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quinta-feira, 21 de abril de 2022

Uma Oração para as Missões Mundiais

  

Thomas O. Summers

 

Em seu livro  The Golden Censer: An Essay on Prayer  (1859), Thomas Summers definiu a oração como “A apresentação de nossos desejos a Deus, de coisas agradáveis à sua vontade, em nome de Cristo, através da assistência de seu Espírito, com a confissão de nossos pecados e grato reconhecimento de suas misericórdias.” Summers também apresentou a seguinte oração para um encontro missionário:

 

Consideramos um privilégio, ó Senhor, que possamos trabalhar para o progresso de tua causa. De nós mesmos não podemos fazer nada mas tu podes comandar sucesso nos mais débeis esforços. Está presente em nosso encontro. Nos excita ao zelo e à oração.

 

Concede, ó Deus, sobre tua Igreja um período pentecostal. Despeja sobre nós teu bom Espírito dos céus, e faze de um deserto um campo frutífero. Que ele possa novamente convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Que possa haver rápida e amplamente uma agitação entre os ossos secos. Que um interesse santo a respeito das coisas eternas possa ocupar o lugar da indiferença. Que o clamor seja ouvido dos quatro cantos – Que faremos, homens irmãos? Que os homens possam olhar para aquele que crucificaram e lamentar. Que eles possam buscar refúgio na esperança que o evangelho revela. Que eles possam crer com o coração para justiça e com a boca fazer confissão para salvação. Que eles possam se apegar ao Senhor com pleno propósito de coração, e seguir o Cordeiro, imitando as pegadas que ele deixou durante sua permanência sobre a terra.

 

Reconhece, ó Senhor, e honra tua própria verdade diante dos filhos dos homens. Vindica tua causa. Toma para ti mesmo teu grande poder e reino. Que as nações os reivindiquem para ti. Que a terra seja repleta de teu conhecimento assim como as águas cobrem o mar. E ao Pai, Filho e Espírito, um único Deus, seja toda a glória, agora e para sempre.

 

Tradução: Paulo Cesar Antunes

 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Deus Se Importa Com as Pessoas: Uma Perspectiva Pentecostal de Lucas/Atos

  

Craig S. Keener

 

Everett e Esther Cook eram plantadores de igrejas pentecostais, aposentados, do oeste dos Estados Unidos. Eu os encontrei quando estavam à frente do Springfield Victory Mission, em Missouri, utilizando a renda da aposentadoria da Brother Cook. Everett e Esther Cook mentorearam alguns alunos do Central Bible College, inclusive eu. Eu ajudava na missão, colocando em prática o que estava aprendendo com a Bíblia e com o livro de Ronald Sider intitulado Rich Christians in Age of Hunger (Cristãos Ricos em Tempos de Fome).

 

O ministério dedicado aos pobres tem sido sempre uma ênfase pentecostal importante – a começar no Dia de Pentecostes. Depois do primeiro derramar do Espírito de Deus e da pregação pentecostal de Pedro, os cristãos passaram a viver sob a outorga de poder pelo Espírito (At 2.41-47). Isso incluía não somente sinais e maravilhas, oração corporativa e devoção ao ensino dos apóstolos, mas um estilo de vida radicalmente novo de servir e compartilhar. Porque aqueles cristãos amavam seus irmãos cristãos mais do que amavam suas posses, estavam predispostos a dividi-las para atender a necessidade de outros (At 2.44). Sempre que alguém se encontrava em necessidade, aqueles que possuíam mais que o suficiente para viver vendiam o que tinham a mais para atender à necessidade de outros (2.45). Quando lemos a respeito de koinonia (comunhão) em Atos 2.42, às vezes pensamos somente em bater um papo depois de um culto (agradável como é), porém, os “irmãos” cristãos iam além do mero bate-papo para se envolverem profundamente na vida e na necessidade uns dos outros. O termo grego koinonia aparece em documentos comerciais antigos para parceiros econômicos e acionistas e, às vezes, carrega este significado no Novo Testamento também (2Co 8.4; 9.13). Paulo comumente utilizava o verbo com este significado (Rm 12.13; 15.27; Gl 6.6, Fp 4.15).

Depois de a igreja orar, ao enfrentar perseguição, para que lhes concedesse coragem através de sinais e maravilhas, Deus derramou Seu Espírito mais uma vez. Um dos resultados deste derramamento foi os cristãos novamente cuidarem dos necessitados entre eles (4.31-37). Este padrão de cuidado com os pobres prosseguiu no Livro de Atos (por exemplo, 9.36-39), finalmente atravessando fronteiras culturais para servir outros grupos de necessitados cristãos na mesma cidade (6.1-6) e em fronteiras geográficas para servir igrejas necessitadas em outras localidades (11.29-30; 24.17). Esse ministério prosseguiu além da conclusão do Livro de Atos e além da preocupação com os irmãos cristãos (exemplo: Tg 5.4-5, Am 2.1), embora necessariamente tivesse que começar lá. Em meados do século II, os pagãos ricos começaram a instigar os cristãos a não cuidarem somente de seus próprios pobres, mas também os do mundo pagão. Enquanto os pagãos ricos reclamavam, a Igreja estava convertendo a maioria empobrecida de seus impérios.

Onde os primeiros cristãos aprenderam a servir uns aos outros dessa maneira? O Espírito deu-lhes o poder para sacrificar em prol do Reino. O aspecto mais proeminente de Seu fruto em nossas vidas é o amor (Gl 5.22). Mas o ensino e o exemplo de Jesus mostravam-lhes como o amor pode ser concretamente expresso e o Evangelho Segundo Lucas apresenta este ensino com riqueza de detalhes. Porque Lucas escreveu para que fossem lidos juntos o Evangelho Segundo Lucas e o Livro de Atos, conseguimos entender melhor o estilo de vida radical de serviço compassivo da primeira igreja pentecostal, e o que as nossas igrejas deveriam ser, examinando-se o ensino do Evangelho que a conduzia a isso.

 

A MISSÃO DE JESUS PARA O POBRE

 

Os escritores antigos, assim como os modernos, normalmente pautavam logo no início sua tese central e sintetizavam os pontos centrais em seus trabalhos. Muitos eruditos consideram Lucas 4.18-27 como o sermão programático do Evangelho Segundo Lucas, da mesma forma que Atos 1.8 e 2.17-21 expõe os temas a serem tratados no Livro de Atos. Os temas desta passagem (Jesus sendo ungido pelo Espírito, At 4.27; 10.38) são apresentados mais tarde em Lucas-Atos. A menção a Jesus pelo ministério de profetas anteriores para uma viúva estrangeira e um leproso prefigura não somente Seu próprio ministério a viúvas e leprosos no Evangelho (por exemplo, Lc 5.12-13; 7.12), mas também o ministério da Igreja para gentios no Livro de Atos. Jesus cumpriu a promessa de Isaías de que Ele pregaria as boas-novas aos pobres (Lc 6.20-25) e, mais tarde, disse a João que os sinais do Reino incluem os pobres ouvindo as boas novas (Lc 7.22).

Como a missão de Jesus no Evangelho Segundo Lucas nos afeta? Porque o batismo de Jesus no Espírito e a missão no Evangelho Segundo Lucas prefiguram a experiência e o ministério da Igreja em Atos, Seu modelo e missão permanecem válidos para Seus seguidores. Embora o enfoque no segundo volume de Lucas seja especialmente o evangelismo transcultural com outorga do Espírito (missões, At 1.8), o ministério aos pobres que sucedeu os derramamentos do Espírito demonstram que esta ênfase no Evangelho permanece válida para a igreja de hoje também (At 2.44, 45; 4.32-34). Nós somos chamados primeiramente para evangelizar o mundo; mas somos chamados também para cuidarmos do mundo que estamos evangelizando.

Jesus anunciou Sua missão baseado em um texto das Escrituras extraído de Isaías (Is 61.1-2 em Lc 4.18, 19). Seus ouvintes, conhecedores também do Livro de Isaías, estariam portanto familiarizados com a ênfase do profeta em cuidar dos pobres e estabelecer justiça na sociedade. Se Israel negligenciasse estas questões, seus rituais religiosos não impressionariam a Deus de forma alguma e Ele não consideraria suas orações (Is 1.11-17; 58.5-7). Isaías denunciou aqueles que estavam oprimindo o pobre (por exemplo, Is 10.2), preocupados somente com acumular mais para si (Is 5.8); exortou os líderes da sociedade, que deveriam ter estabelecido justiça com maior responsabilidade (Is 3.14, 15). Outros profetas também vindicavam justiça, inclusive Amós, um dos contemporâneos de Isaías (por exemplo, Am 2.6, 7). Tanto quanto Isaías, Amós arrazoava que os sacrifícios e a religião exterior são vãos, a menos que trabalhemos para transformar a sociedade moralmente, estabelecendo justiça para aqueles que estão sendo maltratados (Am 5.21-24). Assim como o primeiro público de Jesus, nós estamos familiarizados com outras passagens relevantes dos profetas; por exemplo, defender os direitos dos necessitados é intrínseco ao nosso relacionamento com Deus (Jr 22.16). Entre os pecados de Sodoma estava o de ignorar o pobre (Ez 16.49); e mesmo um reino pagão poderia estender sua longevidade ao demonstrar misericórdia para com os necessitados (Dn 4.27).

O público de Jesus na sinagoga estava também familiarizado com uma passagem anterior na Lei, à qual o próprio Isaías pode ter feito alusão. A “liberdade aos cativos” e o “ano do Senhor” de Isaías 61.1, 2 deveria ecoar como ensino bíblico sobre o Ano do Jubileu (Lv 25). Porque a economia de Israel antigamente era agrária, baseada na propriedade da terra, somente aqueles que detinham terra poderiam ter a esperança de gerar seu próprio sustento. Quando algumas pessoas no mundo antigo provavam-se incapazes de sustentar a si mesmas ou eram vendidas como escravas para liquidar suas dívidas ou a porção de terra do qual dependiam era vendida. Enquanto em Israel predominava o mesmo sistema, Deus lhe reservava um plano especial. Uma vez em cada geração, todas as dívidas eram baixadas. Significava que cada geração poderia recomeçar e todo mundo partiria da mesma base para gerar seu sustento. A pobreza não se tornava um ciclo entre as gerações que mantivesse uma classe inteira de pessoas reféns permanentes de uma subclasse. Não vivemos de fato em uma sociedade agrária; para muitas pessoas hoje a educação, o conhecimento de informática e outras fontes são mais relevantes para se ganhar a vida do que a terra. Porém, os princípios básicos de buscar justiça para o nosso próximo permanecem os mesmos.

Jesus mencionou este texto porque descrevia acuradamente a Sua missão. Isaías falou sobre o ungido pelo Espírito para Sua missão e Jesus havia acabado de experimentar esta unção. O Espírito desceu sobre Jesus em Seu batismo (Lc 3.21, 22), conduziu-O ao deserto (4.1), onde foi provado, e O fez retornar (4.14). Jesus também ministraria aos grupos apresentados por Isaías: os pobres, os cativos (Lc 13.15, 16), o cego (7.21, 22; 18.35-43) e o oprimido (incluindo outros grupos marginalizados). Destes grupos, o Evangelho Segundo Lucas enfoca especialmente os pobres. A ênfase de Jesus no cuidado para com o necessitado em Seu exemplo e ensino explica porque os primeiros cristãos depois do Pentecostes sabiam como levar adiante sua missão.

 

ENSINOS SOBRE PARTILHAR RECURSOS NO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS

 

João Batista, que preparou o caminho para Jesus, pregou o arrependimento como o caminho para preparar para a vinda do Reino (Lc 3.3-8), exatamente como Pedro pregaria no dia do Pentecostes (At 2.38). O que envolvia este arrependimento, em termos práticos? Quando as multidões fizeram a João esta mesma pergunta, ele respondeu que a pessoa que tivesse duas túnicas deveria dar uma a quem não tivesse nenhuma (Lc 3.10, 11). Alguns campesinos que ouviam João poderiam ter uma túnica somente, mas muitos poderiam ter duas. Podemos imaginá-los sentindo-se desconfortáveis com este pedido de sacrifício.

Leitores modernos costumam interpretar a passagem como hipérbole (isto é, uma afirmação retórica exagerada para reforçar um ponto). É, na verdade, possível ler esta passagem como hipérbole, mas somente se mantivermos em mente que o propósito da hipérbole seja o de comunicar graficamente um ponto básico, não permitir que simplesmente releguemos o ponto, dizendo: “Esta passagem é apenas uma hipérbole!”. O ponto de pregação de João é o que precisamos para cuidar de outras pessoas mais do que cuidamos de nós mesmos; e, se tivermos mais que o necessário, devemos estar prontos para compartilhar com aqueles que têm menos do que precisam.

Em uma cultura onde as pessoas avançavam convidando amigos ou outras pessoas honoráveis para banquetes, Jesus enfatizou convidar os pobres e renegar os que não poderiam reembolsar seus anfitriões (Lc 14.13-21). Como recursos compartilhados com os necessitados que ajuntaram tesouro no céu (12.33-34), os convites para esta ceia procuravam uma recompensa mais elevada que aquela disponível nesta terra. Convide aqueles que não podem recompensar você, disse Jesus, e Deus lhe recompensará no julgamento (14.14). Quando enviou seguidores para Sua primeira missão evangelística, Jesus instruiu-os a curar os enfermos e também a viajarem com simplicidade, vivendo com a simplicidade dos pobres em meio aos quais estariam ministrando (Lc 9.3; 10.4). (Aproximadamente entre 70 e 90% dos galileus eram camponeses empobrecidos. Pescadores não eram homens tecnicamente ricos, mas estavam em melhor situação que muitos outros galileus). Era para focarem no serviço e não no status ou na remuneração.

Embora mostrasse grande compaixão pelos necessitados e recebesse de bom grado os pecadores confessos, Jesus era muito mais severo com as pessoas que se davam por satisfeitas em termos sociais ou religiosos. Quando estou mais satisfeito, fico com frequência mais complacente e preciso de palavras mais firmes para dimensionar a minha atenção. Eu desconfio que muitas outras pessoas, lá atrás e ainda hoje, ficam semelhantemente mais expostas a riscos quando a vida torna-se confortável. Felizmente, Jesus não poupou palavras que mexessem com a complacência de seus ouvintes. Ele falou sobre um tolo rico que acumulava bens em lugar de cuidar da necessidade do próximo; ao invés de ajuntar tesouro para si mesmo no céu, ele deixou para trás sua riqueza quando foi para o inferno (Lc 12.16-21). Jesus não nos diz exatamente porque um outro homem rico foi para o inferno (Lc 16.23), mas se fornece qualquer dica, esta se trata de que o homem deixou Lázaro literalmente morrer de fome no beiral de sua porta. Jesus dirigiu a parábola a alguns religiosos não salvos que “amavam o dinheiro” (16.14). Que alguém muito pobre morra de fome em nossa porta não necessariamente livra-nos de embaraços. Nossa sociedade é tão sofisticada que permite os mortalmente pobres perto de nossas portas, porém, se conhecermos tais necessidades, permanecemos responsáveis.

Os conselhos de Jesus para cuidarmos dos pobres não implicam que sejamos justificados por obras; a Bíblia é clara ao dizer que somos justificados pela fé somente. Mas conhecemos muitos crentes nominais, pessoas que se denominam cristãs ainda que nunca o demonstrem pelo seu modo de viver. Para todos os escritores do Novo Testamento, a genuína fé salvadora, como a genuína compaixão cristã, deve ser expressa de maneiras concretas. Tiago alerta que a fé não acompanhada por ação concreta não é a genuína fé salvadora (Tg 2.14). Ele ilustra esta verdade ao perguntar: “Se um irmão ou uma irmã não tiver roupa para vestir nem comida para comer e um de vocês disser: ‘Que você fique bem, que você seja aquecido com roupas e que seja satisfeito com comida’, mas não fornece nenhuma assistência prática, que ajuda concreta deu? Assim também a fé sem obras para a demonstrar é morta”. (Tg 2.15-17, paráfrase minha).

A pregação de Jesus tampouco significa que Ele fosse contrário ao rico. Não se trata de o quanto de dinheiro se pudesse ter, mas do que fazer com o que se tinha. Jesus despendia tempo considerável ministrando a coletores de impostos. Embora social e moralmente marginalizados, esses coletores não eram em geral marginalizados economicamente.

Eles sempre tomavam uma porção farta do que Roma ou Herodes Antipas exigia dos pobres e eram, às vezes, brutais na arrecadação de fundos. Algumas vezes ficaram conhecidos por bater em velhas senhoras para descobrir onde estavam seus filhos, responsáveis pelo pagamento de impostos, que haviam fugido. Sua má reputação crescia de tal forma que algumas vilas no Egito, deixando de pagar os próprios impostos, abandonavam suas casas e começavam novas vilas em quaisquer outros lugares ao ouvirem que os coletores de impostos estavam chegando. Os coletores de impostos estavam entre as pessoas ricas que oprimiam os camponeses galileus a quem Jesus também ministrava, porém Jesus estendeu o braço para os coletores também.

Jesus disse que uma pessoa rica passar para o Reino era como um camelo passar pelo buraco de uma agulha. (Apesar de os melhores esforços de alguns escritores modernos para contornar isto, o buraco de uma agulha significava a mesma coisa que significa hoje: o proposto portão de Jerusalém “buraco da agulha” não estava construído até a Idade Média). Jesus provavelmente estava recorrendo a uma hipérbole, entretanto, porque alguns ricos não O haviam seguido. Zaqueu, um rico coletor de impostos, deu metade de seus bens aos pobres e ofereceu-se para restituir quatro vezes mais a quem havia ludibriado (o que possivelmente diminuiu uma porção considerável da outra metade; Lc 19.8). O rico José de Arimateia foi além do compromisso dos discípulos mais imediatos de Jesus perguntando diretamente a Pilatos sobre o corpo de Jesus. Identificar-se publicamente com alguém crucificado acusado de traição (clamando ser “Rei dos Judeus”) era arriscar a vida, mesmo que pertencesse à aristocracia.

 

AS EXIGÊNCIAS DE JESUS PARA TODOS OS DISCÍPULOS

 

Tampouco deveríamos supor que Jesus faz exigências somente para os ricos. Normalmente nós temos nossas maneiras de ler as exigências de Jesus lá atrás sem pensar que tenham qualquer coisa a dizer-nos. Assim como pontuou Dietrich Bonhoeffer, quando Jesus ordenava a um legislador rico que desse todos os seus bens aos pobres (Lc 18.22), normalmente despendemos mais tempo explicando que Jesus estava dirigindo-se somente a aquele legislador do que nos perguntando que implicações o versículo poderia ter para nós. Bonhoeffer era um teólogo alemão que morreu por sua campanha contra Hitler. Ele leu a Bíblia com a mesma coragem que viveu, reclamando que muito frequentemente os teólogos ajudam a contornar os ensinos de Jesus ao invés de ajudarem a obedecê-los.

Contrário ao que normalmente assumimos, Jesus falou não somente àquele jovem rico, mas a todos os Seus discípulos, para que vendessem seus bens e ajuntassem tesouros no céu (Lc 12.33). Jesus não achava, como alguns têm alegado, que o dinheiro era mau; antes, o dinheiro simplesmente não tinha valor comparado aos investimentos eternos que podemos fazer na vida de outras pessoas (Lc 16.9-13). Ele prometeu que Deus suprirá nossas necessidades se buscarmos o Seu reino (12.22-32) e convidou a nos prepararmos para o Reino investindo parcialmente nossos recursos naquilo que realmente importa (12.33-40).

Charles Finney, um evangelista do século XIX que levou talvez um milhão de pessoas a Cristo, pregou sobre Lucas 14.33 em uma rica igreja de Boston. Nesta passagem, explicando o custo do Reino, Jesus alertou que ninguém pode ser Seu discípulo aquele que não renunciar às suas posses (14.33). O pastor, Lymam Beecher, encerrou o sermão de Finney assegurando à congregação que Deus jamais lhes pediria que desistissem de suas posses; eles simplesmente precisavam estar “desejosos” de fazê-lo. Finney disse que Deus pode exigir de nós o que quiser; nós não perdemos todos os nossos bens no momento da conversão, mas perdemos a propriedade sobre eles. Finney entendia que se Cristo for verdadeiramente Senhor de nossa vida, Ele é também Senhor de tudo o que temos.

Assim como pescadores e primeiros discípulos de Jesus (Lc 5.10,11), muitos de nós no ministério deixamos para trás carreiras alternativas potencialmente lucrativas para atender ao chamado de Deus; temos mostrado que valorizamos o Reino acima dos tesouros da terra. Além disso, é mais confortável até mesmo para nós olharmos a outra forma em vez de dolorosamente confrontar o sofrimento além das esferas imediatas de ministério.

Segundo algumas estatísticas, 35.000 crianças morrem diariamente de má nutrição e doenças passíveis de prevenção, mas esses números são insensíveis e abstratos demais para que nos atenhamos emocionalmente. Para colocar estas questões em uma perspectiva um pouco mais gráfica, nós ficamos com razão exasperados no assassinato de 3.000 seres humanos nas Torres Gêmeas na cidade de Nova York. Porém, 35.000 é mais que dez vezes o número de crianças morrendo todos os dias. A distância não deveria diminuir a compaixão; Paulo incitava a igreja em uma parte do mundo a cuidar da igreja em outras partes do mundo (Rm 15.26; 2Co 8.13, 14).

As estatísticas não são tão tenebrosas em nosso próprio país, mas para centenas de milhares de pessoas sem teto, incluindo adolescentes fugitivos frequentemente forçados à prostituição, as implicações aqui não são menos perturbadoras. Por mais úteis que as estatísticas sejam, a Palavra de Deus e nosso engajamento com a genuína necessidade humana nos moverá mais que qualquer soma de estatística consegue, porque Deus colocou o Seu amor em nossos corações. As Escrituras lembram-nos que Cristo deu Sua vida por nós e perguntam como podemos nos recusar a cuidar de nossos irmãos e irmãs em Cristo necessitados (1Jo 3.16, 17). Nos anos iniciais na missão em Springfield, Missouri, e nos anos mais recentes de ministério, vivendo em alojamento de projetos normalmente pobre e infestado de drogas, deparei-me com rostos que eu não poderia ignorar com a mesma facilidade que consigo alhear-me das estatísticas.

Jesus chama para sacrificarmos nossas vidas pelo Seu Reino; parte do que significa servir ao Seu Reino é encontrar a necessidade humana, porque as pessoas são o que duram para sempre, se forem pessoas que já são nossos irmãos e irmãs que Deus deseja que sejam (isto é, todo mundo; 1Tm 2.4; 2Pd 3.9). A partir de ministérios como o Teen Challenge to Calcutta’s Mission of Mercy (Desafio Jovem para a Missão de Misericórdia de Calcutá), nossas obras de compaixão também revelam Cristo em formas que chamam a atenção do mundo para o nosso Mestre. Possa o Espírito outorgar-nos poder hoje, como no primeiro Pentecostes, para revelar Seu coração ao mundo.

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Missões: A Prioridade de Deus

 Russell P. Shedd

 

Lucas relata que Jesus, depois de ressuscitar, reuniu seus discípulos e falou-lhes duas coisas. A primeira foi que o Antigo Testamento ensinava claramente que o Messias tinha de morrer e ressuscitar. Em seguida, acrescentou que o evangelho seria pregado a todas as nações.

O ensino que Jesus transmitiu aos discípulos após a ressurreição deve ter sido uma novidade para eles, mas estava claramente expresso no texto sagrado. Veja como Jesus falou: “Está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc 24.46, 47).

A ordem de fazer missões é muito clara no Novo Testamento, porém Jesus buscou no Antigo Testamento a base para essa declaração. Se lermos a Bíblia toda sem observar sua ênfase sobre missões, provavelmente a estamos lendo superficialmente, como eu lia o Antigo Testamento, sem notar a centralidade do plano de Deus para as nações. Agora penso de modo diferente. Foi uma mudança de paradigma para mim!

Leiamos alguns textos que Jesus poderia ter usado para comprovar que a tarefa de levar o evangelho a todas as criaturas, nações, línguas e povos não era uma novidade do primeiro século. Ela começou no coração de Deus e foi anunciada inicialmente no Antigo Testamento.

 

A finalidade da criação

 

O Antigo Testamento começa com a criação de tudo que existe. No centro de seu plano, Deus criou o homem – e todos nós – à sua imagem, por várias razões. O próprio Universo não existiu eternamente. Deus o criou com um propósito. O Universo teve início num momento da História – “no princípio” – e terminará no fim da História, após a segunda vinda de Cristo. Por que Deus decidiu fazer tudo que fez? Os cientistas ateus pesquisam a criação. Descobrem os segredos da natureza e como funcionam os processos e leis naturais, mas lamentam não saber a razão por que existe qualquer coisa, porém nós, cristãos, sabemos os motivos de o Universo e o homem existirem. Citaremos apenas cinco deles.

 

Primeiro motivo da criação

 

O primeiro motivo da criação foi o desejo de Deus de ter pessoas com quem pudesse desfrutar comunhão. Deus é social. Ele ama pessoas como nós – gente. Gente que conversa com ele. Ele queria alguém com quem pudesse conversar e de quem recebesse adoração. Por isso, criou-nos à sua imagem, para ter um relacionamento amoroso conosco. Isso se encaixa estreitamente na tarefa missionária. O propósito das missões tem seu fundamento nesse desejo de Deus. Cada pessoa que se converte hoje terá comunhão com ele eternamente.

 

Segundo motivo da criação

 

Deus é um Deus feliz. Deduzimos isso de uma frase de 1Tm 1.11, “o evangelho da glória do Deus bendito”. A palavra “bendito” (makârios, no grego) quer dizer “feliz” (compare com as bem-aventuranças). Ele queria compartilhar sua felicidade com o ser humano. As pessoas mais felizes da terra devem ser os missionários. Com certeza, divulgar as boas novas, obedecer à última ordem de Cristo, levar pessoas a conhecê-lo e, por conseguinte, poder entrar no gozo do Senhor é um trabalho glorioso e tem relação direta com o motivo de Deus ter criado a humanidade.

 

Terceiro motivo da criação

 

Deus nos criou para mostrar seu amor. Ele já amava o Filho, e o Filho amava o Pai, mas queriam um povo para demonstrar seu amor. Ele multiplicou a população da terra para revelar seu infinito amor. Ele derramou seu amor em nosso coração para que possamos também amar aqueles que Deus ama. Se você não é missionário, no sentido mais lato da palavra, talvez o amor de Deus tenha sido sufocado em sua vida. Não entrou na sua veia nem nas suas artérias, por isso não circula em seu coração o desejo de alcançar os perdidos. Deus criou homens e mulheres para compartilhar sua felicidade e demonstrar seu amor. Devemos responder e corresponder ao seu amor com grata obediência.

 

Quarto motivo da criação

 

Deus criou o mundo para ser glorificado por meio dele. Ele criou o ser humano à sua imagem para que este pudesse glorificá-lo por causa de sua graça. Ef 1.6 é uma passagem fundamental das Escrituras porque explica o motivo pelo qual Deus nos criou. Considere seriamente que, tanto a eleição antes da fundação do mundo quanto a predestinação para sermos filhos adotivos, aconteceu, segundo esse texto, “para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado”. Não é possível negar, à luz dessa passagem, que o propósito original no plano da criação foi que pessoas inteligentes e dotadas de emoção louvassem a graça gloriosa de Deus. Esse é o principal motivo das missões. Paulo escreveu aos coríntios: “Todas as coisas [os sofrimentos] existem por amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graças por meio de muitos, para glória de Deus” (2Co 4.15).

 

Quinto motivo da criação

 

Deus criou o homem para compartilhar com ele sua santidade. “Sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11.44). Ele não admitirá pecadores rebeldes no lar celestial. Por isso, nos manda aumentar a santidade no mundo e multiplicar o número de “santos” na terra. Um dos títulos do povo de Deus é “nação santa” (Êx 19.6), confirmando que, se Deus tem filhos na terra inseridos em sua Igreja, eles serão marcados pela santidade do “Pai” celestial.

 

O coração missionário de Deus revelado no Antigo Testamento

 

Examinemos alguns textos-chave da Bíblia para buscar as bases para missões e o propósito divino para a humanidade.

 

Gn 12.1-3

 

Esta passagem central no Antigo Testamento apresenta a chamada de Abraão, nosso pai na fé e tem importantes implicações para a obra missionária:

 

Disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.

 

Nesta passagem, que Jesus deve ter mencionado aos seus discípulos, temos uma dupla ordem: “Sai da tua terra” e “Sê tu uma bênção”. Abraão deveria sair para ser uma bênção e ser abençoado. Nele o mundo inteiro – todos os lugares, tribos, povos e nações – seriam abençoados. Cremos na Palavra de Deus e que essa promessa, ainda não concretizada inteiramente, irá se cumprir.

Existe algo mais interessante nesse texto. Qualquer contador, ou pessoa que trabalha com números, sabe que a soma de todas aquelas fileiras de cifras depende dos números que estão em cima. Ele sabe que se houver um erro em alguma dessas cifras, haverá um resultado errado na última linha. Esse princípio da matemática pode ilustrar e explicar por que o compromisso das igrejas com as missões é tão fraco.

O Brasil evangélico, até agora, enviou um número quase inexpressivo de missionários. Há menos de um missionário para cada 10 mil crentes. Estou convencido de que essa desproporção tem uma explicação razoável. Vejamos como se aplica à tarefa missionária. Como já vimos, se escrevemos números errados nas linhas de cima, a soma estará errada.

A passagem de Gênesis contém a promessa de que Deus há de abençoar a Abraão. Todos querem as bênçãos de Deus. Corresponde à linha de cima o “abençoarei”, mas se entendemos mal a linha de cima, a linha de baixo – “Sê tu uma bênção” para todas as nações (famílias) da terra – sairá errada. A bênção da promessa está diretamente ligada à obediência à ordem de ser uma bênção. Não dá certo buscar a bênção sem querer ser uma bênção. Todas as nações receberão as bênçãos prometidas a Abraão. A Palavra de Deus não pode falhar, mas primeiro é essencial que Abraão e seus descendentes pela fé sejam uma bênção. É inútil reivindicar bênçãos se não estamos abençoando os perdidos com a oferta do evangelho.

Receber benefícios da parte de Deus corresponde à linha de cima. Transmitir esses benefícios para os que não têm acesso à bênção abraâmica está diretamente vinculado às bênçãos recebidas. A bênção da salvação, a linha de cima, implica a responsabilidade de ser uma bênção, de compartilhar essa salvação com os que não têm acesso ao evangelho.

 

Gn 50.15-21

 

A história de José, em Gênesis 50, revela o mesmo princípio. Seus irmãos estavam preocupados com o fato de que José, agora exaltado com plenos poderes no Egito, retribuísse o mal que sofreu.

 

Vendo os irmãos de José que seu pai já era morto, disseram: É o caso de José nos perseguir e nos retribuir certamente o mal todo que lhe fizemos. Portanto, mandaram dizer a José: Teu pai ordenou, antes da sua morte, dizendo: Assim direis a José: Perdoa, pois, a transgressão de teus irmãos e o seu pecado, porque te fizeram mal; agora, pois, te rogamos que perdoes a transgressão dos servos do Deus de teu pai. José chorou enquanto lhe falavam. Depois, vieram também seus irmãos, prostraram-se diante dele e disseram: Eis-nos aqui por teus servos. Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim, os consolou e lhes falou ao coração.

 

Está bem claro no texto que a bênção na vida de José, depois de muitas maldições, não deveria ser limitada a ele próprio. A grande bênção que recebeu (a linha de cima) teria de implicar a bênção de sua família e muitos milhares de vidas salvas. A revelação que José recebeu sobre os anos de prosperidade e sobre a fome no Egito mostrou que Deus tinha um propósito central para sua vida. Deus o abençoou para que ele pudesse abençoar outras pessoas. A linha de cima – os benefícios recebidos – implica a linha de baixo – a concessão de benefícios aos que não os possuem. Deus nos revelou algo muito mais precioso, uma revelação mais importante que a recebida por José. A questão é: por que Deus tem abençoado a sua vida? A razão bíblica é a preservação de vidas para a eternidade na gloriosa presença de Deus. Se nos interessamos apenas em receber a bênção da salvação, sem passá-la adiante, estamos contrariando o propósito de Deus. Desprezamos a prioridade divina.

 

Dt 4.5-8

 

Aqui Moisés mostra também as duas linhas, as bênçãos decorrentes de ser o povo escolhido e a responsabilidade de abençoar as nações:

 

Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o Senhor, meu Deus, para que assim façais no meio da terra que passais a possuir. Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente. Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?

 

Imagine se o Brasil estivesse na posição de Israel prevista nesse momento histórico. Se as leis escritas e assinadas pelo presidente fossem leis criadas na mente de Deus e passadas diretamente aos deputados em Brasília, como o país estaria bem! Imagine se o Brasil, como o Israel antigo, em vez de pensar em problemas e dívidas internacionais, pudesse dobrar os joelhos e usufruir a bênção notável de empregos para todos, de estarem os meninos de rua recebendo o devido cuidado. Imagine a bênção de saber que os órfãos estão sendo nutridos com as verdades de Deus. Imagine um Brasil que não precisasse cuidar de suas fronteiras nem combater o tráfico de drogas. Pense em ter Deus tão próximo a proteger a nação: não seria preciso gastar dinheiro com o Exército e nem com policiais. Leis falhas e interesseiras, feitas por homens, seriam substituídas por leis divinas e perfeitas. Beneficiado por essas leis e pela proteção divina nas crises, em resposta às orações do povo de Deus, o Brasil seria um país invejável. Foram essas bênçãos, segundo o texto de Deuteronômio, que Deus ofereceu a Israel.

Qual seria o efeito dessas bênçãos (a linha de cima) sobre os países vizinhos? O próprio texto responde. Seria um forte efeito missionário com seus benefícios. As nações vizinhas buscariam ao Senhor e seguiriam suas leis (a linha de baixo). Aprenderiam a viver bem imitando o Brasil e obedecendo às leis criadas no céu. Buscariam ao Deus único e ao seu Reino para obter as bênçãos desfrutadas pelo Brasil.

Vejo um país que tem grande interesse em ser um país evangélico. Existem até previsões de que em poucos anos o Brasil será do Senhor, mesmo antes de sua vinda. Não sei se podemos realmente esperar uma bênção tão grandiosa, mas se acontecer não será surpresa se os países vizinhos vierem buscar a mesma bênção (a linha de baixo).

Houve uma época em que um país foi extraordinariamente abençoado. Esse país foi fundado no século XVII. Os fundadores fugiram da Inglaterra para estabelecer uma nação em que Deus seria honrado e haveria liberdade de consciência. As bênçãos de Deus caíram sobre os Estados Unidos. Houve um tempo em que as crianças podiam sair de casa sem perigo. Não havia meninos de rua. As chaves ficavam dentro do carro, sem que fosse preciso trancar as portas.

As casas ficavam abertas sem muros ou sistemas de alarme. Não se pensava em violência nem se falava em drogas. Homicídio era uma raridade. Hoje não é mais assim. Esse país mudou, depois que abandonou a maioria dos princípios que garantem a bênção. A preocupação com a evangelização de todos os povos diminuiu.

Quando Jimmy Carter estava na presidência, um amigo foi convidado para falar num congresso de missões nos Estados Unidos da América. Cerca de 4 mil pessoas esperavam atentas a palavra do pastor Greg Livingstone (hoje diretor de uma missão no norte da África).

Concederam-lhe um minuto para falar. Ele foi à frente e fez a seguinte pergunta: “Quantos de vocês estão orando pela libertação dos 52 americanos sequestrados no Irã?”. Os mais velhos lembram-se da grande preocupação causada pelo sequestro daqueles americanos. Quase todas as mãos se levantaram no auditório, indicando a preocupação generalizada. Em seguida, fez outra pergunta: “Quantos estão orando pela libertação de 52 milhões de iranianos das algemas de Satanás?”. Os braços foram abaixando até não restar mais que um ou dois em toda aquela multidão. Meu amigo sentou-se, sem utilizar todo o seu minuto, dizendo: “Percebo que vocês são mais americanos que cristãos!”. Ficou claro que ele falava das duas linhas.

Aqueles milhares de pessoas preocupavam-se apenas com a linha de cima. Sabiam de quem e em que nome podiam pedir a libertação dos sequestrados, mas não tiveram a preocupação de pedir a libertação de 52 milhões de seres humanos algemados espiritualmente.

Quero deixar assentado, primeiramente em meu coração, depois no do leitor, que a linha de baixo depende de entendermos a razão pela qual Deus abençoa nossa vida. Se não recebi bênção alguma, tudo bem. Se não ganhei nada de Deus, ele não cobrará nada de mim. No entanto, se Deus tem nos abençoado de alguma maneira especial e se ele nos tem dado conhecimento da verdade de sua Palavra, com o resultado de que podemos viver e morrer felizes, temos de levar a sério a linha de baixo.

 

Sl 67.1, 2

 

Mais um texto confirma a tese desta mensagem. O salmo 67 mostra as duas linhas de maneira notável. Quantos se esqueceram de orar hoje? Quantos têm coragem de admitir isso? Provavelmente, a maioria orou. E quem não pediu qualquer bênção? Sabemos que é raríssimo orar sem pedir pelo menos uma bênção.

Animou-me bastante notar que em Sl 67.1,2, Deus não condena a prática de pedir bênçãos. Esse salmo fala de bênçãos, mas não exatamente de prosperidade:

 

Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto; para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação.

 

Meditando, perguntei para mim mesmo o que teria acontecido se a nação israelita, receptora original dessas palavras inspiradas, tivesse dado prioridade a esse texto. Como seria diferente a história da humanidade se Israel tivesse dado valor à linha de baixo e estabelecido como o mais importante alvo de sua existência abençoar a todos os árabes! O mundo tem mais de um bilhão de muçulmanos. Israel é apenas uma pequena ilha num oceano inimigo de muçulmanos. Se, em vez de se preocupar com a própria segurança, Israel tivesse pedido a bênção de Deus para os muçulmanos, a fim de que conhecessem os caminhos do Senhor, como seria diferente a história atual! Provavelmente, milhares de pessoas estariam vivas, e famílias inteiras, ainda unidas. As torres gêmeas não teriam caído em Nova York, soterrando quase 3 mil pessoas.

Quase todos os dias morrem vítimas do ódio em Israel. Parece que Israel formou sua nação para buscar a própria segurança, em vez de abençoar os povos vizinhos. Não é meu propósito lançar críticas contra ninguém, mas esse salmo não deixa dúvidas quanto ao propósito de Deus. Paremos um instante para refletir. Qual é minha preocupação maior na vida? A resposta de todos nós é a mesma. Ser abençoado por Deus. Quero que ele abençoe minha família, os filhos, os netos, a esposa, o trabalho, a situação financeira. É isso o que mais importa. E Deus não despreza tais petições, porém não estaremos glorificando a Deus se dermos prioridade à linha de cima e ignorarmos a linha de baixo.

Jesus, pouco antes de sua exaltação, declarou aos discípulos que a bênção de os povos gentios conhecerem os caminhos do Senhor deve ser o foco de seu ministério. Em Jerusalém, na Judeia, em Samaria e até os confins da terra, eles seriam testemunhas da graça de Deus que salva. Quero encerrar afirmando algo sobre nossa nação. Os irmãos sabem que a teologia predominante no Brasil é a chamada “teologia da prosperidade”. É quase certo que o pregador que conseguir convencer brasileiros – evangélicos, católicos, espíritas e mesmo pessoas sem religião – de que possui poder para liberar bênçãos como saúde, emprego, salário maior e paz na família será “bem-sucedido”. Quem promete abençoar o povo material e socialmente está fadado ao “sucesso”. Contudo, quero enfatizar que é uma distorção do evangelho, pois não há interesse prioritário na linha de baixo. As promessas da antiga aliança, que abençoaram Israel materialmente, tinham o propósito de persuadir os povos a adorar e obedecer a Deus na totalidade de sua existência.

Quais são as promessas da nova aliança? Cristo voltará quando todas as nações tiverem ouvido que Cristo é o único caminho para Deus. Ele é o único Salvador. O descaso para com a obrigação missionária, em razão do interesse voltado para esta vida, demonstra pouco compromisso com a vida vindoura. Não se fala muito sobre o investimento no destino final.

A busca pelo poder do Espírito como forma de obter alívio, conforto e bem-estar, em vez de testemunho e proclamação, está em desacordo com o propósito central de Deus. A teologia da prosperidade destaca o ter, e não o ser. A lei da nova aliança deve ser interna. “Esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33). Não é a vontade de Deus que busquemos os benefícios do Reino de Deus sem dar prioridade ao próprio Reino. Os benefícios ilimitados de Deus virão no Milênio, mas poucos querem esperar um futuro distante e pouco almejado.

O resultado dessa distorção pode ser percebido no desinteresse em conhecer a Palavra de Deus. Há também quase nenhum interesse pela exegese, pela hermenêutica, pelo discipulado e pelo estudo da Palavra. Busca-se a experiência, e não o Senhor das experiências. Parece uma diferença sutil, mas é importante. O Espírito Santo é apresentado mais como fonte de poder que como pessoa divina que glorifica ao Senhor Jesus (Jo 14.13). A ênfase exagerada sobre o indivíduo desvia nossa atenção da comunhão e da responsabilidade mútua da igreja (1Pe 2.9, 10).

Não é certo omitir a ênfase sobre a obrigação e destacar apenas a motivação do amor que produz a alegria no Senhor (1Co 13.1, 4, 5).

É muito comum omitir-se a proclamação da teologia bíblica acerca do sofrimento. Nesse caso, onde se encaixaria a cruz de Cristo ou as condições do discipulado? “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz [diariamente] e siga-me” são palavras pouco ouvidas, mas foram pronunciadas por Jesus. Buscar os dons e manifestações do poder de Deus em benefício próprio, e não em benefício do Corpo de Cristo é mais um desvio do propósito bíblico revelado na Palavra. Todas essas aberrações e distorções, até o ponto em que caracterizem a igreja brasileira, mostram preocupação com a linha de cima, e não com a de baixo. Para o Brasil se tornar um verdadeiro celeiro de missões, é necessário que haja uma mudança de paradigma. Como Israel, no período do Antigo Testamento, teve a oportunidade de influenciar o mundo ao seu redor em prol do Deus único, cumprindo suas leis e demonstrando um amor profundo pelo Senhor, temos o desafio de realinhar nossas prioridades. Se genuinamente nos preocuparmos com a linha de baixo, isto é, que o evangelho seja proclamado e vivido entre todos os povos, a bênção gloriosa cairá sobre nós. Paulo assim se refere a esse futuro: “Para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus [...] para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.18, 19, 21).

 

Fonte: Artigo extraído do livro Perspectivas no Movimento Cristão Mundial

http://www.vidanova.com.br/teologiadet.asp?codigo=134