Nós não odiamos o pecado – Por isso não
conseguimos entender o que aconteceu com os Cananeus
Um Adendo aos Argumentos do “Genocídio
Divino” no Antigo Testamento
[PARTE I]
Por Clay Jones
Christian Apologetics Program
Biola
University
La
Mirada, California
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RESUMO: os céticos desafiam a
justiça de Deus ao ordenar a Israel que destruísse os Cananeus, mas um olhar
mais atento ao horror da pecaminosidade dos Cananeus, o poder corruptor e
sedutor do pecado que praticavam como visto na Canaanização [influência que
exerceram] de Israel, e Deus subsequentemente instituindo a própria destruição
de Israel por causa do fato de Israel cometer o pecado Cananeu revela que Deus
foi justo ao ordenar a destruição dos Cananeus. Mas a aceitação da cultura
ocidental do “pecado Cananeu” como um estilo de vida aceitável invalida o juízo
de Deus contra a seriedade desse pecado e, assim, torna a justiça de Deus incapaz
de responder ao pecado Cananeu de forma apropriada como um ultraje moral grave.
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Os
Novos Ateus afirmam que a ordem de Deus para a destruição dos Cananeus é uma
evidência do “genocídio divino”. O artigo de Paul Copan, “Yahweh é um monstro
moral?” em uma edição recente do Philosophia
Christi, juntamente com sua resposta à resposta de Wes Morriston nesta
edição, ajuda a trazer à tona algumas considerações importantes nesta discussão.[1]
Mas
acho que alguns fatores relacionados, mas subestimados, merecem um olhar mais
atento. Por exemplo, compreendemos, de forma genuina, a profundidade dos
pecados dos Cananeus? Entendemos o significado de Deus ter quase destruído
Israel por cometer os mesmos pecados que os Cananeus cometiam? Será que, porque
nossa cultura hoje comete os mesmos pecados que os Cananeus praticavam, somos contagiados
contra a gravidade desses pecados e, portanto, pensamos que o julgamento de
Deus é injusto? Como pode uma teologia do coração humano e sua condição
pecaminosa lançar luz sobre as motivações acerca das reivindicações de
“genocídio divino”? Resumindo, a maioria dos nossos problemas em relação à
ordem de Deus para a destruição dos Cananeus vem do fato de que Deus odeia o
pecado, mas nós não. Em caso afirmativo, as reivindicações de “genocídio
divino” são mais uma racionalização da condição humana e não um raciocínio
responsável sobre a justiça das ações de Deus para com os Cananeus?
Se
for esse o caso, parece que precisamos entender o horror que é o pecado, especialmente
o nosso pecado, se quisermos reconciliar o que parece ser o julgamento severo
de Deus contra o pecado. “Quando simplesmente dizemos que somos maus”, C. S.
Lewis escreveu, “a ‘ira’ de Deus parece uma doutrina bárbara; assim que
percebemos nossa maldade, ela parece inevitável, uma mera consequência da
bondade de Deus.”[2] Não basta, então, dizermos desapaixonadamente que os Cananeus
eram maus ou mesmo perversos; pois o impacto dessas palavras é diminuído em
nossa cultura.[3] Mesmo o significado de determinados tipos de pecados, como a
bestialidade, é um tanto sem gravidade para nós hoje. Pois muitas vezes há uma
certa rejeição do “seja lá o que for” que familiarmente destaque uma resposta
aos confrontos modernos do que sejam os “males antigos”, talvez como uma forma
de lidar com nossa negação do que realmente é o caso.
O
que estou sugerindo não é apenas o uso de uma linguagem vibrante que capte
melhor a experiência escancarada do mal. Embora seja interessante notar que,
quando a linguagem se dilui moralmente, ela pode ajudar a domar e pacificar
nossa indignação contra o mal.[4] Percebi que, por uma questão de atitude ou
ponto de vista, precisamos olhar com muito mais franqueza para a maldade humana
do que costumamos fazer, especialmente quando estamos engajados em reflexões
filosóficas sobre o problema do mal.
Assim,
neste artigo, tento oferecer evidências francas que documentam e ilustram a
seriedade do pecado Cananeu e, assim, tento ajudar a formar uma razão pela qual
Deus raciocinou e agiu da maneira que agiu com os Cananeus e seus pecados. Tento
ilustrar as profundezas da depravação Cananéia da maneira mais factual e real
possível.[5] No entanto, muito do que se segue é reconhecidamente perturbador. E
se já não é perturbador para nós, talvez haja algo mais perturbador em nossa
falha em estarmos devidamente perturbados? Além disso, há uma tentação
historiográfica na literatura sobre a cultura Cananéia (ou em seu uso) de
subestimar, às vezes negar ou mesmo eliminar evidências do mal entre os Cananeus.
É por isso que também procuro oferecer esta contribuição com cuidado e prudência.
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Fonte:
PhilosoPhia
Christi Vol. 11, No. 1 © 2009,
pp. 52 – 72
Tradução Walson Sales
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Notas:
[1] Paul Copan, “Is Yahweh a Moral Monster? The New
atheists and Old Testament Ethics,” Philosophia
Christi 10 (2008): 7–37; Wes Morriston, “Did God Command Genocide? A
Challenge to the Biblical Inerrantist,” Philosophia
Christi 11 (2009): 7–26; and Paul Copan, “Yahweh Wars and the Canaanites:
Divinely-Mandated Genocide or Corporate Capital Punishment? Responses to
Critics,” Philosophia Christi 11
(2009): 73–90.
[2] C. S. Lewis, The
Problem of Pain (New York: Macmillan, 1947), 46.
[3]
Considere que “my bad” agora é frequentemente usado como brincadeira e “wicked”
[ímpio] é aplicado por surfistas a ondas particularmente grandes ou esquiadores
a pistas de esqui particularmente desafiadoras.
[4]
Além disso, há precedência bíblica para o uso de linguagem que fala francamente
sobre o pecado. Por exemplo, em Ez. 23:20–1, o Senhor condena Jerusalém que se
prostituiu e “cobiçou seus amantes, cujos órgãos genitais eram como os de
jumentos e cujas emissões eram como as dos cavalos”. Em outro lugar, lemos
sobre um levita que desmembrou sua concubina depois que os homens de uma cidade
a estupraram (Jz 19), sobre os homens de Sodoma (uma cidade Cananéia) é dito
que tentaram estuprar anjos (Gn 19), sobre o coitus interruptus de Onã e sua viúva que se passou por prostituta
para fazer sexo com o sogro (Gn 38).
[5] Morriston
escreveu que “as traduções mais precisas e atualizadas dos textos Ugaríticos”
não “fornecem evidências de uma cultura particularmente ‘pervertida’ ou
‘cruel’. . . .” (“Did Command Genocide?” 18). Mas Morriston não prestou atenção
suficiente para o que as duas fontes que ele mencionou realmente diziam. Pardee
escreveu que “O culto da fertilidade tão querido ao coração das gerações mais
antigas de estudiosos dos textos Hebraicos e Ugaríticos não aparece claramente nenhum corpus; a depravação sexual que
alguns afirmaram ser característica do culto Cananeu em geral não deixou
vestígios em nenhum dos textos Ugaríticos traduzidos
acima. . . .” (Ritual and Cult at Ugarit, ed. Theodore
J. Lewis [Leiden, Holanda: Brill, 2002], 233, ênfase adicionada). Mas
Pardee estava apenas afirmando que a depravação não ocorria nos textos que ele traduziu. De outros textos Ugaríticos,
aprendemos sobre incesto e bestialidade entre seus deuses. Quanto ao artigo de
Delbert Hillers (“analyzing the abominable: Our Understanding of Canaanite
religion,” The Jewish Quarterly Review
75 [1985]: 253–69), Hillers estava apenas argumentando de forma bem ampla sobre
como os estudos Ugaríticos deveriam proceder enquanto objetava que o julgamento
moral sobre o papel do historiador está deslocado em tais estudos.
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