuíno livre-arbítrio em todos os seres humanos como resultado de seu ponto de vista da soberania divina, os calvinistas creem também que, como resultado do pecado de Adão, cada ser humano nasce totalmente depravado, cuja essência é a escravidão da vontade. Ou seja, mesmo se uma vez houve o verdadeiro livre-arbítrio, depois de Adão ele não existe mais. O que isto significa concretamente é que NINGUÉM é capaz de responder em fé à pregação do evangelho. Há uma incapacidade total para escolher aceitar a oferta de salvação de Deus. Isso significa que NINGUÉM pode ser salvo sem o seguinte:

 O “U” representa a Eleição Incondicional. Uma vez que nenhum ser humano é capaz de escolher a Deus, se alguém enfim será salvo, Deus deve fazer a escolha. De fato, segundo os calvinistas, esta é exatamente a maneira como ela acontece. Desde a pré-criação, na eternidade, Deus já elegeu (escolheu, predestinou) certos indivíduos específicos que viriam a existir no futuro universo criado. Ele os elegeu incondicionalmente, ou seja, ele não disse algo como: “Quem crê em Jesus será o escolhido.” Nenhuma condição deve ser satisfeita; na verdade, por causa da depravação total, mesmo que Deus tivesse estabelecido determinadas condições, ninguém teria o livre-arbítrio para satisfazê-las. Assim, no final, somente Deus é que decide quais seres humanos se tornarão crentes e terão a vida eterna. Isso significa também que somente Deus é que decide quais seres humanos vão sofrer no inferno por toda a eternidade.

 O “L” representa a Expiação Limitada. Isto é, Jesus na verdade morre na cruz pelos ELEITOS APENAS. Uma vez que Deus está pré-programando toda a história humana, e está pessoalmente selecionando alguns indivíduos para a salvação, ele sabe com antecedência quanto sofrimento Jesus terá de suportar na cruz. Jesus não morre pelos não-eleitos.

O “I” representa a Graça Irresistível. Uma vez que os seres humanos pecaminosos não têm livre-arbítrio, não pode haver uma oferta sincera de salvação (através do evangelismo e da pregação) para os seres humanos em geral. NINGUÉM tem a capacidade de responder ao evangelho. Porém, Deus escolheu salvar alguns e Jesus morreu por esse número limitado. Então, como será que a salvação é realmente outorgada a essa pessoa? Através de uma mudança eficaz, irresistível e soberana do coração do pecador selecionado, e essa mudança ocorre através de um trabalho interno e secreto do Espírito Santo (regeneração ou novo nascimento). Em um momento escolhido por Deus, o Espírito “ataca” o pecador selecionado, e lhe dá o dom da fé e do arrependimento. Esse momento é quando a pessoa é salva, e ela nunca irá se perder, porque isso só acontece àquelas pessoas cuja salvação eterna já está predeterminada.

O “P” representa a Perseverança [ou Preservação] dos Santos. Isto é o que geralmente chamamos de: “uma vez salvo, sempre salvo.” Esta doutrina é a consequência lógica das doutrinas da T-U-L-I-P. Como não há verdadeiro livre-arbítrio, e uma vez que Deus está “manipulando todas as cordas,” Ele simplesmente faz com que a fé outorgada à pessoa eleita permaneça intacta para sempre.

O ÚLTIMO CONTRASTE que vou mencionar é a respeito do batismo. O Calvinismo moderno (desde o tempo do Reformador Suíço Ulrico Zuínglio) tem repudiado qualquer conexão real entre o batismo e a salvação. Isso decorre logicamente da ideia de que a salvação é oferecida de forma incondicional, à parte da própria escolha livre do pecador, no momento em que Deus soberanamente decide. Assim, a maioria dos calvinistas crê que o batismo é algo a que a pessoa, salva irresistivelmente, se submete como um testemunho do  status  de sua salvação já existente.

EU NÃO tentarei refutar todos estes pontos aqui. Basta dizer que a visão não-calvinista é o oposto do que foi esboçado acima: os pecadores têm livre-arbítrio e podem escolher aceitar ou rejeitar o evangelho; Deus especifica certas condições as quais os pecadores devem satisfazer a fim de receber a salvação; Jesus literalmente morreu por toda a raça humana; a salvação é outorgada como resultado da própria escolha do pecador ao aceitar a oferta do evangelho; a pessoa salva ainda tem livre-arbítrio e pode usar esse livre-arbítrio para repudiar a sua fé e perder a sua salvação. Além disso, o Novo Testamento claramente liga o batismo à salvação.[5]

TENHO DISCUTIDO essas doutrinas nas fontes referidas acima (“God the Ruler – Deus o Soberano”, “Nature of Sovereignty – Natureza da Soberania”). Elas também são discutidas em pontos específicos na minha teologia sistemática, “The Faith Once for All – A Fé de uma Vez por Todas”,[6]  e no meu comentário sobre  Romans – Romanos  (ambos da College Press).[7]  Uma discussão mais detalhada é o meu longo ensaio sobre a  Visão Arminiana da Predestinação  no volume “Perspectives on Election: Five Views – Perspectivas Sobre a Eleição: Cinco Pontos de Vista,” edição de Chad Brand (Broadman & Holman).[8]  Eu também escrevi uma explicação e refutação do Calvinismo em quatro partes para a revista “Christian Standard – Padrão Cristão”[9]  no início de 2007, a qual está disponível a partir da revista “Christian Standard”, sob o título: “Considering Calvinism – Considerando o Calvinismo.”

EM TEMPO: Propiciação é o afastamento (de nós) da ira de Deus através da oferta voluntária de Cristo na cruz como nosso substituto. Expiação é a cobertura dos nossos pecados para que eles estejam ocultos aos olhos de Deus (ativo). A expiação é a causa da propiciação. Alguns tentam substituir a propiciação pela expiação, por causa da sua aversão à ideia de que Deus possa estar irado, porém isso é como tentar ter um efeito sem uma causa. Sobre a ira de Deus e a ideia de propiciação, ver o meu livro, “What the Bible Says About God the Redeemer – O que a Bíblia diz sobre Deus, o Redentor.”

 

Tradução: Cloves Rocha dos Santos


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[1]  Nota do Tradutor:  Este artigo foi publicado por Jack Cottrell no dia 9 de setembro de 2009, na sua página do Facebook, na aba NOTES (NOTAS), onde ele, de forma fraterna, responde a várias perguntas relacionadas à vida cristã e também às dificuldades bíblicas por parte daqueles que visitam a sua página e se interessam pela sua opinião nos assuntos abordados. (Fonte: http://www.facebook.com/pages/Jack-Cottrell/48880983223)

[2]  Nota do tradutor: Jack Warren Cottrell é autor e teólogo cristão associado às Igrejas Cristãs Independentes/Igrejas de Cristo, as quais fazem parte do Movimento de Restauração Stone-Campbell. Ele tem sido professor de Teologia na Universidade Cristã de Cincinnati desde 1967. Ele é autor de numerosos livros sobre a Doutrina e Teologia Cristã. Jack Cottrell nasceu em Kentucky e foi criado em Stamping Ground, Kentucky. Casou-se com sua esposa, Barbara, em 1958. Cottrell ganhou um Bacharel em Artes (B.A.) da Universidade Cristã de Cincinnati em 1959. Em seguida, ele ganhou um Mestrado em Divindade (Mdiv) do Seminário Teológico de Westminster e o doutorado em Filosofia (PhD) do Seminário Teológico de Princeton. Cottrell retornou à Universidade Cristã de Cincinnati em 1967 como professor de Bíblia e Teologia. Desde então, escreveu mais de 20 livros sobre Doutrina e Teologia Cristã. Os tópicos frequentes abordados por ele incluem a graça, fé, batismo, exatidão bíblica, bem como a natureza de Deus. Ele também já abordou questões como liderança e teologia feminista no Cristianismo. Cottrell tem adicionalmente escrito diversos comentários bíblicos. As visões teológicas de Cottrell são semelhantes à opinião majoritária das Igrejas Cristãs Independentes/Igrejas de Cristo. Ele crê na inerrância da Bíblia. Ele também crê que o batismo por imersão é o momento no qual os pecados individuais são perdoados. Devido à sua formação dentro dos círculos reformados, Jack Cottrell tem sido um crítico convicto do Calvinismo. Cottrell está casado com sua bela esposa Barbara por mais de 50 anos. Eles ministram na Igreja Cristã da cidade de Bright, no estado de Indiana, nos EUA, e vive na cidade de Lawrenceburg, Indiana. Ele e Bárbara têm três filhos e quatro netos (fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_Cottrell)

[3]  Nota do tradutor: Jack Cottrell, What the Bible Says About God the Ruler – O Que a Bíblia diz Sobre Deus, o Soberano (College Press, 1984; reimpressão, Wipf & Stock, 465 páginas).

[4]  Nota do tradutor: Jack Cottrell, The Nature of the Divine Sovereignty – A Natureza da Soberania Divina, em The Grace of God, the Will of Man – A Graça de Deus, A Vontade do Homem, edição de Clark H. Pinnock (Grand Rapids: Zondervan, 1989), 97-120.

[5]  Nota do tradutor: Jack Cottrell segue em paralelo com a visão teológica das Igrejas Cristãs Independentes/Igrejas de Cristo, às quais pertencem ao Movimento de Restauração Stone-Campbell. É sua convicção que o batismo por imersão é necessário à salvação. Para uma refutação nominal e específica do seu pensamento e argumentação, consultar Norman Geisler,  The Condition for Salvation – A Condição para Salvação, em  Systematic Theology – Teologia Sistemática, volume 3: Pecado e Salvação, parte 2: Salvação, capítulo 16 (Bethany House, 2004), 470. (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_Cottrell)

[6]  Nota do tradutor: Jack Cottrell, The Faith Once for All – A Fé de Uma Vez Por Todas (College Press, 2002).

[7]  Nota do tradutor: Jack Cottrell, The College Press NIV Commentary: Romans – Romanos, 2 vols. (Joplin, MO: College Press, 1996, 1998).

[8]  Nota do tradutor: Jack Cottrell, “The Classical Arminian View of Election – A Visão Arminiana Clássica da Eleição,” em  Perspectives on Election: Five Views – Perspectivas Sobre a Eleição: Cinco Pontos de Vista, edição de Chad Brand (Broadman & Holman, 2006), 70-134.

[9]  Nota do tradutor: O endereço na Internet é:  http://www.christianstandard.com/

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