Nós não odiamos o pecado – Por isso não
conseguimos entender o que aconteceu com os Cananeus
Um Adendo aos Argumentos do “Genocídio
Divino” no Antigo Testamento
[PARTE II]
Por
Clay Jones
Christian
Apologetics Program
Biola
University
La
Mirada, California
O Pecado dos Cananeus
Deus
diz a Israel em Deuteronômio 9:5 que não era por causa da “justiça ou
integridade” de Israel, mas “por causa da maldade dessas nações” que ele estava
expulsando os Cananeus. A Bíblia é inequívoca em relação aos pecados que eles
cometeram, incluindo idolatria, incesto, adultério, sacrifício de crianças,
homossexualidade e bestialidade.
A Prática da Idolatria entre os Cananeus
Não
há polêmicas aqui, os Cananeus adoravam outros deuses e não adoravam Yahweh.
Quando Israel passa a adorar como os Cananeus, Yahweh envia seus porta-vozes
proféticos e declara, por exemplo: “Houve alguma nação que trocasse os seus deuses, ainda que não
fossem deuses? Todavia o meu povo trocou a sua glória por aquilo que é de
nenhum proveito. Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai
verdadeiramente desolados, diz o Senhor.” (Jr 2:11–12; cf. 2:8).[6] O
Senhor zomba desses deuses feitos à mão; deuses que não podem falar e que
precisam ser carregados porque não podem andar.[7] O AT freqüentemente os
denuncia como nada mais do que paus ou cerâmica feitos por mãos humanas que não
podiam “ver, ouvir, comer ou cheirar” (Deuteronômio 4:28). Embora impotentes
para dar vida de fato, Yahweh declara que tais ídolos corroem fortemente aqueles
que os seguem e os imitam: se você seguir o que é inútil, você se tornará
inútil (cf. Jr. 2: 5, 10: 8 e Jn. 2:8).[8]
A
idolatria não é um mero passatempo religioso particular e individualista que
uma pessoa faz (por exemplo, “ele cometeu um ato de idolatria”). Pelo
contrário, a idolatria pode formar toda uma identidade de grupo e um estilo de
vida, porque quem comete idolatria o faz por ser idólatra. A idolatria é uma forma de adoração porque envolve
atribuir atenção e afeto a algo considerado digno. A adoração,
independentemente de seu objeto, é inescapavelmente formadora de toda uma vida.
Além
disso, o conceito de idolatria se presta a uma mentalidade e cultura
politeístas que tem consequências sociais generalizadas. Em tal contexto,
“adorar o único e verdadeiro Deus” é uma ideia moral, cultural e socialmente
pouco persuasiva (se não também repulsiva). Dentro
do politeísmo, uma pessoa não pode
ser idólatra. Se o politeísmo fosse verdadeiro, não faria sentido de que forma
alguém ou algum ato poderia ser considerado idólatra. Além disso, um seguidor
do politeísmo pode até se envolver alegremente em falsidades (por exemplo,
adorar divindades que são contraditórias) ou chamar algo “antinatural” de “natural”
(por exemplo, bestialidade), o que é evidenciado pela cultura Cananéia.
Os
Cananeus levam a sério o testemunho de Yahweh no AT e sua revelação, pelo menos
para transformar intencionalmente a representação bíblica de Yahweh em um
fracote castrado. Em sua dissertação na Universidade de Chicago, Ulf Oldenburg
resume as consequências formativas do politeísmo Cananeu:
Na
época do Êxodo hebraico, Ba'al já havia usurpado o poder de El [um dos nomes de Yahweh em Hebraico] em
Canaã. Quando El perdeu a força
dinâmica expressa em seu nome na religião Cananéia, ele se perdeu. A maioria
dos textos Ugaríticos o descreve como um pobre covarde, um covarde que abandona
a justiça para se salvar, o desprezo das deusas. Um texto [Cananeu] descreve El como um bêbado sujo com "seus
excrementos e urina" após um banquete.[9]
Se
o politeísmo é uma maneira de ser idólatra, mesmo que dentro do politeísmo ser
idólatra pareça estranho e incoerente, seria surpreendente que a idolatria
pudesse afetar negativamente a capacidade de uma pessoa avaliar com
responsabilidade? Sob tal influência, o “ciúme divino” e o ódio à idolatria
podem até parecer o resultado de um complexo de inferioridade divina necessária,
mesmo quando esse não é o caso, ou comandos contra a idolatria podem soar como
o resultado de um desmancha-prazeres cósmico que é um intrometido empenhado em
controlar criaturas livres e seus prazeres, mesmo que essa não seja a intenção
do ser divino. A idolatria acaba assaltando as pessoas com um delírio, mesmo
diante das evidências disponíveis em contrário.[10]
Acho
que Richard Dawkins exemplifica essa confusão quando reclama que “A ira
monumental de Deus sempre que seu povo flertava com um deus rival remete ao
pior tipo de ciúme sexual. . . .” [11] Mas, alguém acha que se a esposa de
Dawkins o deixasse por um boneco de gengibre feito por ela mesma, e então ela
começasse a dizer a todos que Dawkins gostava de brincar com seus excrementos, será
que Dawkins toleraria a caracterização de seus sentimentos como não mais do que
“ciúme sexual da pior espécie”?
Falando
sério, porém, tentei mostrar que a idolatria Cananéia - conforme evidenciado
por seu politeísmo - não era um assunto mesquinho, individualista e privado.
Essa mentalidade era teologicamente conducente (se não motivadora) à formação
de práticas Cananéias, incluindo as práticas de incesto, adultério, sacrifício
de crianças, homossexualidade e bestialidade, de modo que essas práticas não
são incoerentes com a idolatria Cananéia.
____________________
Fonte:
PhilosoPhia
Christi Vol. 11, No. 1 © 2009,
pp. 52 – 72
Tradução
Walson Sales
____________________
Notas:
[6] Jr.
2:11–12. todas as citações das escrituras da Nova Versão Internacional, salvo
indicação em contrário. [isso no texto original. O tradutor do artigo citou a
ACF na maioria dos casos].
[7]
Jr. 1:16 e 8:2–5.
[8] Com
relação à idolatria, Joseph Gorra fez este comentário para mim: “No entanto,
como é tragicamente irônico, mas não acidental, que na própria maneira de
atribuir valor a coisas sem valor, o que é sem valor confere inutilidade
àqueles que atribuem o devido valor. Que vazio cíclico!”
[9] CH.
Virolleaud, “Un Conte populaire de ras shamra: Le banquet du Père des dieux,” Comptes rendus du Groupe linquistique
d'Études chamitosémitiques 9 (maio de 1962): 51–2, citado em Ulf Oldenburg,
The Conflict Between El and Ba'al em
Canaanite Religion (Leiden, Holanda: E. J. Brill, 1969), 172. Oldenburg
comenta mais tarde que “El e Yahweh eram originalmente idênticos e não dois
deuses originalmente diferentes que foram identificados secundariamente. Além
disso, concluímos que Yahweh foi identificado com El em sua glória e
onipotência originais, antes que o conhecimento de El fosse corrompido pela
apostasia Cananéia” (175). Em uma nota de rodapé nesta mesma página, Oldenburg
comenta que “tive que mudar minha opinião a esse respeito” (ver também 183-4). Assim
também Marvin Pope: “Na medida em que YHWH foi identificado com El, os Israelitas
certamente não reconheceram ou admitiram tal degradação representada nos mitos Ugaríticos.
. . . A luta entre o Yahwismo e o Baalismo em Israel foi precedida por vários
séculos em Ugarit por um conflito entre El e Baal no qual o Deus mais jovem foi
vitorioso.” El foi “banido” para o “mundo inferior” por Baal (Marvin H. Pope, El in the Ugaritic Texts [Leiden,
Holanda: E. J. Brill, 1955], 104).
[10] Ao
contrário das explicações delirantes do ciúme divino, veja Erik Thoennes, Godly Jealousy: A Theology of Intolerant
Love (Escócia: Christian Focus Publications, 2005).
[11] Richard Dawkins, The God Delusion (Boston: Houghton Mifflin, 2000), 243. Depois,
Dawkins escreve: “É impossível não se assombrar com a visão tão
extraordinariamente draconiana que se tem do pecado de flertar com deuses
rivais. . . . A farsa tragicômica do ciúme maníaco de Deus contra outros deuses
reaparece constantemente em todo o Antigo Testamento.” (246).
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