quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O Problema dos Cananeus - Parte 1

 

Nós não odiamos o pecado – Por isso não conseguimos entender o que aconteceu com os Cananeus

Um Adendo aos Argumentos do “Genocídio Divino” no Antigo Testamento

[PARTE I]

 

Por Clay Jones

Christian Apologetics Program

Biola University

La Mirada, California

 

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RESUMO: os céticos desafiam a justiça de Deus ao ordenar a Israel que destruísse os Cananeus, mas um olhar mais atento ao horror da pecaminosidade dos Cananeus, o poder corruptor e sedutor do pecado que praticavam como visto na Canaanização [influência que exerceram] de Israel, e Deus subsequentemente instituindo a própria destruição de Israel por causa do fato de Israel cometer o pecado Cananeu revela que Deus foi justo ao ordenar a destruição dos Cananeus. Mas a aceitação da cultura ocidental do “pecado Cananeu” como um estilo de vida aceitável invalida o juízo de Deus contra a seriedade desse pecado e, assim, torna a justiça de Deus incapaz de responder ao pecado Cananeu de forma apropriada como um ultraje moral grave.

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Os Novos Ateus afirmam que a ordem de Deus para a destruição dos Cananeus é uma evidência do “genocídio divino”. O artigo de Paul Copan, “Yahweh é um monstro moral?” em uma edição recente do Philosophia Christi, juntamente com sua resposta à resposta de Wes Morriston nesta edição, ajuda a trazer à tona algumas considerações importantes nesta discussão.[1]

Mas acho que alguns fatores relacionados, mas subestimados, merecem um olhar mais atento. Por exemplo, compreendemos, de forma genuina, a profundidade dos pecados dos Cananeus? Entendemos o significado de Deus ter quase destruído Israel por cometer os mesmos pecados que os Cananeus cometiam? Será que, porque nossa cultura hoje comete os mesmos pecados que os Cananeus praticavam, somos contagiados contra a gravidade desses pecados e, portanto, pensamos que o julgamento de Deus é injusto? Como pode uma teologia do coração humano e sua condição pecaminosa lançar luz sobre as motivações acerca das reivindicações de “genocídio divino”? Resumindo, a maioria dos nossos problemas em relação à ordem de Deus para a destruição dos Cananeus vem do fato de que Deus odeia o pecado, mas nós não. Em caso afirmativo, as reivindicações de “genocídio divino” são mais uma racionalização da condição humana e não um raciocínio responsável sobre a justiça das ações de Deus para com os Cananeus?

Se for esse o caso, parece que precisamos entender o horror que é o pecado, especialmente o nosso pecado, se quisermos reconciliar o que parece ser o julgamento severo de Deus contra o pecado. “Quando simplesmente dizemos que somos maus”, C. S. Lewis escreveu, “a ‘ira’ de Deus parece uma doutrina bárbara; assim que percebemos nossa maldade, ela parece inevitável, uma mera consequência da bondade de Deus.”[2] Não basta, então, dizermos desapaixonadamente que os Cananeus eram maus ou mesmo perversos; pois o impacto dessas palavras é diminuído em nossa cultura.[3] Mesmo o significado de determinados tipos de pecados, como a bestialidade, é um tanto sem gravidade para nós hoje. Pois muitas vezes há uma certa rejeição do “seja lá o que for” que familiarmente destaque uma resposta aos confrontos modernos do que sejam os “males antigos”, talvez como uma forma de lidar com nossa negação do que realmente é o caso.

O que estou sugerindo não é apenas o uso de uma linguagem vibrante que capte melhor a experiência escancarada do mal. Embora seja interessante notar que, quando a linguagem se dilui moralmente, ela pode ajudar a domar e pacificar nossa indignação contra o mal.[4] Percebi que, por uma questão de atitude ou ponto de vista, precisamos olhar com muito mais franqueza para a maldade humana do que costumamos fazer, especialmente quando estamos engajados em reflexões filosóficas sobre o problema do mal.

Assim, neste artigo, tento oferecer evidências francas que documentam e ilustram a seriedade do pecado Cananeu e, assim, tento ajudar a formar uma razão pela qual Deus raciocinou e agiu da maneira que agiu com os Cananeus e seus pecados. Tento ilustrar as profundezas da depravação Cananéia da maneira mais factual e real possível.[5] No entanto, muito do que se segue é reconhecidamente perturbador. E se já não é perturbador para nós, talvez haja algo mais perturbador em nossa falha em estarmos devidamente perturbados? Além disso, há uma tentação historiográfica na literatura sobre a cultura Cananéia (ou em seu uso) de subestimar, às vezes negar ou mesmo eliminar evidências do mal entre os Cananeus. É por isso que também procuro oferecer esta contribuição com cuidado e prudência.

 

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Fonte:

 

PhilosoPhia Christi Vol. 11, No. 1 © 2009, pp. 52 – 72

 

Tradução Walson Sales

 

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Notas:

[1] Paul Copan, “Is Yahweh a Moral Monster? The New atheists and Old Testament Ethics,” Philosophia Christi 10 (2008): 7–37; Wes Morriston, “Did God Command Genocide? A Challenge to the Biblical Inerrantist,” Philosophia Christi 11 (2009): 7–26; and Paul Copan, “Yahweh Wars and the Canaanites: Divinely-Mandated Genocide or Corporate Capital Punishment? Responses to Critics,” Philosophia Christi 11 (2009): 73–90.

[2] C. S. Lewis, The Problem of Pain (New York: Macmillan, 1947), 46.

[3] Considere que “my bad” agora é frequentemente usado como brincadeira e “wicked” [ímpio] é aplicado por surfistas a ondas particularmente grandes ou esquiadores a pistas de esqui particularmente desafiadoras.

[4] Além disso, há precedência bíblica para o uso de linguagem que fala francamente sobre o pecado. Por exemplo, em Ez. 23:20–1, o Senhor condena Jerusalém que se prostituiu e “cobiçou seus amantes, cujos órgãos genitais eram como os de jumentos e cujas emissões eram como as dos cavalos”. Em outro lugar, lemos sobre um levita que desmembrou sua concubina depois que os homens de uma cidade a estupraram (Jz 19), sobre os homens de Sodoma (uma cidade Cananéia) é dito que tentaram estuprar anjos (Gn 19), sobre o coitus interruptus de Onã e sua viúva que se passou por prostituta para fazer sexo com o sogro (Gn 38).

[5] Morriston escreveu que “as traduções mais precisas e atualizadas dos textos Ugaríticos” não “fornecem evidências de uma cultura particularmente ‘pervertida’ ou ‘cruel’. . . .” (“Did Command Genocide?” 18). Mas Morriston não prestou atenção suficiente para o que as duas fontes que ele mencionou realmente diziam. Pardee escreveu que “O culto da fertilidade tão querido ao coração das gerações mais antigas de estudiosos dos textos Hebraicos e Ugaríticos não aparece claramente nenhum corpus; a depravação sexual que alguns afirmaram ser característica do culto Cananeu em geral não deixou vestígios em nenhum dos textos Ugaríticos traduzidos acima. . . .” (Ritual and Cult at Ugarit, ed. Theodore J. Lewis [Leiden, Holanda: Brill, 2002], 233, ênfase adicionada). Mas Pardee estava apenas afirmando que a depravação não ocorria nos textos que ele traduziu. De outros textos Ugaríticos, aprendemos sobre incesto e bestialidade entre seus deuses. Quanto ao artigo de Delbert Hillers (“analyzing the abominable: Our Understanding of Canaanite religion,” The Jewish Quarterly Review 75 [1985]: 253–69), Hillers estava apenas argumentando de forma bem ampla sobre como os estudos Ugaríticos deveriam proceder enquanto objetava que o julgamento moral sobre o papel do historiador está deslocado em tais estudos.

 

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