Nós não odiamos o pecado – Por isso não
conseguimos entender o que aconteceu com os Cananeus
Um Adendo aos Argumentos do “Genocídio
Divino” no Antigo Testamento
[PARTE
III]
Por Clay Jones
Christian Apologetics Program
Biola
University
La
Mirada, California
A Prática de Incesto entre os Cananeus
Como
todos os panteões do Antigo Oriente Próximo (AOP), o panteão Cananeu era
incestuoso. O deus El (considerado o pai dos deuses) teve setenta filhos com Aserá.
Dessa união nasceu Baal[12] e sua irmã Anat com quem Baal tinha relações
sexuais. Depois que Baal relatou a seu pai El que Aserá havia tentado
seduzi-lo, El encorajou Baal a fazer sexo com ela para humilhá-la, o que Baal
fez.[13] Baal também teve como consorte sua primeira filha, Pidray.[14] Nenhum
desses atos incestuosos dos deuses é apresentado de forma pejorativa [nos
contos pagãos dos Cananeus].
Embora
as primeiras leis Cananéias prescrevessem a morte ou o banimento para a maioria
das formas de incesto, após o século XIV a.C., as penas foram reduzidas a não
mais do que o pagamento de uma multa.[15] Essa descriminalização do incesto
coincidiu com os séculos entre a palavra de Deus a Abraão de que os pecados
daqueles que ali viviam “ainda não atingiram sua medida total”[16] e o Êxodo.
Ao adiar o julgamento, Deus expressou paciência e demonstrou que Seu julgamento
“não é caprichoso nem injustificado”. [17]
Mesmo
que o restante do AOP tenha legislado contra o incesto (afinal, resulta sempre em
crianças deformadas), isso não significa que as fantasias incestuosas fossem
consideradas abomináveis. Por exemplo, considere o livro de sonhos Egípcio
escrito para homens que lista muitos tipos de sonhos e os presságios associados
a eles. Começa com “Se um homem se vê em um sonho. . .
.
. . tendo relações sexuais com sua mãe: Bom. Seus companheiros vão ficar com
ele.
.
. . tendo relações sexuais com sua irmã: Bom. Isso significa que ele herdará
algo.
.
. . tendo relações sexuais com uma mulher: Ruim. Significa luto.[18]
Lembre-se
de que Sodoma era uma cidade Cananéia e, depois de ter sido destruída por sua
maldade, a próxima coisa que lemos é que as filhas de Ló embebedam Ló e fazem
sexo com ele.[19] Ló e suas filhas imitam as práticas sexuais da cultura Cananéia
e os Cananeus (e não acidentalmente) imitam suas divindades.
A Prática do Adultério entre os Cananeus
A
religião Cananéia, como a de todas do AOP, era uma religião de fertilidade que
envolvia a prática de sexo no templo.[20] Inanna/Ištar, também conhecida como a
Rainha dos Céus, “tornou-se a mulher
entre os deuses, patrona do erotismo e da sensualidade, do amor conjugal e também
do adultério, das noivas e prostitutas, travestis e pederastas.”[21] Jonathan
Tubb, curador da Síria-Palestina no Departamento da Ásia Ocidental do Museu
Britânico, aponta que “de acordo com textos de Ugarit, a prática do culto
envolvia sacerdotes provenientes de famílias sacerdotais e também prostitutas
sagradas, tanto homens quanto mulheres”. Tubb diz que Anat era
"promíscua" e que "El seduziu duas mulheres que deram à luz Dawn
e Dusk".[23]
Os
sacerdotes provavelmente participavam de seus rituais nus, e o sexo era
certamente uma grande parte das cerimônias.[24] Como escreve o professor Martti
Nissinen da Universidade de Helsinque, “o contato sexual com uma pessoa cuja
vida inteira foi devotada à deusa era equivalente à união com a própria deusa.”[25]
A
história de El praticando sexo com duas mulheres (ou deusas) termina com as
seguintes instruções: “que seja repetido cinco vezes pela companhia e pelos
cantores da assembléia”.[26] El foi sacramentalmente experimentado pela
comunidade nas orgias sexuais do culto da fertilidade que os profetas Hebreus
tão veementemente denunciaram.”[27]
Isso
não quer dizer que o adultério não fosse contra a lei. Em grande parte, era -
para a mulher casada. Para o homem, não era ofensa fazer sexo com uma mulher
solteira. “O adultério era então uma ofensa não contra a própria esposa de um
homem, mas contra o marido da mulher culpada, e ele poderia tolerar e aceitar
uma compensação; mas a mera fornicação não era ofensa para o homem, casado ou
solteiro. Havia então liberdade quase absoluta para o marido, mas não para a
esposa.”[28]
Lise
Manniche, professora de Egiptologia na Universidade de Copenhague, aponta que
no Egito o adultério “floresceu nas classes mais baixas”.[29] Gwendolyn Leick,
pesquisadora de Assiriologia da University of the Arts de Londres, escreve que,
“na Mesopotâmia, onde todo comportamento sexual estava sob os auspícios de
Inanna/Ištar, atos sexuais fora do casamento podiam ser tolerados e até certo
ponto institucionalizados. A deusa está ligada à prostituição em várias
composições.”[30] Claro, não há razão para supor que os Cananeus, situados
entre o Egito e a Mesopotâmia, não estivessem fazendo o mesmo.
____________________
Fonte:
PhilosoPhia
Christi Vol. 11, No. 1 © 2009,
pp. 52 – 72
Tradução
Walson Sales
____________________
Notas:
[12] Outros
textos dizem que ele veio de Dagon.
[13]
Para a história de Baal fazendo sexo com Aserá, veja: “El, ashertu and the
storm-god”, trad. Albrecht Goetze,
ed. James B. Pritchard, em The Ancient
Near East: Supplementary Texts and Pictures Relating to the Old Testament
(Princeton: Princeton University Press, 1969), 519.
[14] W. F. Albright, Yahweh and the Gods of Canaan: A Historical Analysis of Two Contrasting
Faiths (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1968), 145.
[15] Isso
coincide bem com os que dão uma data posterior para o Êxodo. O debate sobre a data do Êxodo foi recentemente
retomado no Journal of the Evangelical
Theological Society (ver particularmente Rodger C. Young e Bryant G. Wood,
“A Critical Analysis of the Evidence from Ralph Hawkins for a Late-Date Exodus
- Conquest,” Journal of the Evangelical
Theological Society 51 [2008]: 225–44, e Ralph K. Hawkins, “The Date of the
Exodus-Conquest Is still an Open Question: a response to Rodger Young and Bryant
Wood,” Journal da Evangelical Theological
Society 51 [2008]: 245–66). Harry Hoffner escreve que a
partir do século XV ou XIV a.C. “várias cidades e vilas dentro da esfera de
controle dos Hititas tinham diferentes tradições em relação à punição de hurkel [ofensa sexual relativa a incesto
ou bestialidade]. Alguns executavam o(s) ofensor(es), outros baniam. Do século
17 ao 14, nenhum documento Hitita registra qualquer opção para uma cidade além
de executar ou banir.” Mas, escreve Hoffner, “é, portanto, muito interessante
que recentemente tenham aparecido tabuletas e entradas de catálogos de
bibliotecas para tabuinhas contendo rituais para remover a impureza de um homem
acerca do pecado de bestialidade e incesto. Pois isso constitui evidência
primária para um maior desenvolvimento na atitude legal-religiosa em relação ao
incesto e à bestialidade entre os Hititas” (Harry a. Hoffner, Jr., “Incest,
sodomy and Bestiality in the Ancient Near East” Orient and Occident: Essays Presented to Cyrus H. Gordon on the Occasion
of his Sixty-fifth Birthday, ed. Harry A. Hoffner, Jr. [Alemanha:
Neukirchen Vluyn, 1973], 85). Hoffner aponta que, com o tempo, um pássaro era
“oferecido não a uma divindade, mas por um aspecto do pecado ou seu efeito:
pelo pecado, pela maldição, pela raiva, pelo choro; ou por algum aspecto da
esperada reconciliação: pela paz (takšul).”
Depois do século XIV, as leis mudaram para que “o ofensor humano pudesse
continuar a viver na cidade sem trazer sobre ela a ira dos deuses”(90). “O
mesmo padrão de amenizar as penalidades mais antigas e rigorosas e
substituí-las por multas simples pode ser visto repetidas vezes nas próprias
leis Hititas”(90n). Isso também coincide com o que William F. albright disse
que estava acontecendo no Egito na época do Êxodo, onde “reis Egípcios como
Akhenaton e Ramsés II se casaram com uma ou mais de suas filhas nos séculos XIV
e XIII a.C.” (albright, Yahweh and the Gods of Canaan, 128).
[16] Gn 15:16.
[17] Kenneth A. Matthews, Genesis 11:27–50:26, The New
American Commentary, vol. 1b (Nashville, TN: Broadman e Holman, 2005), 175.
[18] Papyrus Chester Beatty III recto (BM10683) de
mais ou menos 1.175 a.C., citado em Lise Manniche, Sexual Life in Ancient Egypt (London: Routledge, 1987), 100.
[19] Gn.
19:30–8.
[20]
Morriston aponta que não ouvimos sobre a prostituição no templo de Ugarit, mas
desde que o AT testifica disso e foi algo desenfreado durante o resto do AOP,
então o que mais precisamos? Eu chamo isso de sexo no templo, em vez de
prostituição no templo, para evitar a controvérsia recente sobre se era
prostituição ou apenas sexo. alguns hoje argumentam que nunca foi prostituição,
mas acho que seus argumentos fogem da questão. Por exemplo, Stephanie Lynn
Budin escreve: “O que é importante lembrar, no entanto, é que a prostituição
sagrada não existia” (Budin, The Myth of
Sacred Prostitution in Antiquity [Londres: Cambridge University Press,
2008], 3). O que Budin quer dizer é que a prostituição sagrada nunca, jamais,
aconteceu em todo o AOP. Nem uma vez. Mas argumentar que a profissão mais
antiga do mundo nunca esteve envolvida, onde abundam as práticas sexuais e a
ganância, está quase além da compreensão. A única maneira de argumentar que a
prostituição sagrada nunca ocorreu é minimizar absolutamente todos os relatos
dela e a única maneira de fazer isso é já saber que ela nunca aconteceu e,
portanto, argumentar em círculos. Mas Budin faz isso. Ela desconsidera o
testemunho cristão primitivo de Paulo a Clemente, de Atanásio e Agostinho como
nada mais do que uma polêmica autointeressada apresentando o paganismo “sob a
pior luz possível” (261) e, portanto, conclui que “referências à prostituição
sagrada” não são “evidências históricas” mas “retórica condenatória” (261).
“Duvido que muitos dos autores que contribuíram para o mito da prostituição
sagrada acreditassem inteiramente no que escreveram. . . . Mas, no final das
contas, o que é mais importante para o surgimento do mito é que seus leitores
acreditaram no que escreveram. . .” (286). Ela também descarta o relato de
Heródoto simplesmente afirmando que ele o inventou. Ela admite que “extensas
escavações arqueológicas . . . mostraram que muitos dos relatos de Heródoto
estavam corretos. . . .” Mas ela argumenta que Heródoto deve ter inventado parte
disso. Seu exemplo “mais claro” dessa alegada invenção ocorre no livro 3.79-83,
“em que Heródoto relata o debate travado por três Persas sobre a melhor forma
de governo: democracia, oligarquia ou monarquia. O fato de Heródoto ter acesso
a essa “transcrição” parece improvável ao extremo, enquanto os argumentos
apresentados parecem muito mais com debates políticos Gregos. . . .” (61).
[21] Gwendolyn Leick, Sex and Eroticism in Mesopotamian Literature (Nova York: Routledge,
1994), 57 (ênfase no original).
[22] Jonathan N. Tubb, The Canaanites (Norman, OK: University of Oklahoma Press, 1998),
76.
[23]
Tubb, The Canaanites, 74. Não está
claro se eles eram deuses ou mortais. Ver
Marvin H. Pope, El in the Ugaritic Texts
(Leiden, Holanda: E. J. Brill, 1955), 35–6.
[24] Walther Hinz, The
Cambridge Ancient History: History of the Middle East, 3ª ed., ed. I.E.S.
Edwards, C. J. Gadd e N. G. L. Hammond (Londres: Cambridge University Press,
1971), vol. 1, parte 2, 672. “Desde os primeiros dias, inúmeros
sacerdotes com os servos estavam ligados aos edifícios do templo na acrópole de
Susã. aparentemente, eles realizaram suas cerimônias nus, a julgar pelos selos Elamitas
e vários pequenos achados do estrato D de Susã em diante - isso é antes da
época do império Acadiano. Uma escultura de betume da época mostra sacerdotes
nus com um cordeiro sacrificado, coroados com um par de cobras. Em um selo do
governador Eshpum (cerca de 2.300, no reinado de Manishtusu), os sacerdotes são
reconhecíveis vestindo nada além de uma coroa de chifres e, em alguns casos,
uma cobertura de lombo em forma de cobra.” Ver também H. Ringgren, “Kohen,” no Theological Dictionary of the Old Testament (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1995), 7:63: “No templo de Inanna, havia eunucos e prostitutas para o
culto da deusa do amor. As primeiras representações pictóricas mostram que os
sacerdotes costumavam ficar nus quando realizavam seus deveres.”
[25] Martti Nissinen, Homoeroticism in the Biblical World: A Historical Perspective,
trad. Kirsi Stjerna (Minneapolis: Fortress, 1998), 33.
[26] John Gray, The
Legacy of Canaan (Leiden, Holanda: E. J. Brill, 1965), 101, 102.
[27] Ibid., 101.
[28] Godfrey Rolles Driver e John C. Miles, The Assyrian Laws (Alemanha: scientia
Verlag Aalen, 1975), 38.
[29] Manniche, Sexual
Life in Ancient Egypt, 60.
[30] Leick, Sex
and Eroticism in Mesopotamian Literature, 151. Em um
diálogo entre um homem e Nanâ, ele diz a ela: “Quando (você) se curva, os
quadris são doces.” “Quando estou de pé contra a parede – custa um cordeiro,
quando me curvo custa um shekel e meio'” (B. Alster, “Two sumerian short Tales
and a Love Song Reconsidered,” Zeitschrift
für Assyriologie 82 [1993]: 186–201, citado em Leick, Sex and Eroticism in Mesopotamian Literature, 149). Leick continua
escrevendo que “Aqui temos um caso que parece desprovido de sentimento
romântico ou paixão, já que o ato sexual se torna uma transação a ser paga”
(150). Para saber mais sobre prostituição, consulte Leick, Sex and Eroticism in Mesopotamian Literature, 162.
Nenhum comentário:
Postar um comentário